Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 60
Capítulo 59


Notas iniciais do capítulo

Ok, sem exaltações... Tempos melhores estão para vir ;D



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Como um professor meu havia faltado, acabei pegando carona de volta com Bruno. O que foi bem melhor, porque aí facilitava para o Vinícius, que insistia em me buscar, mesmo quando tava ocupado. Ele deu sorte de sua faculdade começar as aulas só na outra semana, então tinha mais uns dias de folga. Hoje ele passou o dia numa preguiça só, em casa, tomando conta de Djane.

Nesse fim de semana tivemos que bater a real pra ela sobre o andou acontecendo no departamento e como resolveram a bagunça. Também já devolvemos seu celular, com a promessa de ela não ficar alugando ninguém da faculdade, principalmente sua secretária. Se tivéssemos qualquer reclamação por parte de Glorinha, aquele celular iria desaparecer de novo. Então, sim, ela meio que tava zangada com a gente mais uma vez, mesmo que não mais encarcerada. Seu carro também foi devolvido.

A segurança também foi avisada de que se ela fosse vista aos arredores, ou tentando entrar na instituição, podiam detê-la. Fabiano disse que ele mesmo confiscaria o carro dela, se preciso.

Sua recuperação estava indo bem, febre praticamente Djane não tinha mais, já a tosse a deixou um pouco rouca, assim era melhor que não forçasse sua voz, mesmo para dar aulas, que foi seu plano de voltar. A mulher insistia a qualquer custo! Tava se saindo uma bela duma workaholic. Vinícius disse que ia apresentar ela à preguiça, e que preguiça era uma coisa boa de vez em quando.

Ele mandou também uma mensagem mais cedo avisando que iria visitar o avô, pra que Djane não ficasse resmungando pela casa que não aguentava mais a Tv. Nos falamos pouco por todo o dia, ele só apareceria bem mais tarde, prometeu dar uma passada. Então foi uma surpresa para Murilo me ouvir chegar cedo e sem ele.

Meu mano tinha uma carinha... Tava sentado – leia-se jogado – no sofá e não prestava atenção à Tv. Quando entrei e deixei a chave na cômoda ali perto, ele se virou pra me olhar rapidinho e voltou-se à antiga posição. Dei uma checada na Tv, mas tava na propaganda.

– Que foi, tá com saudades da novela?

Aquela novela das 9h com o ator que eu babava de vez em quando acabou na semana passada. Consegui ao menos ver a reprise no sábado do final. Descobri mais atores pra admirar, mas já era tarde pra acompanhar, não haveria mais capítulos. Esperava que Alexandra, a mulher que me contou sobre a história numa correria na hora de seu parto, tivesse gostado. Se a encontrar no casamento e ficar sem assunto, puxo esse.

Aí que um Murilo sem vontade alguma e quieto demais bate no lugar ao seu lado no sofá.

– Mi, senta um pouco aqui.

– Dá pra esperar eu tomar um banho e trocar de roupa?

O dia foi bem quente e eu tava empacotada porque o passava o dia entrando e saindo de lugares com ar-condicionado. Apesar de ser bom pelo ar-condicionado, era ruim pela questão de muitas mudanças de temperatura e isso era dar espaço pra gripes. Se bem que eu tava entupida de vitaminas, então pegar resfriado ou gripe, acho que não pego. Tava bem preparada para a temporada de chuva que viria esse semestre.

Murilo só remexe num adorno folheado na almofada do sofá, cabisbaixo e tenta encontrar as palavras sem falar nada muito claro. Estranho logo.

– Hãaa... É que eu queria ter um papo e é um pouco complicado.

– Você tá legal?

Murilo assente devagar, ainda cabisbaixo.

– Tô, tô. Não é nada comigo. Quer dizer, não diretamente. A vovó ligou.

Sento ao seu lado, tirando a bolsa e a atirando na mesinha da sala. Vovó ligar era normal, qualquer um da nossa família na realidade era bem normal. Ligarmos para eles também. Mas a carinha do meu irmão entregava que havia algo que não era normal.

– Aconteceu alguma coisa?

– Ela ligou pra nos convidar pro lançamento do livro dela. Ainda não tá marcado com exatidão, se pra outubro, se pra novembro, mas vai rolar uma leitura de textos no mês que vem num evento do jornal, e ela quer muito que a gente vá.

– Que máximo! Claro que a gente vai! Nem que eu tenha prova.

– É, a gente vai. Ela tá bem animada com isso.

– E por que você não?

– Eu? Ah, bom, é que a coisa complicada veio depois. Papai pegou o telefone e se distanciou da nossa família, disse que queria me perguntar algo.

– O que era?

Murilo suspira, tomando um novo fôlego. Meu mano tava desconfortável e inquieto, sem me olhar diretamente. Eu, por outro lado, permanecia estudando-o a fim de adivinhar do que se tratava. O que teria papai falado para deixar meu irmão desse jeito? O que teria esse... poder?

Com uma suposta e suspeita calma, Murilo revela:

– Ele disse: “filho, você alguma vez notou algo estranho com a sua prima, a Denise”?

Se eu estivesse bebendo algo, pode ter certeza que eu cuspiria. Se tivesse comendo, eu engasgaria. Mas eu só prendo o ar, ou perco momentaneamente ele. Era como se a Terra tivesse parado de rodar e pausado ao tempo de uma ou duas piscadas.

Papai...?

Abro e fecho a boca como um peixe, de repente muito desnorteada quanto a processar a informação. Eu via a sala, mas, ao mesmo tempo, era como se eu não tivesse lá. Murilo me traz de volta à realidade por me tocar na perna e esclarecer.

– Ele não sabe de nada, Mi, não sobre aquilo. Depois vi que era um daqueles truques de papai, que ele só joga uma pergunta pra entrar no assunto.

Praticamente respiramos juntos de alívio. Posso imaginar que ele teve uma parada cardíaca dessas, e ainda teve que se controlar com papai no telefone. Céus, essa deve ter sido bem difícil.

– Eu gelei na hora também! Papai ficou me chamando no telefone e eu quase não conseguia falar!

– Mas...? Mas qual era o assunto então?

Murilo baixou a vista novamente, dessa vez para sua mão na minha perna, que tão logo eu alcanço a sua e agarro, a fim de arrancar a informação de uma vez. Ele mesmo parecia incrédulo e parecia não ter força para colocar para fora. Com muito custo, ele só balança a cabeça e leva uma mão ao rosto.

Quer dizer que podia ser pior?

Incentivo-o puxando pela mão devagar.

– Mu...?

E num sussurro...

– A Denise foi presa.

– PRESA?!

Não que me admire a capacidade dela, só... bom, é um choque de qualquer forma. E essa entrada de assunto de Murilo também não tava ajudando. Mais uma vez é preciso que eu o puxe para demandar mais. Assim, ele explica:

– Um cliente das antigas lá da loja de papai viu a notícia na internet e como conhece nosso tio, reconheceu pelo nome. Aí comentou a história com ele. Papai disse que já ligou várias vezes pro nosso tio, mas ele não atende e nem liga de volta. Papai não quis comentar com ninguém lá de casa, então... aproveitou a ligação de vovó.

Eu ainda possuo muitas perguntas. A que consigo fazer é:

– Mas... presa pelo quê?

– Fraude e umas coisas mais, papai não deu detalhes e eu... eu não entrei na internet pra ver a matéria...

Pelo menos ela foi pega por algo, penso e retiro minha mão que, embora a notícia fizesse meu coração bater e parar, bater e parar, minha mão por outro lado não estava suada como comumente acontecia, tampouco treme.

Eu não me sinto nervosa, é isso. Ansiosa talvez? Surpresa? Não sei bem, mas interpreto isso como algo bom, pois, depois de muito tempo eu conseguia respirar. Não tão compassado como deveria, mas respiro e bem. Quase posso sorrir.

Quase posso comemorar.

– ... Só sei que foi pega em flagrante.

Entrelaço minhas mãos e as estudo mais um pouquinho, mesmo atenta ao que meu mano falava.

– Tem certeza que ele não sabe de nada... sobre aquilo?

– Tenho. Conheço papai. Quando ele entra no assunto, ele fala logo tudo a respeito, você sabe. E sobre isso... ele não mencionou. Mas foi bem tenso, sabe? Fiquei esperando o momento que ele falaria e foi aterrorizador.

Esqueço de mim e me volto para meu irmão, quem não parece nada bem, mesmo de saber que a outra tenha sido pega. Passo o braço pelos ombros dele e o puxo para junto de mim. A presença vaga de Denise entre nós era algo que mexia demais com ele, deixava-o impotente demais. Eu compreendia a sensação.

– Ah, Mu.

– Eu quis tanto ter força pra falar com ele e não tive. Não tive coragem.

Murilo permanece cabisbaixo e não o quero assim. Seguro seu rosto enquanto ele balançava negativamente sobre essa ligação e fiz que parasse. Com carinho e calma, começo minha intervenção.

– Mano, não se force.

– Mas Mi, eu tive a oportunidade e não consegui.

– Não tínhamos combinado de que eu falaria?

Numa mistura de frustação e raiva, pena de si e insegurança, Murilo ainda tenta me proteger disso. O que ele não percebia era que eu me sentia melhor e estava de cabeça erguida para lidar com aquilo. Muito menos que não era algo que apenas se fala por telefone assim de supetão, sem preparação alguma. Era muito para descarregar de uma vez só. Isso exigia uma calma tremenda, isso sim.

Uma calma que ele, infelizmente, ainda não possuía.

– Sim, eu sei, é só que... Ainda não queria ter que deixar isso na tua mão. Você já passou por tanto, mana. Só que eu também não consigo.

Faço carinho em sua cabeça, abraçando-o um pouco, consolando-o.

– Porque você não tá preparado, é isso.

– E você?

– Eu dou meu jeito.

Murilo se desvencilha de mim, como se isso fosse algo inaceitável. Bom, de certa forma era, pelo menos do jeito que eu falara. Não havia medido as palavras, assim elas saíram com outra interpretação. Então esclareço, vendo tudo claro como nunca.

– Não quero que dê um jeito, Mi.

– Não é isso que quero dizer, não é dar um jeito por simples dar um jeito, tá? Quis dizer que estou preparada para um passo desses. Como você disse, já passei por muito, tá mais que na hora de eu desgarrar disso. Fiquei muito tempo calada, agora eu quero falar, porque isso me ajuda demais. Me faz me sentir muito melhor.

– Devia ser responsabilidade minha.

Passo a mão por seu rosto e queria que estivéssemos na mesma página emocional, ou senão, próximo, para que ele pudesse ver o que vejo, entender o que hoje eu entendo. Não valia ele se remoer daquele jeito

– Ah, Mu, não vamos entrar nessa de novo.

– Eu gostaria de fazer algo a respeito, só isso, e não tenho ideia do que possa ser.

Meu mano estava ainda muito ligado àquilo, a responsabilidades e machucados. Temo por um segundo o que ele poderia calhar de fazer, se fosse seguir esses péssimos guias e ele desse um de imprudente de novo.

– Você não tá pensando em...?

– Em quê?

– Em já ligar pra papai, está?

– Não sei, por que pergunta?

– Porque você não tá bem ainda pra isso. E a gente combinou que seria só quando você estivesse se sentindo melhor.

Quem dessa vez fala por ele não é a frustração, é o rancor. Murilo fala tão sério de repente que temo mais uma vez que ele tome uma decisão precipitada. Ele não merecia isso.

– Eu não me vejo me sentindo melhor com isso, Mi, sinceramente.

– Ai, Murilo, eu não quis dizer se sentir melhor desse jeito. Mas, entende, estar pronto. Pronto para esse passo. Não é preciso pressa. Não é preciso ser agora só porque estourou isso aí da Denise.

– Mas seria um bom gancho, Mi.

– Seria, mano. Seria, se você estivesse mais tranquilo. E claramente não está. Não quero que force a barra, ok? Eu espero, não tem problema.

Cansado, ele só se soca ao encosto do sofá e fica ali, pensando longe. Não saio de perto dele. Na verdade, me junto a ele e deito em seu ombro. Ele me recebe passando o braço por trás de mim e me puxando para que eu ficasse bem aninhada a ele. Queria eu poder demonstrar que eu estava bem com aquilo, e que de fato eu o esperaria, não importasse o tempo.

Uns minutos depois, ele volta a falar. Quando faz sua pergunta, felizmente não é mais o rancor que o domina. Pelo menos não totalmente. É a frustração de novo.

– Como eu me livro disso, Mi, como? Eu quero estraçalhar essa garota.

– Acho que... quando você sentir que pode ser melhor que ela. Porque nos deixar no chão e pisoteados era o que ela mais queria e ainda consegue. É terrível, eu sei, mas é preciso que a gente se reergua, mano. Quando você tiver mais confiante, a gente vai em frente junto.

Murilo balança a cabeça, assentindo e suspirando, como se pedisse que fosse ele o próximo a se sentir assim. Eu ansiava tanto quanto ele, mas compreendia que não seria de uma hora para outra. Havia muitas amarras para Murilo deixar ao chão antes de poder seguir seu caminho.

– Quando você se sentiu assim?

– Logo que eu vi que se eu continuasse com o segredo, eu só iria descer, não subir. Que eu poderia ser mais que o que ela deixou pra trás. Não queria mais ser uma sobrevivente, mas sim um ser vivente. É a melhor forma de não deixar que ela nos pisoteie de novo. Nós ganhamos quando não a deixamos nos ganhar.

– Fico feliz que esteja assim.

E eu sei que ele estava feliz por mim mesmo.

– Fico feliz que você não tenha quebrado outro vaso.

– Eu não quebraria... não por isso.

– Mas a questão é essa também, mano. Você, em muitas vezes, recorreu à violência. Esse é um ponto fraco a se vencer. Se eu pudesse, também a estraçalhava. Mas eu seria tão baixa quanto ela, estaria seguindo o caminho fácil. Talvez seja essa a sua maior prova.

Murilo parecesse parar um segundo para realmente considerar isso.

– Você acha?

– Você não?

– Na verdade, sim. Temia que fosse isso. Acho que sempre soube. Eu só...

– Não estava preparado para aceitar.

– Isso mesmo.

Ele assente com um muxoxo, mais resoluto e resignado. Fico feliz por isso se tornar mais claro para ele, e, principalmente, por não só considerar minha opinião, mas me ouvir e ambos discutirmos qual o melhor para nós. Eram, então, novos tempos.

Tempos melhores.

– Não se preocupe, alguma hora haverá um clic. E quando tiver, estaremos juntos. Faremos juntos.

– Obrigado, Lena.

Murilo bagunça de leve meu cabelo e eu sorrio por sentir que definitivamente essa seria uma nova fase para os Lins. Uma fase em que deixaríamos as armas ao chão, não iríamos mais nos ferir, era nossa promessa. De aceitarmos ser essas criaturas malucas que se amam, que cuidam um do outro e, é, piram de vez em quando pra quebrar a monotonia. Milena não desistia de Murilo, Murilo não desistia de Milena.

– Você foi meu clic, Mu. Eu quem tenho a agradecer... Mas se roubar meu bolinho de tapioca no café da manhã de novo, tu vai ver só o que vou fazer.

Murilo finalmente abre aquele sorriso idiota do tapado que é e que amo.

– Prometo me segurar. Palavra de escoteiro.

Me desvencilho dele e faço que vou levantar. Ainda havia muito a se fazer antes de dormir e eu nem tinha tomado banho. Ó coragem que me falta quando me ponho de pé e sinto que vou me arrastar o resto da noite. Mas feliz por muita coisa. Minha mente me reafirma que essa era a hora para nosso descanso, nossos lucros, então não haveria cansaço esse que me derrubaria fácil. Teria forças sim pra zoar meu mano num meio tempo.

– E tu lá foi escoteiro, criatura?

– Eu fui. Por um mês só, nos ensaios de uma peça na escola.

– Esse tipo de coisa ninguém me conta.

Resmungo como mamãe. Já ele...

– Imagine o que não teria feito com as evidências. Tive que esperar você virar uma pessoa decente pra te contar!

– Nem vou te responder, Murilo. Depois dessa eu me retiro.

Logo que fecho a porta do meu quarto, ouço seu berro:

– SABE QUE NÃO FALEI POR MAL, NÉ?

– SEI, CRIATURA, SEI. MAS VOU PROCURAR ESSAS EVIDÊNCIAS DO MESMO JEITO, ME AGUARDE.

Eu sabia que era amor.

~;~

Uma das mais belas coisas em um relacionamento é o companheirismo. É essa busca pelo outro te ouvir, estar lá, nem que seja para falar incoerências ou fazer-nos sentir melhor. Um tapinha nos ombros e um carinho pode ser tudo que a pessoa precise no momento. Quando Vinícius apareceu na minha porta, embora um pouco tarde da noite, vi que ele precisava de um abraço forte e um momento de silêncio. Mesmo que eu tivesse ainda um pouco chocada pela notícia sobre Denise, já não sentia que isso era algo sob minha pele. Mas em Vinícius... algo estava se remexendo dentro dele e eu esperava seu momento para “vomitar”.

Murilo já havia se retirado para dormir, nem viu qualquer movimento nosso. Se ouviu, não foi até a sala ou cozinha, onde consegui fazer o Vini sentar e conversar comigo. Fazia parte de nosso “acordo” ser abertos às coisas boas e ruins. Fiz um pouco de chocolate quente para nós e esperei.

Estava eu de costas, colocando a louça suja na pia para o outro dia e passando uma água só para evitar bichos pela madrugada, quando ele decidiu falar.

– Tenho algo pra te contar.

– É bom ou ruim?

– É bom. E ruim também.

Deixo as coisas na pia e enxugo a mão em um pano de prato enquanto me sento diante dele, que permanece quieto e olhando para o fundo de sua xícara de chocolate. Ele não aparentava de todo perturbado, embora um pouco incomodado e perdido. Eu podia apostar que se tratava de seu pai.

Toco na sua mão e logo que Vini levanta o olhar para mim, eu declaro:

– Também tenho algo. Que é bom e ruim ao mesmo tempo. Mas não é pra agora.

Vinícius compreende e não estica história. Se não era pra agora, não era mesmo, ele confia no que digo, só assente. Faço um carinho em sua mão e sondo-o um pouco como forma de instigá-lo a dizer o que tanto mexia consigo.

– Meu avô vai se aposentar...

Era o que muitos de nós imaginávamos que aconteceria mais cedo ou mais tarde. Seu Júlio até andava fazendo “turnos” em casa mesmo. Ele já não tinha a disposição de sempre. Parou de viajar a negócios também.

– Vai continuar a trabalhar, mas vai ter que dar uma diminuída. Ficará trabalhando em casa mesmo. Foram praticamente ordens médicas.

Ordens médicas?

– A pressão dele atacou de novo?

– Não exatamente, foi mais por cansaço. O caso é que ele vai ficar mais em casa e a casa é... grande. Aí pensei que ele me convidaria para morar com ele depois de um papo que tivemos sobre eu querer sair de casa.

Sair de casa? Essa me pega mais de surpresa ainda.

– Você pretende sair de casa?!

– Sim, Mi... Lembra que...?

Vinícius faz que vai me perguntar algo e alguma coisa o arrebata no processo, de modo que ele abre a boca e logo torna a fechar, com um sorrisinho sem graça.

– É, tem boas chances de você não lembrar dessa nossa conversa em específico, devido ao seu grande estado de sonolência à hora.

Legal, agora meu cérebro não estava “salvando” conversas importantes.

– Que conversa?

Vinícius me testa, duvidoso por eu não lembrar. E não sei dessa história mesmo.

– Você realmente não lembra?

– Sobre sair de casa? Não. É novidade pra mim.

– Não, não... Não era bem sobre isso. Era sobre Renato.

Renato? Que tem um a ver com o outro e essa história...?

Eu tava muito sonolenta? Só se foi no dia que...

– Quando foi isso? Naquele domingo na casa do seu avô?

– Não, foi um dia no meio da semana, um pouco antes, na sua casa. Um desses dias que você tava cansada pelo evento na faculdade.

Eu tinha que parar de conversar com as pessoas enquanto meu estado não fosse o de pessoa estável e consciente. Melhor, as pessoas que deviam parar de conversar comigo nesse estado.

Vendo que não tinha qualquer vaga lembrança sobre isso, Vini constata, novamente cabisbaixo.

– Você não lembra mesmo.

– Te chateia eu não lembrar?

– Não por exato. É só que... você me disse uma coisa...

Ai, meu Deus, o que foi que eu disse?

– Sobre eu ser inseguro.

Então Vini me relata, que ele havia ficado muito chateado com o rolo de briga entre Djane e Renato, e este tomou atitude de ir esclarecer com ele, pois estava claro que Vini se mostrava resistente quanto a sua presença e não tinha gostado da maneira que o outro havia lidado com sua mãe. Nisso, sentaram os dois para conversar enquanto Djane descansava, já em casa após a descoberta da pneumonia.

Esse papo mexeu muito com Vini, porque nele Renato revelou algumas coisas sobre as quais ele se mostrava preocupado em relação à Djane. Como, por exemplo, o fato de ela não querer falar sobre sua quase obsessão por trabalho e que ele sentia que havia um fundo nessa questão que Djane escondia de todos.

O que era bem verdade, ela acabou me contando muito depois. Acontece que Renato desconfia desse algo mais e Djane não quer contar, então ele resolveu investigar mais sobre o caso, e tem uma teoria sobre o diretor estar envolvido nisso. Porque ele é o melhor amigo de Djane e é a ele quem ela costuma recorrer.

Acho que uma vaga lembrança sobre esses pensamentos me veio, mas nada muito concreto sobre essa conversa. Na verdade, foi em um papo com Murilo que calhou de eu estar presente e “dormindo”. Por balbucios praticamente que eu cheguei a responder ao Vini.

De qualquer forma, a questão sobre sair está relacionada ao fato de que Vinícius ainda não se sente confortável em ter Renato dentro de casa, mesmo que queira a felicidade de sua mãe. A noite em que Renato passou lá foi o que o alarmou mais, e preocupado sobre o que eu havia dito sobre ser uma questão do casal e não dele pra se meter, Vinícius tem pensado em sair de casa. Isso e outras coisinhas mais.

– Era pra ser temporário, Lena, lembra? Fiquei na minha antiga casa, me acomodei. Fugi de Filipe e abracei uma nova relação com minha mãe. Mas eu ainda tenho umas dúvidas de vez em quando e essas dúvidas ficaram mais fortes quando teve aquele lance com Renato passar a noite lá. Quando conversei direto com ele, isso ficou mais claro.

– Mas, Vini, vai deixar sua mãe? Aquela casa também é grande.

– Ainda não decidi, mas não deixo de pensar nisso.

Essa me parece a surpresa-mor, pois eu não tinha noção disso. Tudo bem que ele tenha guardado para si esse tempo, no entanto, não quero que ele tome uma decisão sem antes pensar em soluções alternativas para esses seus incômodos. Embora seja um ditado conhecido (“o incomodado que retire”), não acho que se aplique nesse caso. Isso é sério demais.

Além disso, há um algo mais nessa história. Vinícius se mostra bem conformado com essas partes que me atualiza, o que fica claro que não foram essas questões que o desnortearam pra começo de conversa. É algo relacionado ao avô, acho. E não consigo imaginar o que possa ser.

– Então você pensa mudar para a casa do seu avô?

– Não, não a casa do meu avô... Quer dizer, eu não tenho algum lugar em mente. Mas imaginei que ele me convidaria a ficar lá agora que vai ficar mais em casa e não quer ficar sozinho. E eu já tinha conversado com ele um pouco antes sobre isso. Que quero dar privacidade a minha mãe, e tenho outros planos. Era mesmo pra ser temporário, Lena.

Ele torna a bater nessa tecla, atravessando o espaço da mesa com o braço e me alcançando para tocar na minha mão, como que pra me convencer e ainda não saquei esse rolo por todo. Eu não sabia o que pensar, essa era a verdade.

– Então ele não te convidou? Se ele não quer ficar sozinho...

– Filipe vai se mudar para lá. Com Iara.

Era essa a preocupação dele?

Vinícius quer fugir da família inteira?

– Vini...

– E o Filipe pensa em me deixar o apartamento.

Ok, agora parece mesmo too much para uma cabeça só. Até pra minha.

Giro meu celular a fim de ver que horas são e descubro ser bem mais tarde do que eu imaginava.

– Vini...

– Eu não queria te sobrecarregar, Mi. Eu sei que não é hora, talvez não o lugar, mas eu tô muito confuso agora. E eu só queria ficar aqui um pouco mais e não ficar achando isso e aquilo. Quero um descanso até dos meus pensamentos e não quero passar a noite sozinho. Posso ficar aqui hoje?

– Claro que pode, não poderia te deixar sair desse jeito. Mas e o seu trabalho amanhã? Quer dizer, essa manhã?

– Mudei de turno. Mas isso eu conto depois, você deve estar cansada.

Ia dar 1h30 da manhã, eu tinha que acordar cedo pra estudar, mas nada me importa quando vejo a carinha de Vinícius e o quanto essa enxurrada de coisas o abalava, por mais que ele se firmasse pra aguentar o tranco. Não digo nada mais, só me levanto e vou em sua direção, ele também se põe de pé e o abraço, abraço forte.

A verdade maior, vejo e senti pela tensão que emanou por toda a noite, é que os dois homens da minha vida agora precisavam de mim mais do que nunca. E a verdade que me mantinha de pé, paciente e sensata – ou ao menos assim desejava – era a de que finalmente me encontro forte o suficiente para ir em frente com os dois.

E uma coisa que ambos deveriam focar agora não eram respostas imediatas, percebo, mas sim ponderações. Ponderar sobre seus maiores anseios e dificuldades, e só quando estivessem seguros, que tomassem alguma decisão.

É quando penso nisso que me vem um flash de memória. Tão logo me bate, eu lhe dou voz. De certo era algo que ambos mereciam ouvir ao momento.

– Você não é um maldito inseguro. Nenhum de vocês dois são.

Me apertando mais para si, ele responde com algum ânimo:

– Obrigado por isso.

Eu reafirmaria o quanto fosse preciso.


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Notas finais do capítulo

Tbm quero essas evidências do Murilo sendo escoteiro. Vou atrás da tia, ver se eu consigo uma cópia também :D



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