Quando ele a viu, sua mente se tornou uma cachoeira, só que em vez de água corrente, sentimentos corriam em tornos de todas as lembranças que tinha sobre ela. Aqueles tombos que caíam no balanço, aquelas risadas, aqueles brigadeiros de panela que ele fazia a ela, aquela trança que ela usava, aquelas corridas que apostavam, aquelas bolachas recheadas que dividiam em seu lanche, aquelas piadas internas que só eles dois e seu grupo de amigos conheciam, e, é claro, do beijo, ele não tinha tido a coragem de perguntar a ela, mas havia sido o primeiro dele, Katniss era tímida, porém linda, ele não podia negar que naquela época infantil era perdidamente apaixonado pela aquela menina que sorria não somente com os dentes, mas também com os olhos, contagiando todos a sua volta com suas observações nada normais.

A cachoeira de emoções parou assim que se lembrou do momento em que havia partido, aquele dia fora o pior dia na vida da garota que agora o fitava com um sorriso sem mostrar os dentes. Fora o dia em que ela descobriu que não era normal, que teria que conviver com uma doença nada agradável, fazendo tratamentos nada sutis para tentar amenizar o efeito daquilo que não tem cura. Fora o dia em que ele mudou-se de cidade, sem nem mesmo despedir-se da garota, ela não manteve contato com ele, ele não a culpava, sabia que a culpa era inteiramente dele, afinal, ela havia a abandonado sem nem ter sentido pela última vez aquele delicioso cheiro de framboesa que saía de seus lindos cachos quando eram afagados.

Mas, por incrível que pareça a lembrança que mais permanecia em sua mente durante todos aqueles anos era a do dia 14 de setembro do mesmo ano em que ele havia partido, exatamente uma semana antes de ter sumido do mapa sem mais nem menos. Estavam os oito reunidos em sua casa, comendo aqueles biscoitos que sua mãe sempre fazia, olhando um filme extremamente entediante, e ouvindo as reclamações de Clove de como a aquela garota idiota do filme estava deixando irritada, e, que se pudesse entrava pra dentro do filme e espancava a garota por ser tão estúpida a ponto de tropeçar em sua própria sombra. Madge conversando com Annie sobre roupas e maquiagem, Cato e Gale debatendo sobre os jogos de futsal que jogariam naquele ano contra as outras escolas, Finnick olhando descaradamente as pernas de Annie, e Katniss e ele, como sempre, comendo... Aquele foi o dia em que ela bagunçou os seus cabelos e disse:

"Eu odeio você, Mellark."

"Ah, qual é?! Eu não sou tão chato, sabe? Eu sei fazer miojo e brigadeiro."

"Eu também sei." disse ela, bufando. "Mas eu sempre queimo as panelas da minha mãe." diz com um sorriso maroto nos lábios

"Qualquer dia eu te ensino a fazer sem queimar." disse ele encarando aqueles olhos cinzentos.

"Eu prefiro gastar meu tempo com você me divertindo, do que aprendendo a fazer alguma coisa, você sabe que eu sou lerda."

"Pois é, lerdinha." disse, enquanto recebia um tapa de desaprovação de Katniss. "Ai! Mas não se preocupe, eu sempre estarei aqui quando precisar aprender alguma coisa."

Essa era a lembrança mais romântica que tinha em relação a Katniss, e a mais triste, fora exatamente uma semana antes de ela receber a notícia que mudaria a sua vida. E embora Katniss estivesse sempre em sua memória, ele nunca sabia os momentos em que ela estivera em seu coração, algumas vezes a via como uma inimiga, outras como uma irmã, outras como seu primeiro amor... Enfim, os momentos sempre mudavam quando ela estava perto dele.

Agora estava ele em frente a Katniss, uma garota que ele não sabia mais que relação que tinha após aqueles longos cinco anos. A única coisa que havia mudado em Katniss era sua altura, mas como sempre havia aquela escadinha feminina entre ela, Madge, Clove e Annie. Clove era a mais baixa, acreditou ele que ela havia uns um metro e cinquenta centímetros, logo após Katniss com uns um metro e cinquenta e cinco centímetros, Annie com um metro e sessenta centímetros e Madge com um metro e sessenta e cinco centímetros. Ele sorriu ao observar aqueles quatorze olhos familiares o observando, oito olhos femininos e seis masculinos. E ele disse a coisa mais óbvia do universo.

"Nossa, quanto tempo, não é?"

A reação de todos foi diferente, mas a que mais que tocou foi a de Katniss, que esboçou um meio sorriso que depois se transformou em uma careta, como se ela tivesse se lembrando de algo, ela acenou a ele de longe e depois se aproximou dele, murmurando um “oi” rouco e apertando sua mão.

Doía profundamente saber que Katniss não tinha boas lembranças dele, mas ele iria passar bastante tempo na cidade, e, Katniss morava lá, então daria pra concertar tudo o que havia feito, não é? Mas, depois de conversar um tempo com todos ele recebeu uma notícia que o deixou desconcertado.

Katniss só tinha mais noventa dias de vida.