- Recomeçando escrita por HungerGames


Capítulo 48
Capítulo 48




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3 anos depois...
A manhã começa agitada, enquanto Katniss está terminando de arrumar Pérola para a volta as aulas, eu ainda tento fazer Pyter sair da cama para seu primeiro dia, o problema não é ele acordar cedo por que isso ele já é acostumado, o problema é ir pra escola.
– Você não vivia dizendo que queria ir pra escola? Então agora você pode - eu falo tentando puxar ele pra fora da cama.
– Eu não quero mais - ele insistiu e cobriu o rosto com o travesseiro, eu puxei o travesseiro.
– Mas você vai! Ta decidido! Levanta - eu falo e me levanto ficando em pé de frente pra ele, que fecha os olhos pra me ignorar, então eu resolvo partir pra parte mais decisiva, já perdemos tempo demais - Levanta! AGORA! - eu exijo com a voz mais firme, ele abre os olhos e me olha com atenção e surpresa - Eu não quero ter que repetir - eu falo sério e dessa vez ele joga as pernas pra fora da cama e num impulso fica em pé - Banho - eu falo apontando o banheiro e ele me olha pronto pra discutir mas quando eu cruzei os braços olhando pra ele seja lá a reclamação que viria ele desiste e anda meio que se arrastando pro banheiro, eu vou logo atrás dele e ele já esta tirando o pijama e largando pelo caminho, entra no box e como ele ainda não tem altura eu ligo o chuveiro, ele entra debaixo da água fazendo uma careta mas sem reclamar, pra adiantar eu o ajudo e em poucos minutos eu já estou terminando de colocar o tênis nele, a calça azul escura e a blusa branca de gola caem perfeitamente nele, então do nada ele simplesmente me olha de forma curiosa e solta a ultima pergunta que eu imaginei escutar dele.
– Pai, eu posso ter uma perna igual a sua? – eu paro minha mão no tênis dele e o olho surpreso e confuso.
– O quê?
– Se eu posso ter uma perna igual a sua! – ele repete e passa a mão pela prótese que está coberta pela calça mas que ele já tinha visto varias vezes.
– De onde você tirou isso? – eu pergunto ainda digerindo essa pergunta, ele deu de ombros.
– É legal – ele fala como se isso fosse uma grande explicação, eu acabo rindo.
– Sinto muito mas não! Você não pode ter uma dessas – eu falo ainda rindo pela ingenuidade dele, seu sorriso se fecha e ele me olha decepcionado.
– Por que não? Nem quando eu ficar grande? – ele não se conforma.
– Eu espero que não – eu falo mas ele parece não entender – Olha Pyter eu não tenho uma dessas por que é legal – eu falo e ele parece confuso – Eu machuquei a minha perna, machuquei de verdade e muito! Doeu mil vezes mais do que uma injeção – eu falo comparando e ele parece surpreso – Foi por isso que eu ganhei um dessas, pra que eu não sentisse tanta dor, entendeu? Não é por que é legal – eu concluo e ele leva alguns segundos digerindo a história.
– Mas ela é legal – ele conclui assim mesmo e eu sorrio.
– Mas você não terá uma dessas – eu falo e me levanto.
– Pentear esse cabelo - Katniss avisa entrando no quarto, e ele passa as mãos bagunçando ainda mais a confusão de fios negros que crescem a cada dia.
– Eu gosto assim - ele fala e o cabelo está todo bagunçado, Katniss o olha reprovando e se aproxima com um pente, que logo passa pelos fios de cabelo fazendo eles se acalmarem e caírem pela testa dele, ele quase revira aqueles brilhantes olhos azuis pra ver os fios na testa dele e passa os dedos afastando e ela novamente o olha reprovando.
– Pronto - ela fala e o olha de uma forma geral.
– Eu não quero ir - ele anuncia batendo o pé.
– Anda Pyter, vamos - ela fala ignorando ele e apontando a porta do quarto que ele passa ainda batendo o pé, ela solta o ar cansada.
– O gênio da mãe - eu falo quando ela passa ao meu lado, e quando ela ia provavelmente revidar, eu beijo sua boca de surpresa - E eu amo isso - eu completo e ela sorri mas balança a cabeça reprovando, nós descemos e Pérola já está na cozinha terminando seu copo de leite, arrumada, penteado e com seu sorriso a postos, Katniss serve um copo de leite pra ele.
– Eu quero suco - Pyter fala afastando o copo na mesa.
– Pyter bebe o leite - ela fala empurrando o copo pra ele de novo.
– Eu não quero - ele repete o gesto - Quero suco – ele afirma cruzando os braços e Katniss passa as mãos no cabelo tentando respirar fundo, dessa vez sou eu quem pego o copo de leite e seguro entregando a ele que me lança um olhar rápido então pega o copo e em goladas rápidas termina e o devolve pra mesa vazio.
– A gente vai se atrasar - Pérola fala em pé e ansiosa pra voltar a escola, ela esta com oito anos e não é por que ela é minha filha não, mas, é a garota mais linda que eu já vi, seus olhos cinzentos se destacam com os detalhes mais delicados do seu rosto, seu sorriso sempre encantador parece nunca abandonar seus lábios e cada dia que passa ela se parece ainda mais com Katniss embora os cabelos loiros destoem dos de Katniss, eles estão presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça, a saia azul escura igual a calça do Pyter acompanha também uma blusa branca, ela coloca o copo na pia e pega a mochila colocando-a no ombro.
– Isso tudo é pressa em se livrar de mim? - eu pergunto fingindo magoa, ela aumenta o sorriso e se aproxima de mim, seus braços envolvem minha cintura e ela me abraça encostando a cabeça no meu peito e então levanta o rosto pra me olhar.
– Você tem que cortar o cabelo - ela avisa ficando na ponta do pé pra mexer nos meus fios com a ponta dos dedos, e os fios assim como os do Pyter já caem pela minha testa, eu sorrio e beijo a testa dela.
– Bom dia pra você também - eu falo também a abraçando, ela ri.
– Bom dia - ela fala enquanto eu a balanço no meu abraço.
– Eu posso ir de bicicleta? - Pyter pede já que ele ganhou uma no último aniversário, Katniss parece na dúvida e me olha procurando uma resposta.
– Sem correr na frente e obedecendo quando for pra esperar? - eu pergunto e ele revira os olhos do mesmo jeito que Katniss faz, mas concorda, Pérola me libera e eu vou até ele e o aperto em meus braços sacudindo e ele acaba rindo - Tão pequeno e tão marrento - eu falo e ele ri mais ainda, eu o levanto da cadeira segurando no meu colo, mas ele já está pesado e eu já estou ficando velho então logo o coloco no chão, mas o resultado é um cabelo meio bagunçado e Katniss reprova isso.
– Endireita esse cabelo - ela fala já passando os dedos pelo cabelo dele.
– Só os manés penteiam o cabelo - ele fala se esquivando da mão dela e ela para surpresa, eu também estou, mas nem preciso perguntar onde ele aprendeu isso, apenas uma pessoa faria isso, e como se fosse a deixa dele, Haymitch entra pela cozinha com os pés arrastados, os anos estão pesando cada vez mais, agora além da sua barriga, as rugas e claro, o mau humor de sempre, ele anda meio que arrastando os pés por que se recusa a usar uma bengala, segundo ele é coisa de velho, e ele não acha que é um.
– Vô - Pyter corre e se agarra nele fazendo ele cambalear e se apoiar na cadeira.
– Garoto - ele cumprimenta passando as mãos pelo cabelo dele e bagunçando ainda mais.
– Eu acabei de pentear o cabelo dele - Katniss reclama, então eles se olham fazendo a mesma careta, Haymitch estica um braço chamando Pérola que olhava eles dois - Não fala mais com seu avô? - ele pergunta olhando pra ela que mesmo parecendo enciumada sorri e vai até ele se encaixando no seu abraço, ele beija a bochecha dela - Como você consegue ficar mais linda a cada dia? - ele pergunta fazendo uma cara confusa que libera um riso tímido dela.
– Do mesmo jeito que você nunca consegue fazer a barba - ela fala e passa os dedos pelos pêlos na bochecha dele, ele ri satisfeito e volta a beijar, agora sua testa.
– Então eu estou mesmo sendo abandonado? - ele fala olhando para eles dois que continuam agarrados nele.
– Eu não queria ir - Pyter fala e me olha - Eu queria ficar com você - ele volta a olhar pro Haymitch que mesmo sorrindo satisfeito, nega.
– Mas você tem que estudar! Como vai ler e escrever? - ele pergunta afastando ele e o olhando.
– Você lê pra mim - ele fala dando de ombros - E o papai! E a mamãe! E a Pérola - ele fala sem se importar e eu acabo rindo da inocência dele.
– E se for a carta de uma garota bonita? Todo mundo vai ler? - ele pergunta e isso faz ele pensar.
– Pode ler - ele conclui dando de ombros e dessa vez Haymitch ri.
– Você diz isso agora! - ele fala rindo e bagunçando o cabelo dele - Quando vocês chegarem nós cuidamos dos Nansos - ele fala pra tranquilizar ele.
– Você vai me esperar? - ele pergunta desconfiado.
– Nao faço nada até você chegar - ele garante e minha atenção se volta pra Pérola que fecha o sorriso e se separa do Haymitch mas ele parece não notar.
– A gente já pode ir? - ela pergunta parando impaciente na porta da cozinha.
– Claro! Vamos Pyter - eu concordo e ele se solta do Haymitch pegando a mochila que ele havia largado no chão e sai correndo anunciando que vai pegar a bicicleta, nós saímos de casa e como hoje é o primeiro dia dele Katniss vai conosco, não que ela esteja contente com isso mas ela nos acompanha, Pyter monta na bicicleta e segue na frente pelos cantos, Pérola também pega a bicicleta dela e o segue lado a lado.
– Ele tá demais e... Só tem cinco anos - Katniss fala enquanto olha pra ele, eu sorrio.
– Ele tem um gênio forte - eu falo rindo e passo meu braco pela sua cintura puxando ela pra mim mas ainda caminhando - Muito parecido com o da mãe - eu completo e beijo logo acima da sua orelha, ela me olha mas parece preocupada.
– Isso não é bom - ela fala repreendendo meu sorriso - Enfim... Se parecer comigo! Isso é... Ruim - ela explica e eu fecho o sorrio e a olho sério.
– Nunca mais repete isso - eu falo sério e ela me olha com atenção - Isso não é ruim! - eu afirmo – Talvez seja um pouco trabalhoso - eu acrescento quebrando o clima pesado e sorrio, ela também acaba liberando um sorriso - Ele tem uma personalidade forte! Só isso! Mas ele é um ótimo garoto - eu falo e nao é nenhuma mentira, ele é mesmo um garoto incrível, mesmo com esse jeito ele é carinhoso e disponível, animado e um ótimo irmão, bem, quando ele não está brigando com Pérola.
– Eu sei - ela confirma e olha pra eles dois de um jeito sonhador, nós alcançamos a escola e eles param com a bicicleta perto do portão, Hazel, Ian e mais duas meninas logo correm e se aproximam de Pérola rodeando ela e ignorando Pyter e ela que mesmo podendo sair logo com eles faz questão de segurar a mão do Pyter e o colocar no meio deles mesmo que sejam mais velhos, eu sorrio vendo essa cena, mesmo com as brigas eles sempre cuidam um do outro e eu me sinto satisfeito vendo-os.
– Olha - eu falo e aponto eles, Katniss os olha e sorri e pelo seu olhar está pensando o mesmo que eu, então Hannah, a filha mais nova de Gale que é apenas alguns meses mais nova que Pyter também se junta a eles, o grupo dos mais velhos os inclui e antes de entrarem na escola acenam e se despedem mandando beijos no ar, eu e Katniss voltamos levando as bicicletas, deixamos na padaria já que eu vou buscar eles daqui e tenho certeza que eles irão querer, alem do mais Katniss está indo para uma reunião do projeto e não para casa, nós nos despedimos na porta da padaria e ela segue o caminho enquanto eu dou a volta e prendo as bicicletas nos fundos, entro e começo o trabalho e no meio da correria da manhã Rory chega com um sorriso grande demais e anuncia que será papai, e como sempre, há uma festa na cozinha, abraços, risos, apertos de mãos e conselhos para aproveitar as noites agora, Benny como sempre é o mais animado e dramático dizendo que mesmo hoje com Keyse já com 4 anos ele mal consegue dormir direito.
– Isso por que ela é filha da Grace - eu falo implicando com ele que ri.
– Ela precisa de umas aulas com a Pérola - ele fala fazendo uma cara sofrida.
– Ela também tem seus momentos - eu falo rindo, por que mesmo Pérola tendo uma personalidade mais calma, ela também pode ser difícil de lidar, mas isso não é um problema, eu os amo, com tudo isso ou melhor, por causa de tudo isso, eles são a mistura minha e da Katniss e isso é...maravilhoso. Então depois das comemorações e conselhos começamos a trabalhar de novo, as horas passam rápidas e quando dá o horário vou buscar eles, levando as bicicletas comigo, quando chego a escola as crianças estão começando a sair, e no meio de todas elas eu vejo eles dois de mãos dadas olhando ao redor, Pyter me vê primeiro e acena se soltando da Perola e correndo na minha direção, ela ainda esta se despedindo dos colegas quando ele me alcança.
– E aí? - eu perguntei vendo a animação dele que antes era irritação.
– ô pai tem um monte de criança na minha sala - ele fala impressionado, eu rio, eles nao são muito de saírem por aí, tirando os filhos do Gale, Delly e Benny ele não tinha contato com outras crianças e está entusiasmado com isso, eu entrego a bicicleta dele e ele monta mas aguarda enquanto Perola nos alcança.
– Pai, você tem que ver uma coisa - ela fala já tirando a mochila do ombro.
– Depois! Quando chegar em casa você me mostra! - eu falo já entregando a bicicleta dela.
– Mas pai... - ela tenta me convencer mas monta na bicicleta.
– Eu vou ganhar - Pyter fala e isso a distrai, ele sai na frente.
– Cuidado - eu aviso quando ele atravessa a rua que passa os carros, Pérola logo se junta a ele - Devagar - eu alerto e eles seguem mais devagar porém ainda tentando ultrapassar um o outro, eles chegam a Aldeia primeiro que eu mas param logo na entrada em mais uma discussão.
– Pai, quem chegou primeiro? Nao foi eu?! - Perola pergunta assim que eu me aproximo, Pyter rebate.
– Não sei! Mas quem chegou primeiro arruma os quartos amanha - eu falo e eles param de falar na hora e se olham.
– A gente chegou junto - ela fala e Pyter concorda, eu não consigo segurar a risada, ao menos nessas horas eles ficam do mesmo lado.
– Anda! E sem reclamações .... quando entrar em casa quero os dois indo tomar banho - eu aviso e passo por eles, que seguem de bicicleta - E guardem elas lá nos fundos - eu aviso e eles se vão, eu entro em casa e Katniss já esta na cozinha, o cheiro da carne invadindo a casa - O cheiro esta bom - eu falo e entro na cozinha indo ate o fogão e destampando a panela.
– Cadê eles? - ela pergunta enquanto arruma a mesa.
– Guardando a bicicleta - eu falo e me aproximo dela, passo meu braco pela sua cintura e beijo logo abaixo da sua orelha e ela se vira de frente pra mim, e mesmo que eu tentasse me controlar seria impossível quando ela esta tão perto de mim, por isso eu a beijo, deixando nossas bocas se encaixarem e se completarem como sempre, mas um barulho que vem do quintal nos faz parar.
– Pyter - ela fala sem surpresa já imaginando quem é o culpado, eu dou uma risada mas nao posso negar, ao invés disso eu saio pela porta da cozinha que da nos fundos, encontro Pyter e Pérola olhando para as bicicletas caídas no chão, uma por cima da outra.
– Foi ele!
– Foi ela!
Eles falam juntos e apontando um pro outro.
– Nao interessa quem foi! Levantem e guardem - eu aviso me aproximando alguns passos deles, Pérola nao discute e logo se abaixa pra pegar a dela, Pyter ainda tenta se justificar mas quando eu nego com a cabeça ele também pega a dele e segue até o canto guardando junto com a da Pérola - Viram?... Simples - eu falo e deixo que eles passem na minha frente entrando pela cozinha.
– Pai, eu posso ir de bicicleta todo dia? - Pyter pergunta já passando pela porta.
– Se você merecer...- eu falo dando de ombros, nós entramos na cozinha e Katniss esta terminando de arrumar a mesa.
– Já ta pronto! Vão logo tomar banho - ela anuncia.
– Ah perai! Olha só isso! - Pérola fala animada e praticamente cai de joelhos no chão jogando a mochila na sua frente e abrindo ela de um jeito animado e ansioso.
– Pérola depois a gente vê - Katniss pede mas ela nao da ouvido.
– É rapidinho - ela fala e tira o caderno jogando no chão - A gente ganhou hoje - ela anuncia e eu me viro pra olhar pra ela, temendo por algo que está sendo a maior preocupação em relação a escola, então quando ela o puxa da mochila eu entendo e confirmo minhas suspeitas, a visão do livro preto de capa dura e que esta com o mesmo simbolo do broche de Katniss dourado na frente me faz prender a respiração por alguns segundos.
– Pérola por que você... - mas já era tarde pra tentar mudar, ela levantou num pulo e abriu o livro que provavelmente já estava marcado.
– é você e o papai! Olha... - ela se aproximou de Katniss que estava de costas pegando os pratos.
– Que? - ela perguntou despreocupada antes de se virar e então depois que se virou era como se tudo estivesse passando devagar diante dos meus olhos, quando Katniss se virou e viu o livro na mão da Pérola com nossa foto nele, os pratos que ela segurava simplesmente acabaram no chão se multiplicando em centenas de pedaços menores, o susto fez Pérola dar um pulo para trás, Pyter que estava na sala voltou correndo pra olhar a cena e eu continuei parado temendo que um único movimento piorasse tudo.
– Mãe o que.... - mas Pérola também não conseguiu fazer a pergunta, Katniss avançou pisando nos cacos de vidro e praticamente arrancou o livro das mãos dela que foi pega de surpresa mas como não tinha como entender a gravidade da situação, ela apenas continuou a falar - A gente ganhou hoje! E tem foto sua e do papai sozinhos também. Tem até do tio Gale... Ah e do vovô - ela fala entusiasmada.
– Legal – Pyter acrescentou avançando mais um passo para dentro da cozinha, mas Katniss apenas desvia o olhar do livro pra me encarar com medo, descrença e mais muitas coisas juntas.
– Deixa eu ver - Pyter pediu já se aproximando dela.
– Não - Katniss falou alto e séria embora sua voz tenha tido uma leve falha, sua postura era firme como uma rocha, o que era estranho quando eu sabia que era exatamente o contrário.
– Katss.. - eu falei calmamente e dei um passo em sua direção, ela recuou já prevendo meu próximo passo.
– Não Peeta, eu não vou ficar calma - ela se adiantou em falar e agora sim sua voz soou desesperada e transtornada - Você me disse que isso ia demorar. E olha isso? Você ta olhando Peeta? - ela gritava enquanto abria o livro com força me forçando a olhar nossos rostos ali, eu tentei ler a frase que seguia a foto mas ela não me deu tempo e começou a passar as páginas como se estivesse procurando algo mais.
– Você vai amassar - Pérola falou preocupada e se aproximou dela pra pegar o livro mas Katniss recuou.
– É exatamente isso que eu vou fazer - ela falou como se tivesse tido alguma ideia importante, então antes que eu fizesse algo ela começou a rasgar e a amassar as páginas.
– Não - o grito de Pérola me despertou e eu tentei pegar o livro de volta.
– Katniss não faz isso! Para - eu tentei mais ela continuava a se esquivar me empurrando com seu corpo e arrancando as folhas, a essa altura Pérola já estava chorando e implorando que ela parasse mas nada fazia efeito e eu sabia que nada a faria parar, as paginas eram arrancadas com ódio, nojo, revolta e todos os sentimentos ruins que ela poderia ter, eram amassadas e jogadas no chão.
– Eu sabia que isso era um erro - ela falou depois de jogar o que restou do livro no chão junto com os cacos de vidro que se espalharam ainda mais e embora ela estivesse com lagrimas escorrendo pelo rosto a raiva que ela tinha era maior que qualquer outra emoção ou sentimento - Você não volta pra aquele lugar - ela avisa com o dedo apontado pra Pérola que chorava cada vez mais - Nunca mais - ela afirma e me olha diretamente, seu olhar é duro e frio e mesmo assim alguma parte minha só conseguia querer confortá-la, mas ela não deu tempo pra isso, ela passou por mim com raiva e rápido demais apenas pra sumir de vista um passando pela porta, essa hora o choro da Pérola já era acompanhado de soluços e dessa vez quando ela se ajoelhou no chão de novo não tinha nenhum pingo daquela animação da primeira vez, ela pegou uma das paginas rasgadas e logo ela estava molhada com as lagrimas dela, ver ela assim me dilacerava de uma forma que ninguém antes conseguiu, tudo que eu sempre quis evitar era que ela sofresse, chorasse e era o que eu estava vendo ali, por isso eu me apressei e fui ate ela, eu já não conseguia mas pegar ela colo por isso me ajoelhei junto com ela.
– Vai ficar tudo bem... Tudo bem! Eu prometo ok? - eu falava enquanto passava os dedos pelo cabelo dela e a puxava pra mim, ela se jogou em meu colo com um choro ainda ferido demais, eu me deixei cair sentado e a coloquei no meu colo, quando olhei pra frente Pyter estava nos olhando assustado e perdido, eu estiquei a mão pra ele e ele negou com a cabeça mas se aproximou parando a alguns passos, eu balançava Pérola no meu colo tentando acalmá-la.
– O que eu fiz? - sua voz quase não saia se misturando aos soluços.
– Nada meu amor, você não fez nada - eu garanti abraçando ela e tentando confortá-la.
– Mas a mamãe ficou com raiva - ela parecia tentar entender onde tinha errado mas não tinha nada a ver com ela e ainda assim eu não sabia como explicar.
– Pérola olha pra mim... - eu pedi levantando o rosto dela pra me olhar - Você não fez nada! Nada mesmo! Isso é....complicado! Mas não é culpa sua, ta bom? - eu falei olhando nos olhos dela, mesmo ainda chorando ela confirmou com a cabeça.
– Mas eu... quero ir... pra escola pai! Eu quero ver meus amigos - ela falou entre soluços tentando enxugar as lagrimas com as mãos.
– E você vai! Eu prometo! - eu falo segurando o rosto dela entre as minhas mãos, com os dedos eu enxuguei as lagrimas que ainda desciam - Você não tem que se preocupar com isso - eu garanto mas ela nega.
– A minha tia vai brigar comigo! Ela falou que não pode estragar o livro - ela falou olhando pra pagina amassada que ela ainda segurava.
– Eu cuido disso - eu afirmo e beijo sua testa de forma demorada, ela aperta os braços no meu corpo afundando a cabeça no meu peito, o choro dela já havia parado e aos poucos ela se acalmava quando o grito do Pyter a substituiu, eu virei a cabeça rápido demais e vi quando ele encolheu a mão rapidamente juntando e apertando ela na sua barriga, seu olhar e semblante de dor que me assustou ainda mais, Perola levantou o rosto do meu peito e o olhou com a mesma preocupação que eu, então la estava ela, esquecendo dela mesma e sendo uma irmã mais velha.
– É sangue - ela falou e deu um pulo do meu colo para cima dele - Ai meu Deus... Pai, o Pyter ta sangrando - ela repetiu quando alcançou ele e então eu vi a blusa branca se tornando vermelha, dessa vez eu mesmo me levantei rápido demais e fui ate ele, eu o peguei no colo examinando cada pedaço e então ele me mostrou a mão, na palma da mão bem próximo ao polegar um corte de aproximadamente uns três centímetros sangrava bem mais que o normal.
– O que você fez? - eu perguntei tentando manter a calma.
– Eu queria ver vocês e o vovô - ele explicou chorando e quando olhei pro chão a pagina suja de sangue e o vidro por cima dela me fizeram entender, com toda confusão por causa do livro ele quis saber o que era mas os cacos de vidro devem ter se misturado na bagunça, o choro dele aumentou e ele apertava o pulso com força.
– Calma! Calma - eu pedia mais não era só pra ele, era pra mim também, os gritos, os choros, o ataque de Katniss, tudo de uma vez, muita coisa pra processar e eu não podia falhar, não podia ficar nervoso e perder o controle, eles precisavam de mim, do pai deles e eles o teriam.
– Eu vou pegar a maleta - Pérola avisou se afastando.
– Não! - eu falei rápido e ela parou confusa - Não vai adiantar! - eu falei voltando a olhar o corte na mão dele, eu posso ainda não saber muito sobre medicina mas eu soube naquele exato momento que apenas uma maleta de primeiros socorros não ia adiantar - Pega a chave do carro! A gente vai no Hospital - eu falei e enquanto ela correu pra sala eu puxei um pano, coloquei Pyter sentado em cima da mesa e estiquei sua mão que ainda sangrava sem parar, eu enrolei o pano nela e fechei a mão dele que chorava e me olhava com medo.
– Eu não...não quero ir no Hospital! - ele falou limpando as lagrimas com a outra mão mas não conseguia parar de chorar.
– Mas nós temos que ir - eu falei e o peguei no colo de novo indo pra sala, Pérola já estava com as chaves e me entregou, quando nos viramos pra sair a porta abriu.
– Quem... - a frase que parecia animada parou assim que ele nos viu - O que aconteceu aqui? - ele perguntou com os olhos arregalados.
– O Pyter cortou a mão - Pérola se apressou em falar e eu não quis tempo pra explicações, passei por ele saindo de casa.
– Vem Pérola - eu chamei já indo pro carro, abri a porta de trás e já ia colocar Pyter ali quando Haymitch puxou a chave da minha mão.
– Eu dirijo - ele falou e eu não discuti, entrei na parte de trás com Pyter nos meus braços enquanto Pérola entrava pelo outro lado, assim que as portas bateram o carro saiu rápido demais mas pela primeira vez eu não reclamei, a dor do Pyter não me deixava pensar em mais nada, eu segurava sua mão tentando passar alguma especie de alivio ou quem sabe sugar sua dor pra mim, mas eu sabia que aquilo era impossível, mesmo assim eu fazia, beijava sua testa, seu cabelo, o apertava contra meu peito e implorava em pensamentos que a dor parasse, que tudo desse certo e que acabasse logo e que principalmente eu mantivesse o controle, isso tudo nos poucos minutos que levamos ate a entrada principal do Hospital, eu pulei pra fora do carro assim que ele parou, eu corri passando da recepção e indo direto para os corredores de atendimento, a mulher que me gritou pedindo que esperasse teve que me alcançar já em frente a sala de emergências.
– O senhor não pode... - ela começava a reclamar com uma voz estridente e nervosa.
– Meu filho ta sangrando! Onde ta o medico? - eu a cortei e parte da sua postura se quebrou mas ela parecia ainda perdida por isso não esperei que me respondesse e segui ate a outra porta, uma mulher saía de lá, era a medica deles.
– Peeta - ela falou meu nome surpresa.
– Ele cortou a mão - eu anunciei e aquele olhar preocupado e atencioso apareceu, eu coloquei a mão dele a frente e ela abriu a porta pra que eu entrasse e eu entrei como um raio, ela pegou ele dos meu braços e o sentou na maca e em poucos movimentos ela soltou o pano e começou examinar a ferida, sua cara não parecia nada boa.
– E então... - eu quase poderia a sacudir pra que ela dissesse algo.
– Vai ter que levar ponto - ela falou apertando os lábios ate formarem uma linha fina, Pyter que já estava parando de chorar, recomeçou.
– Ei amigão! Eu to aqui. Vai ser rapidinho - eu falei e queria acrescentar um "não vai doer nada" mas eu não começaria a mentir pra ele agora, antes que ele debatesse a confusão vinda do corredor fez a medica franzir a testa e pela voz eu sabia quem era, me afastei deles e abri a porta.
– Aqui - eu falei sinalizando com as mãos e Haymitch que já estava quase encurralando a mulher, ele se virou pra mim, Pérola correu e agarrou minhas pernas.
– Cadê o Pyter? - ela perguntou nervosa mas já entrando pela sala, eu a segui e ela foi até a maca com olhos preocupados, Haymitch entrou em seguida.
– Viu como você tem sorte de ter uma irmã que te ama tanto - a medica falou tentando animar Pyter, Pérola logo se colocou ao lado dele acariciando sua outra mão, a mulher foi até a porta disse algo pra alguém lá fora e voltou até um armário, retirou uma maleta maior do que a que temos em casa e colocou luvas, uma enfermeira apareceu e repetiu o processo, enquanto elas se preparavam Pyter as olhava assustado.
– Não precisa ficar com medo! O papai ta aqui - eu falei enquanto ele chorava olhando para a mão que embora tenha parado de sangrar agora mostrava a profundidade do corte.
– E depois nós vamos jogar bola e comer sorvete - Haymitch falou mexendo nos cabelos dele e mesmo com a suposta animação na voz dava pra perceber claramente o quanto ele também estava tenso e preocupado.
– E eu deixo você escolher a história de monstros hoje – Perola também fala na tentativa de alegra-lo, mas ele não desvia o olhar da mão, quando a medica e a enfermeira se aproximam, ela traz na mão uma seringa, a agulha quase brilha e então ele me agarra, passa os braços pelo meu pescoço e recomeça o choro e eu preciso de todo meu auto controle nesse momento, a visão da seringa e da agulha fazem meu estômago revirar, lembranças de uma agulha muito parecida com aquela me furando e me fazendo sentir todas aquelas coisas tentam dominar minha mente e eu preciso me focar nele pra não perder o controle.
– Não, pai, não! Eu quero ir embora – ele pede se recusando a me soltar e é o aperto dele em mim e seu rosto colado ao meu que me mantém aqui, nesse momento.
– Pyter calma! Vai ser rápido, tem que fazer o curativo – eu falo tentando soltar os braços dele do meu pescoço.
– Por favor – ele choramingou e me olhou nos olhos de um jeito que fez tudo em mim estremecer e eu confesso que se não fosse para o bem dele eu teria corrido dali com ele nos meus braços, mas obviamente eu não podia fazer isso – Eu quero a mamãe – ele pediu me olhando com aquele mesmo jeito, mas novamente eu não podia fazer nada, por que Katniss não estava ali, e eu nem ao menos sabia onde ela poderia estar.
– Daqui a pouco você vai ver ela! Mas antes tem que fazer o curativo – eu aviso e ele nega.
– Peeta, nós temos que fazer isso agora! Você vai precisar segurar ele – a médica alertou enquanto a enfermeira puxou uma cadeira, ela sinalizou pra que eu me sentasse, então com Pyter ainda agarrado no meu pescoço eu me sentei, ele se sentou no meu colo, colocando a perna de cada lado do meu corpo, o braço da mão boa ele agarrou no meu corpo e a outra ele deixou entre nós dois, como se estivesse protegendo ela, a médica teve um certo trabalho mas pegou a mão dele mesmo ele insistindo em fechar.
– Pyter, você é um garoto esperto e corajoso não é? Então eu preciso que você seja corajoso de novo! Só mais uma vez – ela pediu e ele levantou o rosto pra me olhar.
– Eu to aqui – eu falo beijo a testa dele, e ele abre a mão, ela começa uma rápida limpeza e então pega a seringa, e nessa hora foi ainda mais forte, eu tive que controlar todas as lembranças que insistiam em querer me dominar, a seringa no meu braço, as imagens turvas, mas eu não podia, não podia fraquejar agora, por isso tive que repetir várias vezes pra mim mesmo, “Meu filho precisa de mim, meu filho precisa de mim...’’ e foi essa frase repetida que me fez manter a razão, mas no momento que a agulha tocou a pele dele um grito escapou da sua garganta e ele voltou a chorar mais forte.
– Eu menti! Eu menti Pyter – Perola gritou por cima do choro dele – Você que ganhou a corrida hoje – ela anunciou e essa foi a única coisa que o fez desviar os olhos e encara-la, ele piscava forte e varias vezes tentando se livrar das lagrimas, eu passei meus dedos ajudando ele, e então ele já não estava mais gritando.
– Eu ganhei? – ele perguntou desconfiado.
– E eu perdi – ela conclui se aproximando dele e prendendo a sua atenção enquanto a médica continua o que tem que fazer e é impossível não me sentir orgulhoso, por que ela não perdeu, ela ganhou e mesmo assim ela abriu mão disso pra distrair ele.
– Pai, eu ganhei da Péla! – ele fala me olhando, os olhos avermelhados, inchados, as lagrimas marcadas no rosto mas um pequeno sorriso estava ali.
– Parabéns – eu falei forçando um sorriso e beijei a testa dele.
– Vô, eu ganhei da Péla – ele anunciou pro Haymitch que estava a alguns passos atrás da Pérola e logo se aproximou.
– Então temos que comemorar – ele fala e dá uma piscada pra ele.
– Eu posso tomar sorvete? – ele perguntou me olhando com ansiedade.
– Ah ele merece um sorvete – a médica disse já terminando o curativo e ele só parece lembrar agora, ela termina de prender a gaze com uma fita branca e sorri pra ele – Eu te pagaria um sorvete – ela fala brincando com ele e aperta a ponta do nariz dele que sorri.
– Só isso? – eu pergunto olhando para o curativo.
– Por enquanto sim! – ela fala e se levanta do banco que estava – Ele levou três pontos! Alguns cuidados tem que ser tomados! Evitar molhar, trocar o curativo, passar uma pomada que eu vou entregar pra você daqui a pouco e nada de forçar essa mão, ok? – ela fala e olha pra ele que confirma rapidamente mas depois parece se lembrar de outra coisa.
– Eu posso andar de bicicleta? – ele pergunta e ela faz uma careta.
– Por enquanto nada de bicicletas – ela fala e dessa vez ele que faz a careta.
Depois das recomendações, ela me entrega uma pomada que tinha no Hospital, e indica um remédio para caso ele sinta dor, tudo é prescrito e então quase uma hora depois de nossa chegada estamos saindo do Hospital, Pyter ainda no meu colo, meio sonolento, a cabeça apoiada no meu ombro e a mão com curativo no outro ombro, já estávamos entrando no carro quando ele lembrou do sorvete, então como já havia a promessa Haymitch dirigiu até a praça, nós aguardamos no carro enquanto ele e Pérola foram comprar, e quando voltaram trazendo o sorvete dele um sorriso inocente e realizado fez aqueles olhos azuis que agora estavam avermelhados quase desaparecerem, como ele ainda estava enrolado por causa da mão eu o ajudei a comer o sorvete, ficamos ali parados dentro do carro alguns bons minutos e quando Haymitch terminou o dele voltou a dirigir, em poucos minutos estávamos em casa, Haymitch entrou com a gente.
– Obrigado – eu falei quando ele parou do meu lado.
– O que aconteceu? – ele perguntou olhando pra cozinha onde a bagunça ainda estava lá.
– É uma longa história – eu falo sem querer tocar nesse assunto agora – Eu tenho que dar banho neles – eu completei segurando a mão da Pérola e com Pyter no colo, ele concordou sem mais perguntas.
– Você quer... ajuda? – ele pergunta sem saber direito o que fazer.
– Você já ajudou! Eu posso continuar daqui – eu falo e ele concorda, beija a testa do Pyter e da Pérola e então sai, eu subo com eles e vamos direto para o quarto deles.
– Pérola, coloca a banheira pra encher por favor – eu peço e ela logo vai pro banheiro obedecendo, enquanto eu coloco Pyter no chão, me sento na cama colocando ele sentado em uma perna, mesmo com a melhora do seu humor e um sorriso que surgiu por causa do sorvete ainda assim ele parece cansado e com dor, ele me olhou de um jeito que fez meu peito se apertar, eu o abracei e apertei meus braços dele querendo que qualquer dor ou incomodo simplesmente sumisse que tudo não tivesse passado de um sonho ruim, eu queria ele implicando e discutindo com Pérola, rejeitando qualquer coisa que eu falasse e correndo pela casa com toda aquela energia que nunca parecia esgotada, mas ali estava ele, com um olhar cansado, a cabeça apoiada no meu ombro e ele olhava para o curativo em sua mão, eu beijei o alto da cabeça dele sobre os fios negros e fiquei assim por alguns segundos.
– Cadê a mamãe? – ele perguntou levantando o rosto pra me olhar e pela primeira vez ao ouvir o nome dela não foi um sorriso que quis aparecer no meu rosto, pelo contrário, alguma coisa em mim se fechou mais ainda, eu sabia o quanto ela deveria estar confusa mas isso não dava a ela o direito de nos abandonar daquele jeito, Pyter manteve os olhos em mim esperando uma resposta.
– Ela já vem – eu falei tentando soar tranquilo, beijei sua testa de forma demorada e desci ele da minha perna colocando-o em pé na minha frente e comecei a tirar a roupa dele, a blusa branca já está muito manchada com sangue e eu a amasso e jogo ela pro canto por que não suporto olhar para aquilo, até a calça embora seja escura também tem as gotas de sangue e ela tem o mesmo destino que a camisa.
– Eu tenho que tomar banho? – ele perguntou fazendo uma careta, eu sorri meio desanimado mas feliz de ver o Pyter de sempre de volta – Não pode molhar – ele fala e mostra o curativo como desculpa.
– Por isso você vai tomar banho na banheira – eu falo e ele libera um sorriso, ao menos na banheira ele não reclama, o problema é que ele nunca quer sair depois, Pérola volta e pega uma roupa pra ela.
– Eu vou tomar banho no chuveiro – ela anuncia e volta pro banheiro, o barulho do chuveiro logo aparece, eu entro no banheiro e mesmo com a banheira ainda com nível baixo eu o coloco lá dentro, despejo o sabonete liquido e logo começa a fazer espuma, pego a esponja de banho e esfrego as machas de sangue que grudaram na pele dele, Peróla sai do banho antes e sai do banheiro enrolada no roupão, Pyter pede pra ficar mais um pouco e eu deixo, me sento encostado na parede de frente pra banheira e deixo ele curtir um pouco a água e o banho, já que um pedido assim vindo dele é raro, mas quando ele começa a bocejar eu o tiro da água, saio do banheiro e o visto com uma roupa limpa e fresca, Pérola estava juntando a roupa dele do chão.
– Sua camisa – ela pediu apontando para mim, eu olhei para baixo e as machas de sangue reviraram meu estomago, tirei a camisa e ela pegou da minha mão levando até o cesto de roupas sujas, Pyter foi até a cama e se deitou.
– Eu to com fome – ele reclama se remexendo na cama mesmo com a cara de sono e eu me lembro que eles não almoçaram.
– Eu vou preparar alguma coisa! Fica aqui com ele? – eu peço a Pérola e como resposta ela sobe na cama e se posiciona ao lado dele, eu desço rápido e a imagem da bagunça na cozinha me trouxe um cansaço que eu tive que ignorar, passei com cuidado pelos cacos e alcancei o que precisava, minutos depois eu estava subindo as escadas e entrando no quarto com uma bandeja que tinha sanduiches, frutas cortadas em pedaços pequenos, suco, e leite.
– Ele dormiu – ela fala se movendo com cuidado.
– Ele tem que comer alguma coisa – eu falo e coloco a bandeja na mesa do quarto e vou até a cama, preciso sacudir ele algumas vezes mas ele abre os olhos sonolentos e me encara com certo esforço – Você tem que comer – eu falo e o coloco sentado, ele ainda aparece perdido, mas eu trago a bandeja para a cama e lhe entrego o sanduiche, Pérola se senta ao meu lado e eles lancham juntos, quando terminam eu retiro a bandeja e devolvo para a mesa.
– Pai... fica aqui – Pyter pede e eu volto pra cama dele, assim que me sento ele sobe no meu colo e se aconchega em mim, ele deita no meu colo assim como eu o pegava quando era apenas um bebe e eu sinto uma saudade daquela época onde parecia mais seguro, eu o seguro contra mim, beijo sua testa, inspiro seus cabelos.
– A mamãe já chegou? – ele pergunta com a voz embargada de sono e os olhos ainda fechados, eu o encaro alguns segundos, meus dedos afastam seus fios de cabelo da testa e eu deposito ali um beijo demorado.
– Daqui a pouco – eu falo baixo e minha voz falha, ele abre os olhos sonolentos e me olha por alguns segundos – Te amo – eu falo e ele libera um sorriso fraco.
– Só os manes falam te amo – ele fala usando suas ultimas forças e mesmo discordando eu acabo sorrindo, seus olhos se fecham de novo – Eu também te amo! – ele acaba sussurrando já sendo vencido pelo sono, ele se endireita no meu colo e deixo que ele adormeça nos meus braços, na cama de frente Pérola me olha de um jeito que eu não consigo decifrar, por isso eu chamo ela pra se sentar ao meu lado, ela vem e se senta do meu lado e encosta a cabeça no meu braço, os segundos passam até que ela quebra o silêncio.
– é tudo culpa minha – ela fala com a voz baixa e culpada, eu me surpreendo e viro o rosto pra ela, ela se desencosta de mim e encara as mãos, onde seus dedos se contorcem de forma nervosa – Eu não devia ter mostrado o livro, aí a mamãe não ia ficar com raiva de mim e o Pyter não ia se machucar – ela completa e eu nego rapidamente.
– Não, Pérola! Não foi culpa sua! Nada disso! – eu falo me movendo com cuidado pro Pyter não acordar – O que aconteceu foi só... não tem nada a ver com você – eu falo sem saber como explicar pra ela o que aconteceu, ela me olhou mas ainda tinha aquela culpa no olhar, eu deixei ela de lado alguns segundos só pra colocar Pyter deitado na cama, seu olhar encontrou ele adormecido ali e ela abaixou a cabeça.
– Eu que tinha que ter me machucado! Não o Pyter – ela fala e a sua voz traz culpa e dor, eu saio da cama e estico a mão pra ela que aceitou, mas sem nenhuma animação, eu sentei ela na cama dela e me ajoelhei pra ficar na sua frente – Pérola, eu não quero que você se culpe! NUNCA! Por nada! Você e seu irmão não têm culpa de nada, vocês dois são as melhores coisas da minha vida, as pessoas que eu mais amo, você sabe disso não sabe? – eu perguntei sem desviar o olhar dela e ela confirmou com um aceno triste.
– Mas foi o meu livro que ...
– Não tem mas! Nada do que aconteceu tem a ver com você! Eu já disse e não quero você pensando nisso – eu falo encerrando o assunto, ela parece pensar em algo e volta a contorcer os dedos – Anda, fala... o que foi? – eu pergunto já conhecendo ela e o seu jeito.
– Promete que você não vai ficar bravo comigo? – ela perguntou sem me olhar nos olhos, eu segurei seu queixo e coloquei nossos olhares um no outro.
– Eu nunca fico bravo com você – eu afirmo e ela confirma, mas leva alguns segundos pra falar.
– Por que a mamãe ficou com tanta raiva? – ela perguntou e eu soltei o ar me preparando pra como responder essa pergunta que nós temíamos por tanto tempo, e era para Katniss estar aqui, era para fazermos isso juntos, e ela simplesmente sumiu – Na foto da mamãe estava escrito, Tordo, mas isso não é um pássaro? Aquele lá do lago? – ela parece confusa e eu concordo tentando formar a resposta ainda.
– Sim, é um pássaro – eu afirmo e ela me olha esperando a continuação – Essa é uma história meio longa... – e que eu queria desesperadamente adiar, mas seus olhos pediam uma resposta, imploravam pra ao menos entender o que aconteceu, ela ainda se culpava, eu sabia disso e eu não podia encerrar esse assunto sem dar a ela alguma informação, eu respirei fundo, subi na cama me sentando ao seu lado, ela se virou pra ficar de frente pra mim e pela primeira vez eu senti um desconforto ao olhar aqueles olhos cinzentos que sempre me faziam sorrir - Há um tempo atrás, muito antes de você e do Pyter nascer sua mãe fez uma coisa que foi muito boa... pra todo mundo, e as pessoas ainda lembram disso! E por causa de um broche que ela usava, que era de um tordo, essa acabou se tornando uma marca dela – eu tento explicar o melhor possível, sem ter que contar todos os detalhes da história.
– Tipo um apelido? – ela perguntou meio confusa.
– Tipo um apelido! – eu confirmei com um sorriso meio fraco, mas é engraçado como ela consegue simplificar as coisas.
– Mas se ela fez uma coisa boa, por que ela ficou brava? – ela ainda mantinha aquele olhar confuso de antes.
– Por que quando a gente cresce tem muitas coisas complicadas na vida! Isso é uma delas... e você conhece sua mãe, ela não gosta de tirar fotos, não gosta de aparecer então... ela fica irritada – eu falo sem querer mentir pra ela.
– E o que você fez? Você também estava no livro! Lá tava escrito que você perdeu a perna nos jogos. Que jogos? – ela relembra e me encara alguns segundos, senti cada músculo do meu corpo tenso, as palavras querendo se aprisionar em mim e nunca saírem, nunca explicarem que jogos eram aqueles, querendo que ela continue com a mesma inocência de sempre, mas ela merecia uma resposta, eu não podia manter ela as escuras e além do mais seria melhor ela escutar as coisas de mim do que de um desconhecido.
– Os jogos vorazes – eu falei as palavras que já não pronunciava a tantos anos e ainda sentia o mesmo nojo, ódio e desprezo dessas duas palavras quanto antes, imagens de anos assistindo aquela sujeira fez meu estomago revirar, quando olhei pra Pérola seu olhar estava fixo em mim como se ela estivesse descobrindo algo muito importante e eu temi o que quer que fosse.
– Eu já ouvi falar – ela falou meio perdida em pensamentos, meu coração acelerou.
– O que você ouviu? – a apreensão na minha voz não dava pra ser disfarçada, ela deu de ombros sem parecer muito certa disso.
– A tia disse que depois nós íamos falar mais sobre isso! Mas ela disse que era uma coisa muito ruim mas que agora já acabou! – ela falou e por um instante eu soltei o ar aliviado, porém já estava óbvio que essa conversa teria que acontecer, alguma hora, mas não agora, eu já estava próximo demais do meu limite pra enfrentar uma conversa assim.
– Pérola, isso é... – eu tento achar a palavra – Essa história é complicada, muitas coisas aconteceram! Eu prometo que eu te conto tudo, mas não hoje... acho que tá na hora de descansar um pouquinho não acha? – eu pergunto e ela me força um sorriso que mesmo não chegando a ser completo é sincero, eu sorrio e me levanto, beijo sua testa de forma demorada e ela se arrasta para cima da cama, se deitando – Eu te amo e te amo muito! – eu falo e ela sorri mais.
– Eu também te amo – ela confirma e beija minha bochecha.
Eu a cubro com o lençol e ela se enrola na cama se agarrando ao seu velho coelho de pelúcia de sempre e parece realmente cansada, eu me afasto, vou até o Pyter que já está em um sono profundo, acaricio seus cabelos e puxo o lençol pra ele, acomodo sua mão ao lado do rosto para que ele não se machuque ainda mais, vou até a janela, a tarde já está caindo, e esse dia parece muito maior e ao mesmo tempo foi como se o tempo tivesse parado, eu saio do quarto deles entro nosso pego a primeira camisa que encontro e a visto, desço as escadas, entro na cozinha, e não aguento mais essa bagunça, pego tudo que preciso e começo a arrumar, enquanto cato as coisas do chão, abro algumas das paginas que ela rasgou e olhando tudo aquilo na verdade não tem nada demais, a história está apenas por alto, menciona Katniss como o tordo, a mim como um vencedor dos Jogos, Gale como um nome de poder com os rebeldes e Haymitch como mentor, rebelde e vencedor, mas não tem detalhes mais fortes que esses, nós poderíamos ter contornado isso de uma maneira melhor, mas agora estou aqui limpando essa sujeira, Pyter está machucado, Pérola se sentindo culpada e Katniss ainda fora de casa, eu levo um tempo arrumando tudo e já estava levando o lixo pra fora quando Haymitch apareceu.
– E agora? Será que você pode contar o que aconteceu? – ele pergunta puxando uma cadeira e se sentando, eu solto o ar cansado, passo as mãos pelo cabelo e me encosto na pia.
– Pérola chegou com um livro da escola, tinha fotos nossas. Ela foi mostrar pra Katniss e ela surtou, ela rasgou tudo, gritou, Pérola começou a chorar e pedir pra que ela parasse mas você conhece a Katniss, ela simplesmente saiu e nos deixou aqui – eu falo sentindo toda a carga dessa tarde querendo me atingir, o cansaço físico é pouco perto do cansaço mental, da apreensão de não saber onde Katniss está e dessa confusão de emoções quando penso nela.
– Ela vai voltar – ele fala tentando me confortar, mas eu apenas respiro cansado.
– O problema é que ela não deveria ter ido – eu falo com um ressentimento ainda desconhecido na voz, Haymitch também parece surpreso com minha resposta e me avalia por alguns segundos.
– E você acha que ela seria útil aqui? Do jeito que ela estava? – ele pergunta mas ele não entende.
– é difícil pra mim também sabia? – eu devolvo com um sentimento estranho me invadindo, algo a mais do que apenas cansaço e mais parecido com frustração – Eu também passei por isso tudo! Eles também são meus filhos e a última coisa que eu queria era envolver eles nisso, mas estou aqui não estou? Eu não fugi. Por eles! Mas ela... Nem ao menos olhou pra trás – eu falo e agora tenho certeza do quanto estou magoado.
– Ela sabia que eles ficariam bem com você – ele justifica e isso só consegue me irritar ainda mais, eu me aproximo e dou um soco na mesa que faz ele se despertar e me olhar atentamente.
– E eu? E se eu não ficasse bem? E se eu tivesse perdido o controle? Você tem noção do quanto foi difícil ver aquele sangue, a agulha, os gritos – eu fecho os olhos me mantendo forte, então os abri de novo – Ela deveria estar aqui pra protegê-los de mim! – eu concluo com a minha voz falhando e me afasto voltando a encostar na pia, esfregando as mãos no meu rosto.
– Mas você conseguiu! Cuidou deles e...bem, não surtou! Isso é uma coisa boa – ele fala tentando me aliviar, eu solto um riso nervoso e me viro de costas pra ele apertando a borda da pia e encostando minha testa naquele espaço frio – Agora você sabe que consegue se controlar! – ele conclui e eu o ignoro apenas continuo do mesmo jeito, alguns segundos de silencio duram até que ele o quebra - E o machucado do Pyter? Ela... – ele começou a falar mas não teve coragem apenas parou no meio da frase que completava sua duvida, eu me desencostei da pia.
– Não! Ela não encostou neles – eu afirmo – Foram os cacos de vidro que quebraram, Pyter tentou ver as paginas que ela jogou no chão e acabou se cortando.
– Você não vai atrás dela? – ele perguntou mesmo já sabendo a resposta, eu neguei com a cabeça, nós ficamos alguns minutos apenas ali parados na cozinha, absorvendo o silêncio que seguia até Pyter me chamar.
– To aqui – eu falo já parando na base da escada.
– Tá doendo – ele fala esticando o braço e mostrando o machucado, eu subo rapidamente e o pego no colo, descendo a escada de novo, ele passa um braço pelo meu pescoço e quase encosta a mão no meu rosto pra que eu veja.
– Vamos passar a pomada e tomar o remédio – eu falo e ele faz uma careta mas realmente deve estar com dor, por que ele não reclama, eu deixo ele com Haymitch no sofá e vou pegar os remédios, desço e passo a pomada na ferida, depois refaço o curativo, lhe dou o remédio pra dor e ele se aconchega no sofá entre mim e Haymitch, a cabeça apoiada na minha perna e as pernas sobre as dos Haymitch, eu brinco com os fios do seu cabelo e logo ele está dormindo de novo.
A noite começa a chegar e eu tento não me preocupar com Katniss, mas Haymitch percebe minha apreensão.
– Se você quiser eu posso ir... – ele mal termina a frase e a porta abre, eu e ele viramos juntos a tempo de ver Katniss entrando, ela fecha a porta e quando eu olho pra ela sei que isso não será nada fácil, seus olhos estão inchados e vermelhos, como se ela estivesse chorando a muito tempo, seu olhar também está perdido e ela não diz nada apenas sobe as escadas, eu e Haymitch nos olhamos e ele dá de ombros.
– Você não deveria ir lá? – ele pergunta me olhando, e uma parte minha deveria e quer ir lá mas outra parte tá magoada demais com ela, por que nada disso também é fácil pra mim mas ela não se importou, ela saiu como se ela não tivesse nenhuma obrigação, nada além dos interesses dela, da dor dela, mas isso não é verdade, nós temos dois filhos que são muito mais importantes do que nós mesmos.
– Peeta! – um grito assustado nos alertou e logo ela estava na beira da escada segurando alguma coisa – Que isso? Que isso? – sua voz é apavorada e ela desce as escadas tão rápido que penso que ela pode cair, então vejo o pano na mão dela, é minha camisa e do Pyter, com sangue – Isso é sangue – ela afirmou e parecia realmente preocupada.
– O Pyter se cortou – eu falei diretamente e só então ela o viu no meu colo, e correu até o sofá, se ajoelhou no chão a frente dele segurando sua mão.
– O que houve? – ela perguntou olhando o curativo.
– Ele se cortou com os cacos de vidro! Só que o corte foi profundo, ele levou 3 pontos – eu explico rapidamente e ela me olha completamente desconcertada, não sei ao certo o que ela tem no olhar, mas é algo como, culpa, remorso, preocupação, desespero, medo, e outras coisas, mesmo ele dormindo ela o abraça, beijando o rosto dele e murmurando palavras como desculpa, mas aquilo não era suficiente – Ele acabou de dormir – eu falo tirando ele do aperto dela, ele resmunga algo mas não acorda, o remédio provavelmente tem a ver com isso, ela me olha confusa – Eu vou levar ele pra cama – eu aviso e me levanto, ignoro ela e o pego no colo, me viro e subo as escadas, deito ele na cama, o cubro e paro alguns segundos olhando para ele e Pérola ali, agora tranquilos mas quando eu me lembro do dia que tivemos é impossível não ficar abalado, eu queria não culpar Katniss mas não consigo.
– Eu queria ficar um pouco com ele... – a voz dela baixa me desperta, eu me viro e a encaro alguns segundos.
– Agora você quer ficar com ele? – eu pergunto sem conseguir disfarçar o que sinto.
– Eu não fazia ideia...
– Claro que não! Você foi embora! Você nos deu as costas e saiu! – eu falo cortando ela que se surpreende com a minha reação – Você tem noção de como a Pérola ficou? Ou o Pyter? Ou eu? – eu pergunto encarando ela que engole em seco – Era pra sermos JUNTOS, e você não fez isso – eu falo com ressentimento.
– Peeta, eu... eu não conseguia pensar – ela tenta se justificar e a risada que me escapa não é nada nem perto de alegria, é cansaço.
– E eu? Você acha que eu consegui? – eu perguntei com certa ironia - Mas eles são mais importantes! ELES merecem o nosso melhor! – eu enfatizo e ela desvia o olhar para eles dois.
– Mas eu não podia, não naquela hora – ela fala mais firme como se tivesse razão.
– Pois foi naquela hora que eu mais precisei de você – eu afirmo e não preciso fingir ou forçar um olhar magoado, por que eu realmente estou, dessa vez quem sai sou eu, mas não vou muito longe, apenas passo por ela e entro no quarto ao lado, já estava alcançando o banheiro quando ela entra.
– Você não precisa me fazer sentir culpada, por que eu já estou! – ela fala e eu paro e me viro pra ela – Eu to me sentindo uma droga Peeta, uma porcaria! Eu me odiei quando sai e deixei vocês aqui e me odeio ainda mais agora vendo vocês! – então as lagrimas começam a rolar – Mas eu não consigo ser igual a você! Eu não consigo ser forte Peeta, eu tentei, eu juro que eu tentei mas quando eu vi aquelas fotos, quando eu vi o meu passado tão perto deles eu senti nojo, raiva, ódio, eu não conseguia pensar em mais nada a não ser no fato que ela ia saber de tudo! – as palavras eram cuspidas quase tão rápidos quanto as lagrimas rolavam – Que a minha filha, o meu filho, as duas pessoas mais importantes da minha vida iam ver o meu passado, iam saber coisas que eu tento esquecer todos os dias... Eu... eu... não ia conseguir encarar eles Peeta – ela confessa e o choro toma força mas eu resisto o impulso de confortá-la.
– Eu senti tudo isso Katniss, mas eu não podia abandonar eles, eles precisam de nós dois! E eu preciso saber que eu posso contar com você quando as coisas ficarem difíceis! Quando éramos só nós dois era mais fácil, por pior que fosse eu poderia me virar sozinho mas agora você não pode mais correr, eu não posso mais correr! ELES precisam de nós...de nós dois! – eu falo seriamente e ela não desvia o olhar do meu.
– Eu sei! – ela confirma envergonhada, uns segundos de silencio se seguem e nós apenas ficamos parados de frente pro outro – Eu deveria estar aqui – ela fala com a voz baixa.
– Deveria – eu confirmo sério e nossos olhares se bloqueiam – Mas você está agora – eu completo e ela volta a chorar, dessa vez eu quebro nosso espaço e a abraço, seus ombros sacodem enquanto o choro avança e os soluços preenchem o espaço, por mais magoado que eu ainda esteja não consigo me manter tão indiferente a ela, não sabendo o quanto ela está quebrada, vários minutos se passam em que ela apenas se mantém abraçada a mim chorando, e só quando ela se acalma que eu quebro o nosso contato, ela enxuga as lagrimas com as mãos e seus olhos estão inchados, seu humor ainda é o mesmo e infelizmente o meu também.
– Eu vou tomar banho – eu falo e me viro rapidamente entrando no banheiro, fecho a porta e me encaro no espelho, quase levo um susto ao encontrar meu reflexo, meu rosto está abatido e cansado de um jeito que eu não via a anos mas não posso negar que expressam exatamente como estou por dentro, eu saio da frente do espelho coloco a banheira pra encher, tiro a roupa e entro no Box, conforme a água escorre no meu corpo eu desejo que ela leve todo esse cansaço e preocupação do dia mas isso não acontece, embora não possa negar que tenha me sentido um pouco mais revigorado depois de uns bons minutos debaixo da água, só quando a banheira já estava cheia que eu sai, me enxuguei, enrolei a toalha na cintura e saí do banheiro e encontrei o quarto vazio, puxei uma calça de moletom da gaveta, uma camiseta e a vesti rapidamente então saí do quarto e fui até o quarto ao lado, Katniss estava ajoelhada na beirada da cama conversando baixinho com Pyter, ela acariciava os cabelos dele, e entre uma palavra e outra beijava sua bochecha, ou sua testa, e ele como sempre a olhava com aquela mesma veneração que ele sempre tivera com ela, seus dedos sempre entrelaçavam seus cabelos e eu parei observando a cena.
– Olha pai... A mamãe chegou – ele fala com um sorriso no rosto, Katniss me olha sem saber como agir, eu forço um sorriso pra ele e me aproximo.
– Você tem dormir – eu aviso parando ao lado da Katniss, ela precisa levantar o rosto pra me olhar já que está ajoelhada, eu evito olhar de volta pra ela, puxo o lençol dele até a metade de seu corpo, então me lembro de outra coisa – Tá com fome? – eu pergunto e ele abre os olhos de uma forma exagerada e confirma rapidamente, dessa vez o sorriso que libero não é forçado embora não seja muito animado.
– Faz panqueca? – ele pede ansioso, eu sorrio mas nego.
– Nada de panquecas, você só lanchou hoje! Vai comer alguma coisa de verdade – eu falo e ele faz uma cara triste.
– Mas panqueca é de verdade – ele rebate e olha pra Katniss – Não é mamãe? – ele pergunta a ela que se manteve apenas ali nos observando, eu olhei pra ela e quando nossos olhares se encontraram fui eu quem desviou primeiro.
– Sem discussão ou amanhã a gente volta no Hospital pra você receber outra injeção – eu aviso e ele nega desesperadamente – Eu vou fazer alguma coisa pra você comer! – eu falo e ele confirma contrariado – A banheira está cheia! Você devia tomar um banho! Eu vou fazer alguma coisa pro jantar – eu falo com a voz formal demais mas sem conseguir agir diferente com ela.
– Posso ir com você? – Pyter me pede e eu aceito, Katniss se levanta do chão e eu saio do quarto de mãos dadas a ele, entramos na cozinha e ele passa os primeiros dez minutos tentando me convencer a mudar de ideia e fazer panquecas ou pão de queijo ou bolo, mas como eu nego a todas as opções ele parece derrotado.
– Pai... – a voz da Pérola me distrai da panela que remexia e eu a encontro parada a alguns passos do fogão, ela ainda está com cara de sono e me olha receosa, eu estranho imediatamente sua postura e seu olhar, e sei antes dela falar que tem algo errado mas espero que ela continue – Eu posso dormir na casa do vovô? – ela pede e isso me pega de surpresa, eu me afasto do fogão e me aproximo dela, meus dedos passam pelo seu cabelo e eu tento entender.
– Por que? – ela desvia o olhar do meu varias vezes e isso só me preocupa mais, ela nunca faz isso, ela retorce os dedos e morde a parte interior da boca e ainda assim não consegue falar, eu levanto seu queixo e a forço a me olhar nos olhos, quando aqueles olhos cinzentos cheios de receio, culpa e medo me encontram eu entendo o que é, mas eu quero ter certeza – Por que? – repeti a pergunta e seus olhos se encheram de lágrimas.
– Por que eu não quero que a mamãe fique brava – ela fala confirmando minha duvida e fazendo meu peito apertar de um jeito sufocante, as lagrimas são liberadas junto com as sua palavras que ainda vem acompanhadas de culpa, eu a abraço apertado e depois me ajoelho pra ficar na mesma altura que ela.
– Pérola seu lugar é aqui! Na sua casa! No seu quarto, na sua cama! Quantas vezes eu preciso repetir que isso não teve nada a ver com você meu amor – eu falo e apenas me aperto nela – Você e seu irmão são as maiores alegrias dessa casa! Eu tenho certeza que sua mãe não vai ficar brava de novo! – eu afirmo e segurando ela pelos ombros a afasto um pouco de mim – E mesmo que ela fique ainda assim a culpa não é sua! Você tem que parar de pensar assim - seus olhos ainda transbordam as lagrimas – Você sabe que ela te ama não sabe? – eu pergunto e ela junta os lábios com força pra evitar o choro mas acena com a cabeça confirmando – Pois é verdade! E eu também te amo – eu completo e mais uma lagrima desce – Então eu sinto muito, mas hoje... você vai ficar bem aqui... Juntinho de mim! – eu falo e a puxo para meus braços apertando ela de forma exagerada e a balançando pra um lado e para o outro, abro os braços chamando Pyter que estava nos olhando desconfiado e ele corre até meus braços, então fazemos um abraço triplo, apertado e exagerado, mas que consegue arrancar sorrisos e até algumas risadas deles dois, quando eu os libero vejo Katniss parada na entrada da cozinha nos olhando, o olhar de Pérola segue o meu e eu sinto a apreensão nela quando ela fecha o sorriso, Pyter corre até Katniss sem nenhuma hesitação e agarra suas pernas sem se abalar com nada, mas Pérola parece congelada no lugar, suas mãos se encontram a frente do corpo se contorcendo da mesma maneira nervosa que as da Katniss se contorcem, eu me levanto passo as mãos no cabelo dela e me afasto indo olhar a panela, mas mesmo assim mantenho minha atenção nelas, Pérola não move um único músculo sequer, portanto é Katniss quem entra na cozinha e se aproxima dela, e a cena que eu vi fez meu coração se contorcer, Katniss praticamente caiu de joelhos na frente dela e a abraçou, não um abraço carinhoso, delicado e suave, mas um abraço completamente desesperado, necessitado, apavorado como se aquela fosse a primeira ou a ultima vez em que elas se viam, eu pude ver a surpresa de Pérola ao sentir Katniss a envolver como se ela esperasse outra reação, talvez mais brigas, mas bastou um segundo e ela a abraçava de volta, com a mesma reação que ela, os braços eram apertados cada vez mais, Pyter se afastou olhando elas com as sobrancelhas juntas confuso, enquanto Katniss no meio do choro pedia perdão, pedia não, pela sua voz ela implorava, mal conseguia ouvir tudo que ela dizia, mas as palavras “me perdoa’’ era dita muitas vezes pra ser ignorada, em poucos segundos as duas estavam chorando ainda agarradas uma a outra, depois de mais algumas palavras ditas Katniss beijava a bochecha e o rosto dela várias vezes o que acabou liberando um sorriso seguida de uma risada sincera e aliviada da Pérola que fez finalmente meu coração se acalmar, as mãos de Katniss passavam pelos cabelos dela e a olhavam com um amor tão grande que não era nem ao menos necessário falar, mas ela falou, e repetiu mais uma dezena de vezes o quanto a amava e eu não pude deixar de me emocionar vendo elas duas ali, por que mesmo com o que teve antes ali estava a prova do amor dela, as palavras sempre foram o problema pra ela, o amor era obvio mas dizer era sempre complicado e agora a frase foi repetida ao menos uma dezena de vezes e isso era um avanço, mesmo que pra isso tivemos que recuar um passo, agora quem sabe voltaríamos a avançar e abandonar esse passo errado. Depois dessa reconciliação, eu voltei a terminar o jantar e eles arrumaram a mesa, mesmo que Pyter tenha feito cara feia antes ele praticamente raspa o prato e ainda repete, eu sabia que eles estariam com fome, até Pérola que não tem o mesmo apetite desesperado de Pyter come novamente, as conversas não são muitas, na verdade ele é quem lidera a fala contando como ele nem chorou pra levar os pontos mas Pérola o desmente dizendo que ele chorou sim e ele nega dizendo que foi só uma vez e depois ele parou, eles começam uma discussão mas invés de me irritar ou me cansar disso, na verdade eu me sinto mais calmo, relaxado, é como Katniss e Haymitch discutindo, faz parte, esse é o normal.
Depois que eles escovam o dente, voltam para as camas, eu conto a história que como Pérola prometeu foi de monstros e o sorriso do Pyter faria qualquer um sorrir de novo, Pérola dormiu antes do fim da história mas ele aguardou até a ultima palavra, só então quando eu disse que acabou que ele puxou o cobertor dele e se cobriu, eu dei os beijos de boa noite, fechei a janela, deixei o abajur aceso e sai encostando a porta, quando entrei no nosso quarto Katniss estava terminando de ajeitar a cama, eu parei no meio do quarto considerando a hipótese de sair do quarto mas parecendo que leu meus pensamentos ela se apressou e parou na minha frente.
– Eu sei que o que eu fiz foi errado e egoísta! Eu deveria ter pensado em vocês e eu sei que você não me perdoou ainda e eu te entendo... eu realmente entendo, não sei se um dia você vai conseguir me perdoar e eu não posso te culpar por isso! Eu sei que mereço seu desprezo, sua raiva, sua indiferença, mas se você tá pensando em sair desse quarto Peeta, por favor, não faz isso comigo! Eu sei que você tem todo o direito de me castigar, de não querer ficar perto de mim, mas por favor, não hoje! Não me obriga a passar essa noite longe de você! Por favor... – uma rápida pausa se formou e ela intensificou o olhar no meu, um pedido desesperado – Não faz isso comigo! Por mais que eu mereça... Não me deixa aqui sozinha! Por favor... – ela implora e sua sinceridade me atinge fortemente, eu realmente pensei em sair, não para castigá-la apenas por que eu não ia conseguir ficar aqui com esse clima, ela deu um passo mais a frente e sua mão exitou alguns segundos mas ela tocou meu peito e depois meu rosto – Eu preciso de você Peeta! – ela conclui a voz abalada e o olhar concentrado em mim, eu sei que não havia nenhuma mentira nas suas palavras, por que eu também preciso dela, eu também não a queria longe, eu levei minhas mãos acima da sua no meu peito e no meu rosto afastei elas desencostando do meu corpo e seu olhar se tornou doído, desesperado, então eu as passei em volta do meu corpo, fechando seus braços em volta de mim num abraço que eu completei a encaixando em mim, naquele lugar que parecia ter sido feito exatamente para acomodá-la, ela soltou um som parecido com um engasgo e um suspiro quando apertou ainda mais os braços em mim, afundando sua cabeça no meu peito como se fosse se fundir a mim, eu não exitei em abraçá-la do mesmo jeito por que eu também precisava sentir ela ali comigo de novo.
– Me perdoa Peeta, me perdoa, me perdoa... – ela repetia a frase cada vez mais desesperada e angustiada, sem afrouxar o aperto, mas levantando o rosto pra que ficasse próximo ao meu, e eu podia sentir o calor da sua respiração do mesmo jeito que ela devia estar sentindo a minha, então nos segundos que seguiram nossos olhares apenas diziam tudo que nossas bocas não falavam, eles diziam que não importava o que acontecia, como as coisas aconteciam, ou quão idiota um de nós poderia ser, não importa quem era mais forte ou mais fraco, quem era o certo ou errado, não importava quanto brigássemos e até mesmo ficássemos magoados com o outro, o que nos unia era muito além disso, além de palavras, discussões, passado, dor, culpa, é além de nós mesmos, além de tudo que pode tentar nos afastar, eu pertenço a ela, ela pertence a mim, nossos corpos e almas já estão tão entrelaçados que não há mais como separar o que sou eu e o que é ela, nós somos um, e é impossível ser diferente, então quando ela me beijou eu não duvidei, não precisei pensar, ela ainda era e sempre continuaria sendo a única capaz de me completar, me acalmar, me manter com os pés no chão, do jeito que apenas ela conseguia, o beijo seguiu lento e demorado como se confirmasse tudo que tínhamos, que pertencíamos um ao outro.
– Eu também preciso de você Katniss! E eu preciso saber que você vai estar aqui, que vai estar do meu lado não importa quão complicado as coisas estejam – eu confesso quando o beijo para, nossos rostos ainda estão próximos demais, meus dedos afastando seus fios de cabelo.
– Eu sei! Eu vou estar – ela confirma e seus dedos também encontram meu rosto.
– Você já me disse isso antes, eu preciso mais do que palavras! Eu preciso que você realmente esteja aqui! Nós precisamos – eu enfatizo e seu olhar parece envergonhado e culpado, ela encosta a testa no meu queixo as mãos espalmadas no meu peito e ela solta o ar lentamente.
– Eu não sei quão idiota eu ainda posso ser mas... eu to tentando! Eu juro que eu estou tentando – ela fala e levanta o rosto pra me olhar.
– Eu sei! – e eu realmente sabia, até hoje ela estava se saindo muito bem, mesmo sabendo que ela odiava ver Pérola indo pra escola ela aguentava, ela sorria das histórias dela e tentava parecer animada, ela estava tentando, eu sabia disso, dessa vez fui eu quem quebrei o curto espaço das nossas bocas e a beijei, meus lábios se moldando ao seu e se ajustando ao nosso ritmo, sua mão deslizou pelas minhas costas e mesmo por cima da camisa o contato da sua pele em mim despertou cada ponto meu, a outra mão ela desceu do meu ombro para o meu peito, e depois subiu novamente até encontrar meu pescoço e prender seu braço ali, minha mão segurava sua cintura apertando e a puxando para mim, a outra mão na sua nuca sincrozinando nosso beijo e tudo começou a parecer distante demais, a magoa, o ressentimento, o medo, o passado, tudo ia se afastando conforme o beijo avançava e nossos corpos se juntavam, com tudo que aconteceu hoje talvez esse poderia parecer o momento errado, a hora errada, talvez não devêssemos seguir a diante, mas a verdade é que era exatamente o contrario, por causa de tudo que aconteceu eu precisava dela, enlouquecidamente, desesperadamente, precisava sentir ela junto de mim, precisava que ela me sentisse junto dela e pela maneira como ela não recuou quando minhas mãos subiram por debaixo da sua camisa ela também sentia o mesmo, pode parecer loucura mas eu sabia que essa seria a única coisa capaz de afastar todo efeito desse dia, a única coisa que iria me fazer afastar meus pensamentos, minhas mãos subiram pela sua pele e a sua também deslizava pelo meu corpo, o beijo só parou quando eu levantei barra da sua camisa e a tirei, nesse momento os nossos olhares se encontram e ali naqueles olhos cinzas que pareciam tão vulneráveis e ao mesmo tempo possuíam o poder de me desarmar completamente, eu vi a mesma necessidade que eu sentia, eu mesmo tirei minha camisa abandonando ela ali, onde quer que tenha caído, e me juntei a ela de novo, meus braços a prendendo em mim e quando alcançamos a cama eu já não pensava em absolutamente nada, eram apenas eu e ela, ali na nossa cama e isso era o suficiente.
Quando acordei o outro lado da cama estava vazio, por instinto passei o braço ali e o espaço já frio me mostrou que ela já havia levantado a algum tempo, me sentei olhando ao redor, a porta do banheiro aberta, a do quarto fechada, as cortinas bloqueando a luz, eu puxei o relógio da cômoda ao lado e me assustei com as horas, 8:10, puxei minha calça que havia sido abandonada pelo chão, vesti e me levantei, fui até o banheiro, saí de lá e também sai do quarto, passei pelo quarto ao lado, a cama de Pérola estava vazia mas Pyter ainda dormia um sono profundo como se tivesse acabado de dormir, eu tirei a mão que ele já estava por baixo do seu corpo e a coloquei em segurança por cima do travesseiro, então beijei entre seus cabelos e saí, encostei a porta e desci a procura de Katniss e Pérola, por um segundo pensei que ela estivesse na aula mas se Pyter esta em casa acho que ela também deve ter ficado sem falar que depois do que aconteceu com o livro Pérola não ia querer voltar hoje, já estava alcançando a cozinha quando as vozes e risadas me fizeram parar, a risada era da Pérola e era tão pura que mesmo sem saber o que era eu me peguei sorrindo, caminhei na ponta dos pés e parei com o corpo encostado na parede da entrada da cozinha, Katniss estava no fogão Pérola ao seu lado rindo.
– Nãããão... Agora você espera – Pérola apenas interrompia as risadas pra orientar Katniss, segurando seu braço quase a guiando.
– Mas tá agarrando – Katniss falou e parecia frustrada – Ai, droga! Me queimei – ela reclamou levando o dedo a boca – Tem certeza que era pra ficar assim? – Katniss perguntou como se Pérola fosse a mais velha.
– Não! Eu disse que não era pra mexer – ela falou sem conseguir segurar uma risada.
– Se você parasse de rir e fizesse alguma coisa de verdade... – Katniss reclamou e Pérola se virou pra pegar um prato e me viu parado observando elas, ela já ia falar quando eu neguei com a cabeça e fiz sinal pra que ela não dissesse nada, ela sorriu de forma cúmplice e voltou para junto de Katniss segurando o prato, onde Katniss despejou o que eu acreditava ser uma omelete, não que parecesse uma, mas o cheiro e as cascas dos ovos me faziam acreditar que sim.
– Quer saber? Ovos mexidos são ótimos, muito melhor e mais rápido – Katniss falou já quebrando mais ovos dentro da panela, eu suprimi uma risada.
– Você podia fazer panquecas – Pérola sugeriu e mesmo sem olhar os olhos de Katniss sabia pelo jeito que ela virou o rosto pra ela seu olhar era de descrença, Pérola riu – Não é difícil! O papai sempre faz, é fácil e é rapidinho – ela completou dando de ombros.
– O quê que seu pai faz que não parece fácil e rapidinho? – ela perguntou a Pérola e dessa vez eu acabei rindo alto demais e ela se virou me encontrando na entrada da cozinha.
– Eu posso pensar em pelo menos uma coisa – eu falei com certa ironia e lhe dei uma piscada, ela pareceu primeiro surpresa e depois revirou os olhos.
– Eu to falando na cozinha – ela falou e voltou a atenção a panela, eu me aproximei delas, Pérola me envolveu com seus braços e eu beijei sua testa enquanto ela ainda estava abraçada a mim, quando ela me liberou me aproximei de Katniss olhando por sobre seu ombro os ovos mexidos dentro da panela.
– Parecem belos ovos mexidos – eu falei fazendo uma cara séria, ela me encarou e acabou sorrindo, eu a beijei rapidamente e depois que ela terminou os ovos, eu assumi o fogão e preparei as panquecas enquanto ela subiu para acordar o Pyter.
– A mamãe disse que eu posso voltar pra escola! Eu só não fui hoje por que ainda tem que ver sobre o livro – ela falou com a voz bem mais tranquila e cheia de ansiedade como de costume.
– Vocês conversaram? – eu pergunto e olho pra ela que confirma.
– Mas ela disse que depois nós íamos conversar mais. Só que com você – ela fala e eu aceno concordando, volto a atenção pra terminar as panquecas e Pyter entra na cozinha ainda sonolento quase carregado por Katniss, nos sentamos e começamos o café.
– Parece ótimo – eu falo levantando o prato com o omelete que de tão quebrado parece com o ovo mexido, Katniss me encarou querendo ficar séria mas Pérola soltou uma risada tão alta que ela não resistiu e sorriu.
– O sabor é o mesmo – ela falou dando de ombros, nós rimos e voltamos a comer, alguns segundos e um Haymitch meio receoso apareceu, ele entrou e quando viu o sorriso nos nossos rostos pareceu confuso, ele me olhou e depois de tantos anos até o olhar dele eu já conhecia, ele esperava encontrar uma guerra e no entanto o cenário é bem diferente, eu sorri pra confusão dele.
– O que? Vai ficar aí parado com essa cara? – Katniss reclamou e ele revirou os olhos saindo de seus pensamentos, beijou Pérola e Pyter e se sentou, depois que acabamos o café ele chamou as crianças para ajudarem ele com os gansos.
– Pérola, você não... Nós precisamos conversar – Katniss falou e me olhou esperando que eu confirmasse e eu confirmei – E vocês dois nada de lamas – ela avisou para Pyter e Haymitch e eles saíram nos deixando com Pérola, nós três apenas ficamos ali parados olhando um pro outro, cada um com uma expressão diferente, ansiedade, nervosismo, medo, mas isso tinha que acontecer.
– Melhor a gente sentar – eu falei e nós fomos pra sala, Pérola no nosso meio pronta pra escutar o que tínhamos a dizer e depois de uma rápida troca de olhar com Katniss eu respirei fundo e como sempre comecei a falar, não tinha como ser fácil, não tinha como ser agradável, mas eu tentei ao máximo montar um esquema mais direto, antes dei um primeiro quadro geral do Distrito, crianças que não tinham muita comida, pessoas que trabalhavam muito mas não tinham nada, um lugar triste e feio, não posso culpar ela pelo modo surpreso que ouvia, o Distrito Doze de hoje não parece em quase nada com aquele de tantos anos atrás, mesmo assim ela absorvia cada palavra e essa era só a parte fácil, agora vinha a parte difícil.
– ... nós éramos muito pobres e quando eu ainda era muito pequena meu pai morreu... e então ficamos eu, sua vó e...minha irmã, Prim – Katniss começou e sua voz se abalou tanto que precisou de alguns segundos assim como Pérola.
– Você tem uma irmã? – ela perguntou surpresa, embora Katniss jamais tivesse esquecido dela ou parado de sofrer pela sua perda, o nome de Prim nunca era dito, tinha uma foto, um quadro, milhares de lembranças, mas não o nome, não uma história contada.
– Tinha – ela consertou e a dor na sua voz fez até Pérola estremecer.
– O que houve com ela? – ela perguntou com certo receio e Katniss me olhou entrando em choque.
– Nós vamos chegar lá... – eu falei já que ela não ia conseguir falar agora – Então... sua vó ficou muito doente e sua mãe como era a mais velha tinha que cuidar delas, ela conseguiu fazer isso indo pra floresta e caçando! Ela e... o Gale – eu forcei o nome a sair da minha boca e ela olhou pra Katniss com uma curiosidade no olhar – E ela era muito boa nisso! – eu completei e ela voltou a me olhar, então eu resolvi acabar logo com aquilo – Foi assim por alguns anos... Mas você lembra que eu te disse sobre os Jogos vorazes? – eu perguntei e ela confirmou me dando toda atenção, pude sentir todos os músculos de Katniss tensos mesmo que ela não estivesse ao meu lado – Eles eram uma coisa ruim... Muito ruim! E ninguém queria ir pra lá mas as vezes tinham que ir! – eu falei simplificando as coisas, ela não precisava de todos os detalhes agora – Foi pra isso que a Prim foi chamada! Pra ir pra esse lugar ruim – eu disse e ela arregalou os olhos – Mas sua mãe entrou no lugar dela – o olhar surpreso deu lugar a algum tipo de compreensão, ela olhou pra Katniss que já tinha lagrimas nos olhos e segurou sua mão, eu voltei a falar – E nesse mesmo dia eu também fui chamado! Então eu e sua mãe fomos pra esse lugar... ruim...e bem, foi... ruim! – eu não tinha palavras que descrevessem nem ao menos uma parte daquele terror sem deixá-la em pânico e impressionada por isso não me apeguei aquilo, ela merecia uma explicação mas ainda era uma criança de 8 anos, e não precisava de todas informações, quando ela pareceu digerir essa parte eu continuei - Mas nós conseguimos e voltamos pra casa, era pra ter acabado assim, mas... Lembra daquele velho malvado da história? – eu perguntei e ela confirmou – Ele existiu de verdade e... não gostou que eu e sua mãe ganhássemos!
– Principalmente eu – ela falou com a voz baixa.
– Então nós tivemos muitos problemas! Uma coisa que você deve ouvir na escola, uma revolta e uma guerra, foi um desses problemas... Muitas coisas ruins aconteceram, muitas pessoas que amávamos morreram, meus pais, meus irmãos e a Prim – eu falei e Pérola soltou um som parecido com um suspiro mas mais dolorido, ela olhou pra Katniss e a abraçou, depois me abraçou, era ela quem estava nos consolando quando deveria ser o contrario, essa era outra coisa que eu amava nela, sua maturidade mesmo com apenas oito anos, ela as vezes parecia tão mais velha que não deixava de me surpreender.
– Por isso vocês não gostam de falar dessas coisas? – ela perguntou nos olhando, nós confirmamos, embora não fosse só isso, tinha mais cosias, muito mais coisas, tinha a culpa de sangue em nossas mãos, pesadelos assombrosos, lembranças torturantes mas isso, ela jamais saberia – Desculpa – ela falou quando percebeu nossas reações.
– Você não tem que pedir desculpas – Katniss disse passando a mão pelo cabelo dela.
– Agora nós temos vocês e essa é a melhor parte das nossas vidas – eu garanto e ela sorri, mas então seu sorriso diminui, seu olhar parece perdido em alguma coisa e ela se desperta como se tivesse descoberto algo muito mais importante, seu olhar vai de Katniss pra mim se tornando mais confuso do que qualquer outra vez.
– Então de quem o vovô é pai? – ela perguntou e eu olhei pra Katniss confuso e ela me devolveu o olhar tão confusa quanto eu.
– Que? Como assim? – Katniss que perguntou.
– Lá na escola, a tia disse que nosso avô é pai da nossa mãe, ou do nosso pai! Mas se ele não é seu pai e nem do papai... de quem é o vovô é pai? – ela repete e agora parece preocupada, seus olhos me encaram e ela pareceu adivinhar a resposta quando se jogou pra trás no sofá, ela tampou o rosto com as mãos, eu e Katniss nos olhamos e assim como eu ela parecia surpresa, nós estávamos com tanto medo de contar sobre o passado que não paramos pra pensar nisso, nesse pequeno detalhe que pra ela era muito mais importante que qualquer coisa que já passamos.
– Ele não é meu avô né? – seu rosto ainda estava enterrado em suas mãos e sua voz estava embargada, ela estava chorando, não pela história dos jogos, mas pelo que nós deixamos passar – Não é? – ela perguntou de novo agora sem as mãos no rosto, as lagrimas descendo por eles.
– É claro que é Pérola! Ele é seu avô sim – Katniss falou mas ela negou com a cabeça.
– Ele não é pai de ninguém – ela falou chorando.
– Pérola, presta atenção em mim... Ele não é meu pai! Nem da sua mãe! Mas ele é seu avô sim! Sempre foi e vai continuar sendo! Por que ele te ama e você o ama certo? – eu pergunto e ela apenas me observa – De quem ele é pai ou não, não importa! Ele é o seu avô independente do que te falarem! Ou você vai deixar de gostar dele por isso? – eu perguntei, ela não precisou pensar antes de negar, mas alguma coisa em seu olhar ainda parecia quebrado.
– Eu queria que ele fosse meu avô de verdade – ela confessou e eu e Katniss nos olhamos.
– E ele é seu avô de verdade! – Katniss afirmou dessa vez mais decidida e pensativa -Pérola, quando toda essa confusão acabou seu avô era nossa única família, ele ajudou a mim e seu pai! ELE é nossa família! Eu sei que eu brigo com ele todo dia e que as vezes eu quero que ele suma daqui, mas isso por que ele é um velho irritante... – ela fala e Pérola sorri em meio as lágrimas – Mas ele é nossa família, por isso ele sempre volta no outro dia e por isso eu sempre deixo ele voltar de novo! Não importa o sangue, o que importa é que ele tá aqui! E ele te ama e você o ama! Isso é o que vale, nada mudou, e ele ficaria muito triste em saber que você pensa assim – ela fala e é nessa hora que Pyter abre a porta e entra correndo contando alguma coisa animadamente, Haymitch vem logo atrás dele, assim que ele entra na sala Pérola pula do sofá e corre até ele, ela o abraça quase fazendo ele se desequilibrar, ele ri meio confuso mas a abraça de volta, embora seus olhos encontrem os meus e da Katniss fazendo uma pergunta silenciosa, Pyter pulou no nosso meio e contou sobre como foi a manhã de hoje e enquanto ele falava minha mão encontrou a da Katniss e eu encaixei nossos dedos, e eu soube novamente que tudo ficaria bem. Nós faríamos ficar bem! JUNTOS


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, capítulo grande rs...
tentei ser rápida... Beijos até o próximo, que será provavelmente terça feira rs