Netflix Guy escrita por Roni Ichiro


Capítulo 5
Uma grande bolota gorda de sentimentos




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Eu sou uma idiota.

Pior que uma idiota, uma idiota ingênua, retardada, cega... Argh ! Tudo culpa da praga do Netflix !

Se bem que...Não posso culpar o Netflix.. Ele já me salvou tantas vezes em tardes de tédio...

Ah, quer saber ? Foda-se. Estou puta com tudo, então que morra o Netflix também.

Eu queria muito culpar Astrid por ter me oferecido as bebidas, já que se não fossem por elas, tecnicamente nada daquilo teria acontecido. Mas não podia fazer aquilo com ela, não depois de tantas coisas fofas que ela já fez por mim.

Agora com Jack eu tinha todo o direito de estar chateada ! Ok, eu sei que fiz besteira, mas custava tratar do problema de maneira civilizada ?! Precisava sair gritando feito um neandertal e socando as paredes ?!

E eu estava tão perto, tão perto de finalmente conseguir uma companhia para me salvar da solidão constante da solteirice, e o destino me deixa logo com aquele sapo disfarçado de príncipe ?!

Bom, não podia dar tanta atenção àqueles pensamentos, nesse momento tudo o que me importava era encontrar a minha pobre e indefesa cadelinha...

Que fugiu por culpa de QUEM ?!

Respire fundo, Merida.

– Ei, Sargento, pode marchar mais devagar ? – ouvi a voz de Jack atrás de mim.

– Você que ande mais rápido. – resmunguei, apesar de não querer andar ao lado dele.

– Caramba... – ele correu até o meu lado e eu logo virei a cara.

Depois de passar quase vinte minutos em silêncio e rodando por todas as casas da vizinhança sem nenhum sinal de Ursa que eu percebi que havia esquecido de pegar um moletom. Olhei para o termostato grande no meio da rua que mostrava 10 graus.

De repente vi que Jack não acompanhava mais meu passo.

– Não ouse. – falei, assim que o vi levando as mãos ao seu casaco azul escuro.

– Sinto muito, você não manda em mim, moça. – ele disse, tirando o moletom que revelou rapidamente um pedaço de sua barriga nua, antes que a camiseta branca caísse por cima dela. Não que aquilo tivesse me agradado. Nem um pouco.

– Não quero. – falei.

– Quer sim, olha só, você tá tremendo.

– Não estou com frio, sério.

– Está sim. Pode pegar, eu não sinto muito frio.

– Não quero que me faça mais favores. – respondi, enquanto ele me estendeu o casaco.

E de repente o casaco estava no ar.

– Pega !

– Ei ! – disse, atrapalhada, quando o casaco caiu na minha cara. – Eu já disse !

– Ah, Merida, só use o casaco. Você não vai levar choque. – ele deu uma risadinha – Não é só porque estragou meu emprego que eu vou deixar que você morra congelada.

– Nossa, que cavalheiro. – disse, irônica, botando o casaco de má vontade.

Não queria admitir, mas que alívio que deu colocar algo quentinho cobrindo meus braços de fora.

Mais alguns minutos de silêncio. Não estava adiantando caminhar pelas casas para ver se ela não tinha ficado presa em nenhum quintal ou coisa do tipo. Daria para escutar seu choro se isso tivesse acontecido.

– Vem cá. – chamei Jack e fomos para a banca de jornais do outro lado da rua – Olá, senhor. Por acaso viu uma cadelinha andando por aqui ? É uma pug bem gorducha, que atende pelo nome Ursa.

O velho da banca não moveu um músculo, apenas respondeu com frieza :

– Só cachorros de rua passaram por aqui hoje.

Suspirei e agradeci. Estava tentando ao máximo controlar a raiva, mas estava ficando impossível com o passar do tempo. Voltei para Jack, batendo os pés :

– O que custava você ter fechado a droga da porta ?!

Ele me encarou indignado.

– Escuta aqui, eu estava meio ocupado segurando uma certa bêbada – e ele fez questão de enfatizar a palavra com uma pitada de desdém – Pra me preocupar com isso, tá legal ?!

Espera, ele me carregou até lá em cima ? Achava que tinha sido Astrid...

– Bom, você... – procurei algo para rebater, não podia deixa-lo ganhar.

Há, deixa-lo ganhar. Como na vez em que ele acertou tudo sobre mim só sabendo meu nome e eu errei toda a aparência dele. Aquilo me veio de um jeito tão nostálgico, mesmo tendo acontecido no dia anterior.

– Você... Podia ter fechado a porta e me levantado depois !

– Eu mereço... É isso que se ganha por ajudar. – ele revirou os olhos. – Reclamação de uma menina mimada.

– Não me chame de mimada ! – gritei.

– Mas é o que você é !

– E você é um grosso idiota !

E a nossa discussão foi novamente interrompida, mas dessa vez porque a luz da farmácia na nossa frente tinha acabado de se apagar.

Merda. O horário. Já estava na hora do pequeno comércio perto da minha casa fechar.

E nem sinal de Ursa.

Jack estava pronto para me retrucar, mas o interrompi :

– Chega ! Olha, a gente não tem muito tempo ! Vamos fazer o seguinte. - apontei para as lojinhas mais a frente – eu verifico as lojas de lá, e você verifica as de cá, até aquele poste. Assim agilizamos o serviço.

– E ainda tem o bônus : Não vou precisar te ouvir reclamar. – ele sorriu de um jeito bem babaca.

– Há-há. – disse, ironicamente, e passei por ele, correndo até meu lado da rua.

E depois de perguntar ao rapaz da peixaria, à senhora do pet shop, ao homem do minimercado e nenhum deles ter visto minha cadela, meu desespero começou a atingir níveis enormes. Comecei a pensar no pior, que ela tinha sido sequestrada, atropelada, ou roubada por um sem-coração que não sabe a dor que é uma dona se separar do bichinho de estimação.

Minha última esperança era a locadora. Que irônico, o lugar que fui mais cedo para tentar fugir de tudo que se relacionasse ao Netflix, e olha onde eu estava agora : Caçando minha cadela com o próprio cara do Netflix.

O cara do Netflix... Ele estava me ajudando bastante. E aliás, tinha feito muita coisa legal por mim naquele dia.

E claro que eu escolhi o momento mais apropriado para começar a pensar em Jack.

E depois dele, Ursa voltou a ocupar minha mente. Enquanto corria feito louca em direção à locadora, comecei a me lembrar do dia em que Astrid me mostrou a novidade, que havia adotado uma cachorrinha gorda que se sentia sozinha em seu antigo apartamento. Meu coração doeu ao ver aquela bolota amassada chorando, e abracei-a com todo o amor que pude dar. Todos os passeios, todos os cocôs e xixis em lugares impróprios, todos os banhos para lavar aquela baba toda... E eu amava fazer tudo aquilo !

E foi nesse momento que percebi como estava agindo durante todos aqueles anos. Eu tinha Astrid, meus irmãos, e minha linda cachorrinha, e tudo o que eu fazia era reclamar sobre como tudo estava péssimo e como eu sempre estava sozinha.

Eu não tinha proximidade com quase ninguém por minha própria opção. Eu reclamava da solidão mas ao mesmo tempo me afastava daqueles que me queriam bem de verdade.

Foi exatamente o que aconteceu com Jack. Eu tive a sorte de conhecer um cara tão incrível como ele, que além de divertido, legal e gentil, foi totalmente altruísta, e como eu respondi ? Reclamando, brigando com ele, chamando-o de grosseiro.

Sentei desamparada ao ver as luzes apagadas da locadora. Agora não tinha o que fazer. Deixei escapar minha companhia para todas as horas, que ingrata que eu fui. E agora eu poderia nunca mais vê-la por causa disso.

E as lágrimas vieram, mas não me preocupei em conte-las.

Que se foda, já chorei pra caramba nesses últimos dias.

E depois de quase cinco minutos caída naquele meio-fio gelado, com meu rosto todo molhado e os olhos vermelhos, senti uma mão tocando meu ombro. Dei uma rápida olhada para cima, e o vi lá, parado, com um olhar de compaixão para mim.

– Me desculpe, Jack. – falei, fungando e olhando para o chão – Você foi tão maravilhoso comigo, e eu fui imatura e besta.

E por incrível que pareça, ele não demonstrou nenhuma surpresa, nem quis discutir. Pelo contrário, se sentou no meio-fio também e me olhou nos olhos, com um sorriso.

– Ei, relaxa. Eu também não deveria ter gritado com você. Estava tão puto com o meu chefe que acabei descontando em você, desculpa. A gente erra mesmo, faz parte da vida.

Meu queixo tremeu.

– Só não queria que perceber isso me custasse perder a Ursa.

– Você não vai perder a Ursa. – ele disse, convicto.

– Por que acha que não ? Nós já procuramos pelas ruas inteiras e...

E nesse momento, seus braços me envolveram em um abraço. Meu coração começou a bater mais rápido, e minhas bochechas queimaram tanto que até fiquei com calor dentro daquele casaco.

– Você também pensou que nunca iria encontrar alguém na Sexta à noite do dia dos namorados. E olha só esse alguém aqui.

O coração agora estava à mil. Abracei-o de volta, com força, como se ele fosse minha barreira protetora. E estava sem a menor vontade de soltá-lo. Tipo, pra sempre.

Mas como tínhamos que nos soltar alguma hora, Jack se desvencilhou, mas não saiu tão de perto. Aqueles olhos azul-piscina se cravaram nos meus, e ele limpou a última lágrima que escorria da minha bochecha.

– Obrigada, Jack. – falei, abrindo um sorriso – Por tudo... De novo.

– Estou aqui para resolver seu problema, moça. – ele deu uma piscadela.

Ok, agora eu queria beijá-lo mais do que tudo. Mentira, queria encontrar Ursa mais do que tudo, mas beijá-lo estava logo depois disso. O jeito como ele olhava para mim, me deixando sem-graça, mas ao mesmo tempo mais segura do que nunca, e aqueles cabelos leves dele no vento gelado, suas mãos fortes e protetoras, sua voz doce e ao mesmo tempo sexy, confiante e acolhedora...

E quando dei por mim, já estava me aproximando e mirando em seus lábios. Felizmente, ele sacou a mensagem e foi fazendo o mesmo. Nada poderia nos atrapalhar agora.

Exceto uma coisa.

Um latido.

Arregalei os olhos, com o coração na garganta. Olhei por trás do ombro de Jack, e lá estavam elas. Ellie, a velhinha dona da locadora que me oferecera os DVDs mais cedo, e Ursa logo a sua frente, correndo em minha direção, babona e mostrando os dentes.

– URSA ! – abri os braços e ela veio a mim com toda a força. Abracei aquela bolota gorducha com um riso de orelha a orelha.

– Estávamos procurando por vocês ! – Ellie disse, chegando até nós ofegante e sendo amparada por Jack. – Encontrei esta pequenina na frente da minha loja, encarando os pôsteres, e me lembrei que você veio aqui hoje com sua cadelinha, querida.

– Oh ! – beijei cada centímetro da cabecinha amassada de Ursa – Obrigada ! Obrigada, obrigada ! – não conseguia mais conter minha alegria.

– Querida, não me agradeça. Agradeça a ela. Tem uma cachorrinha muito inteligente.

– Tenho mesmo. – dei mais um abraço em Ursa, depois voltei à Ellie – Só de curiosidade, que pôster ela ficou encarando ?

– O pôster da nossa sessão de desenhos animados, o de Rei Leão, se não me engano.

E nesse momento, Jack e eu trocamos um olhar involuntário, seguido de um sorriso travesso, que deixou Ellie confusa, mas ela deu de ombros.

– É melhor voltarmos. – Jack falou – Sua irmã deve estar preocupada. E vem cá, onde estão seus pais ?

– Estão numa viagem com os trigêmeos, mas amanhã estão voltand... – e parei de falar.

– O que houve ?

Oh meu Deus.

Não acredito que não havia pensado naquilo antes !

– Jack ! – agarrei os ombros dele – Meu pai ! Ele pode te ajudar a recuperar o seu emprego !


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Notas finais do capítulo

Ellie, e velhinha...get it ?



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