Em Família escrita por Aline Herondale


Capítulo 1
Postumamente


Notas iniciais do capítulo

Olá,
Mais uma fic original no Nyah!
Espero que gostem.



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Assim como todas as manhãs, acordei cedo. O sol acabará de sair e um tempo fresco, característico de início de dia, pairava sobre o ar, ao redor da casa, sobre todo o jardim.

A verdade era que hoje não seria um dia, como os outros. Não. Muitas coisas mudariam a partir dali. E uma delas seria eu. Talvez você ainda me veria com a mesma expressão – sem emoções – no rosto, a mesma pele translúcida desprovida de manchas, o mesmo cabelo negro e os mesmos olhos, cujas cores ainda não descobrira serem verdes ou negros. Talvez até tentassem exibir a cor da grama do jardim, mas uma predominância negra os impediam de se destacar mais. E como se não bastasse, um erro genético havia colocado uma pequena quantidade de castanho em meio a guerra que as cores travavam na minha íris – deixando uma “mancha”, ou, se preferir, pode chamar de heterocromia sectorial.

Uma verdadeira aberração.

Esta sou eu. Evie Biltmore. Menina -mulher que acabara de ganhar o que todos os adolescentes normais ansiavam a vida inteira; a falsa liberdade. Dezoitos anos completos. Mas como a verdadeira aberração que sou, isso não me atingiu de nenhuma forma. Afinal, o que ter dezoito anos de vida poderia mudar na minha vida, que valesse a pena ansiar de modo tão doentio? Obviamente, nada.

Eu nunca entenderia a mente de um adolescente normal.

O universo sempre adorou se divertir às minhas custas, e como se não bastasse eu ser eu, ele decidiu que era preciso pagar um preço pela minha maioridade. Só não soube que cobraria tão alto.

Eu corria pelo jardim com meu vestido branco que batia nos tornozelos, sem mangas e de botões frontais, sobre meu colo. Seu tecido leve tremulava enquanto eu corria por entre as árvores e arbustos, procurando. Procurei em meio às enormes pedras arredondas onde os lírios brancos haviam nascido em volta, nos arbustos perto da casa da Senhora Deville e por fim o encontrei sobre um dos ipês brancos. A fita amarela que envolvia a caixa de sapato branca chamou minha atenção. Escalei a árvore e abri o presente, deixando a tampa cair. Um embrulho amarelo preenchia o interior da caixa e quando o desdobrei havia apenas uma única chave no seu interior.

Franzi o cenho, afinal não era aquilo que esperava encontrar.

Desde que eu começara a dar meus primeiros passos, aos sete meses, meu pai escondia meu presente, uma caixa branca envolvida numa fita amarela, no jardim da nossa casa. E todas as manhãs do dia do meu aniversário eu acordava junto ao sol para demorar cerca de duas à três horas para achá-lo. Amava quilo. Mesmo sabendo que sempre encontraria os mesmos pares de sapato, eu não me cansava. Nunca me cansaria. Mas dessa vez não havia nenhum Oxford branco com preto, apenas uma chave – velha e enferrujada. Me perguntei o que ela abriria.

E foi quando tudo começou.

Ao voltar para casa encontrei os criados correndo para todos os lados e gritos de minha mãe ecoavam por toda a mansão. Não foi por minha mãe estar guinchando que eu soube que algo não estava certo, foi ao ver a Senhora Deville cruzar a sala carregando meu bolo em mãos. Meu pai não havia chegado então ele deveria continuar sobre a mesa de jantar até que pudéssemos – todos juntos – cantar meus parabéns. E ela, mais do que ninguém, sabia que só então tinha autorização para retirá-lo. Mas ela havia acabado de adentrar a cozinha, indicando que algo realmente não estava certo e eu precisava perguntar-lhe o porquê.

- Um homem de família. Marido devoto à esposa, Lena, amado pai de sua filha, Evie. Ele era um exemplo para a nossa cidade. Um homem que anda através do mundo com franqueza, honestidade e integridade. Bryan Biltmore foi tirado de nós por um acaso cruel do destino.

- Evie... – chamou uma voz sussurrando meu nome. Eu estava parada ao lado de minha mãe, que encarava as próprias mãos desde o início do discurso do padre, junto a outras vinte pessoas, incluindo amigos e parentes. Nunca imaginei que o funeral do meu próprio pai teria tão poucas pessoas. Talvez o meu sim, mas não o dele.

Eu encarava seu caixão preto envernizado, posicionado ao lado da sua sepultura, quando escutei a voz sussurrar meu nome. De início pensei estar com devaneio mas então ela chamou uma segunda vez.

- Evie...

- Os motivos são desconhecidos e misteriosos. – continuou o padre.

Em instinto, olhei para o ponto mais alto do cemitério, à minha direita, e vi uma silhueta.

Um homem ao longe encarava-nos com as mãos nos bolsos da calça e com óculos escuros cobrindo seus olhos. Inicialmente acreditei ser alguma estátua mas havia um sorriso em seu rosto.

– Um acidente que ninguém jamais teria previsto. Teria sido impossível, até para um arquiteto notável, feito Bryan, entender o grande planejamento de Deus.

O homem permaneceu parado por exatos três segundos e depois se virou partindo. Mesmo com a distância e o fato do sol fazer-lhe sombra no rosto, consegui distinguir o singelo sorriso que exibia no rosto. Que tipo de pessoa sorria num cemitério?


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Notas finais do capítulo

NÃO ESQUEÇAM DE DEIXAR UM COMENTÁRIO.
Até o próximo o
XOXO