Sobre deuses e bruxas escrita por Adriana Swan


Capítulo 1
Capítulo 1




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Hermione preferia estar na Inglaterra com os amigos.

Naquele momento, do outro lado do oceano, Harry deveria estar na Toca com a família de Rony e todos deveriam estar aproveitando o Natal juntos, se divertindo da melhor maneira possível.

E ali estava Hermione, do lado errado do mundo, se sentindo sozinha.

Não que fosse um defeito de seus pais viajarem sempre que podiam, era legal. Mas havia momentos nos quais tudo que a garota queria era poder estar com os amigos, era poder sentar no calor da Toca, calor da lareira mágica e das pessoas, calor dos amigos.

Hermione e os pais haviam chegado a Nova York há dois dias e estavam hospedados na casa de uma tia. Era realmente legal poder conhecer lugares novos e uma cultura um tanto diferente da britânica, mas tudo ali era agitado demais, artificial demais, barulhento demais. Suas primas trouxas, Letty e Lucy, queriam arrastá-la para festas todas as noites, independentemente de quanto Hermione recusasse. Sentia-se de volta a Hogwarts, diante de possibilidades de estar eternamente no Clube de Slughorn e essa perspectiva era de arrepiar.

- Essa noite você vem com a gente – sua prima trouxa falou entrando no quarto animada e jogando um vestido curto sobre os livros de Hermione, na cama. – É um baile na nossa escola, não custa nada. Vai ser bom para você se distrair, tem andado desanimada desde que chegou.

O que a garota chamava de “desanimada”, a jovem bruxa definia como “centrada”. Havia uma guerra na qual pensar, Aquele-que-não-deve-ser-Normeado, os N.I.E.Ms, Rony... não, Rony, não. Havia muitas coisas com as quais ela tinha que se preocupar e Rony não era uma delas.

Sua prima saiu e ela olhou o vestido compenetrada. Deu um suspiro longo. Era preto e colado, um tanto mais curto do que estava acostumada, mas não era indecente, pelo menos sua prima tivera o bom senso de não lhe arrumar um vestido que fosse fazê-la se sentir vulgar. Desanimada, foi tomar um banho e se arrumar. Se as primas não iam desistir antes de arrastá-la até uma festa, era melhor acabar logo com isso.

Xxx

O baile na quadra da Goode High School parecia um baile igual a com todos os outros bailes de escolas, aos olhos de Hermione. Garotas com uma beleza enorme e um ego ainda maior passaram por ela como se ela fosse uma ameba; garotos altos e fortes pareciam magneticamente atraídos para essas garotas; suas primas encontraram os namorados e Hermione foi sentar em um canto da arquibancada vazia, tomando ponche sem álcool e se sentindo sozinha. Enfim, não era tão diferente assim dos bailes de Hogwarts.

Tocava uma música dançante, não tão ruim quanto ela esperava. Os casais se divertiam, parecendo indiferente ao fato daquela música de ritmo agitado ter uma letra triste. Mas quem diabos repararia em letras de músicas quando podia estar nos braços de quem gosta?

Um rapaz se aproximou das arquibancadas vazias e ela quase se levantou, achando que ele ia importuná-la com cantadas nas quais não estava nem um pouco interessada, mas ele passou por ela e foi se encostar na parede, no espaço que separava a arquibancada na qual ela estava sentada da outra a sua direita, não bebia nada e tinha a gravata um pouco folgada.

O garoto parecia alheio a presença de Hermione e ela aproveitou para olhá-lo mais atentamente, uma distração para seu tédio. Era mais alto que ela, devia ter quinze ou dezesseis anos, e ela tinha que reconhecer que era bonitinho. Usava terno, mas parecia desconfortável nele, a gravata folgada como se o incomodasse e os olhos perdidos no meio do povo como se nem os visse. Algo nele passava a sensação de rebeldia, e Hermione não gostava disso, mas devia reconhecer que a imagem do garoto americano solitário e com toque rebelde era interessante. E ai seus olhos encontraram os dele.

E Hermione virou-se para frente, encabulada.

Há alguns instantes quando o garoto se aproximara da arquibancada, Hermione quisera fugir de sua presença só para não ter que lidar com a desagradável possibilidade de uma cantada, mas a coisa complicara um pouco. O rapaz não tinha olhado para ela. Não. Ele percebera que ela estava olhando para ele. A possibilidade de ser cantada não era mais tão real, já que agora ele é que devia estar achando que ela era quem estava dando em cima dele. Isso era tão constrangedor.

Hermione não ia olhar para ele para ver se tinha ido embora. Não ia. O que ele ia achar? Que ela estava interessada e ela não estava. Não ia olhar para trás. Não ia.

E olhou.

E o rapaz continuava olhando para ela.

Ah, ótimo, agora ele devia ter certeza que ela estava interessada nele. Com certeza esse era o momento que ele subiria até onde a garota estava e começaria com aquele papo mole e chato de “você vem sempre aqui”, ainda mais se fosse aluno da escola e notasse que ela não. Mas ela não ia dar espaço a ele. Não ia. Não estava interessada.

Olhou de novo.

O garoto não havia se movido de seu lugar.

Não, Hermione não estava decepcionada com isso, imagine só. Para ficar decepcionada ela precisaria estar interessada nele, e ela não estava. Tornou a olhar o garoto e seus olhos se encontraram. Dessa vez ela não desviou o olhar, dane-se se ele ia pensar que ela o estava cantando ou não.

O rapaz sustentou seu olhar. Não parecia curioso, não parecia interessado, e aparentemente, não planejava flertar com ela (o que para Hermione parecia ótimo), apenas parecia teimoso demais para desviar o olhar primeiro.

A garota levantou, pegou o copo vazio e decidiu se afastar. O que estava fazendo afinal? Agora não poderia mais culpá-lo se ele tentasse chegar nela, o que aparentemente, ele não tentaria (e isso parecia um pouco chato de admitir). Passou pelas arquibancadas e caminhou em direção a saída do salão. Jogou um copo em uma lixeira qualquer e saiu do baile, andado pelos corredores quase vazios da escola. Lembrava que sua prima havia mostrado um banheiro em algum lugar por ali quando chegaram. Empurrou a primeira porta que achou aberta e o casal escondido lá dentro estava tão próximo das vias de fato que a garota deu meia volta imediatamente e retornou ao baile.

O garoto ainda estava no mesmo lugar.

Hermione andou entre as pessoas, sem pressa, a música agora mudando para algo mais romântico e os casais começando a dançar colado, o que de alguma forma só ressaltava sua solidão. Na metade do caminho, um loiro com óculos fundo de garrafa a pediu para dançar, mas ela recusou educadamente. Afinal, não estava mesmo interessada.

Estava voltando para seu lugar na arquibancada, mas parou sem subir. O rapaz ainda a olhava, quieto, sem expressar interesse nem nada. Teria acompanhado-a com o olhar enquanto ela cruzava o salão? O que ele pensaria dela se ela se aproximasse dele? Acharia que ela é atirada? Mas ela não estava flertando com ele. Não estava.

A garota se aproximou e ele desviou o olhar, voltando a olhar para a multidão como se não os visse. Ela não sabia muito bem onde por as mãos, quando encostou-se à parede ao lado dele. Mordeu o lábio, olhando para a multidão também. “Você vem sempre aqui?”. Não, esse era um péssimo começo de conversa, ainda mais se ele fosse aluno da Goode High School.

- Você parece sozinho – ela falou sem pensar.

Ok, Hermione, melhor maneira de todas de abordar um americano bonitinho: insinue que ele é forever alone, isso com certeza vai fazer ele falar com você. A garota se xingou internamente por ter dito isso.

- Você também – ele comentou, parecendo não dar importância. – Não conhece muita gente aqui?

- Não estudo aqui – falou, o olhando de lado. – Vim com minhas primas. Pelo jeito, você também não.

- Estudo – ele falou, sem nem olhar para ela ou dar sinais que quisesse continuar a conversa. A bruxa estava quase voltando a seu lugar se amaldiçoando por ter tido a estúpida idéia de importuná-lo quando ele continuou. – Não conheço quase ninguém, sou novo na escola.

- Entendo – ela comentou, e entendia mesmo. – Também sou ruim em fazer amigos.

- Eu sou ótimo em fazer amigos – o garoto falou, olhou para ela e sorriu. E Hermione não podia deixar de perceber que era um sorriso lindo. – O problema é que sou melhor ainda em fazer inimigos.

Certo, Hermione pensou, ele é um encrenqueiro.

Essa era uma ótima deixa para sair dali o mais rápido possível e se misturar a multidão, mas ela ficou. Seus pensamentos sobre ir ou não foram interrompidos quando uma jovem ruiva apareceu do nada na frente deles com um grande sorriso que se desmanchou ao ver Hermione ali. A ruiva devia ter a idade dela ou ser um pouco mais jovem, usava um vestido rodado a moda dos anos 60 e um casaco de couro cheio de bordados artesanais, uma bota cano longo, e era muito linda. Pareceu extremamente desconfortável ao ver os dois juntos, como se estivesse atrapalhando algo.

- Humm... Percy... eu pensei que... – ela parecia prestes a dizer alguma coisa, mas pensou melhor e voltou atrás. – Você quer dançar?

- Ah, Rachel, eu adoraria, mas... – ele pareceu procurar uma desculpa mentalmente para poder dispensar a ruiva. Lançou um olhar de relance a Hermione e continuou. – Não vai dar. Espero que entenda.

- Claro, claro – a menina falou, claramente magoada. Lançou um último olhar enciumado a Hermione e se afastou de cabeça baixa.

A bruxa queria matá-lo.

- Você me usou para fazer ciúmes naquela garota?! – ela falou com vontade de esganá-lo.

- Não – ele respondeu se fazendo de ofendido. – Eu não disse nada.

- Acha que sou idiota? – indagou irritada. – Você me usou. A garota agora deve estar pensando que está rolando algo entre nós.

- Rachel não está pensando nada e não está rolando nada entre nós – ele continuou cético, sem dar tanta importância ao ocorrido. – Além do mais, não tenho nada com a Rachel.

Isso parecia encerrar o assunto para ele, mas a bruxa ainda sentia as entranhas ferverem de raiva.

- Seu sotaque é legal – ele continuou com um sorriso brincando no canto direito de seus lábios. Por Merlin, é muito difícil sentir raiva de alguém com um sorriso tão bonitinho.

- Sou britânica – ela comentou como se fosse óbvio.

- Ah, legal – o rapaz comentou, parecendo realmente impressionado. Em seguida estendeu a mão. – Sou Percy Jackson.

- Hermione Granger – ela apertou a mão dele. O aperto de mão dele era firme.

- Gostando de Nova York?

- Aham.

Não deve ter sido muito convincente, já que ele ergueu as sobrancelhas.

- Não gostar de Nova York é uma ofensa, heim – ele falou, mas seu tom era mais divertido do que ofendido. Era o típico Nova Yorkino apaixonado pela sua cidade.

- Não é ruim – ela falou tentando se corrigir – é só mais barulhento e agitado do que estou acostumada.

- Ah, entendo. Do que gosta?

- Bibliotecas, museus, alguns pontos históricos interessantes, mas tudo aqui me parece agitado demais para um pouco de reflexão – ela comentou com um suspiro. Bailes de escola com certeza não faziam parte de seu itinerário favorito de viagem.

- Temos museus e uma biblioteca exemplar. Já foi a nossa Biblioteca Pública? – ele perguntou, se virando para ela.

A bruxinha se sentiu um pouco desconfortável agora que estava no centro das atenções do jovem americano.

- Ainda não. Minhas primas sempre me arrastam para lugares mais badalados que bibliotecas – respondeu sem saber de novo onde por as mãos. Desde seus encontros com Victor Krum no quarto ano, Hermione não se sentia tão sem graça.

- Cara, você tem que conhecer a Biblioteca Pública de Nova York – falou orgulhoso – é uma das cinco mais importantes bibliotecas dos Estados Unidos e uma das maiores redes de pesquisa em bibliotecas do mundo. Fora que tem a seção de raridades onde você pode encontrar desde cartas de Cristovão Colombo até manuscritos de Shakespeare. E a arquitetura clássica é maravilhosa.

A única coisa que Hermione conseguiu pensar foi “uau”. Ele devia gostar mesmo de livros e bibliotecas e isso por si só já a deixava muito mais aberta a conversar. Nunca achara um garoto que gostasse de bibliotecas como ela. Agora que estavam tão próximos, a garota podia observá-lo melhor. Ele tinha uns olhos verdes tão bonitos...

- Hermione, finalmente! Estávamos te procurando há um século – Comentou sua prima mais nova, Lucy, que vinha do meio do salão arrastando a irmã mais velha, Letty. Elas pararam subitamente e olharam de Hermione para Percy e depois de volta para Hermione. – Você está com... er... vamos para casa, sim?

- Claro – ela concordou apressada, se afastando dele um tanto desapontada em ter que ir agora. – Foi um prazer, Jackson.

- Aham – ele concordou, parecendo querer dizer algo mais, mas ficou quieto. Sua prima pegou seu pulso e já ia arrastando-a dali quando ele decidiu falar de novo. – Hey, você gostaria de conhecer a Biblioteca Pública amanha?

A garota parou sentindo o coração acelerar. Ele a estava convidando para sair?! Olhou para Lucy e Letty que tinha uma expressão que dizia claramente que aquilo era uma péssima idéia.

- Hum, eu não sei... – ela começou tentando recusar educadamente.

- Não é um encontro – ele a cortou apressado, - é só, você sabe, conhecer a biblioteca. Tenho certeza que você vai gostar.

Ela mais uma vez olhou as primas e mordeu o lábio. Queria ir. Lucy a olhava como se fosse capaz de esganá-la se ela aceitasse, mas Letty respondeu por Hermione.

- Nós vamos levar Mione a biblioteca depois do almoço. Se quiser, apareça por lá, Percy – falou Letty, indiferente.

Ele sorriu aliviado.

- Pode apostar que irei sim.

Xxx

Hermione sentou na cama e tirou o salto alto, seus pés doíam muito. O vestido justo já não a incomodava. Na verdade, a fazia se sentir bonita e vaidosa, o que era bem raro. Letty, sua prima de 16 anos (mesma idade que a sua) sentou-se diante da penteadeira e começou a remover a maquiagem sem pressa, enquanto Lucy, de 15 anos, andava de um lado para o outro do quarto só de calcinha e sutiã procurando onde guardara as pantufas.

- Hermione, precisamos ter uma conversa séria – Lucy começou, olhando debaixo das camas. – Acho que você não devia ir a biblioteca amanha.

- Deixa ela ir – falou Letty entediada enquanto ensopava o algodão com demaquilador. – Ela vai adorar a biblioteca.

- Vocês sabem do que estou falando – Lucy resmungou. – Não devia ter um encontro com Percy Jackson.

- Humm, - Hermione não contrariaria a prima, ela com certeza sabia melhor no que Mione estava se metendo. – Ele tem namorada, é isso? A garota chamada Rachel?

- Que Rachel? – Letty indagou. – Rachel Dare? A filha do milionário? Não, eles não namoram, não. Nem sabia que eram amigos.

- Hermione, esse Percy é encrenca – Lucy falou curta e grossa.

A britânica entendia muito bem de garotos que eram encrenca. Harry poderia ser considerado encrenca, dependendo do ponto de vista, assim como Malfoy. Ela podia lidar com encrencas como Harry, mas se fosse um Malfoy da vida ela ia querer distancia.

- Que tipo de encrenca?

- As piores possíveis – Lucy falou sentando ao lado dela, ainda vestindo apenas as roupas íntimas e agora, um par de pantufas de coelho. – Até ficha na polícia dizem que ele tem. É um marginal. Já foi expulso de meia dúzia de escolas, até mesmo da escola para garotos problemas. Ele até já colocou fogo numa sala da Goode High School e bateu numa líder de torcida, e olha que ele é novato.

- E mesmo com esse histórico ele não foi expulso da Goode High School? – Hermione indagou incrédula, erguendo as sobrancelhas.

- Todo mundo sabe que ele só não foi expulso ainda porque a mãe dele é uma vadia e está dando para o professor de inglês para conseguir mantê-lo na escola – informou a mais nova.

- Credo, Lucy, - Letty exclamou, se virando horrorizada. – Que comentário horrível de se fazer.

- Todo mundo sabe que é verdade- Lucy revirou os olhos para o teto diante da surpresa da irmã e se virou de novo para Mione. – Ele é um encrenqueiro, não tem valores de família como a gente. Foi criado pela mãe solteira que levava os namorados para casa, nem pai tem. Agora a mãe está dando para o prof. Paul Blofis para que ele não seja expulso. Dizem que ele e a líder de torcida estavam transando na sala de música antes dele espancar ela.

- São só boatos maldosos – Letty interrompeu impaciente. - E se tivessem um mínimo de verdade, ele já teria sido expulso. Eu até acho Percy bem na dele. Quer saber? Vou com você a biblioteca amanha, Hermione, e não dê ouvidos as histórias da Lucy.

Era difícil não dar ouvidos quando alguém diz que o garoto que você está prestes a ter um encontro parece um marginal violento com problemas com a mãe. Não que Hermione não pudesse se defender (bastava levar sua varinha para emergências), mas mesmo assim foi dormir extremamente preocupada.

Xxx

Percy tinha razão, a biblioteca era maravilhosa.

Hermione e Letty foram sozinhas, depois que Lucy lhes dera todas as instruções de como chamar a polícia da forma mais dramática possível. Letty a ajudara a se arrumar, o que era uma sorte, já que Hermione não tinha idéia do que fazer para arrumar o cabelo sem usar magia.

Andaram juntas por quase meia hora pelas tantas salas repletas de livros. Letty foi educada o suficiente para esconder o tédio enquanto a bruxinha se deleitava com tantos títulos e temas diferentes. Poderia passar um mês ali dentro e não seria o suficiente. Estava tão encantada com a quantidade de livros que já havia até esquecido porque estava ali, quando sua prima parou e apontou uma mesa distante no fim da sala principal de estudos. Ele vestia uma calça cinza escura, all stars e um suéter azul escuro por cima de uma camisa xadrez. Parecia um menino de família e isso era tão adorável. Estava sentado em uma das mesas de estudo lendo atentamente um grande livro de aparência antiga. Aquela imagem fazia as borboletas no estômago de Hermione voarem agitadas. A imagem de Percy tão comportado e tão bonitinho na biblioteca varreu da mente da bruxinha todos os avisos de Lucy.

- Vejo você em casa, prima – Letty falou sorrindo.

- Você não vai me deixar sozinha com ele – Hermione ralhou ficando subitamente nervosa.

- Não ligue para as coisas que Lucy disse. São só boatos, não precisa ter medo dele – Letty explicou, compreensiva.

- Não estou com medo dele. – Hermione falou, alarmada e era verdade. Não estava com medo dele, estava com medo de ficar sozinha com ele, e isso era completamente diferente.

A prima riu e se despediu a abandonando. A britânica se xingou mentalmente. Não tinha um encontro de verdade desde o quarto ano, com Victor, mas estava em Hogwarts, que era seu mundo. Ali em Nova York, era o mundo de Percy, não o dela, e isso a incomodava. No ano anterior fora acompanhada ao Clube de Slughorn, mas foram encontros tão patéticos e stressantes que ela nem contava. Era a primeira vez desde Victor que ela sentia um frio na barriga.

Percy só notou sua aproximação quando ela já estava bem perto da mesa, então ele levantou o rosto do livro e sorriu para ela. E por Merlin, que sorriso era aquele?! Aliais, agora que ela podia vê-lo sem a semi-escuridão e os jogos de luzes do baile da noite anterior, ela podia ver melhor seus olhos. Eram verde-mar. Que olhos maravilhosos eram aqueles?! Certo, os olhos de seu melhor amigo Harry também eram verdes e lindos, mas ela não queria pegar Harry, então era diferente. Espere, ela também não queria “pegar” Percy, que pensamento louco havia sido aquele? Ah, Merlin, ela estava surtando.

- Eu estava esperando por você – ele falou e sorriu mais ainda.

Hermione sentiu uma necessidade enorme de sentar, não confiando em suas próprias pernas.

- Oi – ela começou, sem saber o que dizer. Precisava treinar mais esse negócio de encontros. – Que livro é esse que você está lendo?

Esse era um bom começo para conversa, já que livros era um assunto que ela dominava bem.

Percy Jackson, no entanto, franziu o cenho e tornou a olhar o livro. Ele não sabia qual o título do livro que estava lendo?! Com uma pontada de desapontamento ela percebeu que ele estava com o livro aberto numa página cheia de figuras, desenhos de fachadas de construções antigas, como os templos gregos. Será possível que ele estava com o livro só olhando as figuras?! Aquela história toda no baile sobre as maravilhas da biblioteca era só papo para flertar com ela?! Era tosco demais para ser verdade.

- Er... O Tempo do... não, espera, O Templo do... – ele mordeu o lábio, parecendo fazer um esforço para entender o título.

- O quê?! – ela indagou, realmente incrédula. – Você não sabe ler?!

- Sei – ele exclamou, mas em vez de ofendido, parecia profundamente envergonhado. Seu rosto corando violentamente enquanto ele se concentrava nas letras do título. – É só que...

Ok, Hermione precisava rever o conceito de ser tosco a partir de Percy Jackson. A britânica conhecia muita gente lerda, conhecia sim, havia muita gente em Hogwarst que a fazia pensar em como passavam de ano, mas estar no colegial sem saber ler era um nível de tosco que igualava aos trasgos. Lucy devia ter razão, vai ver a mãe dele estava mesmo dando para um professor para mantê-lo na escola e isso era mais bizarro ainda.

- É que... – ele continuava, seu rosto vermelho de vergonha, - tenho problemas com as letras... elas ficam... misturando.

A voz dele foi sumindo e no final não passava de um sussurro quase inaudível. A garota franziu o cenho e levou alguns segundos para entender.

- Você é dislexo – ela falou, mais afirmando do que perguntando.

Ele concordou com a cabeça engolindo em seco.

- Quando fico nervoso fica mais complicado ainda – ele admitiu, parecendo encabulado em admitir que estava nervoso. Hermione achou isso lindo. – Também tenho TDH, transtorno de déficit de atenção, mas em geral, em grego eu leio muito bem.

Mione riu. Certo, o americano não era completamente tosco, era uma gracinha também.

- Você vem sempre aqui? – Hermione perguntou. Ele sabia demais sobre a biblioteca para ser tudo só um truque para seduzi-la. Ele concordou com a cabeça.

- Quando posso. Me faz lembrar de... – ele falou, subitamente voltando o olhar para os desenhos arquitetônicos no livro e o fechando. – ...um monte de coisas.

- O que mais gosta de ler? – perguntou, querendo pegá-lo na mentira.

- Mitologia – respondeu de imediato.

- Deuses e tudo mais? – ela perguntou com um sorriso cético.

- É – ele respondeu sorrindo, sincero - principalmente o tudo mais.

- Quem é Plutão na mitologia? – ela indagou, sabendo que erraria.

- Er... acho que você não está se referindo ao planeta – ele falou, vacilando em sua confiança.

- E Júpiter? – ela continuou, não evitando um sorriso.

- Er... outro planeta? – ele arriscou e Mione riu abertamente. Ele também riu um pouco. – Desculpe, sempre entendi mais da parte do mar, da mitologia dos deuses marinhos e tal.

- E quem foi Netuno? – ela perguntou por último.

- Quem?! – ele indagou, sem ter idéia de quem ela estava falando. Hermione riu muito dessa vez, divertida pela cara de quem não estava entendendo nada que ele fazia.

- O deus do mar, Jackson – ela falou, não conseguindo não rir. Ele riu com ela também. – Aquele que você disse que entendia mais.

- O deus do mar é Poseidon – ele corrigiu, também divertido.

- Plutão, Júpiter e Netuno pertencem a mitologia romana, representam Hades, Zeus e Poseidon. Achei que gostasse de mitologia – ela riu. Era engraçadinho o ver tentando impressioná-la, apesar de obviamente ele não entender nada do que estava falando. – Ver filmes de ação com deuses gregos não conta como entender de mitologia.

Ele juntou as mãos como se pedindo misericórdia.

- Eu me rendo, senhorita britânica, mas foi golpe baixo usar mitologia romana. Não entendo nada disso – ele se defendeu, sorrindo.

- Vamos ver sobre o que entende, senhor Jackson – ela riu, mas o sorriso morreu em seu lábios. Estava até sendo um bom encontro, e o último assim fora com Victor Krum. Mas esse garoto americano não era como Victor ou como Rony, ele nem era como Hermione, ele era um trouxa. Podia sentar numa mesa de biblioteca uma tarde inteira flertando e debatendo sobre mitologia que ele não entendia nada sem ter que se preocupar com sua vida ou com uma guerra lá fora. Infelizmente a vida de Hermione não era assim. – E sobre bruxas, o que sabe, Jackson?

Ele pareceu intrigado com a pergunta, talvez porque ela parara de sorrir. Olhou para cima fingindo refletir e respondeu ainda divertido, mas Hermione já se sentia mais séria. Não havia espaço para se divertir com garotos trouxas em sua vida.

- Pouca coisa. As bruxas vivem escondidas por ai. Devem voar em vassouras, porque seria muito legal se fizessem isso. Ter varinhas mágicas. Dizem que são feias, mas eu sei que são lindas e podem seduzir qualquer um – ele riu e tornou a olhar Hermione, mas ela estava séria. Não devia ter perguntado. A resposta brincalhona dele só a fez se sentir mais distante. Como ela podia estar em um encontro com um trouxa?! – E sei que há muitos milênios, Hécate, deusa da Magia e filha da Noite, deu as bruxas sua benção e as ensinou a dominar a magia e a névoa, permitindo que elas controlassem algumas forças do mundo. Hécate tem muitos poderes diferentes e assim, as bruxas também os têm. A maior parte delas são extremamente perigosas, em especial, porque podem se misturar ao mundo mortal sem serem notadas, te atrair e te destruir. Bruxas têm a benção da escuridão.

Hermione e Percy se encararam em silêncio.

Certo, Hécate não era uma deusa que você veria facilmente em filmes épicos. A resposta culta surpreendeu completamente a garota, ainda mais, porque havia certa intensidade nele enquanto dizia aquilo. Até os olhos verdes pareciam mais profundos. Tosco não era mais a palavra certa.

- Você parece ter estudado bastante sobre Hécate – falou, tentando não transparecer que estava impressionada.

- Ela era grega – ele assentiu dando de ombros. – E romana, acho. Que me lembre, a magia é imutável em todas as culturas. Ela existe com a anuência dos deuses e para assombro dos mortais que não a compreendem.

A bruxinha forçou um sorriso triste. Percy era trouxa e não compreendia a magia sobre a qual falava tão abertamente. Se ele soubesse. De repente, Hermione se sentiu muito sozinha longe de Hogwarts, longe dos amigos, em meio a um mundo tão trouxa que ela jamais poderia sequer citar a este garoto americano o que ela era de verdade. Qual o sentido de estar ali, então?

- É melhor eu ir embora – falou de repente.

- Agora? – ele pareceu surpreso. – Mas... começamos a nos entender.

A forma como ele pronunciou a palavra “entender” tinha o significado mais amplo do que deveria, e a idéia não parecia ruim a Hermione. Ela só não podia se dar ao luxo de viver isso.

- Meus pais estão me esperando e... – ela pensou em uma desculpa, mas não era boa com isso. Na verdade, não era boa com encontros. – Não importa.

Ela se levantou e se dirigiu a saída sem olhar para trás. Sabia que devia estar agindo feito louca, mas uma saudade avassaladora de Hogwarts tomava seu peito e a fazia ver que seu lugar não era ali. Do outro lado do mundo, numa biblioteca trouxa tendo um encontro fajuto com alguém que ela deveria esquecer em duas semanas. A quem ela queria enganar? Não podia lutar para salvar o mundo e ter uma vida normal nos intervalos.

- Hermione – Percy a alcançou perto da porta.

- Jackson, eu realmente tenho que ir embora...

- Quer ir ao baile comigo amanhã á noite? – perguntou rápido, como se temesse mudar de idéia.

- O quê?! – ela indagou incrédula. Havia praticamente o dispensado ao levantar da mesa subitamente e agora ele a convida para ir ao baile. Como assim?!

- O baile. Lucy deve ter te falado. O Goode High School está fazendo montes de bailes na quadra da escola para manter os estudantes mesmo durante as épocas de feriados para conquistar os jovens. Eu achava que a pessoa tinha que ser bem idiota para querer estar na escola durante os feriados, mas pareceu uma boa idéia, agora – mas uma vez, falou rápido, como se temesse perder a coragem.

A britânica o encarou, séria.

- Não, obrigada.

Por um momento ele não reagiu. Quando a surpresa foi se formando nos olhos verdes, parecia tão genuína que a bruxinha se pegou pensando se ele já havia levado um fora na vida, e sua mente acabou lembrando de Lucy mencionar algo sobre ele ter espancado uma líder de torcida na escola. Naquele momento, pareceu um pensando bem perturbador.

- Hum – ele abriu a boca, aparentemente sem saber o que dizer. – Certo, então. Tudo bem. Me ligue se mudar de idéia.

Ela forçou um sorriso sem graça. Não iria ligar. Não iria mudar de idéia.

Sem dizer mais nada foi embora.

Xxx


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