Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 77
Capítulo 76


Notas iniciais do capítulo

Toc, toc! Alguém aí esperando pelo capítulo-bomba? Pois aqui está!

PRE-PARA QUE O NEGÓCIO É TEEEEEEEEEEEEEENSO.

Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453816/chapter/77

– O que vocês querem saber?

Inclino a cabeça para trás e me encosto na porta do armarinho abaixo da pia, na cozinha. Sentada ao silêncio momentâneo de minha casa, me pego relembrando os eventos de tirar o fôlego desta noite. Era tanta coisa, novos fatos, novas considerações e mais desprezo sendo reservado a André.

Mas, de verdade? Estava mais preocupada que nunca. Não seria fácil fingir que eu não sabia de nada.

Os últimos dias poderiam ser definidos em uma bela palavra chamada correria. Trabalho, faculdade, preparativos, uma pequena viagem para ver meus pais (que durou só o feriado da independência), engarrafamento de estrada, cansaço, trabalho, faculdade, milhões de contratempos. Se sentar e respirar tava difícil, imagina sentar e conversar. Tava impossível. Mas lá estava eu hoje, sentada à mesa com Bruno e Sávio.

Detalhe, matando aula.

Aula do professor Paulo, da professora Amália e professor Max, como dizia o itinerário das quintas-feiras.

Foi por acaso. Não pude ir ao estágio porque a geladeira de casa escolheu o melhor momento para pifar. Aconteceu na noite anterior, por sorte percebi a tempo. Nessa manhã tive que correr para ir numa loja e pedir uma, aí a tarde foi de espera pela entrega, instalação e arrumar tudo de volta. Quando dava, terminava uma análise que estava pendente para entregar amanhã.

Pra aula, pedi carona pro Bruno e com ele estava Dani. Ela era outra pilhada, pois logo que ele estacionou na entrada da faculdade, Dani pegou suas coisas e correu para a sala da xérox. Sávio, que estacionava do lado, foi outra vez ignorado, nada muito diferente do esperado. Ele nem tinha tirado o capacete ainda, mas dava pra saber quem era. Quando tirou, que eu descia do carro e, como Bruno, assistia seus movimentos, ele não parecia legal. Nada errado fisicamente, era seu modo de se portar. Parecia chateado e com aquela rejeição, ficara mais abatido.

Bruno logo se aproximou:

– Cara, tá tudo bem?

Sávio não nos olhou, mexeu em algo do painel da moto e desceu. Enquanto puxava a tampa de trás da moto pra tirar seu material, pareceu bem disperso e mais aborrecido por algo. Ele quis nos driblar.

– Tá, tá tudo bem, é só... Não é nada.

Senti que Bruno não queria forçar a barra, então tomei esse papel.

– Nada não te deixaria com essa cara. Precisa de algo?

– Não, tá tudo bem agora. Só não tô muito a fim de pegar aula, tô cansado. Era melhor eu ter ido pra casa. Só não fui porque meu tio ia estranhar e... sei lá, eu...

Assim que puxou sua mochila e a colocou sobre os ombros, eu o parei e o chamei. Ele sempre foi prestativo e cuidadoso comigo, e sabendo o pouco que eu sabia, não conseguiria ir para aula sabendo que ele estava mal daquele jeito. Mas, mais uma vez, ele quis se sair.

– Sávio.

– Tô leg...

– Não, você não tá, ok? O que quer que seja, não precisa nos contar. Só...

Sem saber bem o que dizer, olhei pro Bruno e ele teve uma ideia melhor.

– Olha, a gente pode ir pra algum lugar, conversar. Sem pressão.

Sávio acabou aceitando, até porque acho que se viu sem opção, ele me conhecia o bastante para saber que eu não deixava simplesmente as coisas pra lá. Já havia, no entanto, deixado algumas vezes quando se tratava dele, mas era porque ele sempre se fechava tanto que eu quem ficava sem opções. Ele nos indicou para onde seguir, era perto de sua casa. Lanchamos e só ficamos de papo sobre qualquer coisa, o ânimo dele tava difícil de ser levantado. Algo estava mesmo apertando seu cérebro e parecia ser bem sério.

Quando achei que estávamos evoluindo em algo, Sávio chamou o garçom que atendia uma mesa ao lado e fez sinal para trazer a conta. Algo nele estava diferente e estava complicado não interpretar como algo ruim. Antes que eu ou Bruno nos manifestássemos, ele acrescentou para dar fim a aquele encontro:

– Valeu, gente, mas acho melhor eu ir. Deixa que eu pago.

Acho que Bruno outra vez não quis forçar a barra, mas puxou a carteira também. Num impulso, abri a bolsa junto.

– Não, sério, eu pago. Vocês já perderam aula por mim e...

Ele estava nos dispensando. A chateação continuava ali e nesse meio tempo surgiu uma ansiedade. Sávio não relaxou um minuto, ficava observando ora e outra, discreto, claro, o ambiente, como se estivesse preocupado e durante a conversa, não dizia muita coisa. Eu queria muito respeitar sua vontade, de verdade, mas algo me dizia para insistir. Não falo de pagar a conta, era seu comportamento mesmo. Aquilo me intrigava de um jeito que eu não tinha palavras.

– Tem certeza que já que tem que ir? Você ainda não me parece muito bem.

– Vou ficar. Agradeço a preocupação, de verdade. Dos dois.

Ansioso e nervoso, logo Sávio estava de pé e mal podia esperar pelo garçom aparecer. Nisso, comentei como quem não quer nada, mas querendo muito:

– É algo tão ruim assim?

Minha pergunta o desnorteou momentaneamente, que estava quase para caçar o garçom pelo local. Como ele é alto, suspendia-se nos próprios pés e o olhar vagava impaciente, mas minha questão o interrompeu. Bruno viu que fiz a merda e não tinha mais pra onde. Talvez me matasse depois por essa, pensei àquela hora.

– O que quer dizer?

Engoli a seco e amassei um lábio no outro, procurando uma resposta decente. Bruno, coçando o princípio de sua barba, também ficou sem jeito e não disse nada. Sávio voltou a insistir e, inquieto, levando uma mão à cabeça, ficou mais sério.

– Lena?

Eu ia dizer não sei, não sei, sei lá o que eu quis dizer, eu só... quando Bruno interrompeu e preencheu o silêncio. Irritado, Sávio perdeu um pouco daquela sua compostura. Devia estar num péssimo dia mesmo, pois nunca o vi assim.

– Ela s-sabe, cara.

– Sabe o quê? Sabe o quê, Bruno? Fala, cara!

– Sabe... Sobre as ameaças de André, sobre as... implicâncias da sua... dívida.

Com uma mão apertando a ponte do nariz, Sávio expirou o ar com mais irritação, e de olhos fechados, ficou uns segundinhos assim, parado, porém, de ânimos agitados e um pouco enfurecidos. Eu e minha boca grande! Quando Sávio abriu os olhos, tentou se recompor, tomou umas golfadas de ar e... não tinha jeito, sobrou pro Bruno.

– Porra, Bruno, porra, cara! Não era... não era pra ter falado! Essas coisas... Cara, num acredito. Não se pode falar assim.

– E sobre o quê se pode falar?

Lá fui eu de bonita me meter.

– Lena, isso NÃO é algo que quero você no meio. Nenhum dos dois.

Por essa sua reação, não tinha outra coisa a se imaginar senão...

– Então continua acontecendo? Ele continua tendo poder sobre você?

Negando com a cabeça, Sávio se mostrou um pouco incrédulo por aquela situação. E nem sinal do garçom.

– Olha, aqui não é o melhor lugar para se conversar. Eu vou ficar bem. Vocês já podem ir.

– Você não me respondeu.

Nessa hora Bruno me tocou no braço, preocupado com o rumo que aquilo tava tomando. Isso, no entanto, não me parou. Eu não compreendia como André, aquela coisa, poderia ter tanta influência sobre ele. Principalmente se aquele fdp não fazia nada direito.

– Vou ficar bem, é isso que importa, não é?

– O que é afinal tudo isso? André era só um mané. Como ele pode exercer tanta influência sobre você?

E aí veio a primeira resposta. A primeira de muitas respostas duras que ouviria nesta noite.

– Um mané com muitos maus contatos. Há muita coisa ruim envolvida, só isso que posso dizer. Bruno, será que você pode...?

Sávio fez sinal para que meu amigo me levasse dali.

– Mas, Sáv...

– Por favor, Lena. Não aqui... Ok?

– Então nos diz onde.

– Lena, isso nã...

– Por favor?

Tava deixando-o numa má posição, eu sei, e nem por isso parava.

Apelei.

– Você sempre quis sua chance. Você disse que queria minha confiança de volta.

– Não é assim que funciona, ok?

– Não tenho como te ajudar se você não deixar.

Um pouco nervoso, ele andou pelo espaço entre a nossa mesa e a atrás da lanchonete, a cabeça a mil, uma mão na cintura e outra apertando e puxando os fios de cabelo para cima. Bruno era esse que se encontrava em dúvida, se caía pro meu lado, se caía pro lado de Sávio. Por fim, decidiu:

– Ela tem razão, cara. E você parece que está precisando de ajuda.

Naquele vai e vem, Sávio chegou a dizer:

– Não quero que nada aconteça a vocês.

E eu retruquei:

– Não precisa acontecer.

Ele resistiu outra vez:

– Mas eu não tenho o controle sobre isso e...

Bruno enfim soou mais determinado, pois chamou o outro e isso, de alguma maneira fez a diferença, pois nos deixou em posição mais favorável:

– Sávio... Você precisa confiar em alguém, cara. Em quem mais seria?

Sávio nos olhou, a cada um alternada e demoradamente, e acho que tínhamos não só sua atenção, mais também uma resposta positiva. Uma que demorou a ser dita.

– Apenas sob as minhas condições.

Me mexo minimamente para ver como estava meu tornozelo. Havia escorregado por estar distraída, com tanta coisa povoando minha cabeça novamente. A dor era mínima diante do que sentia de verdade em meu interior. Massageando devagar o local como uma vez o próprio Sávio havia me ensinado, ignorei aquele desconforto. Não me parecia que seria algo que incharia se nem pulsava a ponto de me trazer algum sofrimento grande.

Nem chego a ouvir os passos de meu irmão chegando à cozinha:

– Que você tá fazendo aí estatelada?

Eu tava sentada, só pra constar, não estatelada.

– Caí.

Logo meu maninho está ao meu lado no chão, se certificando:

– Foi o pé? Tá doendo?

– Só o tornozelo, escorreguei de mau jeito.

– Consegue se levantar?

– Acho que sim.

Mas não me levanto e Murilo acha que estou fazendo graça. Não estava.

– E por que continua no chão?

– Tava... pensando na vida.

Mentira.

Já havia parado de tanto mentir que desconfiava que não fazia um bom trabalho em omitir aquela situação. E também tinha mentido para ele quando voltei pra casa mais cedo. Ainda no carro, de carona de volta com Bruno, traçamos álibis para contar as pessoas... Porque, diante do que ouvimos essa noite, era extremamente necessário. Era, de verdade, mentiras para um bem maior: a segurança de todos.

Bruno me deixou em casa por motivos de “eu não estar me sentindo bem e algumas cólicas apontarem” (cólicas menstruais nunca falhavam, era a desculpa perfeita para inúmeras situações) e o Bruno também “teve um chamado importante de alguém da família”, o que o fez perder aula assim como eu. Era caminho seu de volta, então sem problemas de ele ter me deixado em casa. Para o caso, eram desculpas aceitáveis e até inofensivas, além de que não precisavam de muitas evidências.

Às vezes a gente tem que trazer algo de ruim nosso para maquiar o que, ao momento, não competia de ser pronunciado. Quando meu mano chegou, eu estava entrando no banho. Fiquei um bom tempo no banheiro ainda repensando como teria que agir e reagir diante daquilo.

Murilo nota que não estou legal e nem pra muita brincadeira. Logo se senta ao meu lado, driblando as pernas longas para não toparem com as pernas das cadeiras à mesa tão perto da gente. Inspiro meio desanimada à nova pergunta que me lança. Eu devia cumprir um papel e assim o faria. A coisa toda me obrigava a ser a atriz que prometi não mais ser.

Desta maneira, iria levar o foco da questão para outros lados.

– Algo está te preocupando, mana?

– Só pensando a respeito de algo que vovó disse no outro dia, quando visitamos nossos pais. Você não tava nessa hora na mesa.

– O que ela disse?

– Não é bem sobre o que ela disse, mas como disse, sabe? Como se... conhecesse algo a respeito e preferisse não falar.

– Mas a respeito de quê?

– Denise.

Ok, nesse ponto eu não estava sendo totalmente atriz, realmente houve um papo estranho que rolou na casa dos nossos pais no fim de semana de feriado. Estava eu, mamãe e vovó na cozinha (eu acabei levantando cedo porque o vizinho preferiu fazer obra até durante o feriado e a britadeira estava do lado do meu quarto, acabei me arrastando bem cedo para o café da manhã), algum jornal local sendo ouvido pela rádio. Mamãe comentava algum crime das redondezas e aí um foi noticiado pelo jornal. Era semelhante ao de Denise. Pelo menos por aquele que foi pega.

Mamãe acabou entrando no assunto, mostrando-se chocada pelo que soube por papai e por outras pessoas. Nunca imaginaria ela que aquela menina aparentemente doce se tornaria uma criminosa. Vovó disse que de onde menos se imagina é que temos que desconfiar, o que concordo. Como bulas de remédio, que a gente lê as contra-indicações e efeitos prováveis e tememos tomar, o ser humano é desses que, se assistimos muita tv, tendemos a não mais confiar em ninguém. E essa devia ser a lei pós-moderna. Ingenuidade hoje em dia é como qualquer maquiagem, esconde de nós a real face por sua falsa beleza.

– Ela disse algo como “nunca fui muito com a cara dessa menina mesmo”. Aí mamãe ficou toda “dona Marília, ela também é sua neta!” e vovó “e isso a impedia de quê de ser uma pessoa ruim?”. Mamãe, claro, ficou sem muita resposta, e aí vovó levantou as sobrancelhas dela como a gente bem conhece e ficou naquele “quem cala consente, quem cala sabe de algo” e me deixou desconfiada também.

– Acha que... que ela saberia d...?

– Não por exato, mas acho que não a espantaria também. De qualquer modo, prefiro deixá-la na desconfiança a prejudicá-la contando a verdade. Afinal, não se trata só da Denise, mas de nós dois. E um rumo mais de gente.

Murilo assente, balançando a cabeça mais para si mesmo do que para mim.

– O Vini me falou da sua professora no outro dia. Queria eu tê-la visto também.

Ah, sim, professora Judith. Quer dizer, apenas Judith, como me pediu. Fazia anos que ninguém a chamava como professora e assim ela preferia, pois a lembrava de tempos difíceis. Nos encontramos na festa de recepção do casamento do enfermeiro bonito, a prof.... a Judith trabalhou como confeiteira para o buffet contratado. Foi quase ao final da festa que a avistei quando tava cada casal pro seu canto.

Eu havia trombado com um grupinho que estava dançando perto de onde eu namorava com o Vini e por pouco não caí. No meio das risadas, notei a mulher perto da entrada da cozinha e, por estarmos em um ambiente um pouco escuro, quase não a reconheci. Fiquei na dúvida e não sosseguei até confirmar aquela sensação. Era mesmo ela. Estava bem diferente, mas com certeza era ela.

– Por quê?

– Só... sei lá. Tornar mais real, acho.

Mais real do que ter matérias jornalísticas reportando vários crimes de Denise? Mais real que a aquele caderninho da Hello Kitty? Mais real que todo o nosso sofrimento? Prefiro nada dizer, a cabeça do Murilo progredia aos poucos quando se tratava desse assunto.

– Ela me contou um pouco da situação dela, coisas que o Eric não havia me dito. Além de um grupo de pais terem-na pressionado a se demitir, ela disse que sofreu outras acusações. Nada que ela quis entrar em detalhes, mas que a prejudicou bastante. Ela passou um tempo fora e aí decidiu mudar de área, pois passou por uns mal bocados e na área de docente em educação física ela tava “queimada”. Só penso que deve ser bem complicado uma pessoa simplesmente ter que desistir de sua vida, de tudo que batalhou, sua vida profissional e pessoal, porque alguém fez um estrago por fazer. E aí ter que praticamente começar do zero, reinventar-se. Ela até mudou de sobrenome!

– Acho que às vezes a gente esquece as consequências que caem sobre os outros. Como ver uma novela ou jornal. E as coisas não deixam de acontecer.

Observo uma formiguinha passear ao meu lado. Quando chega bem próximo a mim, que me mexo, ela corre. Mas não me detenho a nada disso, pois algo mais martelava na minha cabeça. Algo que eu não podia contar a ninguém. Nem Murilo, Vini, Dani, Flá... Gui, e principalmente Iara. Era uma das condições de Sávio. Fora das transmissões de pensamento de Murilo, me encontrava novamente com a cabeça naquele encontro furtivo e... perigoso.

Primeira condição: sairmos separados da lanchonete. Marcamos um ponto de encontro neutro, em que Sávio saiu primeiro, eu e Bruno seguimos um tempo depois e por outro caminho para a oficina. Não haveria ninguém lá. Segundo: ninguém poderia saber sobre aquilo. Nem sobre o que trataríamos. Tipo ninguém mesmo.

Terceiro: se e somente se alguém comentasse algo a respeito dos assuntos que tocavam a conversa, ou mesmo perguntassem alguma coisa, nos faríamos de desentendidos. Era crucial. Quarto: nada de espiar, perguntar, fuçar, nem nada do tipo com quem quer que fosse. Iríamos ter respostas, deveríamos nos contentar com o que nos seria cedido e pronto. E sem exaltações.

E aí... Aí Sávio revelou o seu real sacrifício.

No silêncio do galpão da oficina de seu tio, ele foi o primeiro a dizer alguma coisa. Já Bruno engatou logo em seguida:

– O que vocês querem saber?

– Cara, por que a gente tá aqui e... Por que todo esse cuidado de vir separados?

– Como eu disse, há outras pessoas envolvidas.

Isso, claro, mudou o clima de preocupação para real aflição. Olhei pro Bruno, que olhou pra mim e vi que dali o papo só ia piorar. Demandei:

– Quem?

Ainda nervoso e ansioso, Sávio se mantinha inquieto, andando pelo espaço do galpão. Ligava luzes estrategicamente para não chamar atenção de quem estivesse de fora, notamos.

– Não sei quem, eu só fazia o serviço, não tinha contato com eles. O André arranjava tudo e depois só me passava os detalhes. Sou só um peão nisso.

Sávio já havia me dito algo por alto sobre isso, só não achei que seria tão sério assim a ponto de parecermos estar num filme investigativo. Bruno deu continuidade ao interrogatório com tal informação.

– O que eram os serviços? Como começou?

Nessa hora foi como desarmar Sávio. Não sei o que houve com ele, só sei que expirou longamente e se sentou numa cadeira de plástico que estava perto de si. Massageando as têmporas, ele começou devagar a relatar o caso. Embora se mostrasse indisposto para falar, ele estava revelando muitas coisas. Eram mais peças daquele quebra-cabeça que achei ter finalizado. Ledo engano.

– No inicio eram coisas idiotas e pequenas, como fazer algumas atividades da faculdade. Acho que ele tava... me testando ou algo do tipo. Lembra da primeira semana de aula, que ele teve um desentendimento com a professora em sala e ela passou um trabalho? Eu que fiz, ele quem decorou.

Eu sabia que aquele trabalho tava muito perfertinho!

– Fiz inúmeros desses trabalhos. Às vezes de madrugada. Eu tinha que me virar, porque além das minhas atividades, tinha as dele e não poderiam ficar iguais. Varei noites, matei trabalho, fazia o que podia, não importava o cansaço.

Sávio foi mais excelente ator que eu, pois, apesar de encontrá-lo online em muitas madrugadas, nunca dediquei um olhar mais sobre seus cansaços excessivos. Ok, às vezes ficava na cara, outras, confesso, devo ter deixado passar batido. O que era aceitável, pois também estávamos nos conhecendo e falem o que falem, não éramos íntimos assim.

De qualquer maneira, André era um fdp de marca maior.

– Ele te ameaçava a tal ponto?

Sávio me olhou por uns segundos, como se não quisesse me dar aquela confirmação; logo desviou. Aquilo não era novidade para mim e ainda sim me parecia pesado. Isso porque ele disse que eram coisas pequenas e idiotas.

Eu e Bruno nos aproximamos mais dele para ouvir, ambos de braços cruzados tentando assimilar os absurdos.

– Estávamos no começo do processo judicial, era isso ou eu ficava sem defesa. Achei que estava fazendo muito, mas depois foi piorando. Dos trabalhos passei a ter que buscá-lo em lugares a qualquer hora, limpar suas bagunças e servir de seu segurança. Ficava eu e mais dois outros, nomes que não posso dizer.

Outros em dívida, presumi, engolindo a seco.

– Um tempo depois começou a ficar mais exigente. Ai ele passou a ameaçar meus amigos. Todos vocês. Você principalmente, Lena, porque ele não só tinha raiva de por causa do raio daquela aposta idiota, como percebia que isso era um ponto fraco pra mim. Eu sempre te perguntava se ele te fazia algo diretamente porque me preocupava de ele ter cumprido alguma ameaça. Ele era... Era um pouco imprevisível nisso.

Abaixei a cabeça nesse momento tendo os flashes de memória de Sávio de fato de vez em sempre questionar se André havia feito algo. Eu só nunca poderia imaginar que era por alto tão... tão grande assim. Funguei e tentei disfarçar o quanto me sentia mal por saber daquilo, mas sei que os dois ali já tinham sacado como isso me afetava.

O tempo todo Sávio estava me protegendo e nos protegia calado. Como diz alguma velha filosofia por aí, o sacrifício é aquela renúncia que ninguém vê ou ninguém quer de fato crer que é real. Tão próxima dessa realidade, tento engolir o sentimento ruim e seguir com o tal interrogatório da vez. Bruno mais uma vez tomou voz, tão apreensivo quanto eu.

– O que André tinha contra o Gui?

– Essa eu não sei bem. Parece que eles tiveram uma discussão feia no estágio e o André tava furioso, planejando pegá-lo a qualquer hora. Foi aí que aceitei um trabalho novo e mais complicado. Era isso ou o Gui apareceria espancado por aí. O André... É, ele se aproveitava da situação.

Aproveitar era pouco, ele era um baita de um canalha! Um bastardo!

– E você fazia tudo?

– Quase tudo. Teve um trabalho que me neguei a fazer e... tive que pagar por isso.

Nisso Sávio me olhou. Não gostei nadinha de sua expressão sofrida. Parecia sofrer mais em nos dizer do que os próprios machucados que teve por aquela situação.

– Lembra daquele assalto perto da faculdade? Foi apenas uma simulação. Os caras estavam ali só pra me pegar mesmo.

Não. Não. Não.

Não queria acreditar ser possível.

– Lembra que às vezes eu aparecia um pouco quebrado e acusava ser a escada assassina? Eu já tava quebrado antes. Ou por me negar, desobedecer ou... errar no serviço.

Nessa hora fechei os olhos como se pudesse sentir sua dor. Era por certo um soco, que Bruno também sentia. Era... revoltante! Ultrajante! Raiva, ódio e furor se misturavam na compaixão, arrependimento e dor por aquele que era o melhor amigo de todos, que não merecia que ninguém lhe desse as costas. As lágrimas que eu segurava teimavam em escorregar pelo meu rosto e eu lutava para não me entregar aquele choro. Bruno também não estava muito diferente, abalado pelo que ouvíamos. Logo ele passou um braço por meus ombros e eu o apertei comigo dividindo aquele sentimento.

Sávio havia feito tanto! Meu Deus, apanhara! Apanhara sabe-se lá quantas vezes e por motivos idiotas. Sofria calado, aguentava como podia. E eu e os outros em nossas ignorâncias interpretando tudo errado. Eu poderia dizer que conhecia bem a sensação, mas, de verdade, eu conhecia? Diante daquilo tudo, não tinha mais certeza. Como pôde ele suportar tudo isso? Céus! Como consertar esse mundo?!

– Ele tinha o poder para isso. Ou eu... pagava pelo meu erro ou... outra pessoa pagava por mim. E uma vez apanharam.

A indignação remexeu em Bruno, quase pude sentir reverberar de seu corpo. Ele passava a mão pelo rosto, pelos cabelos, pelo pescoço. Se pudesse, enforcaria o maldito do André. Haveria força suficiente em suas mãos que, eu via, tremia de puro ódio.

– Cara! Putz, isso é muito sério. MUITO... Caramba. Pu-ta-que-pa-riu. Tipo, caso de polícia mesmo. Você tem que denunciar essas coisas.

– Acha que não pensei nisso? Mas quando vi, já estava muito mais metido do que queria. Sou peixe pequeno, não havia o que fazer senão levar como podia.

Buscando me recuperar, intervi para manter as coisas na calma. Não poderíamos nos deixar levar por nossos impulsos, não quando a porra era tão séria como se apresentava.

– Mas você não tinha me dito uma vez que tinha se livrado?

– Pois é, pensei que sim, ao final do processo que foi arquivado... Mas me enganei. Por um tempo as coisas ficaram sossegadas, e agora...

Agora ele voltou. André voltou e trouxe aqueles velhos fantasmas de novo.

Reunindo forças de não fazer um estrago, Bruno fez uma nova pergunta:

– Pelo quê ele voltou?

– Um documento que ele me pediu pra guardar faz tempo. Ele queria de volta.

– O que tinha no documento?

– Não sei, tava lacrado. Ele saberia se eu tivesse mexido. E se tivesse... Olha, o que sei é que ele faz uns... serviços... para alguns figurões que trabalham com a família dele. Não sei nomes ou referências. André nunca falava nada sobre isso, ele já chegava com o esquema armado. O que eu descobri durante esse tempo foi conversando com o advogado dele, que virou meu amigo. Ele também tinha algo que o prendia a André e às vezes a coisa simplesmente apertava. Mas nesse meio é isso, quanto menos se souber, é até melhor. Hoje recebi novas instruções e era isso que me pegava mais cedo.

Quando você acha que não podia piorar... Meu medo falou mais alto:

– Quer dizer que vai começar tudo de novo?

– A mensagem dizia ser um último trabalho, até porque o André não tá mais atuando por aqui na cidade. Mas também não me apego a isso porque vindo dele, nada é confiável.

Bruno também sentiu a pressão. Sávio, por outro lado, tentava dispersar a sua. Ele levantou e andou pelo espaço ao nosso redor.

– Tem algo que possamos fazer?

– Vocês já estão fazendo muito. Eu nem posso ficar contando essas coisas e...

Não sei o que me deu, apenas me soltei de Bruno, corri nossas distâncias e passei meus braços pelo dorso de Sávio, sem me importar com o que pareceria, com o que eu devia fazer ou havia prometido não mais fazer. Abracei apertado mesmo com ele de costas para mim e sei que ele também se desarmou.

Quando funguei, ele se forçou a responder algo. Com carinho, Sávio tentou retirar meus braços de si e eu resisti. Resisti porque então entendia suas atitudes. Mais que isso, compreendia alguns de seus sentidos dúbios que deixava ao ar, preenchia as lacunas das respostas que ele preferia não dizer e... é isso, o mundo fazia sentido novamente. Até aquele beijo fazia sentido. Não fora só um momento de fraqueza ou insegurança. Foi de desesperança também. E agora ele está sendo arrastado pra isso de novo.

– Lena... Por favor, não faz isso ser mais complicado.

– Eu te perdoo. De verdade. Eu te perdoo, Sávio.

Ele chorou. Quis disfarçar, mas sei que chorou. O Bruno também se encontrava muito mexido e por um tempo, ninguém falou muito. No breve tempo mais que ficamos, discutimos algumas coisas que faziam de nós um alvo de André, como a Dani por ter apenas olhado enviesado para ele, ou a Flávia, por ele ter achado que ela teria o delatado para o departamento uma vez. O Bruno por ter supostamente arranhado o carro do desgraçado no estacionamento. A maioria por coisas bobas.

– Acho melhor vocês irem.

Murilo mais uma vez acha que estou com a cabeça em Denise. Meu íntimo concorda em fazê-lo acreditar que sim, mesmo com todo esse pesar que no momento carrego.

– Mas ela está bem agora, não está?

– Ela quem?!

– A tal professora. A Judith.

– Ah. Sim, está. Felizmente ela conseguiu seguir em frente e agora tem uma explicação. Eric cuidou bem disso. Espero que um dia Kevin também responda... Ou ao menos reaja. A qualquer momento também pode significar nunca, né?

– Nesse sentido, acho que sim. Mas não vamos desanimar, certo? Também estamos fazendo nosso melhor e isso que importa. Além disso, tô com fome e não dá pra te deixar aqui estirada enquanto como e... Hum.

Murilo faz que avalia meu pé e meu estado, com aquela sobrancelha sua de desconfiado.

– Hum o quê?

– Só verificando se você não quer me tapear para não esquentar o jantar.

– Aff, Mu. Deixa que esquento, seu chato.

Me levanto com cuidado e alongo um pouco a articulação do pé para melhorar o desconforto. Acho que meu irmão vê que é sério e me pausa antes que eu faça qualquer coisa naquela cozinha:

– Não. Não precisa, sério. Deixa que eu dou um jeito nas coisas aqui e... levo um gelo pra você. Vai pro sofá, vai. Te chamo. Acha que consegue chegar lá?

Ando devagar para testar meus limites com o pé. Dói um pouco, por isso começo a andar de um jeito estranho, me adaptando ao movimento que podia fazer. Deixo-o mexendo no congelador atrás de gelo e aproveito para provocar um pouquinho, já que ele também lutava para melhorar meu humor.

– Acho que sim. Valeu, Mumuzinho.

– Hey! O que eu falei sobre esse apelido, hein?

Apenas que algumas coisas são mais difíceis de abdicar, rio comigo mesma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

WOOOOOOOOOOOOOW
WOOOOOOOOOOOW
WOOOOOOOOW
WOOOOOOOW
WOOOOOW
WOOOOW
WOOOW
WOOW
WOW

Então o team-sou-maluca-de-concordar-com-a-Milena tava do lado certo (?) >.
E aí, como vcs acham que fica?

Bjos,

A.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio - Finale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.