Divergente - por Tobias Eaton escrita por Willie Mellark, Anníssima


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Como prometido outro capítulo...
Gente amei os comentários fofos e lindos, um beijo a todos
Boa Leitura^^



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Saio do quarto, porém dessa vez não por causa dos incidentes das câmeras, e sim por causa dos passos agitados e pesados que passam pelo corredor. Várias pessoas vestidas de preto e com tatuagens sobre a pele, se eu bem estiver certo todos do Complexo Destemor estão indo para o abismo.

Acompanho-os sem perguntar o que houve, pois todo ano isso acontece.

“Quem foi?” - Eu pergunto à Lauren.

“Albert da sua classe de iniciação, ele aparentemente se jogou e agora estão tentando içar o corpo dele.” - Ela responde ainda com os olhos pairando sobre o abismo.

Como ela deve estar com tudo isso?

É o primeiro ano dela aqui no Destemor. Tris está habituada com o luto, o apoio da facção e da família, mas aqui eles vêem a morte como uma aventura. Suicídio é uma forma brava de morrer, como se fosse um simples e consciente passo em busca do que ‘há além das fronteiras da vida’. Na minha antiga facção, ao contrário, ceifar a própria vida era considerado um ato de Egoísmo, não um feito altruísta.

Não possuo lembrança de coisas assim terem ocorrido na Abnegação, durante todos os anos em que lá vivi, enquanto que aqui, onde a vida é relativizada e até preterida por mais um ato de coragem, isso é comum.

Afasto-me o mais longe possível do abismo e da multidão. Logo começarão a beber e não quero estar aqui entre eles. Fico um pouco mais distante e encosto-me na parede e aguardo por minutos até que vejo Eric se posicionar diante de todos, tomando para si, a atenção dos membros e iniciantes do Destemor.

“Silêncio, todos!” - Eric grita, não é instantâneo, mas eles se calam. “Obrigado. Como vocês sabem, estamos aqui porque Albert, um iniciado Destemor, jogou-se no abismo na última noite.”

Logo em seguidas os murmúrios se calam. Eu bem sei o que ele irá dizer, por vezes ouvi as mesmas palavras serem proferidas sempre que algo assim acontece. Ele dirá que Albert é o mais corajoso dentre nós, porque todos os líderes usam o mesmo discurso, para nos iludir com essa loucura.

“Nós não sabemos dizer por que,” - Eric continua, - “E seria fácil lamentar a morte dele hoje. Mas não escolhemos uma vida fácil quando nos tornamos Destemidos. E a verdade sobre isso é que...” - Eric sorri - “A verdade é que, Albert está explorando um lugar desconhecido e incerto. Ele saltou em águas ferozes para chegar lá. Quem entre nós é corajoso o bastante para se aventurar na escuridão sem saber o que há além dela? Albert ainda não era um dos membros, mas podemos ter certeza de que ele foi um dos mais destemidos.

Todos começam a gritar e aplaudir, brandindo suas garrafas no ar.

“Nós iremos celebrar em homenagem a ele agora, e lembrá-lo para sempre.” - Eric pega seu cantil e levanta e todos o acompanham no gesto. - “A Albert, o Corajoso!”

“Albert, Albert, Al-Bert, Al-Bert, Al-Beth, Beth, Beth…” - Todos gritam até não entenderem mais o que falam, por conta da bebida.

De longe a vejo saindo, com passos precisos a se afastar da multidão. Atravesso as pessoas e caminho para o corredor onde ela acaba de entrar.

“Tris.”

“O que você está fazendo aqui?” - Ela pergunta ao se virar para mim “Você não devia estar prestando suas condolências?”

“E você também não deveria?” - Eu digo enquanto ando até ela.

“Não posso prestar meu respeito se não tenho nenhum” replica. Logo em seguida balança a cabeça “Não quis dizer isso.”

Eu sei que ela está mentindo, ela deve odiar Al de qualquer maneira.

“Ah.” - Não sei o que eu poderia dizer-lhe neste momento.

“Isso é ridículo. Ele se jogou no abismo e Eric o está chamando de corajoso? Eric, que tentou fazer você jogar facas na cabeça de Al?” - Ela está ficando vermelha. - “Ele não foi corajoso! Ele estava deprimido e era um covarde e ele quase me matou! Esse é o tipo de coisa que respeitamos aqui?”

“O que você quer que eles façam? Condená-lo? Al já está morto. Ele não pode ouvir isso e é tarde demais”

“Não é sobre Al! É sobre todos assistindo! Todos que agora vêem como uma opção se atirar no abismo. Quero dizer, porque não fazê-lo se todos irão chamá-lo de herói depois? Por que não fazê-lo se todos lembrarão seu nome? É... Eu não posso...”

Ela balança a cabeça de alguma forma tentando manter o controle.

“Isso nunca teria acontecido na Abnegação! Nada disso! Nunca. Esse lugar o perverteu e o arruinou, e eu não ligo se disser isso faz de mim uma careta. Eu não ligo, eu não ligo.” - Eu sabia que em algum momento isto aconteceria. Ela explodiu.

Eu olho para a câmera que está sobre o bebedouro, a mesma que, mais de uma vez foi misteriosamente desligada, mas que neste momento deve estar registrando cada uma das palavras de Tris. Ela precisa parar de fazer isso para seu próprio bem. Eu a entendo e concordo, mas estamos falando de sua segurança, o que para mim tornou-se a coisa mais importante, então preciso alertá-la.

“Cuidado, Tris.” Eu digo olhando para a parede.

“Isso é tudo que você pode dizer? Que eu deveria tomar cuidado? É isso?” - Ela exige me encarando.

“Você é tão ruim quando os membros da sinceridade, você sabia disso?” - Eu seguro o seu braço com força e tenho que arrastá-la para longe das câmeras. Paro na frente dela, que se encosta-se à parede.

“Eu não vou dizer isso de novo. Então escute atentamente.” - Apoio minhas mãos em seus ombros, apertando-a. - “Eles estão de olho em você. Você, em particular.”

“Solte-me.” - Ela diz fracamente.

Solto-a e me endireito. Ela me olha atentamente.

“Eles estão vigiando você também?”

Confirmar sua pergunta seria o mesmo que admitir minha divergência a ela – dizer que somos iguais -, mas sinto que não chegou o momento de fazer isso ainda. Mentir para ela está fora de cogitação. Então, opto por não responder e ao invés, digo: “Eu continuo tentando ajudar você, mas você recusa a ser ajudada.”

“Ah, claro. Sua ajuda. Apunhalando minha orelha com uma faca, me provocando e gritando comigo mais do que com qualquer outro, com certeza ajuda.”

Provocando? Por Deus você é teimosa? Por que você não entende e prefere interpretar todos os meus atos como sendo negativos?

“Provocando você? Você quer dizer quando eu atirei as facas? Eu estava te lembrando que, se você falhasse, outra pessoa teria que tomar seu lugar.”

“Por que?” - Ela pergunta enquanto passa a mão no pescoço.

“Por que você é da Abnegação. E é quando você age altruisticamente que você é mais corajosa. Se eu fosse você, eu me esforçaria em fingir que esses impulsos altruísticos já não existem mais. Porque se pessoas erradas descobrirem... Bem não será bom para você.”

“Por que? Por que eles se importam com minhas intenções?”

Alguma coisa nela faz com que minha pele clame por mais proximidade. Eu gostaria de poder envolvê-la em meus braços.

“Intenções são as únicas coisas com as quais eles se importam. Eles tentam fazer com que você pense que eles se preocupam com o que você faz, mas não. Eles querem que você pense de um modo especifico. Para que seja fácil de ser decifrada. Para que você não represente uma ameaça para eles.”

Apoio minha mão na parede, próximo a sua cabeça e me inclino em sua direção a ponto de sentir o calor que emana dela. Por que eu resolvi fazer isso? Não sei, mas não me arrependo disso, posso senti-la mais perto, eu poderia tocá-la. Eu quero tocá-la...

“Eu não entendo.” - Ela me acorda. - “Por que eles se importam com o que eu penso, mesmo quando eu ajo como eles esperam de mim?”

“Você está agindo agora como eles querem. Mas o que acontece quando seu lado da Abnegação mandar que você faça alguma outra coisa, algo que eles não querem que você faça?”

“Talvez eu não precise que você me ajude. Já pensou sobre isso?” - Ela diz. - “Eu não sou fraca. Você sabe. Eu posso fazer isso sozinha.”

Continuo próximo a ela, balanço a cabeça para que veja o quanto está enganada. Desde que ela me encarou no refeitório, em seu primeiro dia aqui, eu sabia que ela não era uma frágil garota. Nunca pensei em tratá-la como se fosse feita de vidro e necessitasse de constante proteção. Ao contrário disso, eu fico ainda mais fascinado por ela nos momentos em que sua força e determinação irradiam tão intensas que a fazem brilhar.

“Você pensa que meu primeiro instinto é proteger você. Porque é pequena, ou uma garota, ou uma careta. Mas você está errada.” - Aproximo meu rosto ainda mais perto, e seguro seu queixo com os dedos, sentindo correntes elétricas atravessarem meu corpo a partir do ponto em que a todo. Obrigo-a me olhar diretamente nos olhos. - “Meu primeiro instinto é empurrá-la até que você quebre.” Aperto com mais força seu queixo. - “Só para ver quão forte eu tenho que pressionar. Mas eu resisto.”

“Por que... Por que esse é seu primeiro instinto?” - Ela pergunta com a voz um pouco mais suave.

“Medo não te derruba; ele faz você levantar. Eu já vi isso antes é fascinante." - Eu solto o seu queixo e desço minha mão para seu pescoço deslizando o polegar em sua mandíbula. - “Algumas vezes eu só... só quero ver isso de novo. Eu quero ver você despertar.”

Então ela coloca as mãos na minha cintura, e se pressiona contra o meu peito, prendendo seus braços ao me redor deslizando de leve sua mão em minha costa. Um abraço. Algo que desde criança, desde que Evelyn foi embora eu não tinha experimentado e, mesmo assim, ainda que eu tenha um exemplo tão distante destes carinhos maternais, neste momento, a sensação é incrivelmente nova e potente. Meu corpo instantaneamente pega fogo, meu coração bate acelerado e não sinto minha respiração, talvez todo o trabalho que Amar teve comigo para que eu não travasse quando esquecia de respirar tenha sido à toa. Nunca um toque mexeu assim comigo. Eu que sempre evitei e até não entendia a necessidade humana por contato físico, agora temia o momento em que ela pudesse me soltar.

Antes que isso aconteça, toco suas costas, e a pressiono contra mim e deslizo a outra mão para seu cabelo, seu coração está tão acelerado quanto o meu.

“Eu deveria estar chorando? Tem alguma coisa errada comigo?” - Ela pergunta com a voz abafada.

“Você acha que sei alguma coisa sobre lágrimas?” - Eu me limito a dizer.

Mas sei bem o que ela quis dizer. O Destemor e as simulações nos alteram e isso é inevitável. Al se matou por medo de se tornar um sem-facção, por covardia. Minha memória me leva para o dia em que Evelyn me procurou para pedir que eu largasse essa facção e me tornar um deles, dizendo que juntos poderíamos talvez criar um lugar melhor.

No início achei a ideia absurda, principalmente depois de tudo que eu havia feito para me refugiar aqui, mas ao ver no que este complexo estava se transformando resolvi que preferia ser um Sem-Facção a monstros portadores de arma. Partiria assim que treinasse os iniciantes, mas aí minha vida e decisão mudaram por completo, desde que a vi. E não sinto a mínima vontade de deixá-la.

Ela pressiona a testa no meu ombro. - “Se eu o tivesse perdoado você acha que ele estaria vivo agora?”

“Não sei” - Eu me afasto um pouco e coloco minha mão sobre sua bochecha, ela a apóia nela, mantendo os olhos fechados.

“Sinto como se fosse minha culpa.”

“Não é a sua culpa. Digo encostando sua testa na minha, e fecho os olhos também.

“Mas eu deveria tê-lo perdoado. Eu deveria.”

“Talvez. Talvez todos nós pudéssemos ter feito alguma coisa,” digo “Mas nós só podemos deixar a culpa nos lembrar de fazer mais na próxima vez.”

Ela faz uma careta e se empurra um pouco para trás, eu estava tão concentrado nela que deixei escapar uma lição que aprendi quando era da Abnegação, ela já me olha curiosa. O que era de se esperar, sendo tão perceptiva como sei que ela é.

“De qual facção você veio, Quatro?”

“Não importa. Aqui é onde eu estou aqui agora. Uma coisa que seria boa que você lembrasse.”

Olho de volta para ela. Minha vontade de tocá-la, beijá-la só aumentou, queria que estivéssemos juntos, mas sei que se fizer algo rápido demais, ela vai se assustar e se afastar. Entendo isso porque fui criado assim também, mas entro em conflito comigo mesmo. Minha mente diz não, enquanto o restante de mim grita pelo sim. Dou um beijo em sua testa, bem entre as sobrancelhas, e fecho os olhos. Quero guardar isso, essa sensação de estar feliz por completo, e de ter ela bem próximo de mim.

Não me movo por um tempo, eu tento, mas não o suficiente porque não quero deixá-la e sei que ela não quer que eu vá, pois suas mãos estão ao redor da minha cintura me prendendo mais ainda a ela. E ficamos ali por um longo tempo, descobrindo o que cada um sentia enquanto estávamos assim, bem próximos.


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Notas finais do capítulo

E aí gostaram???