Katniss

Era noite e eu deveria ir dormir já que tenho que acordar cedo amanha. Mas o barulho de Haymitch quebrando as coisas no andar de baixo não me deixavam.

Ele havia começado a beber assim que minha mãe ficou de cama. Haymitch não aguentou o tranco. Minha mãe estava paralitica e ele tinha duas crianças para cuidar sozinho. Não aguentou nem o primeiro ano. Comecei a trabalhar com quinze, um ano depois do acidente, e ele foi despedido do emprego e ficava em casa bebendo e resmungando, sem coragem suficiente para entrar no quarto em que minha mãe esta.

Ando de um lado para o outro em meu quarto. Não conseguia sustentar minha família apenas com o dinheiro que eu ganhava na padaria, era estupidamente pouco para alimentar quatro bocas, principalmente uma boca que não podia se mexer.

Eu tenho que dar um jeito. Tenho que cuidar da minha família.

Prim dormia no quarto ao lado. Ele era um pouquinho menor do que um armário de vasouras, e ela já tinha doze anos, não podia ficar lá pra vida inteira. Mas Haymitch havia ocupado o quarto de hospedes, que era ao menos um pouquinho maior que um armário de vasoura.

A vida é uma bosta.

Deito-me na cama com um nó no estomago. Eu tinha que cuidar da minha família, mas como?

...

Pegava meu livro de historia no armário quando Clove aparece abrindo seu armário, que ficava ao lado do meu. Ela estava com os fones de ouvido, seu cabelo dessa vez estava preso em um rabo que caia sobre seu ombro. Ela se estica para pegar algo no alto do armário e vejo sua carteira cair de seu bolso. Clove não percebe, pega alguns cadernos e livros fecha a porta e vai embora. Agacho para pegar a carteira no chão. Contra minha vontade eu a abro.

Dentro havia cinquenta dólares, um cartão de credito e sua identidade.

Devolva a carteira logo. –diz uma vozinha em meu inconsciente.

Qual é?Sua mãe esta em uma cama, seu pai é um bêbado e você precisa sustentar toda sua família. Clove tem dinheiro, não vai se importar de perder cinquenta dólares. –diz uma outra voz, mais forte do que a primeira.

Chego finalmente a uma conclusão. Eu ia deixar a carteira nos Achados e Perdidos depois, só que os cinquenta dólares não estariam junto.

Coloco a carteira na bolsa, mas deixo os cinquenta dólares em minha carteira, e vou em direção de minha próxima aula.

Chego na sala um minuto antes que o sinal batesse e sento-me em um dos único lugares vagos, que era ao lado de Cato. Ele não olha para mim, assim como eu imaginava que fosse fazer. Tenho que admitir que estava com um pouquinho de raiva dele. Se Clove não tivesse feito dupla com ele, faria com Clark, o garoto mais esquisito do colégio, e eu não teria que fazer dupla com ele.

Olho de relance para o loiro e vejo que ele arranhava alguma coisa na mesa com um compasso. Não pareceu ligar quando eu tentava espiar o que era.

–Bom dia,alunos, por favor, abram os livros na pagina cento e quarenta e retomaremos a matéria sobre a Guerra Fria, que será o conteúdo da próxima prova. –eu desligo depois disso.

Não me importava com a Guerra Fria nem com qual seria minha nota na próxima prova de historia. Só me importava com o dinheiro pesando em meu bolso.

Isso não errado, preciso de dinheiro pra sustentar a família e tenho certeza que Clove esta em uma condição social bem acima da minha. Pelo o que eu sei sua mãe é medica e seu padrasto é um advogado ou algo do tipo. Minha mãe era um invalida e meu pai um bêbado.

–Cato preste atenção, por favor! –a professora grita no meio da aula me fazendo acordar.

Escuto o garoto suspirar pesadamente. A professora volta a explicar.

–Inferno. –murmura ele.

Quando o sinal bate, Cato sai em disparada em direção da porta. Olho para sua carteira para ver o que ele tinha arranhado.

“Foda-se”

Muito maduro. Penso e sigo para fora da aula.

...

Tentava me manter atenta ao cobrar os clientes, minha mente estava enevoada pelo sono e o desgosto. Deixei a carteira de Clove nos Achados e Perdidos, sem o dinheiro obviamente. Só me perguntava como cinquenta dólares ia me ajudar em alguma coisa. Talvez se eu achasse mais carteiras dando sopa com cinquenta dólares cada uma...

–E ai Kat? –Peeta me cumprimenta.

–Oi. –sorrio, mesmo não prestando muita atenção.

–Teve um bom dia?

–Sim. –não sei se era mentira. Hoje poderia ser considerado um dia neutro. Se não fosse aquele fato que mantém minha mente ocupada. –E você?

–Bombei no teste de matemática e meus pais vão arrancar um dos meus braços e tatuar equações no outro. É acho que foi um bom dia.

Rio e ele sorri.

–Tenho que pegar umas coisas lá atrás. –me avisa. –Mas estou esperando uma pessoa chegar, pode dizer a ela que já estou vindo?

–Ela? –provoco-o.

–É uma amiga, Kat.

Ele começa a ir para o almoxarifado.

–Sei. –digo e ele ri.

Quando ele se vai, fico ali simplesmente olhando para os doces do outro lado da loja e me sentindo ressentida.

São só cinquenta pratas!

Mas não eram só cinquenta pratas, eram cinquenta pratas de Clove.

Fecho os olhos com força tentando afastar a dor de cabeça que começava a me atingir.

–Ah, com licença. –abro os olhos para encontrar uma garota ruiva parada em minha frente. –Pode me dizer se o Peeta esta?

Era essa a garota então? Ela era bonita, mas seus cabelos ruivos estavam meio bagunçados e os olhos verdes pareciam perdidos em outra realidade.

–Ele já esta vindo. –respondo ainda a analisando criticamente. –Pode esperar aqui se quiser.

–Ah, claro.

De onde Peeta a conheceu? Por que ela tinha um sotaque estranho? Sentia algo amargo em relação a essa garota. Desde quando se encontra com pessoas em uma padaria?

–Annie? –Peeta havia voltado.

A garota, Annie, sorri para Peeta e corre até ele o dando um forte abraça. Acho que eu vou vomitar.

Depois Peeta diz que vai ir para o intervalo e não volto mais a vê-lo.