Uma mão macia e gelada acariciava o meu rosto com delicadeza. Meus olhos semi-cerrados olhavam apenas a sombra daquele que me segurava. Meu corpo doia e por mais que eu tentasse não conseguia faze-lo se mexer. Alguma coisa estranha estava enfiada em meu peito e causava em meu coração dor e agonia, mas ao mesmo tempo uma sensação quente e confortante.

_Por favor, não! - choramingou uma voz masculina próxima de mim. - Não me deixe.

Aquela voz... era doce, mesmo que triste, e fizera todo o meu corpo estremecer. Eu queria descobrir quem era aquela pessoa. Quem era que me segurava de forma tão cuidadosa. Quem era que me chamava com tanta melancolia. Eu queria. Mas eu queria tanto que...

Foi naquele momento que eu percebi que o que eu mais queria saber era... Quem era eu?

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Despertei com o som do despertador tocando. Assim que meus olhos abriram me deparei com um gato branco e gordo que me olhava desconfiadamente. Seus olhos eram verdes e seu focinho rosa. Ele tinha uma cara de poucos amigos e me observava como se estivesse me analisando de baixo para cima. De onde viera esse gato?

Olhei ao redor tentando achar alguma explicação, porém tudo em volta de mim só me deixara ainda mais confusa. Onde eu estava? Era um quarto meio pequeno, mas confortável. Na única janela que existia ali havia uma grossa cortina rosa que a cobria e impedia os raios de sol iluminarem o ambiente. Sem hesitar, sai da cama que estava e abri os cortinas tendo meus olhos atingidos pela forte iluminação do sol. Levei algum tempo, mas assim que me recuperei me virei de costas para a janela a fim de analisar melhor o lugar que eu estava. Era um quarto feminino. As paredes estava pintadas de verde-água e o chão de madeira escura coberto por um fino tapete rosa e roxo. Além da cama, tinha como cômoda um armário branco ligado a parede, uma escrivaninha branca também encostada em uma cadeira verde claro de rodinhas e um espelho onde havia várias fotos coladas nele. Alguns pôsteres de famosos que eu nunca ouvira falar e uma estante reservada apenas para os livros.Mesmo que fosse um quarto realmente bonito eu por alguma razão me sentia desconfiada. Ele era meu?

Me dirigi para o espelho a fim de analisar as fotos que haviam nele, porém acabei primeiramente me deparando com uma garota totalmente estranha ao meu ver. Ela me observava com um par de olhos lilás que combinavam com algumas mexas tingidas de azul e verde de seu cabelo castanho escuro. Sua pele era morena e seu nariz era levemente empinado. Usava uma camisola curta rosa clara e próxima a cama vi um par de chilenos que deveriam combinar com a roupa. Deixei meu queixo cair e a garota do espelho fez o mesmo. Era tão estranho me ver ali. Por alguma razão eu sentia como se não pertencesse àquele corpo.

_Lucy? - ouvi a porta se abrindo e uma mulher com o mesmo tom de pele que o meu entrou no quarto que deveria ser o meu. -Ai meu deus, você ainda não se arrumou?! Vamos, menina! Se lave, troque e desça daqui a dez minutos para o café. Vamos sair atrasadíssimas se você não se mexer. Ai e justo no primeiro dia de aula!

_Desculpe, mas do que você está falando, moça? -perguntei inocentemente.

Aquilo, no entanto, só deixou a mulher mais brava comigo. Ela correu até meu ármario e pegou uma blusa rosa clara fina de manga longa, um agasalho mais aveludada azul marinho e uma calça jeans com um tenis preto.

_Pronto. Vista isso e desça. Nunca pensei que teria que escolher as roupas da minha irmãzinha novamente, mas, pelo visto, hoje você está mais avoada do que sempre, né, Lucy?

_Irmãzinha? -disse.

_Hello? Terra para Lucy! Sim, sou eu. Lauren, sua irmã, esqueceu? -disse ela sarcastica. - Enfim, bota logo essa droga que eu não quero ter meu primeiro dia de trabalho arruinado por você, ok?

Lauren saiu do meu quarto batendo a porta com força. Olhei para a roupa e suspirei. Era como Lauren tinha dito. Eu me esqueci não só de quem eu sou, mas também das pessoas ao meu redor. Peguei a blusa e fui para uma porta extra do meu quarto que imaginei ser um banheiro. Estava certa. Assim que me troquei e fiz a higiene bucal, com uma escova que torci para ser a minha, desci as escadas e minha "irmã" assim que me viu me puxou pelo braço até o carro sem nem mesmo me permitir tocar na comida. Enquanto dirigíamos, Lauren ficava falando do que eu devia ou não fazer. Sobre pessoas populares, bullying, coisas que eu nem ao mesmo entendia direito. Encostei o rosto no vidro e comecei a observar a estrada entediada. Por que eu não me lembrava de nada? Nem do meu nome? Nem do quarto que eu dormia? Temi em comentar algo para Lauren, já que pelo jeito que ela falava não parecia como se eu tivesse sofrido um acidente de carro ou coisa assim. Seria possivel eu ter apenas me esquecido da noite pro dia quem eu era?

De repente vi à distância um garoto atravessar a rua. No entanto, ao invés de atravessa-la por inteiro, ele parou na metade e ficou ali. Lauren dirigia a uma velocidade à quase 100 por hora e o menino não saia de lá. Ninguém parecia estar por perto para salva-lo. O carro se aproximava. Ele ainda estava lá. Eu conseguia quase ver o seu rosto. E ele ainda não se movia. Estava cabisbaixo parecendo concentrado em seus próprios pés. Ele iria...Mas que droga!

_PARA O CARRO! -Berrei para Lauren.

Assustada porém atenta, minha irmã pisou no freio com toda a força que tinha. Nós fomos para frente e o airbag disparou. Paramos a centimetros de distância do garoto.

_Lucy, mas que merda foi essa? -berrou Lauren brava enquanto lutava contra o airbag que a prendia contra o assento.

_Você não viu o garoto? Você quase o atropelou!- berrei apontando para o rapaz do outro lado do vidro.

_Que porra de garoto é esse? Não tem nenhum!- disse Lauren socando o airbag irritada.

"Nenhum?!" Pensei. Me virei para frente e o vi. Ele ainda estava lá, só que agora concentrado em mim parecendo surpreso. De longe eu não havia notado, mas seu cabelo era branco como a neve que encobria a cidade e seus olhos azuis como o céu. Por alguma razão meu coração começou a palpitar sem parar e meu rosto corou.

O rapaz gesticulou parecendo falar algo, porém eu não consegui ouvir dentro do carro. Lauren que tinha finalmente conseguido se livrar do airbag tocou no volante e começou a dirigir. O carro atravessou o garoto que continuou parado apenas me observando.

_Céus, o dia já começou uma droga. Vou ter sorte se não conseguir três pontos na carteira por causa de uma alucinação sua, Lucy. - disse Lauren irritada.

Suspirei e encostei no banco. Aquilo teria sido apenas uma alucinação?