Despertar escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 7
Capítulo 7




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- Porque será que sempre me colocam como uke nessas situações?

Aoi deu um pulo de susto, empurrando a mesa sem querer. Virou-se e deu de cara com Uruha, que o encarou de volta com uma sobrancelha erguida.

 - Consciência pesada? – perguntou, soando perigosamente suave.

O moreno respirou fundo, tentando encontrar a voz.

- Você me assustou... – comentou, redundante.

- Sério? Não brinca! – o loiro rebateu, completamente controlado e um pouco sarcástico.

O guitarrista moreno sentiu-se vulnerável, ainda mais diante da figura do outro. Uruha estava devastadoramente lindo com aquele sobretudo preto, jeans e camisa branca. Simples e sensual de uma maneira totalmente desconcertante. Com um olhar meio confuso, viu o loiro puxar a cadeira e sentar-se, delicadamente o tirando da frente do notebook ainda aberto. Aoi demorou a processar que o guitarrista estava lendo a história, preocupado demais em sentir o calor do braço do músico em volta da sua cintura.

Por mais que tentasse conter as batidas loucas do coração, não conseguiu muito. Tentou se soltar, mas Uruha simplesmente o segurou com mais força.

Olhando para baixo, Aoi quase sorriu ao ver a expressão séria do guitarrista. Ele estava com o queixo apoiado na mão, lendo o texto.

Lendo o texto?!?!?!?

Aoi arregalou os olhos, subitamente agitado.

- Não! Espera!

Antes que pudesse fechar o computador, Uruha o segurou com mais força e o fez sentar-se em seu colo, prendendo os pulsos do moreno. Ignorando a tensão no corpo menor, simplesmente apoiou o queixo no ombro de Aoi e continuou a leitura.

- Você é muito barulhento...

- Mas é que... – o moreno começou, constrangido.

- Eu já conhecia alguns desses textos... Kovu me mostrou.

A explicação, pausada, fez o moreno engolir seco. Procurou desesperadamente algo para dizer, mas Uruha o poupou.

- Não esquenta, Aoi. Não é como se fosse uma coisa muito estranha ou impossível para nós, não é?

- Como assim? – o moreno perguntou, empalidecendo.

- Reita e Ruki estão juntos, eu sou gay e Kai ainda é um ponto de interrogação em forma de gente, mas nem eu coloco minha mão no fogo, por mais amigo que seja. Tem certas coisas que ele faz que... não sei não. Além do mais, tem Miyavi, esqueceu?

Mesmo totalmente tenso, Aoi não conseguiu evitar o sorriso. O líder era a vítima favorita do cantor esquisito da gravadora. Miyavi não podia ver Kai que corria para ele e o abraçava apertado, louco para que sorrisse. Dizia que as covinhas no rosto do baterista eram irresistíveis.

Depois de alguns minutos, o moreno notou que era seguro apenas por um braço, enquanto Uruha usou a outra mão para mover o cursor sobre o texto. Apesar de registrar isso, não se mexeu.

- Eu nunca tinha pensado nisso... – comentou, depois de alguns minutos.

- No quê?

- Na minha opção sexual.

Uruha virou a cabeça e o encarou, mas Aoi não se atreveu a devolver o olhar.

- Como assim nunca pensou?

- Eu... – o moreno pensou no que ia dizer, mas resolveu ser sincero – Eu realmente não tinha pensado nisso.

Depois de alguns minutos de silêncio, o loiro voltou ao texto.

- Acha isso tão impossível? – o guitarrista moreno perguntou, inquieto.

- Não.

- Mas você ficou no mínimo, surpreso.

Uruha endireitou o corpo e inclinou a cabeça, pensativo.

- Acho que é porque eu nunca pensei que alguém pudesse não saber direito o que é. – respondeu, dando de ombros – É meio complicado imaginar uma pessoa na frente do espelho, diante de seu reflexo, sem saber exatamente quem ou o que é.

Aoi arregalou os olhos e virou-se, totalmente surpreso com a resposta. A proximidade dos rostos não pareceu perturbar nenhum dos guitarristas.

 - Mas isso não é tão impossível assim. – o mais velho respondeu – Na verdade, acho que é até mais comum do que se imagina.

- Não estou falando de neuroses ou inseguranças, Aoi. Isso todo mundo tem. – Aoi se encolheu um pouco diante do brilho no olhar do outro músico – Estou falando de saber quem você é. Estou falando de saber exatamente o conjunto das coisas que faz de você uma pessoa única.

O moreno encarou o outro e deu um sorriso tímido.

- Ruki diz que você é muito confuso. – comentou, preso na força do olhar do loiro. 

- Ele diz muitas coisas a meu respeito, mas isso não significa que todas sejam verdade.

Uruha virou o rosto e voltou ao texto, já no fim. Aoi ficou quieto, pensando nas palavras do outro.

- E quem é você, Uruha? – perguntou baixinho, quase sem notar.

- Eu sou Takashima Kouyou, um cara que ama tocar guitarra, que gosta de mulheres apenas como amigas, que tem medo de altura... – a voz soou baixa e calma – Ainda não fiz tudo o que queria fazer e tenho muitos planos e sonhos, mas sei perfeitamente que não vai dar para fazer tudo. Sei também que não vou ter tudo o que quero, nem sentir ou ver tudo o que quero. Eu batalhei muito para estar aqui e passei por maus bocados por insistir nos meus sonhos, então não vou abrir mão deles facilmente. – o queixo dele voltou a se apoiar no ombro do moreno – Eu não gosto de me lembrar das dificuldades que passei e não quero pensar nas que ainda vou passar, mas sei que é inevitável. – deu um sorriso – Eu gosto de frisk, fumo bem menos que o Ruki e não me importo de gastar dinheiro, se for para investir em algo importante para mim, gosto de azul, Luna Sea e udon.

Aoi deu um sorriso, tirando uma mecha de cabelo do rosto.

- Parece fácil fazer ouvindo você.

- Mas isso não é tudo o que sou. – Uruha respondeu – E nem é fácil definir esse tipo de coisa, mas pelo menos tento me conhecer o máximo possível, ou então estarei perdido.

- Verdade. – o moreno concordou, e aproveitando o clima favorável, respirou fundo - Uruha, sobre...

Antes que terminasse, a porta se abriu e quando ambos olharam, Aoi não entendeu a expressão de espanto no rosto de Kai. O baterista ficou parado na porta, encarando os dois.

- Kai, o que houve? – Aoi perguntou, confuso.

- Você está no meu colo. – Uruha sussurrou, com um meio sorriso.

O moreno arregalou os olhos e se ergueu, fazendo o loiro rir baixo ao soltá-lo.

- Kai... isso não é... – o guitarrista mordeu o lábio, totalmente constrangido – Quero dizer...

O líder deu alguns passos e entrou na sala, tentando consertar o embaraço.

- Tudo bem, eu só fiquei surpreso... – sorriu, sem jeito.

- Estávamos conversando. – Aoi garantiu, sem olhar para o lado.

- Eu vi. – o líder sorriu, mostrando as covinhas que já tinham se transformado em marca registrada.

- Não faça isso! – o mais velho lamentou, exasperado, passando a mão no rosto.

- Acabei de concordar com você. Eu vi. Estavam conversando. – o baterista afirmou, sem conseguir esconder o sorriso diante do constrangimento do outro.

- Uruha, faz alguma coisa. – o moreno pediu, afastando-se do loiro ainda sentado.

O guitarrista mais jovem olhou de um para o outro, contendo o sorriso.

- Aoi, você está nervoso à toa. Kai não pensou nada.

O moreno abriu a boca para responder, mas Reita e Ruki entraram conversando e ele simplesmente desistiu antes que tudo saísse do controle. Não queria nem pensar no que aconteceria se fosse Ruki quem os tivesse surpreendido.

O vocalista notou o clima e a expressão constrangida do moreno.

- Perdi alguma coisa? – perguntou, olhando para os outros músicos.

- Não. – Uruha respondeu, fechando o computador. Sem se importar com o olhar suspeito do vocalista, ergueu o aparelho fechado. - Vou ficar com isso e terminar de ler, ok? Depois eu devolvo.

Aoi não se atreveu a olhar para o loiro. Simplesmente concordou com a cabeça e se afastou ainda mais, fazendo Kai rir baixinho. Ruki elevou uma sobrancelha e bufou.

- Detesto ficar por fora das coisas! – reclamou, avançando para o meio da sala – Eu quero saber!!

- Depois Ruki. – o líder disse, colocando as coisas sobre a mesa onde estava o computador – Estamos no fim da turnê, mas não do trabalho. De agora para frente, viajaremos de ônibus e preciso que vocês peguem tudo o que acham que vão precisar.  Não podem esquecer nada porque dessa vez não tem hotel ou serviço de quarto.

A atenção de Ruki foi desviada. O vocalista encarou o líder com uma expressão carregada.

- Ônibus de novo? Achei que já tínhamos superado esse tipo de coisa. – comentou, ácido.

- Mas é que agora as distâncias entre uma cidade e outra não é tão grande. – o baterista explicou, calmo – Além do mais, dessa vez teremos conforto e não vai ser tão ruim quanto antes.

- Não acho que dá para comparar. Estamos muito melhor agora. – Reita ofereceu, tentando não irritar ainda mais o amante. – Relaxa, Ruki.

- Tudo bem. – Ruki encolheu os ombros – Eu só não quero ter a impressão de que voltamos ao início.

- Não é nem perto disso. – Kai explicou – Nossos instrumentos e equipamento seguirão num caminhão – parou, incerto – Deve ser uma daquelas carretas. – olhou para Ruki com um sorriso satisfeito – E tem nossa foto e marca nele.

O pequeno pareceu se animar. – Posso ver?

A animação de Ruki desviou a atenção do assunto, apesar do olhar estranho que Reita lançou sobre os dois guitarristas.

O assunto mudou totalmente para o trabalho. A turnê, apesar de cansativa, estava indo bem. O público pareceu entender e entrar no conceito da banda, consolidando a mudança. As letras pesadas de Ruki, e as outras feitas por Reita e Uruha caíram no gosto dos fãs. O vocalista demonstrou mais confiança ao conversar com o público, a cada show realizado. O visual também mudou. Sempre na primeira parte, um pouco do choque de antes; na segunda, roupas mais usuais ou camisetas com o logo da turnê. O vocalista ainda desenhou algumas peças e agora contavam com figurinistas e muito mais idéias e recursos.

Não que as dificuldades tivessem terminado, mas pelo menos agora, tinham mais suporte.

*****

Ruki se animou ao ver que a carreta tinha a marca da banda e aceitou melhor viajar de ônibus. Não era a primeira e não seria a última vez que se deslocariam daquela forma. O vocalista simplesmente associava com o início complicado da carreira e não gostava muito.

Na verdade, costumava reclamar bastante.

Felizmente, a carreta e o amante desviaram a atenção, mas Kai duvidou que Ruki teria energia para brigar muito. Os cinco estavam exaustos.

Não podiam realmente se queixar. Dois beliches laterais, uma cama simples do outro lado, perto da porta do banheiro, este grande o suficiente para um banho decente. Uma pequena área com sofás e uma mesinha. Para alívio de Kai, uma pequena cozinha. Ao lado dos beliches, um pequeno armário dividido para os objetos pessoais de cada um.

Reita suspirou ao ver o pequeno espaço e Uruha parou atrás dele, dando uma risadinha.

- Má sorte, Ue-chan.

Com um sorriso suspeito, o guitarrista loiro jogou sua mochila na cama de baixo de um beliche. Olhou para trás e estendeu o braço.

- Me dá a sua, Aoi.

Reita olhou para trás, a tempo de ver a expressão surpresa do guitarrista moreno. Ainda assim, ele entregou a mochila e Uruha a deixou sobre a cama de cima. Sem se importar com os olhares, virou-se e empurrou Aoi de volta para o sofá. Diante da pergunta no olhar do moreno, deu um sorriso calmo.

- Ele e Ruki vão dividir um daqueles armários.

Aoi elevou uma sobrancelha e sentou-se. – Então é melhor sair da frente....

Uruha se jogou no outro sofá e encolheu as pernas. Kai olhou de um para o outro e para Reita, parado no corredor do ônibus.

- Problemas com espaço? – perguntou, solícito.

- É... posso dividir o seu? – o baixista perguntou, resignado.

- Claro. – o líder respondeu, passando pelos sofás até a cama solteira. Deixou sua mochila sobre a mesma e abriu o pequeno armário – Dá perfeitamente para dividir.

O vocalista entrou no ônibus, já com a expressão carregada. Uruha olhou para a mochila em um dos ombros e uma pequena valise de mão e percebeu que Aoi também tinha notado. Os dois se entreolharam e sorriram, divertidos.

Ao ver a troca de olhares, Ruki bufou.

- Posso saber qual a graça? – o mau humor costumeiro se manifestou antecipadamente.

- Nada. – Uruha ergueu as mãos em sinal de rendição.

O vocalista desviou o olhar dele para o moreno, que encolheu os ombros e sacudiu a cabeça.

- Vocês estão cheios de gracinhas ultimamente... – o pequeno murmurou, entredentes.

Kai voltou e teve se espremer para passar entre o baixista e o vocalista parados no corredor. O líder sentou-se ao lado de Aoi e ficou parado, esperando pela explosão. Reita sentou-se na cama, dobrando as pernas.

Ruki encarou as camas e o pequeno armário.

- Não brinca!

- É todo seu. Vou dividir o do Kai. – Reita apressou-se em explicar, antes que não pudesse mais.

O vocalista abriu a portinha e arregalou os olhos. O baixista aproveitou para sair e sentar-se ao lado de Uruha, sendo recebido com olhares compreensivos. No minuto seguinte, ouviram uma praga baixa e então, a reclamação começou.

Kai teve problemas em controlar as queixas de Ruki. A quantidade de coisas pessoais que o vocalista considerou essenciais para a viagem não couberam no pequeno armário, mesmo com todo o espaço só para si. Como não conseguiu acomodar tudo, teve que deixar algumas outras na valise, sobre a cama superior do beliche que ocuparia com o amante.

- Não acho que possa fazer isso, Ruki. – Uruha notou, acendendo um cigarro.

- E porque não? – o vocalista virou-se para ele, irritado.

- Porque a cama é estreita demais. Acho que dá para dividir por algumas noites, mas não todas. E quando estiver cansado demais e quiser mais espaço, onde vai colocar essas coisas?

Ruki fulminou o guitarrista loiro com o olhar, já totalmente estressado. Aoi olhou de um para o outro e depois para o beliche, atrás do pequeno.

- Uruha tem razão, Ruki. – disse, indicando a cama com a cabeça.

Diante do dilema, o vocalista bufou e se jogou na cama, odiando o pequeno espaço.

- Podemos colocar a valise sobre o sofá, quando quiser a cama. – Kai ofereceu, solícito.

Uruha ia rebater, reclamando o conforto para os outros que não quisessem dormir, mas o olhar de Reita, quase implorando, o fez calar-se. Trocou um olhar pesado com Aoi, que encolheu os ombros.

Kai notou a troca de olhares e respirou fundo quando os guitarristas não disseram nada. Era injusto e sabia disso, mas Ruki tinham uma idéia pessoal sobre as próprias necessidades e costumava reagir muito mal quando não conseguia o que queria. Podia ceder em outras áreas, mas não quando se tratava do espaço que achava que tinha direito.

****

Para desespero dos músicos, entrevistas e apresentações na televisão roubaram o pouco tempo que tinham para descansar, e apenas no ônibus, entre uma cidade e outra, podiam relaxar e dormir. Apesar de Kai tentar evitar, muitas vezes a agenda não terminava antes da madrugada e recomeçava muito cedo no outro dia, deixando todos exaustos. Apesar do cansaço, Kai podia agradecer: o clima estava melhorando entre eles.

À noite, durante as viagens, Aoi e Uruha se sentavam juntos e compunham, conversando baixinho. Às vezes Reita ou Kai se juntava a eles, mas na maioria das vezes, os outros músicos os deixavam sozinhos.

O vocalista notou o movimento, mas se manteve longe. Ainda se lembrava do gelo que ganhou de Reita por interferir e, se fosse pensar bem, foi merecido. Ele tinha o péssimo hábito de achar que sabia sempre o que era melhor. Se fosse sincero, Aoi e Uruha eram um caso à parte, em qualquer situação.

****

Aoi simplesmente se deixou cair no beliche, sem se importar em trocar de roupa. Uruha reprimiu um suspiro ao entrar, logo atrás dele. Ele e Reita se deixaram cair no pequeno sofá e o guitarrista loiro observou o moreno semi desmaiado. O baixista acendeu um cigarro, observando a expressão absorta de Uruha. O momento foi interrompido por Kai e Ruki, que entraram no ônibus discutindo alguma coisa. O guitarrista loiro pareceu acordar e se ergueu, encaminhando-se para o pequeno armário. Selecionou algumas peças e sem olhar para trás ou o lado, foi tomar banho.

- Alguma coisa errada com o Aoi? – Kai perguntou, preocupado com o olhar do baixista sobre o amigo.

- Não. – murmurou, respirando fundo.

- Algum problema com eles? – o líder perguntou bem baixo, sentando-se ao lado dele e refazendo a pergunta.

Ruki sentou-se de frente a eles e encarou o amante, claramente curioso.

- Não foi nada. – Reita explicou, sem saber como explicar o olhar de Uruha para Aoi.

- Sem essa, Reita... o que aconteceu? – o vocalista insistiu, inclinando-se.

Aoi se mexeu e o baixista encolheu os ombros.

- Não é nada, mesmo.

Ruki observou Aoi e trocou um olhar com Kai.

- Se você diz...

****

O clima entre os músicos voltou a pesar. Ruki não estava conseguindo se concentrar para escrever as canções do novo trabalho, já solicitado pela gravadora e o espaço exíguo não ajudou em nada. Aoi e Uruha fizeram de tudo para sair do caminho do vocalista estressado e Reita até tentou controlá-lo, mas não adiantou.

A discussão começou por um motivo fútil. Ruki simplesmente deixou a maleta dele sobre o sofá e Uruha tirou e colocou-a sobre a cama do vocalista. Foi o bastante para começar.

Os resmungos do ruivo duraram quase toda a viagem entre uma cidade e outra e até Kai, sempre o mais paciente, estava por um fio. Uruha, o alvo da ira do pequeno, se fingiu de surdo até quanto pode, mas sempre há um limite para tudo.

- Ruki, está fazendo uma tempestade por nada! – o guitarrista loiro comentou, tentando não se irritar ainda mais.

O outro lhe lançou um olhar irritado.

- Não mexo com as suas coisas, Uruha. Não aceito que mexa com as minhas! – Ruki rebateu, ácido.

- Mas eu não mexi. simplesmente tirei do caminho! – o loiro respondeu, ainda com calma – Não é certo você se impor a todo mundo.

- Gente.... por favor... – Kai pediu, implorando ajuda a Reita com o olhar.

- Ruki, já chega, ok? – o tom baixo não escondeu a raiva nas palavras.

O vocalista se virou para ele, já vermelho de raiva.

- Por quê? Porque tenho que ficar quieto? Porque é o seu queridinho? É sempre Uruha, não é? Sempre ele!

O olhar de Reita se estreitou. – Nada a ver ser Uruha ou não, você está passando dos limites.

Ruki não se deu por avisado diante do olhar estreito do amante.

- Porque? Por que ele sempre é a vítima inocente? Ele está sempre tentando me dizer o que fazer e você apóia!

- Eu não te disse o que fazer, só... – Uruha não terminou a frase.

O vocalista se virou para ele, claramente descontrolado.

- É sim! É sempre você se fazendo de vítima! Consegue que todo mundo saia correndo para aliviar seu sofrimento quando você mesmo pediu por ele!

Uruha franziu a testa e Kai se levantou, alarmado.

- Ruki... por favor... – pediu, antecipando o que o amigo ia dizer.

- Lembra quando Aoi te fodeu? Você vivia pedindo por isso e quanto teve o que procurava, se fez de vítima, bebendo e chorando!!

O silêncio caiu pesado. Antes mesmo de terminar a frase, Ruki já tinha percebido a besteira que falou. Com um olhar assustado, encarou os amigos e notou a palidez de Uruha. Kai tentou se aproximar do jovem, mas o guitarrista loiro recuou, sacudindo a cabeça em negação. Antes que pudessem detê-lo, simplesmente saiu quase correndo do ônibus.

- Eu não quis... – Ruki começou, pálido e arrependido.

Aoi sentou-se e acendeu um cigarro, respirando fundo e Kai passou a mão no rosto, consternado. Reita encarou o amante com o olhar pesado, antes de sair atrás de Uruha.

Ruki se deixou cair sobre uma cama, sem saber como se desculpar. Olhou de um para o outro, tentando encontrar algo que justificasse sua explosão, mas só conseguia pensar que tinha ferrado tudo.

De novo.

****

Uruha não foi muito longe, já que não conhecia bem a cidade. Depois de praticamente correr por um tempo, parou e se recostou à uma parede, respirando fundo e tentando não chorar. Antes que pudesse se recuperar, sentiu uma mão em seu braço.

- Desculpe por isso, Uruha. – Reita pediu, baixinho.

- Eu confiei em você... – o guitarrista murmurou, baixinho.

- Eu sei... sinto muito.... – a voz do músico saiu cheia de pesar.

Uruha virou o rosto e deu um olhar significativo para a mão em seu braço. Reita soltou-o devagar.

- Foram dias loucos e acabei dizendo o que não devia. – o baixista explicou, sentindo-se idiota por ter confiado em Ruki.

- Kai e Aoi também sabem disso, não é? – a pergunta saiu tão baixo que se não estivesse muito próximo, não teria ouvido.

- Desculpe... – o baixista voltou a pedir, totalmente sem jeito.

Uruha se virou e encarou o amigo de infância.

- Desculpas? Do que adianta me pedir desculpas agora? – perguntou, erguendo os ombros.

Reita empalideceu, sem saber o que dizer diante da mágoa do amigo.

- Eu confiei em você. – o olhar inconformado de Uruha fez Reita se sentir pior – E sempre tenho que lidar com as coisas que Ruki diz e faz... eu não entendo! – o guitarrista se afastou e se abraçou – Porque tinha que contar a ele?

O baixista encolheu os ombros, perdido.

- Eu contei depois da morte do Kovu... como eu disse, foram dias loucos... Não pensei que ele pudesse fazer isso com você. Está certo quando diz que não serve de nada pedir desculpas agora, mas... eu sinto muito. Sinto muito mesmo.

O silêncio caiu pesado entre os dois e Uruha respirou fundo, tentando ignorar a vontade louca de largar tudo e voltar para casa. Olhou em volta e distraiu-se com algumas pessoas do outro lado da avenida. Reita o encarou por alguns minutos e seguiu seu olhar, sem saber o que fazer. Por vários minutos, não disseram nada.

Não havia o que dizer.

Depois de algum tempo, Reita delicadamente pegou Uruha pelo braço.

- Vamos voltar para o ônibus.

Sem esperar por resposta, aproveitou que o amigo estava desarmado e entrelaçou os dedos com os dele, puxando-o levemente de volta para o lugar onde estavam. Apesar do guitarrista não ter dito mais nada e nem resistido, sabia que o pior estava por vir. Sem que precisasse ser vidente, sabia que Uruha se fecharia de novo e lamentava não poder fazer nada para impedir.

Quando entraram no ônibus, Kai pediu ao motorista que os levasse embora. O homem deu um sorriso tímido e fechou-se no compartimento da direção, isolando os músicos. Ruki ergueu os olhos, mas a expressão de Uruha desencorajou qualquer tipo de atitude. O guitarrista simplesmente deitou-se e ligou o celular, colocando os fones.

Aoi, sentado ainda no mesmo lugar, suspirou e encarou o cigarro, já pela metade. Kai passou por ele e por Reita, ainda parado.

- Vou fazer um lanche rápido para nós. – disse, sem se dirigir a alguém especial.

O baixista passou pelo moreno e pelo amante, tirando o casaco. Sentou-se na cama e se recostou, lançando um olhar triste para o amigo ao lado. Pelo jeito, o pesadelo tinha recomeçado.

****

- Posso falar com você um momento? – o vocalista entrou no camarim e encarou Uruha, que tirava a maquiagem com um lenço de papel.

Kai arregalou os olhos, assustado com a possibilidade de uma briga entre eles e se ergueu, olhando em volta em busca de Reita e Aoi.

- Eles estão lá fora com o pessoal da técnica e eu não quero mais brigar... – Ruki explicou, encolhendo os ombros.

Uruha o encarou através do espelho, sem responder. O vocalista se encostou à parede e colocou as mãos nos bolsos. Kai olhou para a porta, sem saber o que fazer.

- Não saia. O que quer que ele tenha a me dizer, pode ser na sua frente, Kai. Melhor eu ter uma testemunha. – o guitarrista comentou, lacônico.

Apesar da vontade de sair correndo, o líder tentou relaxar e respirou fundo, voltando a sentar-se. Ruki olhou dele para Uruha e deu um sorriso sem vontade.

- Você está certo, Uruha. Não tenho sido um bom amigo ultimamente. Eu tenho muito ciúme do seu relacionamento com Reita. Sempre tive.

O loiro elevou uma sobrancelha, mas não disse nada. Kai arregalou levemente os olhos, surpreso.

- Sei que é idiotice minha, mas vocês são unidos demais. Às vezes, percebo que nem precisam dizer nada um para o outro... vocês sempre se entendem e se antecipam... Sei que não é razão para minhas explosões, mas... – o vocalista encolheu os ombros, sem encarar ninguém. O silêncio caiu e Ruki se mexeu, desconfortável - Reita me contou o que aconteceu com você, há algum tempo. E eu contei para o Aoi e para o Kai... – o pequeno não conseguiu sustentar o olhar que Uruha lhe lançou e desviou os olhos. – Foi depois da confusão... e ele estava certo, eu realmente protegi o Aoi.

- Ruki... – Kai começou, sem saber se devia ou não permitir que aquilo fosse mais longe.

- Não, Kai. Eu realmente protegi o Aoi e agora não importa muito porque – o alívio no rosto do líder foi visível e Ruki encolheu os ombros – Não queria realmente que Kovu deixasse nossa equipe, mas fiquei aliviado quando aconteceu.

O olhar de Uruha se tornou glacial e o guitarrista se levantou, encarando o ruivo.

- Você é desprezível. – a voz saiu baixa, quase como um rosnado.

- Não me orgulho disso. – Ruki recuou, erguendo as mãos – Eu lamentei a morte dele! Me senti culpado!

- Devia mesmo. – o loiro concordou, seco.

O pequeno engoliu seco diante da expressão séria e fria do guitarrista. Respirou fundo e tentou ficar calmo.

- Eu peço desculpas por te provocar sempre. Sei que passei dos limites várias vezes e que mereci um soco outro par de vezes... – encolheu-se e encarou o outro, parado diante de si – Eu sinto muito por ter ultrapassado os limites e ter dito o que não devia. Eu trai a confiança do Reita e a sua... eu sinto muito.

- Fez tudo isso porque Aoi acha que se apaixonou por mim? – o loiro perguntou, de repente – Ou foi seu ciúme?

Ruki e Kai empalideceram e não conseguiram esconder a surpresa. Uruha encarou o vocalista à sua frente com um brilho estranho no olhar.

- Você não foi tão compreensivo assim quando o assunto foi comigo, Ruki. Admito que não consegui administrar muito bem minha dor de cotovelo, mas não mereci o modo como me tratou antes. Quando foi com Aoi, você fez de tudo para protegê-lo, sem levar em conta o quanto ele estava errado. – diante do olhar mortificado do vocalista, Uruha sorriu, gelado – E quanto ao que aconteceu, foi exatamente por isso que eu não contei nada. Por que diriam que eu pedi por aquilo, que eu provoquei... mas você não podia dizer isso, Ruki. Você não estava lá.

- Eu sei... eu... – Ruki se encolheu mais diante das palavras do guitarrista e Kai se levantou, sem saber direito como agir.

- Eu não pedi para ser forçado, Ruki. Não pedi para ser usado como um objeto e depois largado, sem valor nenhum... podia estar apaixonado, podia realmente querer, mas não daquele jeito. – o loiro, apesar das palavras, pareceu estar totalmente no controle de si mesmo.

E perceber isso assustou Kai.

- Uruha... – o líder se aproximou, sentindo-se mal pelo loiro.

- Eu fui bom o bastante para usar, mas não fui bom o bastante para ganhar mais do que isso. Consegue imaginar a sensação? – Uruha perguntou, encarando Ruki com uma mágoa indisfarçável no olhar – Consegue imaginar ter valor apenas como uma boneca inflável que se usa quando se está bêbado demais para se aproximar da namorada?

- Eu não disse que... – Ruki olhou desesperado para Kai, que cruzou a sala mais depressa e segurou Uruha pelo braço.

O guitarrista não pareceu estar disposto a parar.

- E eu não pude contar para ninguém, porque diriam exatamente o que você disse. Aoi estava tão bêbado que nem se lembrou depois, mas quando eu disse a ele que o amava, ele rechaçou qualquer possibilidade de retribuir meus sentimentos. Ele disse nunca, lembra? Você ouviu ele dizer a palavra nunca, não ouviu? – o vocalista recuou ainda mais e acabou escorregando pela parede, pálido – Mas quando foi para satisfazer um desejo animal, eu servi. Quando ele terminou e dormiu, satisfeito, eu fui para o banheiro chorar e me limpar.... Quando ele acordou, eu ainda estava sentindo dor, mas ele simplesmente não se lembrou de nada e ficou com o grande amor dele. Nem sequer se preocupou em perguntar se tinha alguma coisa errada. Nenhum de vocês, na verdade. Só se ligaram quando perceberam que eu estava praticamente vivendo de saquê.

Kai sentiu o golpe das palavras de Uruha, que embora ditas em tom baixo, caíram com o peso de gritos desesperados e acabou soltando-o, chocado.

- E depois ele simplesmente, um belo dia... – o guitarrista abriu os braços e um sorriso, que não chegou aos olhos – Que surpresa! Ele se apaixonou por mim! Eu devia ter caído de quatro, não devia? O grande Aoi se dignou a olhar para o lado! Que sorte a minha! Devia ter largado tudo e ficado esperando... como sempre fiz, não é assim? E então ele teve uma crise de ciúmes, gritou e agrediu.... e quem pagou o preço, de novo? Quem perdeu, de novo?

Uruha não pareceu notar a palidez dos amigos e não desviou o olhar do rosto de Ruki. O vocalista não conseguiu encontrar nada para dizer.

- E então eu sofri... sofri porque Kovu me amava e eu o amava. Sofri porque eu perdi alguém que me respeitava, que tratava bem... alguém que fez amor comigo e me deu prazer, não dor. Ele me abraçava depois, sabia? Quando estávamos sujos e suados, eu ganhava um abraço...  – a voz do loiro falhou e ele respirou fundo – Na primeira vez com ele, eu tive medo. Medo porque doeu muito com Aoi. Foi minha primeira vez com o homem que eu amava, mas não foi bom. Não foi mesmo! – o cabelo escondeu os olhos, finalmente desviados do vocalista – Foi horrível e humilhante... eu nunca me senti tão sujo e tão sem valor.... e para acabar de vez com a meu orgulho, por um momento... eu cheguei a agradecer a chance que estava tendo... – o olhar voltou para Ruki, brilhante de lágrimas – Eu quase cheguei a me sentir feliz. Eu queria tanto que achei que pudesse aceitar qualquer coisa, qualquer coisa que viesse de Aoi. Mas eu estava errado, eu não podia.

O silêncio caiu pesado entre os músicos. Uruha tirou a franja dos olhos e respirou fundo.

- Uruha... – Kai começou, incerto – Eu sinto muito...

- Eu me forcei a superar tudo em relação a Aoi. Eu me forcei a esquecer e perdoar mesmo sem ele ter me pedido, por que eu não queria mais carregar esse peso. Pensei ter conseguido. – ele se virou e encarou o líder – Lembra quando ele estava no meu colo? E quando ele bebeu demais? Achei que podia superar e esquecer... mas é complicado. Eu nunca quis me fazer de vítima por causa do que aconteceu e nunca pedi por pena ou qualquer coisa parecida, mas também não pedi para ser julgado a cada coisa que fizesse. Não é justo!

Kai não sabia o que dizer diante da expressão do guitarrista. Ruki passou a mão no rosto, franzindo a testa pelo esforço de não chorar.

- Desculpe, Uruha. Eu não tinha o direito de fazer isso com você.

- Suas desculpas valem menos que nada, Ruki. Daqui a dois dias, se você achar que eu fiz alguma coisa errada contigo, vai fazer a mesma coisa de novo. E de novo... – o loiro rebateu, afastando-se.

Ruki se encolheu diante da verdade nas palavras de Uruha. Não podia afirmar que nunca mais mencionaria o assunto diante dele. Quando ficava irritado queria machucar, não importava quem ou como.

- Temos que dar um jeito nessa situação. – Kai disse, olhando de um para o outro – Não podemos... – ao notar que Uruha ia responder, ergueu a mão – Nem pense em me perguntar se é para sair da banda!

Com um olhar cansado, encarou os dois músicos. Ruki estava um pouco trêmulo e com todo o jeito de que ia cair em lágrimas a qualquer minuto. Uruha, apesar na tensão do corpo, estava mais controlado.

- Precisamos de uma folga. – decretou, sério.

A porta se abriu e Aoi entrou, seguido por Reita. Os dois músicos encararam os outros três, mas antes que fizessem perguntas, Kai ergueu uma mão.

- Não perguntem. Está tudo bem, agora.

- Que bom que alguém pensa assim. – Uruha rebateu, cáustico.

Ruki mordeu o lábio, atingido, mas não disse nada.

- Temos que ir. – Aoi disse, juntando suas coisas.

- Vou providenciar um hotel para nós, por hoje. – Kai começou, atraindo olhares surpresos. O líder se virou para Aoi e o encarou seriamente – Aproveita que vou colocar você com Uruha e peça desculpas por tudo o que o fez passar. Pode não ter parecido, mas ele percebeu tudo. – o guitarrista moreno empalideceu, mas não disse nada. – Reita, fique com Ruki e o deixe chorar bastante, depois o faça tomar um belo banho quente e tomar um chá – lançou um olhar para o vocalista, ainda trêmulo encostado à parede – Parece que ele vai desabar a qualquer minuto. – respirou fundo, encarando os músicos - Eu vou encher a cara.

Com isso, o líder pegou suas coisas e saiu, chamando alguém do staff. Reita encolheu os ombros e se aproximou, puxando Ruki suavemente. O vocalista não se fez de rogado e se apoiou no amante, lançando um olhar angustiado para Uruha, que não se mexeu. Com a ajuda de Aoi, o baixista juntou as coisas dele e do vocalista e deixou o camarim.

Depois da saída deles, o loiro calmamente começou a juntar suas e coisas o moreno terminou de fazer o mesmo. Aoi pensou em um milhão de coisas para dizer, mas não conseguiu verbalizar nenhuma. Em silêncio, os dois verificaram a sala pela última vez e deixaram o local.

Ruki e Reita já estavam na van e Kai, de fora, falava com alguém ao celular. Uruha entrou e se sentou, fechando os olhos. Aoi o seguiu e trocou um olhar com o baixista.

- O hotel não é cinco estrelas, mas é calmo e confortável, pelo que me disseram. Já reservei nossos quartos. – o líder explicou, entrando e fechando a porta do carro.

- Vai beber sozinho? – Reita perguntou, depois de alguns minutos.

- Vou. Quero paz e sossego, pelo menos por algumas horas. – o baterista respondeu, esticando as pernas – E depois de hoje não quero nem ouvir falar de mais discussões. – com um suspiro, encarou a rua através da janela – Até entendo a situação de cada um de vocês, mas isso está nos matando. Errar é possível e até previsível, mas acho que já deu, não é? – perguntou, sem se dirigir a alguém especial – Para todo mundo.

O resto do caminho foi feito em silêncio. O hotel era pequeno, mas agradável. Reita pegou as mochilas e a chave e praticamente carregou Ruki para o quarto reservado. Na recepção, Uruha elevou uma sobrancelha ao ouvir Kai pedir para servirem saquê no quarto. Os três subiram juntos, depois de pegarem suas chaves.

O líder murmurou uma despedida e entrou no quarto. Aoi e Uruha foram para o reservado a eles, no fim do corredor. No quarto do meio estavam Ruki e Reita.

Uruha não disse nada enquanto procurava algo para vestir depois do banho, já que Kai não deu muito tempo para se organizarem. Por sorte, tinha sempre uma muda de roupas na mochila, além de objetos pessoais para o caso do camarim não ter.

- Uruha...

- Agora não, Aoi. Eu realmente preciso de um banho. – o loiro respondeu, sem olhar para o mais velho.

Sozinho no quarto, Aoi sentou-se na cama e tentou entender o que tinha acontecido. Pelo jeito, Uruha e Ruki haviam se desentendido de novo e se perguntou até quando isso iria. Quando pensava que já estava tudo bem, acontecia alguma coisa. Agora, dois dias depois daquela frase infeliz de Ruki, pode perceber que Kai estava certo. Já tinha dado o limite, para todo mundo.

Ouviu o barulho do chuveiro e, por alguns minutos não pensou em nada. De repente, sem que pudesse se conter, imaginou Uruha no banho. A pele clara e lisinha... os cabelos molhados...

O moreno fechou os olhos e se levantou de uma vez, assustado com o rumo dos pensamentos. Se fosse sincero consigo mesmo, rumo não, com a forma de seus pensamentos. A forma de Uruha no banho.

Tentou imaginar o loiro fazendo a barba e depois se arrependeu. Não sabia que seus pensamentos podiam ser tão eróticos. Eróticos não, totalmente pervertidos.

Espantado consigo mesmo, tentou pensar se a realidade era como nos textos que leu. Se realmente podia haver tanto sentimento num relacionamento sexual entre dois homens. Já tinha tido tempo para pensar e se acostumar ao que sentia perto do loiro, e diante disso sabia que era real. A boca seca, o coração batendo acelerado, as mãos suando... tudo constrangedoramente real. Não podia deixar de sentir um certo tipo de medo, uma sensação estranha no estômago, ao pensar em fazer amor com Uruha. Não que fosse acontecer, mas sempre que pensava nisso, sentia o coração na garganta.

Tentando se controlar, acendeu um cigarro e sentou-se perto da janela, que entreabriu. O vento frio que entrou o fez se encolher um pouco, mas não se mexeu.

Uruha se vestiu no banheiro e saiu secando o cabelo. Aoi o olhou e pensou o quão bonito ele era, sem maquiagem e vestido despojadamente. Esperou que ele se sentasse e respirou fundo.

- Kai disse que te devo desculpas. Deve estar falando do que aconteceu antes... – começou, baixinho.

O moreno quis se chutar ao perceber o quão tenso Uruha ficou. O loiro se levantou e voltou ao banheiro, para deixar a toalha. Quando voltou, a expressão em seus olhos quase fez o moreno desistir, apesar de saber que não podia.

- Sei que é um assunto difícil e se fosse por mim, eu nunca tocaria nele. Mas não podemos mais, Uruha... temos que falar. – o mais velho disse, suavizando o tom de voz para deixar o outro mais à vontade.

- Porquê?

- Como? – Aoi devolveu, surpreso.

Uruha o encarou e inclinou a cabeça.

- Porque temos que falar? Você sabia há algum tempo e não achou que fosse necessário conversarmos.

O moreno teve a decência de corar diante do olhar do loiro.

- Eu não queria te deixar constrangido – respondeu, encarando o cigarro – Além do mais, não é algo que eu gosto de me lembrar. Me sinto pesado e muito, muito culpado.

O silêncio caiu entre eles, pesado.

- Isso já tem muito tempo, Aoi. – Uruha disse, sentindo-se cansado.

- Eu sei, mas sempre volta. – o guitarrista moreno rebateu, também cansado.

- Não por minha causa. - o tom baixo soou sem emoção. O loiro subiu na cama, sem notar o olhar do mais velho sobre seu corpo.

- Podia ter me dito alguma coisa. – o mais velho comentou, tragando o cigarro.

- Como o quê? E se eu dissesse, que bem isso nos traria? – o guitarrista loiro perguntou, ajeitando-se sobre a cama.

Ele abraçou os joelhos e encarou o moreno, parecendo genuinamente curioso.

- Eu te magoei e te machuquei. Não só fisicamente. – o moreno explicou, sentindo o peso conhecido voltar aos poucos – Talvez tenha razão ao dizer que não nos traria bem algum, mas você ficou calado, passando por tudo sozinho. Não sei o que eu faria se soubesse antes, mas acho que devia ter dividido o problema com você.

- Não penso assim.

A calma aparente de Uruha começou a afetar Aoi. O moreno desistiu do cigarro e levantou-se, apagando-o.

- Não finja que já superou ou que não me despreza pelo que fiz. Não é assim! – o tom raivoso fez o loiro erguer delicadamente uma sobrancelha, surpreso com a explosão. O guitarrista mais velho lhe lançou um olhar exasperado – Porque não gritou e brigou? Porque não me jogou no inferno também, me contando como se sentiu?

- Eu já tinha brigado e gritado antes, e tudo o que consegui foi ser tirado da banda. Eu já tinha contado a você como me sentia, e tudo o que consegui foi um sorriso distante e a palavra nunca. O que ia mudar se eu tivesse contado que você entrou no quarto bêbado demais e achou que fosse uma boa idéia ter um pouco de diversão?

Aoi passou a mão no rosto, sem saber como responder àquilo. De um certo ponto de vista, Uruha estava certo. Provavelmente não teria conseguido a compreensão que buscava e teria mais problemas, em vez de ajuda.

Uruha observou as emoções passando pelo rosto do moreno, mas não disse nada. O silêncio voltou a cair e Aoi se virou, parando de frente à janela. Depois de alguns minutos, ele respirou fundo e encolheu os ombros.

- Acho que sei como se sentiu, pelo menos um pouco. – o mais velho começou, baixinho e se virou, abraçando-se – Eu queria ir até você e te consolar, te compensar de algum jeito. Em vez disso, me fechei e bebi muito... acho que se lembra, não é?

Aoi encarou o outro com um olhar intenso.

- Eu estive errado em muitas coisas por muito tempo e eu não queria ver isso. Não queria ver que se não fosse meu ciúme, talvez você não tivesse perdido Kovu – a voz do moreno falhou, e ele engoliu seco – Se não fosse meu desejo reprimido, eu não teria te forçado naquela noite e se eu fosse mais sincero comigo mesmo, admitiria que meus sentimentos por você não são tão amigáveis quanto eu tentei fazer parecer.

O loiro não respondeu nada, devolvendo o olhar do mais velho. Aoi se aproximou e sentou-se ao pé da cama de Uruha.

- É difícil para mim admitir que a maior parcela de culpa em tudo o que aconteceu com a gente é minha, mas é verdade. Eu provoquei a maioria das situações que nos trouxeram até aqui e sinto muito por isso. Eu não tenho só que pedir desculpas, preciso te pedir perdão por tudo o que te fiz passar simplesmente por que não consegui administrar perceber que também estava apaixonado por você.

Uruha estreitou o olhar e Aoi teve que se esforçar para não sair correndo.

- Não vai dizer nada? – perguntou, sem saber como reagir ao silêncio do outro.

- Não consigo pensar em nada para dizer. – o loiro respondeu, sincero.

- Que pode pensar em me perdoar é um bom começo. – o moreno rebateu, incomodado.

- O que aconteceu com Akaya? Ela soube da sua mudança de sentimentos?

Aoi o encarou, confuso por alguns momentos, e então encolheu os ombros. Uruha não sabia o que tinha acontecido entre ele e a ex namorada.

- Eu a levei embora na época do acidente de Kovu... – o mais velho colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e buscou com o olhar o maço de cigarros, mas não se animou a sair de perto do loiro – Eu quis poupá-la da verdade, mas ela ouviu uma conversa minha com o Kai. Não tive muito o que fazer depois.

- Foi difícil? – não tinha como se irritar com as perguntas de Uruha e Aoi o encarou. Não havia arrogância ou provocação no tom de voz do outro, apenas curiosidade.

- Foi. Ela não aceitou bem. – respondeu, lembrando-se das chantagens e dos exageros da moça.

- Sua família sabe porque terminaram? – o mais novo soou realmente curioso.

- Não. Eu disse apenas que não estava dando certo e acho que ela fez o mesmo, apesar das ameaças em contar sobre nós...

- Não havia um nós. – Uruha o cortou prontamente, corrigindo a frase.

O moreno respirou fundo.

- É. Não havia um nós, mas ela pensou que com a morte de Kovu... talvez nós... – o guitarrista parou, constrangido. O loiro não disse nada e Aoi o olhou novamente – Ele te fez feliz, não foi?

O sorriso do outro fez seu coração se encolher até doer fisicamente e não pode deixar de quase rir da ironia da situação.

- Fez sim, nos amávamos muito. – a resposta saiu baixa, mas totalmente convicta.

- Você o amava mais do que a mim? – a pergunta saiu sem querer e o mais velho quis se chutar quando percebeu o que tinha feito.

- Nunca comparei os sentimentos. São homens diferentes em situações diferentes.

A resposta deixou Aoi frustrado. Era exasperante aquela forma de Uruha encarar e explicar as coisas.

- Deve ter me odiado pelo que fiz... – comentou, lacônico.

- Achei injusto. Você deu um ataque de ciúme totalmente desnecessário, já que ainda estava com Akaya. Depois Kai e Ruki ficaram do seu lado e até Reita achou que eu tinha alguma culpa. – o loiro encarou o mais velho, sem qualquer traço de raiva na voz – Depois Kai não fez nada para defender Kovu e não deixou que eu soubesse da transferência à tempo, porque ele sabia que eu ia interferir. É... achei injusto, muito... muito injusto.

- Sinto muito por tudo... – Aoi murmurou, sem coragem de devolver o olhar.

- Quando ele morreu, eu ouvi que o acidente teria acontecido de qualquer jeito, apenas com equipes diferentes porque foi determinado pelo destino que acontecesse assim. Se não fosse com o ônibus do Screw, seria com o do GazettE. – ele fez uma pausa tão longa que o moreno ergueu a cabeça, preocupado. O olhar triste de Uruha fez o mais velho se sentir miserável. – Eu só queria ter tido mais tempo.

O silêncio voltou a pesar e os dois homens se encararam com dor e tristeza no olhar.

- Eu tirei muitas coisas de você, Uruha, e nunca te dei nada em troca... eu sinto muito... – Aoi murmurou, exausto – Queria poder de compensar... te devolver, mas não posso. Tudo o que perdeu para mim é  precioso demais e eu simplesmente não posso te trazer nada de volta, mas queria que me perdoasse... por tudo.

Depois de alguns minutos angustiantes de silêncio, a voz de Uruha soou baixa e clara.

- Eu disse para Ruki que estava disposto a superar tudo porque é peso demais e eu não queria isso para mim. Eu disse que estava disposto a perdoar mesmo sem que você me pedisse, e eu falei sério. Não quero mais ficar revivendo isso, como se estivesse preso num círculo vicioso.

Aoi o encarou com alívio se espalhando por seu corpo. Não era o que queria ouvir, mas o suficiente, por enquanto.

- Eu agradeço, Uruha. É muito importante para mim o seu perdão.


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