Álcool, Shirley e rock n' roll escrita por AnaMM


Capítulo 15
Enquanto Ninguém Soubesse


Notas iniciais do capítulo

Levou alguns dias pra ficar pronto, mas o suficiente pra que me desse orgulho. Está indo a algum lugar.

https://www.youtube.com/watch?v=7cUVCORj5Co - Female Robbery - The Neighbourhood



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/466629/chapter/15

Felipe foi desperto de seus estudos pelo temblar do vidro. Fios dourados surgiram como cortinas diante de sua janela. Abriu-a sem pensar duas vezes, recebendo a garota com beijos apressados, tinha sede de seu veneno diário. Shirley era melhor que qualquer droga e o derrubava como nenhuma outra poderia. Gostava de ser derrubado, corroído. Se seria obrigado a sentir, que fosse ela. Se seria obrigado a viver, que fosse ela. Se teria que odiar seu próprio reflexo, que o odiasse nela. Que fosse ela sua fonte de dor, a única responsável pelo seu prazer. Seu prazer em sofrer. Que o mundo desabasse sobre ele, não estava só, não lhe doía por completo, apenas com ela. De resto, era vulto. Vultos não sofrem porque não sentem. Era tarde demais, havia criado gosto por sentir. Os óculos, deixara sobre sua mesa. A barba estava aparada. Seus cachos, domados. Pressionou-a contra sua cama, sentindo sua língua explorar mais e mais de sua boca, seus corpos a ponta de desafiar leis da física. Todo contato era insuficiente. Precisava colidi-la, destruir qualquer matéria que os separasse por uma molécula que fosse.

– Você está melhor que nunca... Tudo isso por mim? – Sorriu desafiante ao contornar sua barba com os dedos.

– Por mim. – Respondeu-lhe, tornando a beijá-la passionalmente.

Felipe, filho! – Ouviu-se do corredor.

Separou-se de Shirley sob protestos, passando a mão pelos cabelos, frustrado. Gesticulou-lhe um sinal conhecido, e a loira acatou com um suspiro. Levantou-se da cama e engatinhou para debaixo do móvel. Felipe a observou até que a garota sumisse por completo. Não podia negar que a visão de Shirley agachada para se esconder o excitava. Abriu a porta para sua mãe, enfim.

– A gente precisa conversar. – Comunicou-lhe Chica.

– Não pode ser em outra hora?

– Não, Felipe, não pode. – Respondeu-lhe impaciente. – O que você está fazendo de tão importante, por acaso? Porque estudar eu sei que não é.

– O que você tá falando? É só o que eu faço! – Protestou o garoto.

– Eu que pergunto, o que você anda fazendo que não é estudar? Tudo que a gente escuta nessa casa é que você se esconde todos os dias nesse quarto imundo para estudar, então como pode eu ser chamada do seu colégio porque o meu filho está rendendo pouco? Eu bem acreditava que você passava dias inteiros estudando, e agora descubro que está preocupando os professores? Que merda você está fazendo, Felipe Fernandes? Ou melhor, que drogas o senhor está utilizando agora? Baseado? Cocaína? Qual é a da vez?

– Nada! Nada! Eu não estou fazendo nada! – Exasperou-se.

– Estudar, tampouco está.

– Eu só preciso de um tempo. – Murmurou.

– De um tempo, Felipe? Você teve a adolescência inteira para se dar um tempo, agora não é hora! Você tem que focar nos estudos, a menos que tenha desistido de ser médico!

– Eu não sei! Eu não desisti, eu só... Eu não sei mais nada! Se você se lembrasse de que tem um filho, de vez em quando, talvez tivesse percebido!

– Você perdeu completamente o juízo! Que tempo você quer agora? O que você gasta trancado nesse quarto? Ou o que você gasta não prestando atenção nas aulas? Ao que me parece, você está se dando todo o tempo do mundo! Felipe, as suas notas estão caindo, o seu desempenho era o melhor da classe e afundou entre os piores, pelo amor de deus, o que está acontecendo?

– A vida está acontecendo. Eu cansei de ser um fantasma. – Respondeu-lhe secamente.

– Pelo menos quando você era um fantasma, tinha alguma coisa nessa cabeça. Essa sua nova rebeldiazinha de riquinho mimado fritou o seu cérebro.

– E não é assim que vocês gostam da Helena?

Sua visão foi embaçada pela palma da mãe contra sua face.

– A Helena pode não ser brilhante, mas pelo menos tem dignidade.

– Realmente... Quanta dignidade em abrir as pernas para aquele imbecil!

A ação da mãe se repetiu contra o lado ainda intocado de seu rosto.

– Isso, bate! Vai fazer maravilhas pro meu currículo escolar! Que seja, é a única educação que vocês conhecem...

– Você passou dos limites! Se você não melhorar essas notas e esse comportamento...

– Se eu não melhorar, o que? Vai chamar o meu pai pra me dar uma surra de cinto na frente da cidade inteira? Não, espera, isso ele já fez! – Sentiu o riso seco rasgar-lhe a garganta. – Vai me mandar pro colégio interno mais próximo? Seu Ramiro iria enlouquecer, do jeito que ele teme que eu seja gay... Ia ser o paraíso estar trancado em um internato só de homens... Ou vão me botar pra trabalhar no estábulo? Eu pensei que vocês estivessem furiosos justamente por temerem que eu acabasse lá...

– Você está impossível...

– Estou. Agora, se me dá licença, eu tenho que refletir sobre esse emocionante sermão e sobre como tenho que honrar essa família que me ama tanto. – Sorriu-lhe ironicamente.

Ouviu a porta ser trancada e os passos se afastarem pelo corredor. Como de praxe, contou uma dezena de segundos sem que ruído algum soasse do resto da casa. Seus pés bateram duas vezes no assoalho. Viu a loira emergir novamente.

– Nossa...

– É...

– Os seus pais sendo chamados pela direção sem ser pra elogios? Que mundo é esse?

– O seu mundo, Shirley. Você vai conquista-lo, eu vou ser um perdedor preso a Goiás pelo resto da vida, lembra?

Como se nenhum dia tivesse passado sem que o repetisse... Fazia tempo que não o dizia. Agora que a frase era novamente pronunciada, um estranho vazio a consumiu. Por que se importava? Passara anos atormentando Felipe com essa certeza, semanas olhando-o de lado, sabendo que futuro o aguardava, dias rindo de seu esforço cego que jamais seria recompensado. “Tapado demais para partir” murmurava ao cruzar seu caminho. Sua mãe os menosprezava a cada discurso, os Fernandes. Seu pai já estava afastado o suficiente de sua razão para se manifestar. Crescera com a certeza de que Felipe seria um fracasso e que ela, Shirley, seria um sucesso. Por que sentia, agora, que nada seria sem ele? Que o fracasso de Felipe seria também o seu? Por que sequer se importava com o fato de ter influenciado Felipe ao ponto de afastá-lo de seus objetivos, de seu futuro? Estava enlouquecendo, estava se importando, isso precisava parar... Por que se sentia segura agora que ele envolvia seus ombros em seu longo braço?

– Você pode não estar mais estudando tanto, mas carregar livros continua dando resultado. – Comentou.

– O que? – Perguntou-lhe confuso.

– Bíceps.

– Ah. É, carregar uma certa loirinha de um lado pro outro pode ter compensado... – Sorriu-lhe.

– Você tá me chamando de gorda?

– Não ousaria. – Debochou, apertando a mão entre o queixo e as narinas de Shirley para forçar-lhe ao riso discrição. – Você não veio pra analisar os meus braços, o que você quer.

– Isso não foi muito educado, eu esperava mais de você, senhor certinho.

– Não sei se você escutou, mas eu tenho negligenciado a minha educação.

A loira tentou conter o riso. Felipe não era mais tão insuportável como se fizera crer por anos que seria. Sua defesa contra a antiga amizade da qual precisava fugir estava desfeita. A mãe teria que se contentar com sua raiva de Helena.

– Ok... O que você descobriu?

– Alguns contatos, alguns amigos do Laerte que a Helena considera más influências e que podem nos ajudar no lance do tal flagra que você tanto quer. E a entorpecer o Laerte o suficiente pra que não pareça uma armação sua. – Acrescentou.

– Ótimo. Algo mais?

– O Virgílio tem sido involuntariamente obediente, segue tentando convencer a minha irmã do quão desprezível é o namorado dela e eu posso ter dito algumas palavras sobre como ele poderia conquista-la, mas ele me agradeceu com alguma bebida de aparência estranha que pode ter levado álcool em sua confecção e que pode ter causado o meu esquecimento quanto ao que foi ou não foi dito.

– Perfeito, como eu posso agradecer? Você sabe que eu não preciso de mais um bêbado na minha vida.

– Na sua vida? – Cobrou sugestivo.

– Na minha frente, eu quis dizer na minha frente. – Corrigiu-se rapidamente.

– Justo. Eu aceito o que mais você tiver a oferecer.

– Onde a gente estava antes da dona Chica aparecer?

– Se você não voltar a mencionar a minha mãe, eu posso lembrar.

Shirley mordeu seu lábio inferior, segurando o riso. Levantou sua saia lentamente, testando a paciência de Felipe. Enquanto ninguém descobrisse, podia se divertir. Ninguém questionaria seus hábitos de recompensar mais que combinar tarefas pelas quais viriam ditas recompensas... Tampouco questionariam o pagamento melhor que a tarefa, ou o quanto gemia nas mãos daquele que supostamente odiava. Enquanto ninguém escutasse, enquanto ninguém descobrisse, eram reis de seu próprio sistema, bastavam-se, amavam-se. Do último, nem eles mesmos precisavam saber.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Álcool, Shirley e rock n' roll" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.