Blackmail escrita por Dramione Shippers


Capítulo 23
O último


Notas iniciais do capítulo

Sim. Eu sei. Eu comecei a escrever essa fanfic no meu primeiro ano do ensino médio e só estou postando o último capítulo agora, no ínicio do meu terceiro ano na faculdade.Me desculpem pela demora. A verdade é que eu fiquei muito tempo pensando em reescrevê-la porque a forma com que a escrevi não tem mais nada a ver comigo (o que vocês consiguirão perceber por esse último capítulo). E eu nunca fiz, começava a reescrever e parava. Agora me sinto grata por ter demorado tanto porque esse último capítulo me deixou feliz, gostei de como ele ficou.
Agradeçam a minha amiga Gabriella por ele, foi ela quem me implorou pra terminar essa história.

É isso.



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As coisas não andavam bem, disso Hermione sabia. Para não dizer que andavam péssimas. Horríveis. Terríveis. Quando as coisas desandavam dessa forma ela gostava de fazer um jogo mental chamado Quando Tudo Foi À Merda?, onde ela relembrava todos os fatos e eventos que a levaram à sua atual situação. Era um jogo do qual ela geralmente tinha uma resposta, já que a maioria das situações deploráveis nas quais ela se metia se resumiam a um fato: sua amizade com Harry Thiago Potter. Mas não dessa vez. Dessa vez a merda tinha começado com ações diretas dela, o que era pior, muito pior. E ela estava começando a aceitar que isso poderia muito bem resultar em sua morte, em seu corpo azulado e sem vida dentro de uma caixa de madeira sendo colocado sete palmos dentro da terra. O que era bom, já que por um lado A Merda acabaria, mas também era ruim porque significava que tudo acabaria também. Então, sim, as coisas não andavam bem.

Ela esperava Draco nos imensos portões de Hogwarts, conformando-se à ideia de que ela sobrevivera a uma Guerra, mas não sobreviveria a um feitiço de uma velha louca do metrô.  Ele estava um pouco atrasado, a coruja que ela mandara na noite anterior dizia para ele estar nos portões às 16hrs em ponto do dia seguinte, mas já era 16:05hrs e ele ainda não havia chegado. A Hermione do dia anterior teria xingado e esgoelado, mas a Hermione do dia anterior não sabia do que lhe aguardava, não inteiramente, enquanto a Hermione do hoje sabia e abraçava o perigo. Havia paz, silêncio e conformidade, e ela tentava aproveitar isso antes de Draco chegar. Porque quando ele chegasse fazendo alguma piadinha sobre a fictícia atração por ele, ela teria que xingar e esgoelar. As coisas eram assim.

Quer dizer, tinha um pouco do que o dicionário definiria como “atração”, mas que para ela era apenas admiração pela beleza alheia. O normal. Ele nem era tudo isso, e para dizer a verdade ele nem era tão bonito assim, e ao analisar profundamente a situação ela diria que essa “atração” se dava a proximidade desenvolvida pelos dois ao longo desse tempo que eles foram obrigados a conviver. E mesmo se fosse uma “atração” qual seria o problema nisso? Ela era humana! Se sentir atraído por alguém não é incomum, na verdade, é bem normal. E se tinha uma coisa que ela era, era normal. E se ele chegasse falando sobre isso ele ia escutar só. Ela ia dizer umas boas verdades para ele-

— Granger? – O pulo que ela deu pareceu que ela havia saído de sua pele por um instante de tão grande foi seu susto. Ela virou para olhá-lo, a quanto tempo ele estava ali?

— Ah! – ela exclamou, envergonhada, tal qual nenhuma pessoa normal iniciando uma frase- Você chegou!

—Cheguei – respondeu ele, a encarando com uma expressão séria e depois olhando para a ponta de seus próprios sapatos.

Ela ficou parada esperando ele dizer algo mais, mas nada. Ele parou de encarar seus sapatos encerados para encarar os portões, se esforçando ao máximo para desviar seu olhar dela. Havia algo de errado? Por que ele não olhava diretamente para ela? Ou dizia alguma coisa? O silêncio se estendeu demais, chegando ao patamar do desconfortável enquanto ela esperava que ele dissesse algo. Mas nada, e a ela sobrou quebrar o desconforto:

— Vamos?

Ele acenou com a cabeça e juntos adentraram os portões de Hogwarts. Ele estava estranhamente calado, o que era estranho. O que havia acontecido? Ele não era assim. Além do mais, ele evitava olhar para ela, o que era pior do que só se calar. A cada quatro passos ela olhava de esguelho para ele, esperando que ele falasse algo porque a expressão no rosto dele demonstrava que ele estava prestes a iniciar uma frase a qualquer momento, mas nada. Silêncio. Esse comportamento começava a assustá-la. Será que ela devia dizer algo? Eu vou dizer, ela pensava, só vou abrir a boca e falar, é fácil. Mas nada saía da boca dela, não importava quantas vezes ela a abria.

— No que você estava pensando? – ele perguntou, finalmente, enquanto eles subiam uma ladeira íngreme de grama molhada.

— Em nada – ela respondeu. Não admitiria que estava pensando nele e na estranheza que ele era.

— Você está falando sério?

— Sim? – ela estava confusa, por que não falaria sério sobre o que não estava pensando?

— Sim? O que isso quer dizer? Você está me perguntando se sim ou está afirmando que sim?

— Sim – ela começou, mas em face ao olhar enraivecido dele acrescentou: - Sim, estou afirmando.

O rosto dele era um show de emoções e Hermione estava na primeira fila para ver seu rosto passar de enraivecido para confuso para enraivecido-confuso, que era uma mistura de testa franzida e olhos flamejantes. A primeira fila permitia que ela visualizasse tudo em primeira mão, mas não a ajudava a entender o porquê do espetáculo.

— Você está bem?

—Eu estou- Se eu estou bem? Claro que não! Granger, você saiu correndo sem nenhuma explicação! Eu passei a noite acordado pensando nas mil formas que eu poderia morrer indo da sala para o quarto. E você! – ele exclamou, passando a mão nos cabelos antes de apontar o dedo indicador para ela- Você manda uma coruja me falando para te encontrar aqui, sem nenhuma explicação, sem um “Draco, eu saí correndo por conta disso e disso e disso. Tenho certeza de que não morreremos. Pode dormir em paz.”. E espera o quê? Que eu esteja bem? Não, eu não estou bem. Na verdade, estou péssimo, muito obrigada. Não se preocupe, é só uma questão de VIDA ou MORTE. Mas passo bem. Aliás, se você puder continuar não me contando nada, principalmente agora que não consigo nem ler seus pensamentos, eu ficarei muito grato. Sempre foi meu sonho morrer muito cedo e sem ideia do porquê.

Ah, sim. Por um momento ela havia esquecido do tinha ocorrido na noite anterior. O pescoço dele começou a ser tingido levemente de vermelho enquanto ele falava, era uma vermelhidão que subia o pescoço parando nas bochechas. Hermione o observava, vendo o peito dele subir e descer enquanto ele tentava controlar a respiração que havia perdido durante sua explosão, seus olhos cinza-claro com a pupilas dilatadas fazendo-o parecer um homem louco. A boca, avermelhada, entreaberta para o ar entrar com mais facilidade. Ele estava chateado e ela sabia, não só pelo o que ele tinha dito, mas porque, e isso ele não sabia e ela tentava evitar saber, ela saberia como ele se sentia mesmo sem ele dizer uma única palavra. E isso, ao mesmo a assustava e a confortava.

Ela devia estar encarando ele há algum tempo porque ele a tirou do transe ao dizer:

— Você não vai dizer nada?

Ela balançou a cabeça em negativa. Era um dos raros momentos na vida de Hermione que ela não tinha palavras. Um simples “não” lhe parecia um trabalho gigantesco. Ter que comandar uma sinfonia, fazer seus neurônios se comunicarem para fazer o ar dos pulmões passar pelas pregas vocais, fazer seus músculos fazerem a pressão correta na parte abaixo das pregas vocais, para que suas cordas vibrassem e fizessem o caminho de saída para sua boca, para enfim dizer “não”.  Não. Ela não iria dizer nada. E, na verdade, ela estava desde o dia anterior tentando pensar em nada, porque era mais confortante do que encarar a realidade. Então todo pensamento que não envolvia aquilo era bem-vindo. E se Draco queria saber a realidade, bom, que pena para ele pois ele só saberia a realidade do depois. O depois de eles terem recebido a ajuda de Mcgonagall e a situação estar normalizada. O que era um ato de caridade, não de egoísmo. Hermione não era egoísta, ela era articulada e estrategista, mesmo que no momento ela parecesse ser nenhum dos dois.

Ela não conseguia encará-lo mais, então virou-se e continuou a caminhada morro acima, numa tentativa de ignorá-lo. Mas Draco se fazia difícil de ignorar, falando o tempo todo, soltando expletivas e palavras feias. Hermione ouvia tudo e nada ao mesmo tempo. Era como se um forte vento soprasse dentro da cabeça dela, fazendo com que fosse difícil ouvir o que estava fora, mas também dificultando a parada do que estava por dentro. As grandes portas de entrada se aproximavam, e ela sabia que teria que dizer, e sabia o que ele ia dizer sobre o que ela ia dizer, e era tudo complicado e horrível, e sinceramente, ela queria que tudo acabasse logo.

A alguns poucos metros da porta ela fincou os pés no chão, olhou Draco diretamente nos olhos e disse, por cima da ventania:

— Espere aqui – e saiu correndo o mais rápido que conseguia, sentindo o suor de sua testa sendo afastado pelo vento. Corria pelos corredores, desviando dos poucos alunos embasbacados pela presença dela pelo caminho. Ela desceu correndo a ladeira que levava ao subsolo da escola, onde estava a escada que levava à nova sala da Diretora. Ela só tinha que chegar à sala de Minerva e tudo estaria bem. Ela podia ouvir os passos rápidos de Draco atrás de si, mas se ela corresse o suficiente ele não conseguiria alcançá-la, conseguiria?

A resposta veio quando ela sentiu as mãos dele se enrolando em seu braço, grudando o corpo no dela e a arrastando para dentro de uma sala. E não importou quantas vezes ela perguntou, desesperada, “O que você está fazendo? O que você está fazendo?” no caminho para a sala, porque ele só respondeu quando eles haviam adentrado a sala e a porta tinha sido fechada.

— O que eu estou fazendo? – ele parecia insultado – O que você está fazendo? Por que você correu?

— Eu te disse para ficar lá fora. Por que você não me ouve? – seu tom era suplicante, ela o havia ouvido, por que ele não conseguia fazer o mesmo?

— Ouvir você? Nenhuma das vezes que eu te ouvi deu certo até agora, então não me culpe por não te ouvir nesse momento!

— Estamos condenados! – o vento havia parado, tudo estava tão silencioso. Cada expirada que ela dava era como se o vento saísse, deixando tudo quieto. O que era pior, pior que a ventania, pior que o barulho. Ela olhou para trás, para as janelas, e viu. E lembrou de quando era pequena e ia para a Igreja nos domingos com seus pais, sentava no banco, seus pés balançando porque não conseguiam tocar o chão, e lembrou de olhar para cima enquanto todos fechavam os olhos para orar porque se Deus estava lá em cima não era melhor fazer contato visual com Ele enquanto conversavam? E olhou para cima, esperando que Ele olhasse de volta. E se Ele olhou ou não, ela não sabia dizer. Tudo estava tão quieto. Malfoy estava quieto. E ela fechou os olhos por um instante, e quando os abriu viu ele parado a alguns passos dela. A olhando. Seus olhos grudados no rosto dela, esperando uma resposta para a pergunta que seus olhos faziam. “O que é?”, seus olhos diziam.

— Abra a porta – ela respondeu, derrotada.

Ele virou lentamente, andou o que faltava até a porta, colocou a mão na maçaneta e antes de girá-la, olhou para trás, para Hermione. Ela assentiu com a cabeça e ele abriu a porta.

E lá estava, cintilando e ao mesmo tempo enevoado. Um brilho contido, que chamava. Um véu.

— O que é isso? – ele perguntou, levantando a mão para tocar.

— Não toque! – Ela observou enquanto ele abaixava a mão.

— O que é isso? – Draco perguntou, sua voz num tom mudo, de desconfiança e temor.

— O véu.

— O véu? – ele devia achar que ela estava louca, porque começava a olhar para ela do mesmo jeito que Harry e Ron a olhavam quando ela surgia com um plano astuto e perigoso, e isso a fez sorrir. E o pequeno sorriso que ela abriu fez com que ele a olhasse com uma confusão ainda maior estampada em seu rosto.

— O véu. O véu que fica no Departamento de Mistérios. O véu que Sirius atravessou.

— Sirius está morto – ele disse, mais para si mesmo do que para ela.

—Sim, ele atravessou o véu.

O olhar que ele a lançou quase quebrou seu coração em mil pedaços. Com a cabeça inclinada para a direita, os olhos enchendo de lágrimas, como se dizendo “não” várias e várias vezes enquanto ele balançava a cabeça em negativa.

— O feitiço que Belatriz lançou o empurrou, e o Véu estava logo atrás. E ele atravessou. – Ela começava a sentir lágrimas brotarem em seus olhos, mas não sabia dizer se era por relembrar a cena e os gritos de Harry ou por saber seu futuro.

— E morreu – ele completou.

— E morreu – Hermione repetiu.

Silêncio.

— Foi isso que você viu ontem? – a cabeça dele estava pendida, como se a qualquer momento uma foice encostaria a toda velocidade em seu pescoço, separando sua cabeça do resto do corpo. A foice do carrasco.

— Sim.

—E por isso você correu?

—Sim.

Ele assentiu, mordendo os lábios.

— E-eu fiquei com medo. Eu vi e lembrei. E fiquei com medo de ficar presa lá dentro, como- ela cortou a frase, mas ele completou:

— Como agora.

— Sim.

Ele exalou lentamente, como se tentasse tirar todo o ar de seus pulmões.

— Eu queria uma resposta, mas não obtive. Eu-eu realmente não sei o que está acontecendo, não sei o porquê disso, dele. Eu- me desculpe.

Draco piscou, assimilando. E de novo, e de novo. Mas isso só auxiliou a descida das lágrimas.

— Nós não vamos morrer- Hermione mentiu.

— Não minta, Hermione.

— Eu não es-

— Está. Nós dois sabemos a verdade.

Ela não sabia o que dizer. Foi se aproximando aos poucos, com cautela, como se se aproximasse de um animal ferido.

— Me desculpe.

— Desculpar de quê? – ele disse, soltando o ar como se fosse numa risada. – Eu espero por isso há anos. O dia que eu vou pagar pelos meus atos. E ele veio. – Uma respirada, uma exalada, silêncio – E você pensaria que um homem que espera a morte estaria mais preparado, mais conformado.

Dessa vez, a risada fez um som rouco. Silêncio. Hermione o observava.

— É meio poético. Com você aqui, quero dizer. É meio poético que você esteja aqui.

Ela não quis perguntar o porquê de ele achar aquilo. Não tinha nada de poético na morte, por mais que tentassem descrevê-la, ela não era poética. Era algo a ser temido e desejado: a paz, o além. Era a separação entre aqui e o outro lado. Uma parede, um véu.

Agora ele chorava, grandes soluços e fartas lágrimas rolando pelo rosto.

— Nós podemos ficar aqui. Para sempre se for necessário. Não temos que atravessá-lo. – ele não parou de chorar – Nós podemos! Um sofá aqui, um fogão ali e é um lugar perfeito para passar a eternidade.

Ele riu, enxugou as lágrimas com a manga da camisa, o que deixou o seu rosto ainda mais vermelho.

— É perfeito! – ele disse – Olha, tem até um espelho decorando!

Seu dedo branco apontava para frente, para o outro lado da sala. Um lado que Hermione não havia percebido, de tão concentrada em Draco. Realmente, lá estava. Um grande espelho antigo, cheio de ornamentos, com uma moldura dourada e pés de garra. Estranho, Hermione pensou, que deixariam um espelho numa sala de aula. Algo nele a chamava. Conseguia se enxergar completamente, da cabeça aos pés. Mas havia algo mais, atrás de si que não conseguia enxergar direito de tão longe. Olhou para trás e viu nada. Mas quando olhou novamente para o espelho, lá estava. Aproximou-se devagar, e a cada passo ficava mais claro. Ela estava no centro, Ron e Harry à sua direita, seus pais à esquerda. Ela estava alucinando? Eles pareciam tão felizes ali. Sorriam para ela. Tudo estava bem. Ela sentia paz.

— Hermione? – ela ouviu, mas não era a voz de nenhum deles. – Hermione?

Ela o viu pelo espelho antes de perceber que era Draco quem a chamava. Ela olhou para ele, que a observava com um semblante confuso, então olhou novamente para o espelho, analisando-o. Então, lá em cima, ela pode ver, algo que ela não conseguia decifrar estava escrito na moldura. “Oãça rocu esme ojesed osamo tso rueso ortso moãn”.

— Ojesed- ela sussurrou. Era o espelho no qual Harry tinha avistado seus pais anos atrás. Ela pensou que o haviam destruído, mas não. Lá estava ele, inteiro.

— Hermione, o que é?

Draco ainda estava alguns passos atrás dela, exatamente fora da área do espelho.

— Venha aqui.

Ele foi olhando para ela, desconfiado.

— Olhe e me diga o que vê.

Hermione esperou enquanto ele olhava. E esperou. E esperou.

— Então? – ela disse, observando-o se olhar no espelho. Seus olhos cinza um pouco arregalados.

— O que exatamente é para eu ver?

— Não tem nada de exato. Só me diga o que você vê.

— Eu me vejo.

— O que mais? – tinha que ter algo mais.

— Só. Eu me vejo.

Hermione se sentiu um pouco desapontada, esperava que ele visse algo significativo, algo esplêndido. Mas não. Ele se via e isso a entristeceu. O espelho ali, de alguma forma sinistra, era simbólico. Como se fosse uma oportunidade de ver dentro de si uma última vez. Era para isso que ele servia, não? Para mostrar o desejo profundo de seu coração. O dela era estar com as pessoas que ela amava e ser feliz. Ser feliz, fazia tanto tempo que ela não sabia o que era isso. Ela era uma bagunça, um caco. Era isso a vida? Ser miserável depois da glória? Ter tudo e lançar mão disso também só para ser infeliz de outra forma? Ela esperava que na morte houvesse mais conforto, talvez lá ela teria paz. Draco ainda se encarava no espelho, olhando para cada canto da sala refletida no espelho.

—Mas... – ele começou.

— Mas? – ela foi arrancada de seus devaneios, algo quente brotando em seu peito.

—Mas...tem alguém comigo.

— Quem?

Ele hesitou, franzindo a testa em concentração.

— Não sei, não consigo ver. Só sei que não estou sozinho.

Ele estava tão confuso, os olhos peregrinando do reflexo do espelho para ela. Abertos, curiosos, esperando uma resposta.

— O que isso significa? – ele perguntou, enfim. Mas ela não teve coragem de dizer a verdade.

Segurou o rosto dele em suas mãos, um sorriso triste se espalhando pelo seu rosto. A gravidade a puxando para baixo enquanto ela se levantava na ponta dos pés para postar um beijo na bochecha dele.

— Você não está sozinho. Eu estou aqui.

Ele a olhou ao mesmo tempo confuso e conformado. Assentiu. De repente, um estrondo fez eles olharem para a porta. A maçaneta tremia, assim como toda a extensão da porta. Como se o véu estivesse tentando adentrar na sala.

— Acho que há jeitos piores de morrer – Draco disse.

Quanto tempo havia se passado desde que eles adentraram a sala? Pareciam horas, mas com certeza não passava de uma. Tanto havia acontecido, tanto tinha sido sentido. Hermione começava a se sentir nauseada. A bile revirando em seu estômago, um frio ininterrupto subindo sua espinha. Ela estava com medo. O choro veio dessa vez. Silencioso, mas preenchendo o vazio entre eles.

—Tinha tanto que eu queria fazer – ela se sentia boba, pensando em tudo que podia ter feito – Eu-eu queria ter mudado de emprego. Que se dane, eu abriria minha livraria e passaria os dias tendo gente me paparicando. Mas eu seria feliz. E-eu veria meus amigos mais, ao invés de me esconder deles. A verdade – a verdade é que eu estava com vergonha de dizer que estava miserável. As coisas haviam mudado entre nós e eu tinha vergonha de não ser a mesma de antes. E tinha medo deles não quererem estar perto de mim já que não tinha mais o perigo nos cercando e me fazendo ser quem eu era. Uma coisa que as pessoas nunca falam sobre o perigo iminente da morte é que ela te dá uma coragem. E eu senti essa coragem depois da Guerra. Eu senti e quis mudar toda a minha vida e não deu certo. E depois eu fiquei com vergonha de dizer que estava tudo uma merda.

As lágrimas escorriam com abundância.

—O que você teria feito? – Draco perguntou.

—Eu... – ela parou para pensar – eu cortaria meu cabelo. Eu sempre quis sentir a brisa batendo na minha nuca. Gastaria todas as minhas finanças abrindo uma livraria de segunda mão, só para me rodear das coisas que eu mais amo. Não sei. Não sei o que mais. – Uma pausa – Acho que agora não importa muito.

A porta continuava a chacoalhar, como que os convidando a sair.

— O que você teria feito? – ela perguntou.

— Não sei – ele respondeu, abrindo um sorriso.

Realmente, era de zero valor ficar pensando no que teriam feito. Não adiantava mais. Eles tiveram a oportunidade de fazer o que queriam e não fizeram. E agora não era o momento de pensar nisso, apenas o momento de se conformar e seguir, para onde não era claro, mas para algum lugar eles iriam.

— Talvez nós devêssemos atravessar. Fingir que temos uma escolha, sabe? Ao invés de sentar aqui e esperar o véu nos pegar – ele disse.

No fundo ela sabia que ele estava certo, mas ela ainda temia. Ele também, mas era níveis diferentes de temor. Draco segurou sua mão, confortando-a. Ambos sabiam, naquele exato momento, que a decisão fora tomada há muito tempo e nenhum deles participou dela. E sabiam que atravessar o véu não era, em sua essência, uma escolha. Era a saída de dois encurralados. Era estar entre a cruz e a espada decidir entre uma delas. Não há alternativa quando elas são constituídas de duas escolhas horríveis. Ficar e morrer, ir e morrer. Tanto fazia.

Há tanto o que se dizer sobre coragem, em especial a coragem dos dois humanos que habitavam aquela sala à espera da morte, mas tudo resume-se a isso: ter medos e enfrentá-los. E nisso eles eram especialistas, do jeito único de cada um. E o silêncio começava a ser um manto de paz entre eles, que alimentava a fogueira da coragem de ambos.

— Eu estava tão perto de me apaixonar por você – Draco disse, quebrando o silêncio.

Hermione riu. Seus olhos brilhavam com uma sabedoria maliciosa enquanto ela o observava.

— Eu também.

— Fico feliz por ter te encontrado você.

— Mesmo que isso signifique que estamos prestes a morrer?

— Mesmo assim.

Não havia nada mais a ser dito, eles sentiam isso e dirigiram-se à porta. A maçaneta parou de tremer instantaneamente ao toque de Hermione. Eles pararam para inspirar ar uma última vez. A última vez. Ela lembrou da imagem no espelho, da paz que sentiu varrer seu corpo. Dos olhos de Harry, Ron e de seus pais e da felicidade que eles exalavam, como se felizes por ela existir. Por um momento, ela sentiu que desapontava eles ao cogitar passar pelo Véu de boa vontade, mas a verdade é que lutar cansa e as esperanças de Hermione eram que não houvesse com o que lutar na Morte. Ela esperava que a Morte fosse um eterno céu azul e risadas e seus amigos vestindo os suéteres cor de tijolo com suas iniciais e seus pais afagando seus cabelos. A assustava a velocidade com que havia aceitado a situação, mas tudo bem, era melhor assim.

Hermione girou a maçaneta e lá estava, o Véu. Esperando-os em silêncio. Enfim, Draco pensou. O barulho de seus passos atrapalhou a quietude uma última vez. Silêncio.

E então, nada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 ano depois

Ele tinha que admitir: ele inventava desculpas para vê-la. Durante as primeiras semanas pelo menos, porque depois ele sabia que ela sabia que ele simplesmente não estava no Beco Diagonal, passando perto da loja dela e pensou “Hm, eu devia visitá-la”. E, para ser sincero, ele tinha que consentir que não ter que inventar desculpas era libertador, porque era abertamente assumir que ele queria vê-la.  O que era verdade, ele queria vê-la. Desde o dia após a escapada deles, ele queria vê-la. Mas isso não aconteceu até seis meses depois, quando ele furtivamente ouviu alguém comentando sobre a livraria que ela tinha aberto enquanto andava pelas ruas do Beco Diagonal.

Ele continuava sem olhar os jornais, o que era de seu feitio, então não sabia que naquele momento fazia exatamente uma semana que a Ex Libris havia sido aberta. Suas mãos começaram a suar automaticamente, como se programadas para tal. E ele ficou ponderando se devia ou não dar uma passadinha lá, só para checar a nova loja, é claro. Durante o caminho ele foi se preparando, retomando os longos discursos sobre ela e sobre o reencontro que havia feito durante os últimos meses. Mas tudo foi por água abaixo quando ele a viu. Pela janela da vitrine, sorrindo enquanto entregava uma sacola para alguém, um alguém que ele não reparou quem era. Ela parecia tão feliz, era quase cegante. Era, sem sombra de dúvidas, ensurdecedor. Ele continuou observando enquanto os grandes olhos castanhos dela analisavam a loja, procurando algo. E por acidente, ela o viu. Olhou diretamente para ele, espantada no começo, o que o espantou. Seus lábios foram se esticando aos poucos, e ele pensou que por um minuto estava em um daqueles filmes trouxas onde tudo fica muito lento por algum motivo, e ela sorriu. Ele entendeu isso como um convite para entrar na loja.

Ela estava do jeito que ele lembrava, mas de alguma forma mais bonita. O cabelo crescido, batendo nos ombros, do que ele imaginava ser resultado do corte que ela queria fazer. E feliz, ela parecia feliz. Ele conseguia sentir mesmo sem chegar muito perto dela. Era muito diferente da felicidade que ele a viu vestir quando eles passaram pelo véu e tombaram no chão de Hogwarts, descobrindo uma Minerva Mcgonagall atônita do outro lado.

— Draco – ela disse, quase sussurrando.

— Eu?

E ela sorriu. E eles conversaram e quando a conversa começou a miar ela melhorou tudo ao dizer que já estava prestes a fechar a loja e se ele não gostaria de ir tomar um sorvete com ela?

Tudo estava tão estranho, e foi ficando ainda mais estranho quanto mais tempo eles passavam juntos. Se ele visitava durantes os dias da semana a desculpa era tomar um café depois do expediente, já nos finais de semana era um sorvete. E depois um cinema, e um jantar.

Era tão bom que Draco dormia pensando ou no dia que eles haviam passado juntos ou no próximo dia que eles passariam juntos. Era como se eles tivessem coisas totalmente novas para uni-los. Eles conversavam tanto que em certo ponto, perto dos 3 meses pós-reencontro, ele começou a temer que não havia deixado claro que ele não estava interessado em ser amigo dela, ou, pelo menos, apenas amigo dela. Mas tudo foi resolvido quando, em certa ocasião, ele a ajudava no almoxarifado da livraria e, se virando para perguntar onde exatamente ele deveria colocar Dostoiévski, ela o beijou. E foi tão suave, tão singelo, que ele chegou a pensar que havia desmaiado.

— Quão perto você está? – ela perguntou.

— Perto de quê? – ele retrucou, confuso, ainda intoxicado com a doçura do beijo, enxergando nada mais que os lábios rosados dela.

— De se apaixonar.

— Muito perto. Muito.

Não há muito mais o que contar, exceto que tudo está bem. Que, de alguma forma, algo horrível os conectou e eles tiveram uma segunda chance e a aproveitaram. Que estão felizes e juntos. E que a vida para eles é uma bala de canela infindável, que deixa um gosto bom e quentinho na boca. Que mesmo depois de tudo ela ainda vale a pena. Que Draco estava, afinal, muito perto de se apaixonar. Tão perto que o próximo beijo que Hermione deu nele fez com que ele desse o último passo e caísse no precipício, e que em queda livre sentisse a anestesia que é se apaixonar tomando conta de todo o seu corpo. E que para a felicidade dele, ela também estava muito próxima e que só bastaria ele soltar mais uma piadinha sobre o quão atraída por ele ela estava esse tempo todo e que nem a possível morte fez isso mudar, para ela se apaixonar de vez.

Que eles embarcaram juntos nisso, que deram as mãos quando se encontraram ao cair em toda a velocidade. Que passaram o véu e encontraram um pedaço do que viria depois aqui na Terra. Que eram nada. E então, tudo.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por cada comentário deixado aqui. Enquanto escrevo isso a fanfic tem mais de 20 mil visualizações e isso é muita, MUITA, coisa. Muito obrigada mesmo!
Se um dia escrever mais alguma coisa deixo vocês saberem.

Até logo.



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