O Império dos Titãs. escrita por Martinato, Monsieur Noir


Capítulo 19
Ritual de passagem. As sombras começam a surgir.




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—— CADÊ ELE? —— Podia-se ouvir os berros alastrando-se pelo andar das refeições. Os passos do moço eram céleres e eu mantive minha cabeça abaixada, a fim de evitar constrangimento, não gostava de chamar muita atenção, ainda mais no meio de tantas pessoas que sequer tinha visto seus rosto na vida.

O loiro, alto e um pouco cheinho, trajando um avental com um ursinho estampado bem ao centro, contudo, segurando uma varinha de mágico e usando uma cartola, caminhou até mim, e me abraçou com tanta vontade que senti minhas costas estalarem. —— MARTI! Achei que nunca mais ia te ver, que saudades! —— Se eu fosse preconceituoso ou não estivesse acostumado com saudações de beijos de alguns amigos meus no fandom que eram bissexuais ou homossexuais, com certeza eu teria protestado, mas nunca tive nada contra, portanto, quando ele deu um beijo na minha bochecha esquerda, só contive meus ombros sendo esmagados e um sorriso pequeno, já que meu rosto estava quase afundando no peitoral do mancebo. —— Assim nunca mais vai mesmo, está me sufocando. —— Ri e ele também, me soltando e encarando meus olhos com os seus brilhando.

Tinha algo de novo nele. Só de estar perto de si, era como se qualquer coisa pudesse ser feita, mesmo que esta coisa fosse fazer de um apito um relógio. Mas eu tinha a sensação de que conseguia, e só de tocar nele. —— Uau, que sensação estranha. É você? —— Cocei a nuca e segurei meu garfo. Estava prestes a desejar o que iria comer, contudo, as coisas não funcionavam como no acampamento, aqui nós tínhamos o cardápio do dia, e nele haviam algumas opções no menu, todavia, quando você decidia o que queria, um prato magicamente se levantava até a cozinha, era servido, passava pela fogueira controlada por uma aura roxa ao centro, despejava comida ao seu nome e para o deus que você quisesse, finalmente, depois desse longo trajeto, punha-se à sua frente, com a medida essencial para que você ficasse satisfeito, por isso, meu prato sempre vinha um pouco mais cheio do que os dos outros, pois mesmo eu sendo pequeno e magrelo, eu comia que nem um elefante.

Yash começava a rir e me contar como chegaram aqui, principalmente como ele organizou tudo aquilo com mágica, até tinha se esquecido da minha pergunta. —— Ah! Me esqueci... Sim, sou eu que tenho essa aura. Fui proclamado como filho de Hécate. Não é incrível? E eu posso fazer um apito virar um relógio. —— Achei que ele tinha o dom de ler a minha mente, mas desejei que fosse apenas um boato, talvez seja porque essa frase me era bastante familiar a ponto dele recorrer a isto também. —— Que legal, cara. Estava com saudades, também achei que não te veria mais, senti falta de muitos rostos que estão aqui, por lá. —— Ele bufou fazendo uma típica expressão de que não estava nem ai por muitos que possivelmente não acharia. —— Ai, alguns poderiam ir para o Tártaro que eu não sentiria falta. Mas ainda bem que você não foi. AH! Que bom que você está aqui, agora as minhas sobremesas diets poderão ser comida com gosto por alguém que realmente precise comer! —— Parecia que ele estava acostumado a preparar pratos sem adição de açúcar, mas não entendia o porquê. —— Mais alguém é diabético? —— Indaguei e ele olhou ao redor, estalando os dedos. —— NÃO! —— Berrou ele, eu me assustei, e olhei para os lados, entretanto, ninguém parecia ter se incomodado com o grito. —— Essas meninas de Afrodite são todas frescurentas! E sempre tem algum garoto que acha que tá gordinho, e precisa fazer dieta! Francamente, por que não fazem exercícios? Eu sei que não estou na medida certa, mas nem por isso fico deixando de comer coisas com açúcar. Eu sou feliz como sou e adoro comer! Isso me irrita, mas tudo bem, pelo menos eles adoram meus doces e isso me deixa contente, sabe como eu gosto quando faço uma coisa e as pessoas comem, não sabe? —— Apesar de achar que seu tom de voz estava bastante elevado, concordei com ele, e ri das suas reclamações, era o mesmo Yash de sempre, resmungão, mas independente disso, com um coração bem grande. —— Entendo, mas Yash... Só uma coisa... Por que ninguém daqui liga pra o que você grita? Eles ficam sem comer, por algum acaso? —— Não contive a risada, muito menos ele. —— Não, seu bobo. Sabe quando estalei os dedos? Então, fiz um campo de energia envolta da gente, assim eu posso gritar à vontade e só eu e você ouviremos. Um dos dons dos filhos de Hécate. —— Fiquei boquiaberto.

Seus olhos me fitavam como se essa típica expressão não tivesse sido vislumbrada uma única vez. Apenas mexi minha cabeça em poucos movimentos negativos, e deixando a alegria contagiar meu corpo. —— Caramba, parece que todo mundo é bom em usar os poderes. —— Apoiei o cotovelo na mesa e em seguida, com o punho fechado, deixei meu rosto repousar numa posição nem tão confortável, nem tão desconfortável. Infelizmente não consegui sorrir mais, haveriam tantas soluções se soubesse como ser um filho exímio de Poseidon, mas ainda só conseguia conversar com cavalos, respirar debaixo d'água e fazer uns chicotes pequenos de água. Não que isso fosse ruim, nem de longe, mas muitas dessas habilidades não me ajudaram na guerra, e isso me fez lembrar de Joe. —— Que estranho. —— Olhei para o filho de Hécate, ele fungava o ar, e com seus olhos observadores, buscava saber de onde vinha o que ele farejava no ar. —— O que? —— Indaguei, olhando ao redor. —— Esse cheiro de água salgada. E... Tá vindo de você. —— ele fungou mais uma vez antes de concluir a frase e me encarou. Eu sei que tinha acabado de tomar banho, mas não lembrava de ter usado alguma essência mar 2014, mas então a ficha caiu. —— De mim? Ah! É que eu sou filho de Poseidon. É a única explicação cabível pra isso. —— Esbocei um leve sorriso com o canto da boca, e meu prato finalmente chegou. Tinha ovos mexidos com bacon, banhados em ketchup, três hambúrgueres no ponto, batatas fritas e umas folhas de alface acompanhadas com rodelas de tomate, tudo temperado na medida que eu gostava.

O copo a minha frente se encheu com coca, e Yash se levantou exatamente quando o copo completou de líquido até a boca. —— Bom, ainda tem muita coisa pra fazer! Depois da patrulha, venha conversar comigo! Me contar as coisas, pode ser? —— Ele ajustava seu avental, o que era bastante engraçado, já que ele só usava seus indicadores, circulando o ar e atrás dele, as fitas se amarravam perfeitamente, só que com um brilho fraco pairando nas pontas. —— Claro, eu vou ir até o andar dos animais, ver meu Pégaso, me encontra lá. —— O cozinheiro assentiu e correu para cozinha, gritando com alguns funcionários, por estarem fazendo errado e que nunca cumpriam as objeções dele.

O âmbito tinha bastante regras e cada um, mesmo que não querendo, tinha uma tarefa num quadro exposto no andar de tarefas. Cada andar com uma ampla sala exibindo um quadro gigante, com as fichas em nomes, o que deveriam fazer e os dias num período de segunda a domingo. Elas iam se apagando conforme um terminava sua obrigação, isso automaticamente, Giu me contou que era trabalho de Yash com ajuda de Dan, as máquinas eram ligadas em cada um dos membros por magia, assim, caso alguém fizesse alguma gracinha ou um trabalho mal feito, seu nome ficava em vermelho e ele teria que repetir o processo, se não, seria expulso da Resistência.

Comecei a comer e me perdi nos pensamentos. A noite ainda seria longa.

[...]

Caminhava no térreo, esperando os felizardos que fariam a patrulha esta noite. Me preparei para tudo, tinha uma lança em mãos, uma espada na bainha fixada a cintura, um escudo no antebraço destro e trajava uma armadura leve no peito, mas bastante resistente, junto dela com algumas ombreiras, braceletes e caneleiras, o bronze divino reluzia na luz do luar, e se arrastava por toda a vasta escuridão que as árvores formavam ao redor do prédio mágico. Sempre que pisava na grama e mantinha meu corpo ao lado de fora, o prédio ficava todo despedaçado e o chão repleto de sujeitas, mas quando dava um passo para trás, tocando o chão de mármore, tudo voltava ao normal. —— Incrível... —— Pensava alto, até que o elevador apitou e uma luz amarela forte iluminou o recinto.

Dele, Léo foi o primeiro a sair, ele estava com uma regata e vestindo uma armadura idêntica a minha, a diferença vinha apenas pelo tamanho. Suas mãos carregavam um machado duplo, com lâminas gêmeas expostas pela esquerda e uma na direita. Seu cabo era negro, possuía dois metros sem contar com a lâmina, o que daria uns dois e quinze, uma arma potente, de manuseio específico, mas mortífera. —— Hey, Marti, preparado? —— Assenti positivamente. O rapaz riu e estava animado, não deveria ser a primeira vez que fazia isso.

Detrás dele saia outro garoto, com cabelos um pouco claros, parecido com os meus. Ele tinha uma camisa roxa, sem estampa, segurava uma espada igual a que estava na minha bainha, tinha oitenta centímetros de comprimento e oito de altura. Sua calça era do exército e ele usava um coturno. Fora isso, apenas tinha uma faca de caça presa ao cinto e algumas de arremesso numa corda que ia presa ao seu peitoral, num total de cinco. Demorei para reconhecê-lo, devido ao pouco tempo que passei ao seu lado, mas quando a luz atingiu seu rosto, distingui quem era rapidamente. —— Lipe, você também por aqui? Como está? —— Caminhei em sua direção e o cumprimentei. O garoto, apesar de ser maior do que eu, era bem mais novo. Seu rosto estava sério e preocupado. —— Ei, Marti. Que bom que está vivo. Tô bem sim. —— Suas palavras estavam secas, talvez um pouco trêmulas, deduzi, que mesmo com a força que apertou minha mão, também tinha uma equivalente dentro de seu coração, e eu não ia mencionar isso na frente dele. Uma das outras características dos meus poderes vinham do fato de conseguir ver quando alguém mentia para mim ou para si próprio.

Junto deles, também tinha uma garota e mais dois garotos. Hoje não era meu dia de sorte. Um monte de trombas, isso não é legal. Lélo estava vestindo apenas a parte peitoral da armadura e em suas mãos continha uma foice de dois metros exatos, com exceção da lâmina, que curvava. Seu sorriso me parecia um tanto sarcástico. —— Pronto para enfrentar alguns demônios? —— Ele socou de brincadeira meu ombro e foi junto com Léo e Lipe para fora do prédio.

Pararam após dois passos e olharam para trás, como se nos encarassem, mas tinha uma ligeira impressão de que não sabiam onde estávamos. A garota finalmente se aproximou e pude distinguir quem era. Seus olhos verdes irradiavam pelo brilho das luzes e seu sorriso contente destacava-se dentre os demais rostos. Ela veio até mim e socou a boca do meu estômago, e achou engraçado, por sorte ela não aplicou com tanta força, sendo assim, não perdi o fôlego. —— Seu puto! Isso é por sumir! —— Depois de praticamente me agredir sem motivos concretos, ela agarrou meu corpo, envolvendo-o num abraço. —— Sua hobbit maldita! Eu não tive culpa! —— Rimos e finalmente Lira saiu saltitando até os outros dois garotos, segurando um arco e uma aljava fixada nas costas, completamente vazia.

Por ultimo, trajando uma jaqueta de couro e sem a menor preocupação de se proteger no peitoral ou em qualquer parte do corpo, estava Well. Ele me saudou com um aperto de mão e um abraço rápido. Seus alargadores estavam maior e o septo estava furado. Talvez tivesse andado bastante com o Jhon nesses últimos dias. Sem delongas, saímos todos e ficamos nas posições pertinentes aos seus equipamentos.

Lélo, Léo, Lipe e eu ficamos parados na frente de barricadas com as armas empunhadas de maneira confortável, os olhos e os ouvidos naquele momento eram nossas armas mais confiáveis. Vasculhávamos o recinto com cautela e extrema atenção, apenas o som de cigarras cortava o silêncio, e vez ou outra o farfalhar das plantas ecoavam céleres pela forte brisa que se chocava contra elas. Well e Lira ficaram um pouco atrás, nas escadas de emergência com seus arcos em punhos e um das mãos livres, pronta para alcançar as costas em buscar de uma flecha, se fosse preciso.

Um fato curioso é que aquela, além da parte que eu entrei, eram as únicas entradas desprotegidas do prédio. Talvez estivessem precisando de mais obra prima, pois não havia outro motivo na minha cabeça que os fizessem deixar tal parte tão essencial, exceto se tivessem construindo algo grande e poderoso, mas se fosse assim, Léo estaria junto com Dan e os demais filhos de Hefesto existentes ali. Mesmo assim, isso ainda não justificava aquela parte sem qualquer proteção ou armadilha, e duvidava bastante que essas patrulhas serviriam apenas para um controle sobre os novos recém chegados como eu, contudo, tudo podia ser possível, por mais absurdo que fosse. —— Então... —— Como ninguém mais falava, tive de abrir o jogo. —— Qual é a função dessas patrulhas? Desculpe a desconfiança, mas... Eu duvido que seja apenas segurança extra. —— Lélo sorriu e ajustou sua foice, virando-se delicadamente em minha direção. Seus passos não emitiam um ruído sequer. Pareciam passos da morte. —— Bom. Você não é besta, Marti. Já deu pra notar que isso é uma espécie de iniciação dos membros da Resistência. —— Explicava ele. —— Não sou muito a favor dessa tradição posta pelo conselho, mas... Nós não podemos simplesmente defender uma grande maioria sem que eles nos sejam também prestativos. —— Léo tomou a partida, e seus olhos estavam com uma expressão fria. —— Exato. Todos aqui precisam ser fortes e úteis, caso contrário, não conseguiríamos sobreviver. Não temos um campo mágico que possa nos deixar seguro vinte e quatro horas por dia, por isso, concordamos que os ensinamentos devem ser puxados e inclusive, desumanos. Por outro lado, Ares, quando nos visitou, sim, o próprio Deus em... Bom, pessoa? Que seja, nos disse que seria a maneira correta a lidar e que todos os mortos que perecessem aqui, seria levados diretos para os campos Elísios. Zeus teve consentimento e junto de Hades e Poseidon, chegaram na conclusão de que esse acordo era cabível, portanto, as almas dos semideuses daqui não passariam por conselho, seriam levadas direto para o paraíso. —— Engoli seco, por mais que parecesse errado tudo aquilo, fazia sentido e inclusive tinha uma boa maneira de nos deixar confortáveis com a morte, por mais dolorosa que fosse. —— Só sei de uma coisa. —— Sussurrei, chamando a atenção dos dois novamente. —— Se eu morrer, no meu céu vai ter Pokémon. —— Rimos baixo, mas bastante, até focarmos de novo no terreno, precisávamos de entretenimento, já que a madrugada estava longe de terminar.

[...]

As horas se passaram lentamente, Léo se ocupava com um pequeno objeto redondo em repouso na palma de sua mão canhota. Com a esquerda, ele usava uma chave de fenda, apertando algumas partes do utensílio. Não vou mentir, fiquei curioso com o objeto redondo em suas mãos, mas evitei incomodá-lo, sua atenção estava bastante vinculada naquilo. Lipe simplesmente equilibrava a ponta de uma faca no seu indicador, o tédio estava grande demais, e todos ali pareciam ter alguma coisa para se fazer, menos eu. Lira e Well ouviam música com fones, e isso me deu saudades do meu antigo aparelho celular. Pelo menos poderia estar passando as horas ouvindo Charlie Brown Jr. Lélo, entretanto, era o único que parecia compartilhar da mesma sensação que eu, porém, seus olhos tinham um pesar maior do que o medo de Lipe algumas horas atrás. Caminhei até sua posição, ele estava sentado com a haste da foice apoiada em seu ombro, as mãos ocupavam-se, bem, acredite se quiser, mas com ossos de algum cachorro morto, pois o crânio do animal ele utilizava como apoio para um pé. —— E ai, cara, tá tudo bem? —— Minha pergunta soou mais sobre as coisas que ele usava como distração do que com seus sentimentos obscuros. —— Ah, naquelas, carinha. Naquelas. —— Cocei o queixo, onde a barba ainda crescia aos poucos. Sua frase vinha cheia de pesares na minha mente. —— Hm. Ok, o que te preocupa e na boa? O que te leva a brincar com ossos de animais mortos? —— Ri brevemente e ele conseguiu retribuir, ajustando os óculos que usava em modelo Ray Ban. —— Eu conjuro eles, não mexo em cadáveres alheios. E não é nada demais, sério. —— Bom, conjurar esqueletos era uma habilidade dos filhos de Hades, e não duvidaria se Lélo fosse um deles, mas algo em seu interior demonstrava uma singularidade bastante diversificada.

Além daquela aura, meu detector de mentiras mental começou à apitar instantaneamente. Me apoiei numa das barricadas, deixando meu escudo no chão e encostado nas pilhas em que me sentava. Cruzei os braços e encarei seu rosto inexpressivo. Minha intenção não era intimidá-lo, duvido que conseguiria, mas tentaria arrancar respostas apenas encarando ele por alguns segundos.

Lélo por mais confiante que fosse, no momento em que percebeu estar sendo observado seriamente por mim, ficou um tanto incomodado. Suas mãos ficaram inquietas e ele não parava de mordiscar os lábios. Algo dentro dele queria desabafar, mas achava melhor não fazer isso, ou por simplesmente ter um pensamento de que aquilo fosse inútil.

Continuei e ele aos poucos ficava ainda mais irritado.

—— Está bem! —— Depois de exatos cinco minutos, o garoto ergueu os braços e os ossos se moldaram num cachorro esquelético com alguns restos de carne. Ele rosnava para mim com os dentes encaixados na mandíbula aparentemente frouxa. —— Está bem vou te contar ou está bem vou te matar? —— Sorri, embora precavido, segurava a espada presa a bainha. —— É sobre o Du... —— Sua frase veio à tona banhada pela melancolia desagradável. O rapaz olhou firmemente para o canino de ossos e o animal choramingou um pouco, e logo fez uma típica ação de cachorros, rodeando um pedaço de terra e deitando-se no solo, mas ao contrário dos cachorros vivos, seus ossos desmontaram e afundaram na terra, ficando apenas o crânio, onde Lélo voltava a apoiar a sola do pé esquerdo. —— Ele, não sei dizer. Simplesmente nos deixou. Depois de formamos isso, uma voz forte invadiu aqui e atacou a gente com uma força inimaginável. Tinha bichos estranhos, um exército fortemente armado, foi uma loucura. E no final, quando achamos que tínhamos vencido, um Dragão apareceu destruindo tudo. Levamos um tempo, nada comparado ao que pensávamos, mas reconstruimos o lugar, mas no final... O mesmo Dragão levou muitos de nossos amigos, e um deles foi Du. Jamais pensei que ele nos trocaria por sobrevivência. —— Suas mãos formaram os punhos e tremeram diante da força que ele comprimia os dedos nas palmas das mãos.

Minha mão moveu-se até seu ombro, senti seu corpo bastante frio, como de um cadáver, mas isso não foi motivo para recuar ou simplesmente parar. Minha mão estava um pouco mais quente que o normal, e Lélo sentiu isso também, tanto que depois de alguns segundos, as temperaturas se equipararam, ajustando-se num grau normal. —— Não sei bem o que está acontecendo, mas acredito que logo teremos respostas. E isso não vai ficar assim, e garanto que o Du teve um bom motivo para ir com Pallas. —— O nome do Titã, quando foi mencionado, provocou uma forte brisa contra nós, capaz de me fazer perder o equilíbrio.

Rapidamente o vento chamou atenção de todos. Nos preparamos instantaneamente, olhei para trás e Lira, junto de Well, carregavam suas flechas no centro do arco. "Ótimo." Pensei. Desembainhei minha espada e recuperei meu escudo, segurando com minha mão destra e fixando uma alça no antebraço. —— O que exatamente vamos esperar? —— Me posicionei na defensiva, Léo empunhou seu machado duplo, deixando o objeto esférico na frente da barricada, com a chave de fenda fincada nele ainda. —— Algo grande. —— Respondeu o filho de Hefesto. —— Bem grande. —— Lélo deu ênfase. Eu, por outro lado, apenas me preparei para o pior.

A mata começou a se remexer numa velocidade anormal e junto dela, nuvens de tempestade cobriram o céu, despejando milhões de gotículas de água pesadas. O toque me enchia de vigor. —— Seja lá o que for, o único lugar melhor para enfrentar alguém agora... Seria no mar. —— Todos me encararam, tentando entender, até que me toquei que ninguém ali sabia de quem eu era filho, e o mais engraçado é que eu somente sabia de quem Léo era. Talvez fosse pelo símbolo de fogo na sua arma e a forte aura de calor que ele emitia. —— Em alerta, está vindo. —— Lélo nos avisou, afastando-se um pouco da barricada, e nós seguimos seus passos, com exceção de Lipe, que se abaixou no canto direito, preparando uma emboscada, caso o inimigo, por mais irônico que fosse, pulasse a cerca, literalmente.

Os segundos pareciam rastejar naquela tensão. Meus olhos visavam todos os cantos, famintos por um alvo definido, e não só eu, como principalmente os arqueiros. —— Está perto... —— Lélo continuava dando as jardas necessárias para finalmente acontecer o impacto. —— Posso saber como tem noção disso? —— Murmurou Lipe, abaixado, passando de mão em mão sua arma. —— Acha mesmo que viria para uma patrulha sem ter meus lacaios ao nosso redor? —— Seu tom de voz aparentou confiança e um tanto de arrogância, ele estava com plena convicção de que aquilo era mais óbvio do que o normal.

Felizmente, Lipe não era de discutir se acaso fosse algo em vão. Ele simplesmente deu de ombros, não ligando para os argumentos de Lélo e esperou a oportunidade chegar aos seus pés.

Da mata, um enorme vulto corria em ziguezagues, evitando ter um ponto específico. Talvez tivesse ciência dos arqueiros, mas a respiração ofegante entregava onde quer que seus passos o levassem. Meus olhos, apesar da pouca claridade, conseguiam acompanhar o ritmo da fera. Ela tinha uma semelhança no ritmo de seus movimentos. Depois da terceira vez em que acompanhei, seus passos viraram monótonos ao meu entendimento. Ergui a mão, tentando sinalizar para Well ou Lira. Os dois ergueram o braço, mas mantendo a flecha presa no arco, para que não tivesse de recarregar. —— Esquerda, na direção do meu dedo, em 3 segundos. —— Falei num tom alto suficiente para que pudessem ouvir.

Os arqueiros assentiram, voltando a segurar as flechas com a mão de outrora levantada. Meus dedos tomavam uma sentido, e mantive três dedos erguidos, logo, lentamente, levando o braço na direção exata. Deixei-o erguido, os três dedos se reduziam a dois. Well e Lira atrás de mim, concentravam sua visão num único olho, o típico olhar de mira. Menos um dedo e um ponto exato. Quando o punho se fechou, as flechas passaram zunindo em meus ouvidos, quase ficando lado a lado. O disparo de Well foi mais preciso e um pouco mais rápido do que o de Lira, mas o da garota também não tinha sido nada mal.

Quando as flechas se perderam na escuridão, um urro tomou posse da mata, junto com um grito atordoado e abafado. Não sabia que tinha duas pessoas lá, mas certamente a segunda estaria com bastantes riscos. —— Lélo, situação? —— Exigiu Léo, pulando a barricada e segurando o machado firmemente nas duas mãos. —— Um minuto. —— O garoto com a foice fechou os olhos e focalizou as energias, pude notar uma aura negra surgindo envolta de seu corpo, aparentemente, era o único que via isso. —— Um sátiro, e... Bom, não sei dizer, um Leão, nunca vi algo assim, mas ele está com problemas. Por sorte uma das flechas acertou de raspão o olho esquerdo do felino. —— Lipe se levantou e juntamente com a espada, segurou uma adaga de aproximadamente cinquenta centímetros de comprimento. —— Como sabe disso? —— Perguntou, bastante incomodado com os poderes de Lélo. —— Elo com minhas criaturas esqueléticas. Minha visão é afiliada pelas minhas criações, por isso, tenho uma noção do ângulo em que estou e sobre tudo ao meu redor. —— Lipe arqueou as sobrancelhas. Parecia admirado. —— Quer dizer que você pode criar um esqueleto e ver o que ele vê? —— O interrogatório continuava. —— Basicamente, agora vamos, ou o sátiro será devorado. —— Pulamos todos os obstáculos a frente e mergulhamos vegetação a dentro.

[...]

As folhas pareciam navalhas devido ao vento gélido e o contato áspero que tinha enquanto corria pelo mato, Lélo estava mais a frente com Léo, ele tinha um pouco de dificuldades em correr com o machado enorme, mas isso não foi motivo para perder terreno com suas longas passadas. O tamanho realmente recompensava quando se tratava de corrida, mas por sorte, não era lá um péssimo corredor, mesmo com meu tamanho singularmente menor do que os dos outros.

Quando o alvo foi se aproximando, tomei a dianteira, pois era o único com um escudo presente no meio do ataque. Lélo ficou a minha direita, cobrindo um enorme espaço com sua foice, e obviamente, Léo na minha esquerda, suas armas de grande porte faziam os lados serem totalmente bloqueados. Lipe aguardava na retaguarda e mais atrás, estava Well com uma flecha preparada, junto de Lira, que também segurava uma ao centro do seu arco. —— Qual o plano? —— Indagou a menor de todos. —— Salvar o sátiro e não morrer está bom? —— Disse Lipe, com um sorriso sarcástico. Ele empunhou duas lâminas e e se preparou atrás de mim, com uma distância considerável de um metro. —— Eu iniciarei o ataque, isso aqui não é igual ao caça, gente... —— De repente, me veio à tona essa palavra, e quando meus lábios proferiram elas, todos ficaram com receios, porém, ninguém teve coragem de questionar, fazia parte deles também, tanto quanto eu. —— Enfim, não vamos pegar uma bandeira alheia e sermos surpreendidos por três ou quatro inimigos. Portanto, eu como estou com um item de defesa, vou iniciar o ataque e quem sabe, chamar atenção do que quer que seja. Léo, você vai abre caminho pela direita e Lélo pela esquerda, certo? —— Ambos assentiram, gostavam quando a estratégia se formulava instintivamente na minha cabeça. —— Lira, Well, vocês podem ficar atrás de mim e cada um de um lado, caso ele parta para cima de mim, vocês podem prejudicá-lo com algumas flechas. E Lipe, você vai ser meu suporte, me cobrirá sempre que perceber que eu abri a guarda. Pode ser? —— Os três restantes sequer opinaram, esperaram os dois abrirem um amplo campo vantajoso para seus ataques, e assim, esperaram que eu pulasse entre os arbustos, onde possivelmente encontraria o sátiro perdido.

Respirei fundo e tudo ao meu redor começou a ficar mais lento, como se eu tivesse controle sobre a velocidade. O coração batia muito rápido. Muito rápido mesmo, chegava até a doer o peito. Estava sob uma dose de adrenalina intensa. Chegava até conseguir enxergar as gotículas de água se chocando com a mata, terra ou o vento obrigando-as à abrirem uma curva.

Não entendia muito bem o real propósito, mas estava mais entusiasmado do que nunca. —— Agora! —— Pulei, usufruindo do escudo para que os galhos não danificassem parte alguma do meu corpo. O cenário abriu, uma enorme circunferência no meio da pequena floresta estendeu-se entre nós, nada tão majestoso que precisasse muito da visão para achar o fim, contudo, o espaço era bastante significativo.

Quinze metros na minha frente, o homem com pernas peludas e uma camisa do Bob Marley corria desesperadamente, com sua visão focada atrás, para se preciso, precisasse pular e desviar dos golpes do inimigo. Seu corro com as cores do reggae era segurado pela mão canhota, já na destra, ele tinha uma pequena adaga, o que mais chamava a atenção vinha do fato dela estar um pouco mais curvada que o normal. Parecia que um peso bem forte caiu em cima dela e ao mesmo tempo, outro veio pelo cabo, envergando o armamento. —— Venha pra cá! —— Gritei, e ele desesperadamente, corrigiu seu curso, agradecendo uma lista gigantesca de Deuses, uns que eu jamais tinha ouvido falar também.

Infelizmente, atrás dele estava uma das piores criaturas que não queria ter o bel prazer de enfrentar tão cedo na minha vida. A pelugem dourada tinha um brilho intenso sob a luz da lua, e mesmo com a pele toda molhada, sua juba ainda ficava em pé, magnificamente. Um belo animal, sem dúvidas, mas para variar, nunca do nosso lado.

O enorme felino posicionou as pernas traseiras, cravando suas garras dianteiras no solo, uma típica pose do ataque dos gatos, leões, que seja, era tudo farinha do mesmo trigo, o que mudava vinha do tamanho. O animal era quase igual a um picape 4x4. Talvez fosse um pouco maior até. —— Cuidado, cacete! —— Segurava o escudo com a espada preparada um pouco mais abaixo, se ele viesse até mim, o surpreenderia com um movimento debaixo para cima, torcendo para que a lâmina fosse bem afiada e suficiente para causar um dano sério no leão. —— Droga, droga, droga, droga! Por que de tantos monstros, logo um Leão de Neméia veio atrás de mim? —— Gritava desesperado o Sátiro, bastante aflito e inconsolável. O salto foi aplicado e meus passos se aceleraram uns dois segundos antes, sabia muito bem que meu braço não aguentaria o peso do animal, e eu poderia muito bem quebrá-lo ou ter ele arrancado caso o leão caísse em cima dele.

Ultrapassei o sátiro, deixando o escudo prateado elevado, minha ultima visão foi dos enormes caninos da fera, acompanhada do seu rosto mortífero. Fechei os olhos, mas pude perceber um vulto de ultima hora, fazendo uma curva na exata direção do rosto do animal.

Um enorme barulho de metal atingindo um gato e sendo arremessado para o lado ecoou. Não tinha outra explicação para isso, já que foi exatamente o que aconteceu. O Leão de Neméia passava a língua na região atingida e esfregava o focinho em suas patas. Parece que o golpe o tinha realmente machucado. Ele se ajeitou e começou a rosnar, sei lá como uma gato fazia isso, mas ele parecia bastante irritado. Quando se posicionou de novo, a foice de Lélo surgiu debaixo de seu pescoço, e o jovem acima, dando um mortal no ar e segurando com as duas mãos a ultima parte do cabo da arma. Quando seu corpo caiu, a lâmina do armamento travou na garganta da fera, e a fez ir para trás, completando o movimento perfeito do garoto. Ele terminou o salto de pé, mas caindo de joelhos. Sua calça ficou um pouco suja de barro, não que isso fosse importante. Olhando rapidamente para trás e tendo noção de que seu golpe tinha sido efetivo, o semideus começou a correr.

O Leão rugiu e se levantou mais rápido do que previmos, ele ia alcançar o corpo de Lélo, já tinha até saltado com as patas à frente e suas mandíbulas prontas para abocanhar o alvo, caso fosse pego. Mas hoje não era o dia de sorte do felino, pois duas flechas passaram pelos meus ombros, e a cabeça de Lélo, que sequer piscou com o movimento, e quando atingiram o animal, explodiram em fogo, tamanho foi o impacto junto com a explosão, que o corpo de Lélo foi arremessado para frente e o do animal, um pouco para trás. O mancebo ajustou-se o mais rápido possível e posicionou-se ao lado de Léo. Os dois pareciam bastante entrosados, quiçá treinassem juntos por algum tempo.

Lélo respirou pesadamente e passou a mão pelos joelhos, ele parecia ter ralado eles. —— Esse desgraçado não sangra. —— Reclamou ele, olhando sua arma, que tinha somente o metal negro esculpido. —— Óbvio que não, esqueceu do mito? —— Interveio Lira, atirando mais duas flechas ao mesmo tempo. —— Esse demônio só morre com força bruta ou com algo o atingindo de dentro para fora. —— Well surgiu do outro lado, atirando três, sua pericia no arco estava bastante nítida em cada movimento que ele fazia. O modo como sacava as flechas e as equilibrava em seu arco e depois arremessava, jamais tinha visto algo igual. Não precisava nem que ele me falasse de quem era filho, Apolo sem dúvidas estava presente nas suas ações.

Cinco explosões proliferaram-se, o inimigo choramingou um pouco, mas logo recobrou sua pose de ataque. Seu rosto estava com os pelos queimados, mas a pele do animal estava intacta. A imagem me fez rir, infelizmente tive que conter a gargalhada, imaginem um Leão com um enorme vão entre a testa até uma boa parte da juba. Imaginaram? Então, qualquer um iria rir, admitam.

Meu feito parecia ter irritado o antagonista, pois o enorme gato dourado começou a correr e uma espécie de sombra rodear seu corpo. —— Lá vem merda... —— Sussurrei, mas algo me fez ferver o sangue. Faltava um junto de nós. Onde estava Lipe? —— IH RÁ! —— O grito despertou todos do choque, afinal, estávamos inconscientemente paralisados com a habilidade singular do Leão. O garoto com calça militar segurava nas jubas do animal, que furioso se debatia, tentando se livrar do corpo alheio em cima de si. —— Esse é a melhor réplica de touro mecânico do mundo, só que vivo! —— Seu comentário não foi muito inteligente, se você fosse analisar, mas pouco importava. —— Hora de dar o troco! —— Nenhum monstro ia me fazer ficar parado com medo, não enquanto eu vivesse.

Meus passos aceleraram, e com ajuda do objeto de metal, colidi-me com a pata da frente esquerda do animal, fazendo-o se desequilibrar. Conseguia ver tudo ainda com aquela dose de adrenalina forçada, portanto, girei - coisa que nunca, eu repito, nunca tinha feito em um duelo -, golpeando a mesma pata e trazendo um urro de dor do inimigo. Meus lábios comprimiam um sorriso malicioso. Podia ser estranho ou até diferente do meu eu verdadeiro, apesar de que, todos esses fatos recentes estavam me fazendo adorar provocar dor e morte nesses malditos filhos do Tártaro.

Quando a fera caiu, Lipe dei um mortal no ar, e com suas duas espadas em prol do rodopio, aplicou perfeitamente dois arranhões, fortes por sinal, com as pontas das lâminas, no olho do leão. Sua pele até podia não sofrer danos, mas quando o metal atingiu os orbes avermelhados, sangue jorrou e mais urros vieram do felino. O garoto caiu no chão com as solas firmemente, e logo estava correndo com as duas espadas, numa velocidade anormal. Ao meu lado, sem que tivesse noção, e mesmo com ajuda da dose de adrenalina, Lira estava com o arco armado, e disparou uma flecha que ao toque, congelou metade da face dele. Ri e corri para o lado, o Leão estava caído e com muita dor. Well vinha atrás e lançava um trio de flechas congelantes, mas nas patas. O gelo se fundia com o solo e criava uma camada conforme as sequencia de tiros perfeitos do filho de Apolo iam se repetindo.

Tinha contato oito disparos em uma única pata. O Leão se levantou, com mais um fardo em cima dele, mas desta vez, tratava-se de mim. Larguei a espada e o escudo, loucura? Um pouco. Me agarrei na pelugem do felino e me segurem conforme ele pulava num único lugar só. A garota já estava bem longe do meu campo de visão e o filho de Apolo tomava distância. —— Marti, você tá louco? —— O grito de preocupação de Lélo veio de longe. Olhei para ele, sem ter o que dizer, e com os dedos, fiz um sinal famoso, a típica expressão: "um pouquinho". Depois do feito, voltei a agarrar os pelos.

Meus aliados não investiam e mesmo com a mira perfeita, nenhum dos dois usaram flechas para deter ou prejudicar ainda mais o monstro grego. Estavam com medo de me atingir e por isso, aguardaram o meu feito, por mais incrédulos que estavam. —— Acha mesmo que vai conseguir me matar, seu bosta? —— Discutia com ele, e puxava os pelos, imaginei alguém puxando a minha barba e torci para que a dor fosse bastante semelhante ou até pior. Não houve mudanças no comportamento do gato gigante, ele simplesmente continuava a pular, mas quando o irritava, sentia pulos mais fortes, felizmente a camada de gelo estava tão intensa que ele não conseguia sair do lugar. —— Vai, seu lixo, não consegue sair? Quero ver se é tão forte assim! —— Ele pulava, se chacoalhava e eu me forçava para ficar preso e me cima dele. Não exigia tanta força, aguentava perfeitamente e quando precisava de ajuda extrema, meus pés se apoiavam na pele dele e eu conseguia me manter fixado em seu corpo. —— Vamos, você não enfrentou Hércules a toa, né? Ah, me esqueci, ele te matou com um mata-leão, irônico, né? Acho que foi dai que surgiu essa expressão! —— Todo mundo tem um ponto fraco, e sem dúvidas, aquele era o do inimigo. Seus olhos se arregalaram e com muita força ele pulou, mas o gelo não cedeu, seus movimentos estavam incontroláveis e a nuvem negra começou a surgir envolta de seu corpo.

"ACHA MESMO QUE É CAPAZ DE IMPEDIR MEUS ESFORÇOS? VOCÊ FOI LONGE DEMAIS, DESCOBRIU COISAS DEMAIS, MAS AINDA TEM MUITO PARA DESCOBRIR. E SEM UM ORÁCULO, SEM UMA PROFECIA, E ATÉ MESMO A AJUDA DOS DEUSES, VOCÊS ESTARÃO PERDIDOS. ADORO AS ANTIGAS TRADIÇÕES QUE ZEUS IMPÔS NO OLIMPO, E FAZÊ-LO CEDER NÃO VAI SER UMA TAREFA, FÁCIL, NÃO ACHA? AINDA MAIS PARA UM FILHO DE SEU IRMÃO, QUE DIRÁ, MAIS ODIADO? HA-HA-HA. ESTOU ANSIOSO PARA VER COMO LIDARÁ COM ISSO, E AH... JÁ IA ME ESQUECENDO, ESTOU COM MUITOS AMIGOS SEUS, VINICIUS MARTINATO. TODOS ELES VIRAM QUE A VIDA SÓ ESTÁ AO LADO DOS MEUS OBJETIVOS. AINDA HÁ UM LUGAR PARA VOCÊ, CASO RECONSIDERE SUA PATÉTICA ATITUDE HEROICA. A ESCOLHA É SUA, MAS ANTES DISSO, MOSTRAREI COMO POSSO SER UM INIMIGO ODIÁVEL..."

A mensagem terminou com apenas dois olhos tão vermelhos como a lava de um vulcão. Quase fui lançado no ultimo movimento do Leão de Neméia, pois havia ficado bastante tonto. Por sorte, o animal estava cansado e deitou, respirando ofegante e cansado de tentar se livrar da camada de gelo imposta pelas flechas divinas dos semideuses. —— Acha mesmo que vou me entregar assim? Fácil e sem lutar? Você pode até estar com a vantagem, mas eu te garanto que vou salvar eles e acabar com a tua raça! —— Com a frase terminada, ergui meus braços para o céu, obrigando a água que caia numa intensidade forte agora, se aglomerar nos meus punhos. Uma bolha enorme se formou, todavia, quando fechei os punhos, um enorme chicote e bem azulado se formou. Ergui o material de água e a chuva voltou a cair normalmente. —— Eu não tenho a força de Hércules, mas com certeza eu tenho as habilidades de Poseidon, e você, maldito Leão, vai se lembrar de mim por séculos! Não preciso de ceninha igual a herói não, mas eu realmente quero que se lembre do meu nome: Vinicius Martinato, guarde ele, pois ele é o primeiro semideus dessa área a te matar. —— O felino se remexeu, mas o cansaço era muito maior.

Com o punho canhoto erguido, o lancei para baixo, ordenando que o longo chicote de água se enrolasse no pescoço da fera, e assim o fez. Sobrou uma pequena ponta que agarrei com a mão esquerda. Mesmo sendo de água, era impossível atravessá-lo, como normalmente fazia a água ao toque de qualquer superfície sólida. Puxava com vontade para cima, e a dobra entre o pescoço do animal foi se fortalecendo, e comprimindo o ar do Leão. Conseguia ver sua respiração falhar e seu único olho bom quase saltar de sua face. Não deu nem um minuto e a fera cedeu, caindo morta no chão aos poucos seu corpo se dissolvendo em pó. Apenas um casaco restou ali, e eu o agarrei, não sabia bem o porque, mas tinha noção de que seria importante.

Em pé, recuperei meus armamentos e girei os braços, tentando me espreguiçar e relaxar os músculos. —— E é isso. —— Meu grupo assoviou e comemorou a morte do inimigo, e o mais eufórico de todos tratava-se do Sátiro, ele realmente parecia ser o mais feliz de todos. Comecei a andar em direção deles, até que meus olhos começaram a enxergar um outro cenário. Ajoelhei-me no barro, apoiando a mão nele e perdendo minha espada. O cenário era de uma cidade em chamas, estava na Avenida Paulista, os prédios todos destruídos, torres em chamas, carros virados, pontes quebradas e muitos, realmente muitos corpos moribundos ao meu redor. E na minha frente, apenas um alvo gigante, com seus sete ou oito metros de altura, pernas grossas e musculosas, corpo totalmente coberto por uma armadura negra, tão escura que o preto chegava a ser claro, comparado com o grau daquilo. Digamos que num fundo preto, você ainda conseguiria distinguir aquela cor enegrecida. Mas havia uma exceção, sua pele cinzenta e a aura branca ao seu redor, e os olhos... Olhos vermelhos como lava e os dentes pontiagudos como de tubarões. Seu sorriso representava escárnio puro. —— SEU FUTURO, VEJA BEM. E SAIBA QUE FOI ESCOLHA SUA, FILHO DO MAR. —— Só conseguir enxergá-lo estalar os dedos e tudo desapareceu, o campo tinha voltado ao que era antes, mata e terra molhada. Todos estavam ao meu redor, curiosos. —— Isso que dá querer bancar o herói. —— Retrucou Lélo. —— Você tá é com ciúmes, isso sim. —— Todos deram uma breve risada e ele me ajudou a se levantar.

Well se afastou e ficou encarando o local que o Leão havia perecido, ele estava intacto, sequer movia seu corpo naturalmente. Parecia ter virado uma estátua. Nos viramos e aguardamos o seu transe passar, mas os segundos passavam e começamos a suspeitar do que teria acontecido com ele. —— Well, volta logo, temos que terminar a patrulha. —— Lira esbravejou, mas o garoto nem se mexeu. Lipe caminhou até ele, mas quando deu seu primeiro passo, o braço do filho de Apolo se ergueu e ele apontou para o gelo erguido, que aos poucos ia derretendo com as água em contato. —— Mas que... —— Uma sombra rodeava o lugar. Ela se remexia como fogo, um fogo negro, embora não emitisse calor algum. O garoto se virou, e pudemos ver seus olhos sendo consumidos por uma imensidão escura. A penumbra invadiu por completo seus olhos, e ele sorriu, de modo medonho. Recuamos alguns passos e ele se aproximou de costas até a sombra tremula. —— O que você pensa que está fazendo, Well?! —— Léo gritou, bastante irritado. —— Estou sobrevivendo. Você deveria fazer o mesmo. —— Ele inclinou seu pescoço. Não conseguia entender o que estava acontecendo, mas sabia que Pallas estava por trás disso.

O semideus deu mais um passo e ergueu o braço que segurava o arco. —— Vocês são patéticos. Não sei porque fiquei tanto tempo aqui. —— Seu braço tomou a sombra, aparentemente similar a um portal, e conforme ele foi se afastando, seu braço ia sumindo. —— Uma lembrança minha, espero que tomem as escolhas certas, babacas. —— Seu riso tinha um soar metálico. Ou ele tinha virado um demônio, ou um demônio tinha entrado dentro dele. Preferi ficar com a segunda opção.

Seu braço se estendeu até as costas tão rápido que fui o único a notar a velocidade do movimento, graças a minha habilidade de adrenalina ainda ativada. —— Cuidado! —— Só pude ouvir Lipe gritando, o que foi meu erro olhá-lo, pois tudo se acelerou de uma maneira incomum, as coisas voltaram ao padrões normais sem que eu quisesse, e isso foi suficiente para que a flecha fosse lançada até o ombro e explodisse em chamas.

O tempo foi desacelerando mais uma vez. De dentro da sombra, uma garra segurou o braço do filho de Apolo, e com um sorriso maligno, foi puxado para dentro, e de lá, apenas o rosto pálido e os olhos cobertos por cabelos surgiu, sua boca só eram navalhas brancas, mas a criatura tinha uma das risadas mais doces que já ouvira. Quando sumiram por completo, a chama voltou a ganhar velocidade e atingiu meu rosto por completo. Foi tão rápido que o impacto simplesmente fez desmaiar, pelo menos só senti um pouco da queimação cobrindo meu rosto, orelha, cabelos, tudo próximo do ombro.

[...]

Acordei e me ergui tão rápido que só percebi que tinha gente ao redor quando minha visão se acostumou com a claridade. Na cama, estava uma garota loira e um pouco maior que eu, ela sorria e sentava no meu colo, como se fosse a coisa mais normal do mundo. —— Meu amor, como você está? —— Suas mãos alisavam a parte direita do meu rosto com cautela. Minha bochecha tinha um incomodo significativo, assim como a pele do pescoço. O ombro tinha um curativo grande, estava de regata e podia ver o vermelho tomando conta da minha antiga pele. —— Droga, sou o duas caras agora? —— Murmurei, a visão do meu olho esquerdo estava completamente nula. —— Duas caras e caolho por sinal. —— Apoiei a mão canhota na parte sadia da minha face. Não queria ver minha imagem tão cedo.

Já ia me esquecendo, a garota no meu colo tratava-se da Giovanna Franchini, uma das primeiras garotas que conheci nos meus poucos meses de evento. Um ano e cinco meses, para ser mais exato, era o tempo que frequentava aquelas maravilhas, antes de tudo isso acontecer. A jovem passava um pouco de algodão úmido na minha pele viva, o toque ardia um pouco, mas se suavizava com o tempo. —— Continua gato, agora fique quieto pra eu terminar isso aqui. —— Não falei nada, apenas agarrei os lençóis, suportando a ardência.

Enquanto estava sob os cuidados da garota, a porta se abriu, com ela entrou Jhon, Giu e Lélo, todos vestiam roupas normais, sem armaduras e armamentos desta vez. Giu tomou a frente e caminhou até nós, um pouco surpresa pelo modo que Fran estava em cima de mim. —— Estou atrapalhando alguma coisa? —— Ela arqueou as sobrancelhas e dirigiu o olhar para a garota loira. —— Se tivesse rolando algo, eu garanto que estaria sem roupa já, Giu. Só tô cuidando das feridas dele, relaxa ai. —— Seu sorriso me acalmava, e me fez esquecer alguns segundos o meu novo eu. —— Caramba, Marti, isso foi feio... —— Jhon disse, me encarando e fechando os olhos por alguns instantes, tentando se acostumar com o que via. —— Não me diga. Não quero nem ver um espelho na minha frente por alguns... Anos, talvez? —— O semideus quando ouviu a palavra espelho, colocou a mão no bolso detrás, mas notou logo em seguida que o que eu dizia não era de aspectos positivos para o utensílio. —— Deixa quieto. Mas relaxa, tenho boas notícias. —— Pronunciava ele tranquilo, tirando um pequeno espelho portátil. Ele ajustou seu cabelo se olhando por alguns segundos, até notar que os olhares iam direto para ele, com exceção de Giu, que também fez o mesmo. —— Ah, me desculpe, mana! Você também, pare com isso. —— Giu percebeu e de súbito, guardou o objeto no bolso detrás, como Jhon. —— Desculpa, mas sabe como é... Somos filhos de Afrodite, é mais forte do que nós. —— Tudo fazia sentido agora.

Lélo se aproximou e ficou próximo da cabeceira ao lado da cama. Ele usava calças jeans pretas e uma camisa regata branca, junto com um par de luvas que tinha abertura na parte dos dedos e um gorro comprido, parecido com o de Jhon. —— Enfim, acho melhor eu explicar. —— Ainda sentia uma aura negra vindo dele, mas não era nada semelhante a de outrora, cujo puxou o filho de Apolo, teleportando ele seja lá pra onde fosse. —— Antes de você me explicar qualquer coisa, me diga... De quem você é filho? Eu sinto uma energia negativa vindo de você, não no sentido ruim, mas sei lá, como se fosse o oposto da vida, da luz... —— O mancebo se surpreendeu. —— O único que sentiu isso de mim foi o Well. Estranho. —— Todos quando ouviram o nome do filho de Apolo ficaram quietos, mas Lélo pareceu não se incomodar muito, ele tinha presenciado tantas baixas que aquilo teria sido um fardo comum em seu dia a dia. —— Vai ver é mágica, mas enfim, me diga e conte depois o que vieram falar. E... Ai! Isso ardeu pra caralho! —— Me remexi na cama, mas as pernas de Fran me mantiveram imóvel e fixo no mesmo lugar. —— Calado, eu ainda não acabei, mocinha. —— Bufei, e Lélo sorriu, junto com os outros. —— Bom, carinha. Sou filho de Tânatos, o verdadeiro deus da morte. Diferente do que muitos posers malditos acham que é Hades, mas enfim. O recado que viemos dar é que sua iniciativa ontem foi bastante corajosa e o modo como você aniquilou aquele Leão, foi sem igual. Por isso, o conselho decidiu que você pode ficar aqui o tempo que quiser, desde que arque com algumas tarefas, quando preciso. Resumindo, você passou no teste. —— Um alívio percorreu meu corpo. —— Ainda bem, imagina se depois de tudo isso... —— Apontei para minha área atingida. —— Eu não pudesse ficar? Huh. —— Minha frase foi bem amarga, embora bastante compreensível.

Fran assim que terminou de passar o líquido no meu rosto, se levantou e passou um pano envolta de todo o meu rosto, dando abertura apenas para o olho, nariz e boca. O pouco do cabelo que restava ficara em pé no meu penteado tradicional, só que pela metade. Pela primeira vez tomei coragem de olhar os estragos no espelho. Por sorte, só enxergava a faixa branca do curativo e aberturas do meu rosto saudável. —— Vou me acostumar a ficar assim por bastante tempo. —— Os presentes ficaram me encarando, até que a maioria se levantou, deixando apenas Lélo sentado de braços cruzados no recinto. —— Bom, qualquer coisa é só nos avisar. —— Murmurou Fran, carregando os quites médicos pelo lugar. —— E na próxima patrulha, você vai comigo, assim nenhum viado vai fazer isso contigo. —— ela piscou para mim, e eu sorri, e quando ela estava prestes a sair, deu um leve tapa na minha bunda. Eu reclamaria, mas estava acostumado com esses tipos de brincadeiras com ela. Fran e Giu saíram, Jhon decidiu ficar um pouco, o que achei estranho, ele nunca ficava pra conversar comigo, somente quando eu dizia "oi" no inicio dos eventos.

No mesmo instante em que as meninas saiam, Yash entrava no âmbito. Seu olhar dizia tudo: Preocupação nível Yash. Ele usava agora um avental com uma varinha mágica que ficava se mexendo como se fosse uma TV, e nela saiam as palavras de um caldeirão, até formar uma frase: O melhor cozinheiro do mundo, chupa Dudu. O mais engraçado era ver a imagem se repetindo isso várias e várias vezes. —— Deixe-me ver como tá isso ai. —— Ele foi retirando o pano, e independente do que eu dissesse, eu não ia conseguir fazê-lo parar. —— Mas ela acabou de me enfaixar, Yash! —— Reclamei, sentindo o pano desgrudar da carne viva. Jhon fez uma cara de nojo, e não falei nada, deveria estar feio mesmo. —— Olha aqui, uma coisa que eu aprendi com os meus poderes, é que eu não posso apenas criar um campo mágico envolta de um prédio inteiro. Agora fique quieto. —— Obedeci suas ordens e me sentei na cama, olhando cada movimento que ele fazia com as mãos.

Todo o pano já estava em repouso num balde que ele magicamente criou com as mãos. O branco estava banhado por um líquido amarelo grudento. Deveria ser o remédio que Fran colocou. —— Ah, ótimo, ela passou o néctar líquido. —— Olha, não sou formado em farmácia, mas eu tinha certeza de que por mel numa ferida dessas não ia ajudar muita coisa. —— Néctar? E no que isso vai me ajudar? —— Indaguei, mas o filho de Hécate estava concentrado demais. —— Não é um néctar comum de abelhas, Marti. Fique tranquilo, sabemos o que estamos fazendo. —— Jhon disse, e se aproximou. Apenas Lélo ficava olhando tudo em silêncio. —— Certo, quando eu reconstruir a pele dele, a parte do cabelo, cor da pele, olhos, sobrancelhas, enfim, cabe a você e seus dons de Afrodite, entendeu? —— Yash explicava e Jhon assentia, erguendo os braços e emitindo uma aura rosa na ponta de seus dedos. —— Por favor, não me faça brotar cabelos rosas e lábios rosados como se tivesse com batom, muito menos olhos com sombra e cílios gigantes. —— A prole de Afrodite riu bastante, e parecia avaliar a ideia. —— Sério, por favor, não faça isso. —— Implorei, o que arrancou mais risos dele. —— Relaxa, Marti, não vou ser cuzão a esse ponto. —— Suspirei e detectei a verdade em suas palavras.

A mão de Yash então começou a brilha, mas o brilho do semideus era roxo, como antes, quando criou o campo ao nosso redor, para apenas nos ouvirmos. Suas palma começou a tocar minha carne, e fumaça saia, como se colocasse um pedaço de bife numa frigideira bem quente. Mas o toque não queimava, apenas aliviava a dor, o que estaria ótimo se não tivesse me assustado antes pela quantidade de fumaça que saia. Sua mão tocou todo meu rosto e desceu até o ombro, costas, e finalmente passou pelo machucado, quando abri os olhos, minha visão tinha voltado ao normal, enxergava com os dois olhos e a coloração do meu ombro estava normal, como sempre. —— Minha vez. —— Jhon agora foi tocando minha cabeça, depois a área onde minha sobrancelha deveria estar, depois no local dos cílios, passou também nos meus lábios, essa foi a pior parte, mas não iria interromper o processo.

Foram exatos um minuto de toques em mim. Sinceramente estava curioso demais, foi ai que o filho de Afrodite me ofereceu um espelho, o que ele carregava consigo o tempo todo. Segurei o objeto, mas antes, dei uma olhada ao redor, e notei Lélo boquiaberto com o feito. —— Tô mais feio que antes? —— Ele engoliu seco e se aproximou, para concluir se era verdade ou não. —— Acho que você deve tirar suas próprias conclusões. Veja. —— Sua mão tocou a minha, levantando o objeto. —— Ok... —— Fechei os olhos e deixei o espelho na altura do meu rosto. Quando abri, taram! Eu estava como sempre costumava me ver, as sobrancelhas do mesmo jeito, olhos também, e os lábios com a mesma coloração rosada fraca que tinha. Nada feminino demais, e nem fora do comum. —— NOSSA! —— Pulei da cama alegre e comecei a abraçar Yash e Jhon, que respiravam ofegantes, mas riam feliz com seus feitos.

[...]

Depois de alguns minutos botando o papo em dia, explicando como as coisas aconteceram na madrugada e sobre Well ter sido abduzido e ido pro outro lado, fomos em direção do sátiro salvo que estava no refeitório, devorando latinhas de coca, manga enlatada e de ervilhas. Ele comia alumínio, frutas e vegetais enquanto bebia e devorava mais alumínio em seguida. Dan o acompanhava, comendo apenas um prato de salada de frutas. O sátiro tinha alguns curativos leves no corpo e sua adaga tinha sido consertada pelo rapaz moreno, que trajava óculos, como uma mania, pois se me lembro bem, todos que usavam óculos tiveram sua visão melhorada, vai ver virou apenas um hobbie, ou alguns tinham o costume de usar, mesmo esquecendo de que não precisavam mais. —— E ai, senhor desespero. —— Disse Lélo, se sentando ao lado de Dan, e eu de um lado e Yash do outro. Giu se aproximava, também incrédula com o meu rosto. —— Mas como? —— Apontei para Yash e ela engoliu o que ia dizer e fez um sinal com a mão de como se entendesse tudo. —— Bom pessoal, detesto cortar o assunto, mas creio que nosso amigo aqui tem algo a nos dizer. —— Dan falava seriamente enquanto cruzava as palmas das mãos, e embaixo dela, tinha o mesmo objeto esférico, muito semelhante ou talvez fosse o mesmo que Léo usava na noite passada. —— Bom, primeiramente, meu nome é Kennedy, sim, sou um sátiro, dãr. Mas o real motivo de eu estar aqui é porque vim informar sobre a destruição do Acampamento. —— Os rostos de todos ficaram inexpressivos, com exceção do meu, aquilo não era uma novidade. —— E os semideuses? —— Giu quis saber, ela aparentemente era a mais preocupada de todos. —— Tivemos baixas, admito, mas muitos se salvaram. Mas o dragão levou muitos dos seus para os exércitos de Pallas. Digamos que as forças dele triplicaram agora. E bom... Eu sei que vocês se mantiveram aqui sozinhos, mas minhas ordens são de avisar que os semideuses que sobreviveram, virão para cá aos montes, e sei que aqui cabem muitos. Então... Vocês devem se preparar para recebe-los. —— Jhon se levantou irritado. —— Como assim? Eles que se virem, nós nos esforçamos muito para manter esse lugar seguro, se eles vierem para cá todos juntos, isso aqui vai ser uma antena dando sinal para todos os monstros do mundo de que aqui tem carne de semideus fresca e de graça. —— Dan se ergueu e tocou no ombro de Jhon, obrigando-o a se acalmar, o garoto cedeu e se sentou, mas bastante irritado ainda.

O filho de Hefesto ajustou os óculos e voltou-se para o Sátiro. —— O que o Jhon disse é verdade. Não podemos permitir que todos entrem aqui, isso seria contra as regras. —— O sátiro engoliu mais uma latinha. —— Olha, eu entendo que vocês tem um padrão e tudo mais aqui, mas não sou eu quem dá as ordens, isso foi avisado por Zeus, se quiserem descontar em mim, tudo bem, mas eu garanto que Zeus não vai gostar nadinha disso. —— Todos engoliram seco, perceberam que o grau era maior do que imaginaram. —— Isso é muito injusto, primeiro eles nos abandonam e deixam uma parcela dentro de um lugar mágico e protegido, depois mandam todos pra cá e pra nós nos virarmos mesmo assim? —— Yash reclamava, mas repensava, pois dentre tantos, muitos daqueles também eram seus amigos, e ele nunca negava ajuda, mas a ideia lhe fazia repensar muitas e muitas vezes, sempre mudando sua opinião, isso realmente tinha o deixado confuso.

Me levantei e caminhei até uma das janelas. Observava as matas serem lançadas de um lado para o outro com os ventos incontroláveis. —— Bom, se Zeus ordenou, não tem muito o que fazer, o melhor a discutirmos agora será como iremos recebê-los. Eles podem vir com Pégasos, como eu, ou simplesmente viajando pelas sombras, com ajuda de Cody e Nico. Os filhos de Apolo podem construir bigas com os de Atena e Ares e elas podem voar, e isso ajudaria bastante. Temos que pensar em todos os meios possíveis que eles tem para chegarem aqui. Melhor pararem de reclamar e ordenar as coisas por aqui, Giu, Dan, Jhon, Yash... Eu sei que sou novato aqui, mas... Me desculpe, é o melhor a se fazer. —— Todos assentiram e se levantaram, correndo para cômodos diferentes e dando ordens para os outros semideuses, logo todos abandonavam o refeitório, deixando apenas eu e o sátiro ali, pois éramos os únicos que não conheciam as ordens.

O híbrido mordiscou uma lata de coca nova, bebeu-a até o líquido acabar e voltou a abocanhar a latinha, como se fosse a coisa mais normal do mundo. —— Garoto. —— Ele falou, virado. —— Sim? —— Respondi, curioso, me aproximando do mesmo. —— Sabe aquele casaco? —— Suas perguntas óbvias me intrigavam e ao mesmo tempo me deixavam mais curioso para ter uma ideia do que ele queria dizer. —— Sei, está guardada no eu quarto. Por que? —— Fiquei exato um metrô de distância do homem bode. —— Bom... não é por nada, mas... Ele daria um ótimo sacrifício, ou uma excelente ajuda caso você precise visitar um mundo, bom... Digamos um mundo lá embaixo. —— Kennedy pegou mais quatro latinhas e correu batendo seus cascos, algo dentro de mim queria impedi-lo e obrigá-lo a falar, mas seus passos foram tão rápidos que o sátiro sumiu nas escadas de emergência.

Sozinho dentro do refeitório, me perdi nos pensamentos, não tinha ideia do que me seria útil aquele casaco gigante, mas o guardaria e o levaria nos momentos mais perigosos. Foi então que o soar do alarme alastrou-se por cada andar. Os refugiados estavam chegando, mas ao contrário de todos, que foram para o térreo ajudar os recém chegados, eu fui para o terraço, visitar meu amigo quadrúpede, precisava de informações um tanto sobrenaturais, mas antes disso, passei no meu quarto e levei o casaco bege nos ombros, por sorte o clima estava bem frio.

E eu já disse o quanto odiava o frio?


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