A Filha de Ártemis escrita por Karol Mezzomo


Capítulo 4
O leão de Neméia




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Abri os olhos, as pessoas ao meu redor ainda dormiam, mas eu sabia que era por pouco tempo, daqui a pouco a trombeta anunciaria a hora do café da manhã.

Queria voltar a fechar os olhos, mas eu não podia me esconder do que o dia me reservava. Enquanto me vestia os filhos de Hermes aos poucos acordavam.

Após o farto café da manhã cada meio-sangue seguiu para suas aulas de treinamento, eu estava tomando coragem para falar com Quíron a respeito da visita que Dionísio havia feito ao Olimpo na noite anterior, quando Percy me abordou.

– Quíron não está. Ele me pediu para que treinasse você hoje, se não tiver problemas.

– Não, tudo bem. – respondi com treino ou sem treino eu não sobreviveria a um desafio de Zeus mesmo.

Percy fitou-me tentando ler minha expressão e depois me entregou uma espada.

– É a melhor espada do nosso arsenal, quase não foi usada, o próprio Quíron escolheu para a sua missão. – ele falou.

Era mesmo uma espada muito bonita, em seu punho havia desenhos em alto relevo de monstros e heróis, sua lâmina de prata era tão afiada que dava medo até de tocá-la.

Percy levou-me até a arena de treinamento e puxou sua espada. Era feita de bronze, a mais magnífica que eu já tinha visto.

– Minha espada foi construída nas forjas dos ciclopes. – explicou ele. – Se ela chegar a entrar em contato com algum monstro, o mesmo será transformado em poeira instantaneamente. A espada que você possui em mãos é uma espada comum, mas será muito útil na missão se você souber usá-la. Agora vamos lá, me ataque.

Ótimo, pensei, agora vem a parte que eu faço papel de idiota. Ataquei com a espada erguida acima da cabeça, mas ele facilmente bloqueou o golpe. Continuei atacando, mas era inútil.

– Você tem que sentir a energia ao seu redor, sentir como se a espada fosse parte de você. – explicava Percy enquanto bloqueava todas minhas inúteis tentativas de ataque.

– Feche os olhos. – ele pediu. – Eu tentarei lhe atacar e você tentará escutar meus passos para que consiga bloquear ou desviar, OK?

Eu confirmei com a cabeça e fechei os olhos.

No início nada aconteceu, mas de repente meus sentidos tornaram-se mais apurados. Conseguia escutar Percy logo atrás de mim, não apenas seus passos cuidadosos, mas também sua respiração leve. Um barulho como o batuque de um tambor chamou minha atenção, ele seguia um ritmo, concentrei-me nele e percebi que era o coração pulsante de Percy, que aos poucos se aproximava da minha retaguarda.

Mas isso era impossível. Não existia meio-sangues com essa habilidade, de repente me dei conta que eu era a única semideusa filha de Ártemis assim como Percy era o único semideus filho de Poseidon. Essa habilidade só poderia vir de minha mãe, ela devia usá-la quando caçava para ficar atenta a tudo.

E era assim que eu me sentia. Podia sentir tudo ao meu redor. Conseguia até sentir o cheiro de frutos e terra molhada que o vento trazia da floresta, resumindo eu sentia a natureza ao meu redor.

Os batimentos cardíacos de Percy aceleraram e eu sabia que ele atacaria, ouvi o barulho do ar deslocando-se enquanto ele corria em minha direção. Ele atacou e eu bloqueei o ataque ainda com os olhos fechados.

Abri os olhos e vi a cara de surpresa de Percy, ele ficou sem fala, aproveitei o momento. Ataquei, ele desviou, mas meus sentidos estavam aguçados demais, batemos espada com espada eu usei o peso do corpo girando minha espada com a de Percy e ele foi obrigado a saltá-la indo parar a metros de distância dele.

Ele ergueu os braços como uma forma de rendição, a ponta de minha espada estava a centímetros de seu peito desprotegido. Os sentidos aguçados se foram e eu voltei a escutar normalmente.

Annabeth entrou correndo na arena.

– Percy, Quíron chegou e ele precisa falar conosco imediatamente.

Abaixei a espada, fiquei feliz por Annabeth ter aparecido, assim não precisaria dar explicações a Percy, pelo menos até que tivéssemos tempo de conversar novamente.

Quíron nos esperava no campo de arco e flecha e Jéssica estava ao seu lado, não pareciam muito felizes. Uma coisa era certa: não era uma boa notícia.

– E então? – quis saber Annabeth.

Percy continuava calado de vez em quando via pelo canto do olho que ele me observava tentando entender o que havia acontecido na arena.

– Zeus escolheu seu desafio. – disse Quíron, sua voz sombria e áspera me causou calafrios.

Ele fez uma pausa e então me olhou como se já estivesse pensando quais flores comprar para o meu enterro.

– Percy, Annabeth e Jéssica poderão ajudá-la, mas só você terá que concluir os desafios.

– Espera um pouco, “os”? – perguntou Percy.

– Os doze trabalhos de Hércules. – anunciou Quíron.

– O que?! – eu não podia acreditar. Zeus só podia estar brincando.

Lembrei-me da história da mitologia em que Zeus castigará seu filho Hércules mandando-o realizar doze trabalhos dificílimos. Não podia ser verdade.

– É isso. – continuou Quíron. – E vocês terão dez dias.

– O que? – dessa vez foi Annabeth que se manifestou. – Mas isso é impossível, Hércules teve muito mais tempo para realizá-los.

Quíron baixou a cabeça, eu estava sem fala, Annabeth ainda esperava uma explicação, Jéssica de repente pareceu muito interessada em um pássaro que passava voando, Percy era o único que estava realmente disposto.

– Quando começamos? – ele perguntou.

– Logo depois que eu falar com Gabrielle em particular, vão arrumar suas coisas. – disse Quíron.

Percy, Annabeth e Jéssica nos deixaram e partiram em direção aos chalés.

– Gabrielle, sua mãe pediu que eu lhe desse isso para ajudar em sua missão.

Olhei para o objeto que ele tinha em mãos, uma caneta de tinta preta comum.

– Hum... Obrigada. – não fazia ideia de como uma caneta me ajudaria.

– Tire a tampa. – incentivou Quíron.

Eu puxei a tampa e algo aconteceu, a caneta foi crescendo nas duas extremidades até eu me ver segurando um arco prateado nas mãos, um feixe de luz da mesma cor do arco enrolou-se por meu braço, chegou ao meu ombro e traçou uma linha diagonal do ombro a cintura, o brilho transformou-se naquelas coisas que os arqueiros usam atravessado nas costas e que servem de lugar para guardar as flechas. Uma aljava cheia de flechas.

Tudo aconteceu em um pouco mais que um piscar de olhos.

– Uau! – foi o que consegui dizer.

– Nunca faltam flechas. – explicou Quíron. – Para cada uma que você usa surge outra nova, elas são infinitas. Experimente.

Eu não estava a fim de passar vergonha na frente do professor de arco e flecha, mas mesmo assim puxei uma flecha prateada das costas. Armei-a e apontei para uma ave que passava voando a cem metros do chão.

Ao fazer isso meus sentidos sobrenaturais voltaram à tona, dessa vez com minha visão. Consegui enxergar os pequenos detalhes da ave, mesmo a cem metros de distância. Meu cérebro começou a processar tudo muito rápido, saberia dizer todos os pontos fatais da ave e tinha certeza que conseguiria acertar onde quisesse. De alguma forma eu sabia que o vento vinha do leste e então teria que virar um pouco o arco de modo que o vento me favorecesse.

Quíron me observava com interesse. Eu atirei, a flecha rasgou o ar em uma velocidade incrível e atingiu direto o peito da ave, eu sabia que havia acertado o coração, era onde eu tinha mirado para que a ave não sofresse.

– Um tiro perfeito. – maravilhou-se Quíron. – Supera qualquer um dos filhos de Apolo. Só não conte a eles que eu disse isso.

Eu sorri e me dei conta de que não fazia isso há muito tempo.

Horas depois lá estávamos nós, três meio-sangues e uma ninfa em um ônibus atravessando a cidade. Quíron havia nos dado um pouco de dinheiro mortal e alguns dracmas de ouro (moedas usadas para transições não mortais).

Annabeth segurava o pergaminho que Quíron tinha nos entregado, ele nós diria as missões que devíamos realizar. A cada trabalho que terminássemos surgiria outro escrito no pergaminho.

Por enquanto ele continha apenas uma frase:

“1º trabalho: matar o leão de Neméia.”

É isso aí. Éramos quatro adolescentes sem rumo. Nenhum de nós fazia sequer ideia de onde se encontrava esse tal leão. Pegamos o primeiro ônibus que encontramos e deixamos que o destino se encarregasse do resto.

Estávamos passando por uma estrada deserta quando o ônibus enguiçou e o motorista pediu que todos descessem. Fora do ônibus comecei a olhar ao redor, não se via nenhum carro e nem pessoas passando, apenas uma floresta de pinheiros que ladeava os dois lados da estrada.

Comecei a adentrar a mata, mas Annabeth puxou-me pelo braço.

– O que está fazendo? – ela sussurrou para que os passageiros não ouvissem.

– Acho que devemos explorar esse lugar. – respondi.

– Por quê? – Percy perguntou ao meu lado.

Na verdade eu não sabia direito era mais como uma intuição.

– Sinto algo estranho vindo da mata, algo sobrenatural. – falou Jéssica com os olhos fechados.

– Vocês não acham estranho termos parado aqui? – perguntei olhando no rosto de cada um. – E se for aqui que começa nossa missão?

Annabeth franziu a testa.

– Você pode ter razão. OK vamos entrar.

Começamos a nos embrenhar na mata, andamos sem rumo por mais ou menos uma hora e meia até chegarmos à subida de um morro.

– Você disse que sentiu algo estranho, estamos aqui a um tempão e até agora nada. – falou Annabeth virando-se para Jéssica.

– Eu sei. É estranho, ainda sinto algo e esta perto. – disse ela.

Eu fechei os olhos e me concentrei, no mesmo momento meus super sentidos surgiram. Conseguia ouvir o galopar dos cervos que de algum modo eu sabia estarem a trezentos metros de onde estávamos, ouvia os pássaros que passavam voando a cem metros do solo e a respiração pesada de algo grande que corria em nossa direção. Abri os olhos.

– Atrás de você! – gritei para Percy. Ele me olhou e eu pulei empurrando-o para fora do caminho no instante em que o leão de Neméia parava onde segundos antes estava o corpo de Percy.

– Bom reflexo!- gritou Annabeth enquanto puxava uma faca de bronze da cintura.

Ajudei Percy a levantar-se.

– Obrigado. – ele murmurou enquanto destampava sua caneta e ela transformava-se na magnífica espada de bronze.

Eu olhei para o leão, tinha a aparência de um leão comum, só havia um problema. Ele tinha o dobro do tamanho de um leão comum.

– Gabrielle pegue! – disse Jéssica atirando-me sua mochila.

– O que?

– Abra a mochila. – falou ela.

Eu abri e vi o punho de uma espada entre as coisas. Achei impossível uma espada de um metro couber em uma mochila, mesmo assim puxei-a pelo punho e a espada foi alongando-se até estar inteira.

– Por que não funcionou? – resmungava Percy.

Eu me virei para olhá-lo, ele estava desarmado e sua espada estava cravada nas costas do leão.

Entendi o que ele quis dizer, o leão deveria ter se transformado em pó ao ser atingido pela espada, mas isso não aconteceu.

– Acho que sei por quê. – disse Jéssica. – Lembram do que Quíron disse? Vocês podem ajudar, mas somente Gabrielle poderá concluir o trabalho.

Então era isso, só eu poderia matá-lo. Fechei os olhos e deixei-me sentir a natureza ao meu redor, isso me trazia mais força.

– Percy, distraia-o enquanto Annabeth protege Jéssica. – ordenei.

Eles concordaram. Percy correu para frente do leão.

– Hei! Monte de carne moída! – o leão virou-se para ele e correu em sua direção.

Corri e subi em uma árvore.

– Percy atraia-o para cá. – gritei.

Ele começou a correr em minha direção com o leão logo atrás. Esperei que Percy passasse por baixo do galho em que eu estava e quando o leão passou, pulei em suas costas e arranquei a espada de Percy.

Segundo a lenda nada perfurava a pele do leão de Neméia, mas a espada de Percy havia conseguido o leão só não tinha morrido porque fora Percy que o atacara, o certo seria que eu o matasse. Agora que tinha conseguido recuperar a espada de Percy eu tinha alguma chance.

É claro que eu não havia conseguido manter-se nas costas do leão por muito tempo, ao arrancar a espada à velocidade em que o leão estava arremessou-me de encontro a uma árvore.

Minha cabeça bateu no tronco e senti o sangue quente escorrendo pelo canto do meu olho. O leão virou-se para mim e atacou, mas eu desviei para o lado e ele desapareceu na mata atrás de mim.

– Para onde ele foi agora? – perguntou Annabeth olhando ao redor.

Ainda com meus sentidos aguçados escutei o leão correndo em minha direção, meu cérebro começou a calcular a distância (me perguntei por que ele nunca funcionava assim nas aulas de matemática) trinta metros, vinte metros, dez metros, cinco metros, ele se aproximava rápido, iria me pegar pelas costas.

Esperei ele preparar-se para pular e então...

– Cuidado! – gritou Percy.

Mas eu fui mais rápida, tinha escutado o leão aproximando-se e virei-me no último segundo pegando ele se surpresa e cravando a espada diretamente em seu peito. Senti o seu sangue encharcar minhas mãos, arranquei a espada do seu corpo e ele explodiu transformando-se em pó.

Eu caí de joelhos minha cabeça doía. Pelo canto do olho vi Percy, Annabeth e Jéssica virem em meu auxílio, mas algo me chamou atenção. Um casaco feito do couro de leão surgiu a minha frente.

– O que é isso? – pedi.

– Seu prêmio por matar o leão. – disse Percy. – Quando Hércules matou o leão de Neméia, arrancou sua pele e a vestiu, ela serve como uma armadura é quase impossível penetrá-la. Pegue, é sua, você mereceu.

Segurei o casaco em minhas mãos, era extremamente leve e ao mesmo tempo muito resistente. Mas tinha alguém que merecia mais do que eu. Alguém que havia sido encarregada de minha segurança, alguém que havia me levado ao acampamento e cuidado de mim após a luta contra o ciclope. Entreguei-o a Jéssica.

– Não, não posso aceitar. – ela disse recuando.

– Não estou oferecendo, estou lhe dando. Por favor, pegue ele.

Ela o segurou com as mãos tremulas e sorriu para mim.

– Obrigada. – ela agradeceu.

– Hei gente. – falou Annabeth com o pergaminho das tarefas na mão. – Detesto estragar momentos como esse, mas vocês precisam dar uma olhada nisso aqui.

Nós corremos até ela. Peguei o pergaminho nas mãos.

– É parece que não vamos ter folga tão cedo. – eu disse enquanto lia a segunda frase que estava logo abaixo da primeira em que havia a palavra “cumprida” entre parênteses.

“2º trabalho: matar a Hidra de Lerna.”


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