Sento no quintal da casa onde moro com um pedaço de pão em uma mão e uma garrafa de Whisky na outra. Mal me ajusto no banco e os gansos já se aproximam. Jogo o pão de qualquer jeito e os assisto brigar pelo pedaço de comida enquanto bebo o conteúdo da garrafa.

Já faz um ano que a guerra acabou e que os rebeldes venceram. Um ano sem Snow, sem Jogos Vorazes e tributos mortos. Apenas eu, Katniss e Peeta, minhas garrafas e os gansos. Sinceramente, não sei de onde saiu a ideia de criar esses bichos. No início eram apenas dois, mas eles foram crescendo e o tempo foi passando e agora já são sete, ou dez, eu não sei. Só sei que eles fazem um barulho dos infernos, o que não é o som mais agradável quando se acorda com uma ressaca horrível, mas eu gosto deles. De longe as criaturas mais fáceis de suportar com quem eu já convivi.

A revolução não mudou muito a minha vida, continuo o mesmo bêbado inútil e meus pesadelos ainda me atormentam. A única diferença é que parece que não me encaixo nesse mundo novo, com todo mundo vivendo suas vidinhas medíocres fingindo que os Jogos nunca aconteceram. A quem eles querem enganar? As marcas dos Jogos Vorazes estarão sempre presentes, ao menos para mim.

Perdido em pensamentos, Haymitch não nota Peeta se aproximar com uma cesta na mão até que o mesmo cumprimenta-o.

– Olá Haymitch! Como vão os gansos? – pergunta o garoto animado

– Bem, eu acho... – responde sem dar muita importância

– Legal. Eu trouxe um pouco de bolo e pão para você

– Obrigado garoto. – fala Haymitch tomando outro gole da sua garrafa

– Sabe Haymitch, porque você não vem jantar conosco hoje? Eu acho que uma refeição normal faria bem para você.

– Normal? Pra que? E além do mais eu tenho certeza que eu não sou a primeira opção de convidado da Katniss.

– Mas Haymitch, você tem que sair um pouco. Eu e Katniss achamos que você deveria fazer algo além de beber até cair.

–E eu faço. Eu crio gansos – ele diz e exibe os animais com as mãos – E eu não vejo problema nenhum em beber. Na verdade, eu prefiro essa belezinha aqui – diz ele balançando a garrafa na direção de Peeta - a vocês dois.

– Por favor Haymitch! Você tem que sair dessa casa, socializar com as pessoas. - Peeta tenta convencê-lo

– Eu ainda não te chutei pra fora daqui. Isso não conta como socializar?

– Nós só estamos tentando te ajudar Haymitch. Toda essa bebida ainda vai te matar e você sabe disso!

– E quem disse que eu quero a droga da ajuda de vocês? Eu não preciso, tá bom? Vão viver a vidinha chata de vocês e me deixem em paz! Eu bebo porque eu quero e não importa o quanto vocês falem, eu vou fazer o que eu quiser! – grita o homem irritado

Peeta apenas olha para o ex-mentor com um misto de reprovação e pena e dá meia volta, distanciando-se de Haymitch.

“Quem ele acha que é?” pensa Haymitch ao beber outro gole de sua garrafa. “Ele acha que pode vir aqui e me dizer o que fazer? Acha que eu preciso da ajuda dele e da namoradinha? Foda-se a ajuda deles! Eu tenho as minhas garrafas. E os gansos. Do que mais eu preciso?” Ele diz a si mesmo ao trazer a garrafa aos lábios novamente e tomar outro gole.

–Hein? Do que mais eu preciso? – ele pergunta para o ganso próximo a onde está sentado, já alterado pelo álcool.

– Me fala! – ele grita para o ganso.

O ganso começa a se mexer e grasnar, incomodado com os gritos do bêbado. Ele vai em direção ao dono emitindo ruídos altos e desconexos e inesperadamente bica a mão que Haymitch segurava sua preciosa garrafa, fazendo com que o ex-mentor derrube-a no chão

– Mas que merda é essa?! – esbraveja o homem levantando-se aos pulos procurando afastar o animal com os pés. – até você seu ganso desgraçado?! Até você quer controlar a minha bebida? Já não basta aquele padeiro intrometido?!

O ganso agita-se ainda mais com a gritaria de Haymitch e volta a grasnar

– E cala essa boca! – ordena o homem sem obter sucesso

–Que barulho horrível! Até parece a Trinket!

Ao falar isso memórias de vários momentos passados com Effie invadem a sua mente. Ela tem estado em seus pensamentos nos últimos meses, em uma quantidade de vezes muito superior a que ele gostaria.

Atordoado com seus pensamentos e o barulho dos gansos, Haymitch decide voltar para dentro de casa.

O bêbado vagueia pela casa cambaleando a procura de outra garrafa. Ele pega a primeira que encontra, senta no chão e começa a beber imediatamente, pois ele sabe que as sensações que tem ao pensar na mulher são fortes e confusas demais para ele aguentar sem a ajuda do álcool. E assim Haymitch bebe a primeira garrafa, procurando afogar a culpa, a raiva e o arrependimento que sente ao lembrar do seu passado com Effie.

Logo ele acaba a primeira garrafa e inicia outra. E assim, lentamente bebe até perder os sentidos, na esperança de esquecer sua última memória ao lado dela, o motivo de seus pesadelos. O dia em que ele a deixou.