Signatum II - A Gladius de Fogo Renasce escrita por MilaBravomila


Capítulo 12
Capítulo 11 - Uma cela escura e fria


Notas iniciais do capítulo

Então o prisioneiro se revela.

Boa leitura!



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Senti os olhos de todas em mim quando retornei ao harém. Beth estava me aguardando com um dos médicos do palácio e eles ficaram verdadeiramente surpresos quando lhes disse que não havia tido relações sexuais com o imperador... embora não tenha lhes contado como tudo aconteceu. Bom, fui examinada mesmo assim. Minha pele e meu corpo traziam ainda as marcas de Victorius e o médico cuidou das feridas superficiais tão bem quanto pode. Eu via pena em seus olhos e odiava ver aquilo em minha direção.

Beth me disse que não era incomum a moças necessitarem de cuidados médicos após umas horas com o rei, mas eu sabia que a ausência de sexo estava importunando sua mente. Ela me disse que Victorius exigia a completa recuperação de suas concubinas antes que retornassem a ele. Não poderia haver hematomas ou ferimentos nas mulheres que se apresentariam a ele. De alguma maneira, aquela informação me aliviou a alma. De acordo com meu rosto inchado e as escoriações em meus braços, pernas e pescoço, eu ficaria pelo menos uma semana longe daquele porco imundo.

Foi depois de uma conversa curta e fria, ela me liberou e eu fiquei em meu quarto até a hora do almoço. Eu não sentia fome. Na verdade, não sentia nada além de um vazio dentro de mim. Eu estava, pela primeira vez na vida, me sentindo humilhada. Minha mente teimosa insistia em ficar revivendo as horas em que estive com aquele homem e aquilo só fazia aumentar minha angústia. Mas eu precisava ir até o refeitório e ver se teria a chance de falar da proposta de Torres para Fernanda. Nosso plano estava indo muito bem e eu precisava que ela soubesse disso e passasse a informação para frente.

Como já havia se tornado um hábito, deixei as mulheres saírem e me demorei mais a mesa até que Fernanda se aproximou discretamente.

– Vou ver o prisioneiro à meia noite. – eu disse a ela rapidamente.

Ela sacudiu a cabeça em concordância e saiu. Fiquei grata por ela não perguntar sobre minha noite maldita porque eu não tinha o menor interesse em falar dela. Mesmo calada, as imagens, os sons e os cheiros me invadiam a mente e eu pensei que da próxima vez, porque eu sabia que haveria uma próxima vez, ou ele ou eu sairia morto daquele lugar.

A noite chegou e, com ela, as borboletas em meu estômago voltaram a bater suas asas. Eu estava com raiva porque Victorius não me saía dos pensamentos e, por conta disso, eu mal conseguia me planejar para o encontro com o homem prisioneiro que poderia ser de vital importância para todos os rebeldes.

Logo após o jantar, uma mulher magra e de cabelo grisalho veio até meu quarto. Eu achei que poderia ser uma camareira ou qualquer outra coisa e tratei de levantar para deixar o cômodo para ela. Antes de eu poder passar pela porta, a mulher segurou meu braço e sussurrou:

– O comandante lhe aguarda na escada do quarto andar. Agora.

A mulher saiu que eu nem vi pra onde foi e logo eu estava caminhando apressada para a escada onde, tempos atrás, eu vi o homem moribundo ser carregado. Então o comandante também tinha seus meios de se comunicar com as intocadas. Eu senti o coração acelerar enquanto ia, sorrateira, em direção ao encontro com o comandante, afinal, ele havia marcado comigo a meia noite e ainda faltava muito para isso. Aquilo não podia ser um bom sinal.

Não me surpreendi ao encontrar a escada livre de soldados e as câmeras de segurança e suas luzes vermelhas indicativas de funcionamento apagadas. Meu vestido era claro e de tecido leve, nem o pano fazia barulho. Os sapatos eu voltei a removê-los e carreguei-os na mão. Mal cheguei ao topo da escadaria e vi a figura carrancuda de Torres. Ele estava fardado, impecavelmente vestido e com o rosto exalando exasperação. Eu sabia que aquilo era uma máscara que ele estava usando para me assustar, pois era como se eu conseguisse farejar seu medo e sua ansiedade. Ele não escondia seus verdadeiros sentimentos de mim.

– Achei que nos veríamos a meia noite. – falei em tom baixo assim que o alcancei.

– Por sorte eu ouvi o imperador dizer que queria ter novamente sua companhia essa noite, então precisei adiantar as coisas. – ele disse avaliando-me da cabeça aos pés. Vi seus olhos se demorarem mais na parte inchada de meu rosto e nas minhas pernas nuas. Porco.

Meu coração parou. Como assim Victorius me chamaria mais uma vez? Essa noite?

– Parece que você agradou ao imperador. – ele disse, adivinhando meus pensamentos – Vamos, não temos muito tempo.

Segui-o sem pensar em nada. Tudo estava confuso e o frio na barriga estava insuportável. Torres caminhou a passos muito rápidos e eu o segui pelo caminho que já conhecia.

– Você vai ter dois minutos para falar com ele. Quero que me conte absolutamente tudo o que ele disser. A cela é a prova de som e terei que te trancar lá dentro. Caso eu desconfie de algo eu me livro de você antes de você pensar em abrir essa boca, entendeu?

– Preciso de mais tempo. – falei ignorando sua falsa acusação – Ele está aqui há muito tempo, isolado, não vai confiar em mim assim de cara. Preciso convencê-lo a colaborar... nem sei se lembrará de mim. Dê-me cinco minutos.

Torres parou e já estávamos na porta da cela principal. Meu coração martelava com força em meu peito e eu estava arriscando muito... mas tinha que ser assim. Ao sair daqui eu ainda tinha que arranjar um jeito de passar a Fernanda as informações, se é que eu conseguiria algo daquele homem. Eu tinha certeza absolta que não sobreviveria a mais uma noite com o rei.

Ouvi um bipe curto e agudo e a esfera de reconhecimento biométrico ficou verde ao toque da mão de Torres. A porta se abriu com um som característico e Torres agarrou meu braço com força antes de me deixar passar.

– Cinco minutos. Quero tudo o que ele te der. Não se aproxime dele, fique perto da porta. Se ele pegar você como refém, terei que matá-la.

Então eu fui jogada na cela, que estava escura e fria como a noite lá fora.

...

Ouvi o som do bipe e sabia que a porta da cela seria aberta em breve. No ciclo de claro/ escuro em que eu vivia, era raro algum dos soldados me visitar durante as horas noturnas. Eles apenas ficavam de pé lá fora e eu sabia que o turno era de Torres. Ouvi sua voz dizendo algo em tom áspero e o som de pés descalços na escuridão. Então aquele cheiro incrível me atingiu como um soco.

Instintivamente, saltei para trás, até bater na parede, fazendo a corrente que prendia eu pé esquerdo esticar ao máximo. Senti o corpo inteiro doer, pois ainda me recuperava da cirurgia recente. A porta se fechou e o silêncio se transformou em um som ensurdecedor.

Ouvi a respiração acelerada de alguém que estava na cela junto comigo. A única fonte de luz vinha da pequena fresta de vidro da porta da cela que deixava a luz fluorescente do corredor entrar. Mas a luz iluminava em minha direção e não me permitia ver a figura arada junto à porta. Meus sentidos despertaram ao máximo, estava em alerta total. Eu sabia que aquele cheiro era apenas para me ludibriar.

– O-Olá? – a voz suave e tensa veio da direção da porta.

Não respondi. Aquela voz maravilhosa me invadiu a alma e tomou tudo o que podia tomar. Era suave e levemente rouca. Tinha o timbre perfeito. Eu sabia quem ela era, mas não podia me deixar enganar.

– Amara. Isso sim é uma surpresa. – eu disse à mulher de voz aveludada.

– Como sabe meu nome? – ela quis saber.

– Você estava na escada naquele dia. Outra mulher disse seu nome. Eu reconheci você pelo cheiro que carrega. – falei sem pensar em esconder a verdade, afinal, aquele cheiro foi o que manteve minha sanidade durante a dor pela qual passei.

Amara me golpeou primeiro com seu cheiro, depois com sua voz e por último com sua presença. Era forte e clara, como a luz do dia naquela cela escura e fria.

– Quem é você? – ela quis saber.

– Ora, você vem a minha cela e não sabe quem eu sou? – perguntei divertido. Ela podia até ser uma maldita armadilha de Victorius, mas queria prolongar sua estadia ali.

– Eu não sei quem você é. Vi os comandantes te carregarem aquele dia e sei que você sofreu uma cirurgia...

– E simplesmente quis ver meu rosto pra saber se eu faço seu tipo? – interrompi-a – Pode apostar, eu faço.

Ela pareceu desconcertada... ou irritada, quando voltou a falar:

– Escuta. Eu não sei quem você é e se estou aqui pode ter a certeza de que foi com um sacrifício muito grande de muitas pessoas. Você é mantido prisioneiro e nem mesmo os outros soldados sabem a seu respeito. Eu estou aqui representando os escravos e servos de Victorius. Ele não pode nem sonhar que estou aqui agora e eu não tenho tempo para seus jogos.

Ela tomou fôlego e recomeçou e eu senti a força de sua alma cada vez maior.

– Eu vim aqui atrás de informações. Para que o imperador mantenha você escondido assim e sob um regime de vigilância desses, eu tenho a certeza de que você possui algum tipo de informação que ele precisa. Eu faço parte de um grupo existente dentro dos escravos. Nós lutamos contra a força de Victorius e precisamos de toda a informação contra ele que pudermos ter. Você pode achar que não tem nada com isso, mas tudo o que você puder dar vai ajudar a mudar a vida muitas gente inocente que é escravizada e humilhada por ele.

Ela fez uma pequena pausa em seu discurso encalorado antes de prosseguir.

– Por favor, eu preciso saber quem é você e o que você tem contra Victorius. Não posso prometer tirar você daqui, mas posso prometer que tentarei.

Eu prestava atenção apenas parcialmente no que ela dizia. Meu corpo e minha alma haviam sido arrebatados por toda aquela energia que vinha dela. E aquela voz... Deus, aquela voz era o céu.

Depois de alguns segundos em que o silêncio era apenas preenchido pela sua respiração ofegante, ela perguntou.

– Então? Quem é você?

– Gabriel. – respondi sem conseguir evitar. Era a primeira vez que eu dizia meu nome a alguém... na realidade, foi exatamente naquele instante que eu lembrei que me chamava assim.

– Gabriel.... – ela disse, como se experimentando o som. Eu gostei. Gostei de como soava através dela – Você pode me ajudar?

– O que Torres quis em troca de sua visita? – perguntei para a mulher que não respondeu de imediato.

Aproveitei sua hesitação para me mover em sua direção lentamente. Eu queria que aquele cheio se entranhasse em minhas roupas.

– Ele pensa que eu conheço você. Pensa que já tivemos algum envolvimento.

– Hum, disso eu gostei. – Interrompi-a novamente. Ela prosseguiu:

– Ele quer que eu lhe passe o que descobrir com você para que possa se sobressair aos outros comandantes perante o imperador.

Eu sorri. Já sabia da decadência de Torres, só não esperava que ele pudesse ir tão longe a ponto de permitir a entrada de uma mulher aqui.

– E o que você faz no palácio?- questionei.

Senti sua tensão e não era devido a minha aproximação. Foi quando estava perto o suficiente para sentir seu perfume ainda mais inebriante que eu me descuidei e forcei o lado do corpo operado e que ainda doía pra cacete. Com um gemido involuntário, agachei instantaneamente e senti as pontadas de dor por todo meu abdômen.

– Você está bem? – ela perguntou e logo depois senti suas mãos delicadas sobre mim.

Foi tão espontânea e verídica a preocupação de Amara que minha dor ficou em segundo plano. Quem diabos era aquela mulher? Era uma armadilha ou uma doida que arriscava a vida por uma causa perdida?

Suas mãos quentes estavam em meu ombro e eu sabia que poderia agarrá-la e fazê-la de refém em um segundo, mas não o fiz. Torres seria obrigado a matá-la e eu não queria que a única pessoa que pareceu se importar comigo em todo esse tempo fosse embora desse mundo assim.

– Estou bem. – eu disse, tratando de me afastar daquele calor estranho. Eu estava realmente perdendo a cabeça.

Ouvimos uma batida breve na porta e vi os olhos de Torres pela fresta de vidro que tinha na parte de cima da porta.

– Meu tempo está acabando. – ela disse – Não sei se vou ter outra chance de vir aqui.

– Por quê? – eu quis saber.

– Eu... sou uma das intocadas do rei. Ontem estive em sua presença pela primeira vez e as coisas não... correram muito bem. Ele quer me ver novamente hoje e Torres vai me levar de volta. Não sei se sobreviverei a Victorius novamente.

Ela disse as palavras apressadas e eu sabia que nosso tempo estava acabando. Estava confuso. Eu não sabia se acreditava naquela mulher e em sua história mirabolante ou não. Era certo que os soldados não sabiam o que Victorius fazia comigo, mas o imperador sabia muito bem e até parecia plausível a versão da moça. Mas infelizmente, para ela, eu não tinha informação nenhuma a compartilhar. Eu não era um prisioneiro com uma informação valiosa. Eu era o prêmio. A única maneira de vencer Victorius era me tirando da presença dele e aquilo seria impossível.

– Não posso te ajudar. Não volte a vir aqui. – finalizei o assunto, pouco antes de Torres abrir a porta e puxar Amara com rispidez.

...

Torres bateu a porta e colou o corpo truculento ao meu, pressionando-me contra o metal frio.

– O que descobriu? – ele exigiu e vi uma de suas mãos ir em direção a uma arma.

– Nada! – respondi assustada – Ele não quis falar! Não confia em mim!

Era a resposta que Torres não queria ouvir. Senti sua mão deslizar para o pescoço e seu aperto forte e violento. O comandante me afastou da porta apenas para voltar a me chocar contra ela, apertando ainda mais minha traquéia.

– Mentirosa! Sua vadia mentirosa! – ele disse com o rosto vermelho de raiva.

Foi então que sentimos um tremor forte e uma energia imensa que chacoalhou as estruturas do prédio. Foi rápido, mas poderoso, e Torres rapidamente tirou suas mãos de mim e as levou até sua arma. Ele apontava como louco a pistola com mira a laser para a porta da cela, como se fosse sair um monstro dali a qualquer momento. Era como se ele achasse que o tremor tivesse vindo dali. Estava transtornado, completamente louco.

Então eu olhei para o vidro e por um segundo eu jurava ter visto dois pequenos brilhos dourados no interior escuro da cela.

– Vamos! Temos que voltar! – ele disse, já me puxando com força.

Eu desci as escadas forçada, sendo arrastada pelo militar, enquanto tossia pelo aperto sofrido por ele. Foi quando alcançamos o terceiro andar que ouvi a voz de Beth.

– Amara!

– Ela estava subindo as escadas. – o puto do Torres falou, entregando-me para a cadela dona do harém – Eu a peguei e trouxe de volta. Deveria ter mais controle sobre suas subordinadas!

Vi seu olhar me fuzilar e senti Beth segurar meu outro braço.

– Você só não será punida imediatamente porque o imperador deseja vê-la esta noite. Preciso te aprontar para ele.

– Devia cuidar melhor de suas internas, Beth. Eu quase a matei. – o comandante voltou a repreendê-la falsamente.

Beth encarou Torres de forma dura e seguiu me puxando para dentro do harém. Em trinta minutos eu estava de banho tomado, com um vestido de veludo negro colado ao corpo. O cabelo estava solto e a maquiagem tentava disfarçar as imperfeições que a noite anterior me deixou. Foi com um movimento rápido que consegui pegar um adorno de cabelo e esconder sob o vestido, prendendo a peça entre a roupa e a lateral do meu corpo, abaixo do braço esquerdo. Era uma peça de uns dez centímetros, de prata, e parecia com um longo garfo de dois dentes com um adorno na ponta. Aquilo servia para prender o cabelo, firmando o coque, mas essa noite seria minha arma contra Victorius.

Pouco tempo depois eu estava sendo escoltada mais uma vez para o terraço, de onde eu sabia que não sairia viva.


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Notas finais do capítulo

reviews???