Além dos Mortais escrita por Ádrila Agnes, victor hugo


Capítulo 29
A Deusa, os Lutadores e o Possesso




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A situação era caótica.

Sierra estava caída em um chão, arfando desesperadamente e com uma cicatriz ensanguentada atravessando sua bochecha. Ao seu lado, Brianna chorava mais do que a própria irmã, abraçando seu corpo e tentando reconforta-la com suas palavras. A alguns quilômetros dali, a mesma coisa acontecia com Dean e com Jake, onde Luki, desesperadamente, concentrava todas as suas forças em tentar resgatar qualquer vestígio de vida que ainda pudesse estar presente no corpo inerte de Jake.

O pai de Savanna, Hélio, estava caído no chão, também inerte, embora ninguém pudesse fazer nada para socorrê-lo naquele momento – isso é, se pelo menos estivesse vivo. Por todo o astro-rei, soldados de todos os planetas – de Mercúrio a Plutão – se empenhavam para vencer uma batalha que não acreditavam que pudessem ganhar. Até mesmo os monarcas – o pai de Luki, mesmo com sua longa barba grisalha e a brava mãe de Savanna que, pela primeira vez desde o rompimento com Hélio, pisava sobre aquele solo quente – se metiam no meio do calor da batalha. Aquela luta seria decisiva. Todos prefeririam uma morte violenta à viver em uma era onde Pandora governaria... tudo.

Savanna, o mundo depende de você”, eram os únicos pensamentos que conseguiam se manter inalterados na cabeça de Savanna. Mesmo que todos os seus músculos doessem, seus olhos ardessem e ela pudesse sentir o poder de Pandora tentando matá-la, ela sabia que era ela a responsável pela última ação em todo aquele conflito. Ela sempre estivera destinada a fazer aquilo, afinal. Era a herdeira do trono do Astro Soberano, fora treinada pela mãe durante seis anos de sua vida, sempre fora acostumada com a vida e as mentiras da Corte para que, naquele momento, ela soubesse o que fazer.

E ela sabia o que fazer. Deveria, de uma vez por todas, banir Pandora da Criação. A deusa já não era a Criadora, mas a Destruidora.

Mas nem por isso as coisas estavam melhores. Com um grande sorriso no rosto, Pandora – ainda no corpo de Drake – realizava movimentos complexos com os braços e pernas, fazendo com que verdadeiros icebergs do tamanho de edifícios brotassem do solo, tornando quase impossível que ela pudesse lutar contra suas investidas. Vez ou outra conseguia fazê-los desmoronar atirando uma explosão de calor ou um o maior disparo de fogo que conseguia materializar, sem desmaiar pelo cansaço. Ainda assim, sabia que não poderia sobreviver apenas de coragem e ódio, para sempre.

A princesa só podia tentar se esquivar.

– O amuleto... – foi tudo o que Sierra conseguiu dizer, com sua voz fraca e quase inaudível, quando viu Savanna ser brutalmente derrubada por um jato d'água, causando um corte profundo em seu braço. .

Ela viu Savanna e Brianna olharem para ela, com as sobrancelhas arqueadas, como se implorassem por uma informação que apenas ela podia dar, mas, ela já não conseguia dizer mais nada. Só podia tossir e se remexer, tentando reunir mais fôlego para falar, mas não conseguia, simplesmente não conseguia fazer nada.

– Sierra... – A voz de Brianna, dominada pela tristeza, fez com que Sierra se sentisse ainda mais triste, mas, ainda assim, aquilo a dera uma ideia. Pra falar a verdade, era a única coisa que podia fazer. Com certo esforço, ela se virou para a irmã, que, por um instante, parou de remexe-la de um lado para o outro. Quando seus olhos se entrecruzaram, apesar das lágrimas, Brianna pôde entender o que a irmã quis dizer.

– Destrua-o! – Brianna poderia alongar a frase, mas não seria necessário. Com somente dias palavras, Savanna entendeu o que deveria fazer: destruir o amuleto. Com um movimento da cabeça, as irmãs perceberam que ela havia descoberto o que fazer.

Por um momento, Sierra pôde suspirar aliviada – o que é somente uma expressão, já que ela não poderia realmente suspirar -. Enquanto estivera com Drake em rumo a batalha e descobrira a história dos Mason, ela também pudera descobrir a maior força – e também a maior fraqueza – de Pandora: o amuleto que ela concedera a Drake.

Era ele que, todo aquele tempo, estivera permitindo a sua permanência nos territórios da Criação. Era ele que estava permitindo que ela enviasse os seus guerreiros para todos os nove planetas. Era ele que estava permitindo que ela própria pudesse estar ali, naquele momento. Era como um elo que unia o planeta homônimo ao restante dos astros do sistema solar.

Mas como Savanna poderia fazer aquilo? Já estava fazendo força demais tentando sobreviver aos ataques da deusa, se aproximar e destruir algo em seu pescoço era simplesmente... impossível para ela, que era apenas uma.

Mas não impossível para um grupo de magos.

– Pandora! – Loki gritou, o que era um ato muito valente para um garoto que estava sendo arrastado para aquele lugar por outros guerreiros da Lua. Seus braços e seu abdomem estavam envolvidos por faixas de gaze e sangue, mas, ainda assim, seus olhos brilhavam perigosamente prateados. E o seu objetivo havia sido conquistado: haviam despertado a atenção de Pandora.

Mas, antes que Pandora pudesse ataca-los, uma névoa negra envolveu todo o exército da Lua cobrindo sua visão, cerca de trezentos homens, vestindo mantos negros com uma lua dourada estampando-os, que irradiavam puro poder. Sierra, Brianna, Savanna e até mesmo Pandora podiam sentir isso.

E, em um movimento simples mas repudiado pela deusa, algo atingiu o amuleto em seu pescoço, que simplesmente se rompeu, dividido em duas metades, porém, sem se quebrar completamente, fazendo com que ela – e o próprio Drake, dentro de seus pensamentos -, urrassem de dor.

– O seu reinado acabou! – Savanna gritou, fazendo com que a atenção voltasse a ela. Exibia um sorriso vitorioso no rosto, mesmo vendo o corpo de Drake se envergar até o chão.

Mas, para a sua surpresa, os olhos do garoto ainda brilhavam com o poder de Pandora e o amuleto em seu pescoço ainda irradiava poder.

A voz que saia de seu corpo, ainda era a de Pandora.

Não! – A deusa gritou, tentando se reerguer. Seus olhos, ora brilhantes e cheios de poder, agora piscavam incessavelmente, como se seu espirito estivesse fraquejando dentro do corpo – Não acabou!

Ela socou o chão, fazendo suas articulações estalarem com o impacto.

O chão abaixo de seus punhos começou a tremer e rachar, se desfazendo em diversas fendas desconexas com diferentes níveis de profundidade, obrigando o já disperso exercito da Lua a materializar desesperadamente seus escudos de energia numa vã tentativa de se proteger dos destroços que eram lançados sem rumo pelo ar.

Brianna cobriu o corpo da irmã com o seu próprio, mesmo que, naquele momento, ela já estivesse muito melhor do que a segundos atrás. Loki havia sido atingido, e agora se arrastava até Savanna que observava o seu reino sendo destruído com puro horror.

Mas, ao ver o amigo, ela teve que sorrir.

– Loki, parabéns, vocês...

– Não acabou, Savanna – ela pôde notar que ele fazia muito esforço para se movimentar a falar – Você é a peça-chave para a nossa vitória.

– O que eu devo fazer? - Cerrou os punhos.

– Você possui poder em sua voz, use-o!

– Mas Loki, mesmo com todo esse poder eu não vou conseguir lutar por muito mais tempo! Eu queria, mas eu não sou tão forte...

Loki sorriu e, antes que ele pudesse terminar de falar, Savanna já estava com os olhos marejados – Não... Por favor! Deve haver outro jeito...

Ele tocou sua bochecha.

– É nossa única chance, Savanna! E você sabe muito bem disso! - Ela respirou fundo, limpou os olhos e aceitou seu destino, como uma verdadeira rainha.

Centenas de magos rastejaram até a adolescente, com seus olhos revirados de dor e seus lábios exalando uma nevoa tão brilhante quanto as estrelas que os rodeavas.

sua fonte de poder e de vida.

O gás começou a envolver a princesa e tomar conta de seu corpo, penetrando por todos os poros de seu corpo, concedendo-a mais força e vigor. Seus olhos não estavam apenas brilhantes, eles irradiavam puro poder, enquanto centenas de magos caiam a sua frente como peças de dominó.

– Não! Você não pode me vencer!– Pandora gritou, movendo os braços de tal forma, que fios de eletricidade gigantescos começaram a rodear e percorrer todo o seu corpo, como serpentes de energia. A luz gerada era tamanha, que poderia facilmente ser vista por todo o lado leste do planeta.

Antes de desabar inconsciente no chão, Loki sussurrou uma última frase, pequena e objetiva, no ouvido de Savanna:

– Mande-a embora!

E então, Savanna entrou em ação.

...

As coisas não estavam indo bem, ela sabia. Também sabia que só precisava dizer algumas palavras (duas, três, talvez) para acabar com tudo aquilo, com toda a destruição que vinha tomando conta do seu reino, mas algo a impedia de dizer aquelas palavras, como se elas estivessem entaladas em sua garganta.

Antes que pudesse pensar em um motivo para isso, Pandora esticou um dos braços, toda a eletricidade a sua volta foi encaminhada para um de seus braços e através de seu punho, ela disparou.

De maneira instintiva, Savanna contra-atacou criando uma rajada de fogo com as duas mãos unidas, que se chocou violentamente contra a eletricidade de Pandora.

O fogo e o raio pareceram ganhar vida por um momento, procurando domar o outro, movimentando-se com fios agitados, quase como tentáculos. Drake parecia bem, mas Savanna podia sentir o calor em sua própria pele.

Era resistente ao fogo, mas não totalmente imune.

Forçou-se a aumentar a potência de seu ataque. Rugiu com o esforço, mas, por fim, o raio de Pandora desaparecera. Mas, antes que ela pudesse comemorar, a deusa fez um movimento circular com ambos os braços e, em seguida, fechou as mãos. As labaredas de Savanna desapareceram imediatamente, ocultando Pandora pela fumaça.

Savanna se forçou a continuar avançando por aquele rastro de destruição. Haviam focos de fogo pelo chão, perigosamente perto de seus amigos, que assistiam a luta quase como se assistissem á um espetáculo inofensivo. Savanna não parou para pensar nisso. Sabia que eles não estavam em condições de ajudar e, além disso, era ela quem deveria fazer aquilo.

Deu outro passo. Pandora surgiu a sua frente. Arrastou-se alguns centímetros para o lado para evitar uma rajada de luz. O corpo de Drake caiu em pé, já em posição de ataque.

Savanna se virou em tempo de bloquear um chute com as suas mãos. Tentou empurrar Pandora, mas Drake segurou seu braço e a jogou por cima do ombro. A princesa caiu, ajoelhada, no chão.

Ouviu Pandora se virando, arrastando os pés pelo chão, em direção a ela. Cerrou os dentes. Com um movimento rápido, desembainhou a faca da cintura e desferiu um golpe para trás, sem nem mesmo olhar para o corpo de Drake, sabia que aquilo a faria hesitar. Sentiu a lâmina se chocando contra a carne do rapaz. Ao puxar a lâmina, notou um arquejo de surpresa ou, quem sabe, de dor.

Olhou para trás.

O corpo de Drake começou a tremer de maneira violenta. Viu os olhos do rapaz revirarem, tornando-se completamente brancos por um momento. As veias surgiam e desapareciam sob a pele. Era como se Drake estivesse tendo uma convulsão.

– Pandora... não... - agora, era a voz de Drake que saía do corpo de Drake. Savanna abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Drake ainda estava lutando, é claro! Ainda estava vivo! Poderia sobreviver! - Savanna... !

Antes que ela pudesse encontrar sentido naquelas palavras, o corpo do rapaz se envergou para a frente, parando de tremer. Ouviu Drake gritar de dor. Aquele não era um bom sinal.

Preparou-se para dar um ataque fatal, mas, antes que pudesse fazer isso, Pandora esticou os braços e, com isso, fez com que o ar de Savanna saísse pela sua boca. A princesa tentou recuperar o fôlego, mas não conseguia fazer nada. Até mesmo perdera o controle de seus movimentos, importando-se apenas com aquilo: respirar.

Sentia os fios da inconsciência se apoderando dela quando uma onda de água jogou Pandora ao chão. Outro arquejo de surpresa mesmo que, desta vez, Drake não tivesse recuperado o controle. Antes que a deusa pudesse se levantar, a água se congelou sobre seus membros.

Dean e Luki surgiram dos lados da deusa, sorrindo de maneira triunfante. Savanna até sorriria e diria que ambos chegaram no momento certo, mas, antes disso, notou que a deusa se preparava para se levantar. Gritou.

Mas, antes que o corpo de Drake ficasse em pé, o chão se abriu sob seus pés, fazendo com que ele mergulhasse naquela fenda até o pescoço, apenas a cabeça visível na superfície.

Brianna surgiu entre Luki e Dean, ainda em posição de combate. Atrás deles, Sierra sorria, orgulhosa da irmã. Antes de Savanna se emocionar com o momento, a garota gritou, quase que esgotando suas forças para tal ato.

– Savanna, vá! Rápido!

Era o momento certo. Era o momento da decisão. O momento de Savanna cumprir o seu papel na guerra. Honrar os mortos e os guerreiros. Orgulhar seus pais. Salvar seus amigos, seu mundo.

Ela tomou fôlego e reuniu todo o seu poder na voz, ciente de que estaria abrindo mão de sua melhor habilidade, em nome de um bem comum.

E então, rugiu:

Pandora, vá embora!

...

Por um momento, nada aconteceu.

Neste momento, Savanna olhou para o rosto de Luki, Dean, Brianna. Sierra e Loki, desmaiado, também. Imaginou onde Jake estaria. Se perguntou se aquela seria a última vez que os veria, com aqueles olhares assustados, cheios de medo e esperança.

E então, Drake começou a urrar de dor.

Mas uma vez, o rapaz pareceu estar tendo uma convulsão. Desta vez, seu corpo fumegava e suava. Chorava também. Savanna sentiu um aperto no coração. Ela havia esfaqueado o abdome do rapaz, de qualquer maneira. Aquilo não era bom.

– Drake... - ela murmurou, sentindo que lágrimas escorriam também pelo seu rosto.

E então, o chão começou a tremer. O céu se agitou. O ar parecia gritar, como vidro se quebrando. Houve frio e calor, ao mesmo tempo. Tudo parecia estar fora de ordem. E estava mesmo.

A Criação, as próprias Leis Cósmicas que regiam o Universo desde os primórdios do próprio tempo-espaço, estava se revoltando contra sua Criadora. O próprio Universo estava agindo contra Pandora.

Na verdade, ela era a responsável por tudo aquilo, mesmo contra a sua vontade.

Mas ainda assim, tentava com todas as suas forças resistir ao próprio poder e se manter naquele plano, como havia planejado desde o inicio. Sua imagem desaparecia e reaparecia no mesmo lugar logo em seguida.

Ela deveria sumir, mas não queria.

E então, o céu começou a girar acima deles. Movimentava-se com uma velocidade incrível, mas não parecia surtir efeito algum sobre nenhum deles a não ser, claro, Drake.

Savanna viu que o rapaz voltou a se contorcer de dor, causando arranhões em seu pescoço. Sua expressão mudava com uma velocidade incrível. Uma aura negra erguia-se acima de seu corpo. Uma aura cheirando a enxofre, tão feia quanto a própria morte, impossível de ser descrita em palavras melhores que "destruição" e "ódio".

Savanna sentiu um arrepio percorrendo todo o seu corpo, fazendo com que seus pelos se arrepiassem.

E então, aquela aura se ergueu no céu, até desaparecer naquele pequeno tornado... Não, não era um tornado. Um buraco negro em miniatura era bem melhor para descrever aquilo.

Savanna lançou um olhar para o rapaz humano, seu amuleto havia se transformado em pó. Ele sorria com o canto dos lábios. Ela olhou para Luki, como que para confirmar aquilo, o netuniano parecia tão surpreso quanto ela com tudo aquilo.

...

Sierra estava ajoelhada ao lado de Luki, que verificava a temperatura do desacordado Drake, agora deitado sobre as rochas do chão árido do reino solar. Dean tentava consolar Savanna, mas a garota não ouvia nenhuma daquelas palavras. Tudo o que ela podia ver ou ouvir naquele momento era Drake.

– Você vai ficar bem, Drake, eu prometo... - ela sussurrou. Dean a abraçou. A princesa notou que os olhos dele estavam inchados, mas optou por não dizer nada.

Coisas horríveis tinham acontecido ali.

– Ahn... Savanna? - a voz rouca e fraca de Drake pareceu ecoar como um trovão. Sem controlar seus movimentos, Savanna se viu correndo até o rapaz humano.

Se ajoelhou ao lado dele.

– Não achou que eu ia deixar que Pandora acabasse com você, achou? - ele esboçou um sorriso que logo se desfez em uma careta de dor. Ainda assim, Savanna riu, como se não houvesse piada mais engraçada que aquela. Percebeu que todos riam. Uma risada de alívio, uma risada de triunfo.

E ali, entre todos eles, Savanna permitiu que seus lábios se tocassem.


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