Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 42
Capítulo 41


Notas iniciais do capítulo

Último cap. do combo *coro de aaaaaawn?*

Mas tá bem joinha, viu! Altas e altas revelações!

Enjoy!



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Me pergunto se os dias e as horas por algum momento fazem um break e decidem sua logística de como passar. Em algum mundo paralelo façam isso, quem sabe. E se ocorresse mesmo? E se fosse possível? Que histórias não teriam passado ao nosso redor e fôssemos esses seres ignorantes de tal realidade?

Não sei, o tempo também não me deixou pensar nessa Matrix, me mantive ocupada com outros pensamentos, outros balanços, outras conversas. Não existe só um eu nesse mundo, existe um eu para cada pessoa, senão, peças de um mesmo quebra-cabeça. Pulando a peça de amiga, passei para a peça irmã, para encaixar no quebra-cabeça que era o Murilo.

Acho que estava tão bondosa que decidi dividir o meu bolo premiado e roubado do Gui com ele. Hoje no estágio as coisas estavam entrando nos eixos novamente – talvez segundas-feiras fossem mais recomeços de semana que propriamente os domingos – e por uma sorte danada, Gui foi sorteado ao aleatório na lanchonete e ganhou um pedaço especial de bolo. Outra sorte, minha dessa vez, foi seu primo ter ligado de última para encontrá-lo noutra visita a apartamentos que agendou e, por ficar próximo de minha casa, ele me deu carona (e me deu o bolo).

Seria ótimo se ele vivesse mais perto de mim, mas isso também significaria ele se afastar mais de Flávia – em quesito “bairrísticos”, claro. Aquele ali não desgrudava o olho dela nem quando passaram um tempo separados.

Eram meu casal 20 e ponto. Dani e Bruno também.

Créditos para toda uma vida.

O clima com meu mano tava bom, temos passado até mais tempo juntos. Ele por ter mudado novamente de horários no serviço, e eu... Bom, desde aquele tamanho buraco que ficou nas minhas economias por causa do servicinho extra que pedi a Luciano, estou evitando gastos ademais. Não que eu já não usasse muito o transporte público, tava economizando até nos créditos e bônus do celular, aproveitava caronas o quanto dava, parei de lanchar por aí e passei a comer mais em casa. Não sei se Murilo havia notado, mas alguma hora eu iria contar para ele – eu juro que vou! Estou quase para fazer uma listinha até, e dar check a cada item que riscar.

Eu também não sou de dispensar a torta maravilhosa de dona Bia. Seria crime.

Murilo me contava sobre o que andava rolando no seu departamento e na diretoria do centro meteorológico. Agora que a diretora tirou licença – por aquela gravidez que todo mundo achou que era da Aline – as coisas estão sob novas direções e em base de temporária. Isso remexe consideravelmente com vários setores, e Aline era uma das que mais estava sofrendo por isso, já que o novo diretor era de uma “frente” diferente da diretora afastada. Aline tá se revirando com esforço, está mostrando serviço sem se envolver com as questões mais “políticas” da empresa. Foi bem difícil também para Armando cobrir Murilo naquele seu breve afastamento, mas, graças, ele conseguiu, e meu irmão pôde voltar ao trabalho a tempo de pegar o início da bagaça.

Mas isso tudo era pano de fundo, logo entramos na questão Aline e... me contou sobre uma atitude que ele tomou: Murilo declinou o convite de ser padrinho do sobrinho da namorada. Por quê? O caso é que, nos dias que ele ficou recluso e Aline permaneceu a seu lado, por um momento ele teve um pouco de receio sobre o relacionamento deles. De que talvez ela não aguentasse o tranco de que era ficar com ele, sabendo como era, e essa foi uma das razões também para ele se levantar em espírito. Murilo não quer determinar um futuro, eles também estão no início de um relacionamento. Assim, um compromisso de vida e família desses poderia ser demais.

Vendo por esse lado, era verdade. O que aconteceria se alguma vez, por um acaso, eles se separassem? Não seria justo com aquela criança ou com aquela família. Acho que eu apostava tanto neles – e continuo a apostar – que também não me apercebi disso em primeira instância. Como Aline, eu só pensei no vazio que Murilo sentiu por a notícia de ser pai ter sido desmentida. Ao momento, pareceu adequado, ainda mais por aquela questão da irmã dela ter se afastado da família. Mais ponderado, Murilo quis ser justo com Aline e sua família. Seria um tio agregado, mas não um padrinho, se ainda não tem grande participação na família dela. Para eles, Murilo é só o namorado de Aline. Um cara do trabalho. Um cara que gosta de crianças.

Ele faria tudo para ajudá-los e por isso mesmo tomou tal decisão. Nesse meio tempo fará o que tiver em seu alcance para que seu compromisso seja verdadeiro, seja companheiro. Nisso sim Murilo estava determinado, brilhava nos olhos dele, estava escrito em sua face, letra por letra no seu sorriso e me tocava o coração. Agarrado àquele seu cordão, ele brincava com o pingente de “aliança” enquanto jantávamos e conversávamos. Era uma noite só nossa e eu gostava de tudo.

Eu observava melhor meu irmão quando ele não estava olhando. E notei o quanto, além dos tópicos da conversa, ele mantinha uma inquietação um tanto típica e atípica, que eu esperava ele revelar. Uma ansiedade? Não sei. Por todo nosso papo descontraído, algo o atraía atrás de mim. Primeiro considerei que era seu celular ou notebook, poderia ele estar monitorando algo, mas, numa olhada rápida que fiz para trás, a direção que ele fitava era na estante da sala, perto da mesa grande de estudos e lá não havia nada. Digo, nada demais. Até nossos porta-retratos estavam recolocados pelos móveis da casa, Murilo nem reclamou da conta que ficou no seu cartão por causa das compras do fim de semana, algumas coisas já haviam chegado essa manhã, outras seriam entregues ao longo da semana. Mas se ele não falava, que eu podia fazer, certo?

Esperar era o jeito.

E esperei sem muita preocupação, continuei a conversar de boa com ele.

Foi após o jantar que ele simplesmente levantou da mesa, pegou nossos pratos e utensílios, colocou todos na pia, saiu da cozinha sob um pedido de eu não levantar e voltou com uma papelada que ele joga na minha frente na mesa.

Surpresa, eu não me mexi sem antes esperar por alguma explicação dele.

– Abre.

~;~

A papelada estava envolta de uma pasta bege claro de papelão, disposta a mim na mesa da cozinha, enquanto Murilo se mantinha apoiado no tampo da sua cadeira, fazendo claros sinais para que eu abrisse. Não dava para imaginar bem o que era, podia ser qualquer coisa. Algum projeto, acordo, contrato, vai saber?

Mas logo que virei a capa e vi uma cópia de identidade na primeira folha, com um envelope adicionado a clipe de papel e todo aquele punhado de folhas seguintes constando um relatório, estranhei. E então vi um nome encabeçando esse relatório.

Viviane Gonçalves Serra Azevedo

Vi pela primeira vez o rosto de Viviane, o jovem rosto dela em preto e branco. Vi o nome de seus pais. Vi o endereço deles. Vi...

– Isso...?

Eu não tinha palavras para a questão que não queria sair de minha boca.

– É o relatório da investigação. Uma cópia, claro.

Devo ter saltado meus olhos, porque paralisação eu sei que senti. Meu corpo todo retesou e, como uma estátua, fiquei pausada enquanto aquilo permanecia em minhas mãos. Acho que eu segurava o fôlego. Ou teria o perdido?

– Onde...? Como...? C-como conseguiu isso?

Ele não teria, teria? Ele não podia!

Num tom terno e calmo, Murilo confessa, cabisbaixo:

– Me encontrei com Filipe ontem. Eu não fui direto para a casa de Aline como eu disse ontem após o almoço. Nós conversamos e... Pedi uma cópia.

E ELE CEDEU ASSIM?

Havia certa gritaria em minha cabeça, densas e vorazes questões, que me atordoaram por um breve tempo, mas nenhuma delas conseguiu se materializar em minha voz. Eu tinha travado mesmo. Eu ainda não acreditava, era a verdade.

– Seu Júlio pediu tanto, tanto para não interferirmos, Mu!

Então agitado, meu irmão não conseguiu ficar muito tempo parado só me observando. Acho que nem ele acreditava naquilo em suas mãos. Aquilo tudo tornava a questão toda em algo tão tão real que todo o resto que parecia um mundo paralelo.

– Eu sei, eu sei. Mas não consegui ficar de braços cruzados, esperando. Saber que o cara ia desistir? Isso me doeu. Fiquei uns dias pensando e ontem na mesa do almoço, quando seu Júlio comentou de Filipe, que tão logo se consertou, não suportei. Então parti e fui lá conversar com ele.

Até o gosto da torta de dona Bia parecia ter desaparecido de minha língua, esta que parecia pesada para qualquer comentário. Eu queria tanto ter podido falar com Filipe! Como fui eu quem se refreara diante disso? Como foi Murilo quem tomara a primeira atitude? E os pedidos de seu Júlio? Caramba, alguém mais tá sabendo disso? E como não deve estar Filipe? Eu não o vi o expediente todo, Iara só algumas vezes, bem rápidas, ela não pareceu ter ideia.

– Mas cara...

Meu Deus, Murilo tinha algo em mente com aquilo? Porque consciência ele devia ter! Consciência do que tava fazendo!

Eu permanecia sem ter como me pronunciar. Até que meu mano me surpreende de novo:

– Não fiz apenas pelo Vinícius, como foi no começo.

– O que quer dizer?

– Foi por mim também. Porque quando se tratou de mim, Filipe largou tudo e veio aqui pra nos ajudar. E eu fiquei sem ação, sem ter o que fazer para resolver as coisas. Eu quis retribuir. Mais que isso, acho que o cara merece algum apoio. Ainda vou ler essa papelada, mas quero deixar claro que agora também faço isso pelo Filipe.

Ao que parecia, aquilo ainda doía muito no meu mano. Foi bem dose para mim também convencê-lo de que era o certo a se fazer, de deixar Filipe tomar um pouco as rédeas do que era aquela situação. Por aquele momento, só havia essa esperança imediata para garantir:

– Ele vai conseguir.

– E se...?

– Ele vai conseguir.

– O que te faz ter tanta certeza?

– Fé. E o fato de que o André, embora idiota, não seja tão burro assim. Como Filipe falou, ele tem mais a perder. É uma troca não muito justa, mas...

– Eu quem devia estar resolvendo isso!

– Bom, em algum momento da vida, a gente tem que só abaixar a cabeça e aceitar o que o outro pode fazer a respeito.

Eu falava de mim e dele ao mesmo tempo, não tinha jeito. Ambos nos encontrávamos em situações em que o máximo a se fazer, senão sentar e esperar, era dar confiança e entrada àqueles que nos davam a mão. Assim me apropriei bem disso também. De baixar a cabeça e aceitar o que os outros poderiam fazer a respeito.

E agora pelo jeito, as coisas tinham virado de novo, pois era Filipe quem agora precisava de nós.

– Isso é tão sério, Mu.

– Eu sei.

– Não sei sinceramente o quanto eu aguento manter isso do Vini. Agora que está tão perto, tão real. Já rolou tanta coisa.

– Não consigo ver o que ele fará quando souber, mas, Mi, as coisas estão bem diferentes agora. A gente mudou tanto do ano passado pra cá. Mais do que em anos, arrisco dizer. Eu já não tenho uma cabeça fechada como antes, e imagino que o Vini anda trabalhando isso também. Ele não vai fazer alguma loucura.

– Ele tá melhorando mesmo, mas ainda assim... Temo. Não se tratou apenas de uma busca pelas informações sobre Viviane, isso englobou tanta coisa mais. Tantas pessoas mais. Filipe. Iara. Djane. Seu Júlio.

Djane mesmo ficou hesitante no outro dia quando ouviu sem querer uma conversa minha com seu sogro. Se ela quis se afastar, se ela quis brigar, não dava pra saber. Mas ela ouviu tudo. Vô-sogro assentiu para mim e eu fui deixando-a a par da situação.

– Em breve você saberia mesmo, então acho que não faz mal contar, né?

– Sobre o quê? O que tem meu filho?

Djane não escondia sua preocupação. Ela nem conseguiu sentar, mas fechou a porta logo que viu que era sério. Porta essa que eu devia ter fechado daquela vez, mas foi bom não ter, pois assim, mesmo de supetão, era bom ter alguém mais para confidenciar.

– Sobre Filipe. Ele...

Como eu não soube formular de imediato o argumento, seu Júlio me ajudou:

– Ele encontrou a família de Viviane.

O quê? C-como?

Anuindo, eu complementei:

– Ele tava nessa busca faz um tempo. Contratou detetive e tudo.

– Como você sabe disso?

Aí Djane de repente me lançou um olhar severo, daqueles que é pra intimidar e quase fiquei insegura por isso. Eu não o via faz muito tempo. Mas seu Júlio se manteve próximo a mim, me dando cobertura pela delicadeza da situação. Com um aperto que firmou pelo braço ainda me arrodeando, ele me deu alguma confiança. Prossegui, embora me sentisse pisando em campo minado.

– Errr... porque estou envolvida.

– Seja mais clara, Milena.

Suspirei ante sua voz dura. Recomecei por um apaziguar. Relatei como começou, meses atrás, com uma ligação de Filipe, que falava em desistência. Seus insistentes pedidos para que cuidássemos do filho, que ele se retiraria de campo. Que tudo ocorreu antes daquela nossa viagem no carnaval. Ela ouviu tudo sem interferir, sem mesmo me olhar, até que eu fiz uma pausa e ainda escolhia as palavras.

– E o que você fez?

– Fui encontrar com ele. Murilo foi junto.

– Ele também sabe? Quem mais sabe?

Agora basicamente todos sabem, menos o próprio que é o centro da questão. Por quem Filipe fez todos os sacrifícios. Por quem Djane lutou tanto. Quem seu Júlio ainda reconquista. Todos tem algo a temer e, diferente daquele último segredo que dividiu águas, estamos eu e Murilo no meio deste.

– Ele não vai tentar nada. Não contra você.

Murilo me puxa a atenção novamente. Era fácil ouvir a voz dos outros, ver a situação deles. Me revirava a barriga estar no muro sabendo que uma hora irei ter que tomar partido.

– Como assim?

– O cara te ama. Vinícius não seria tão idiota de estragar isso, você sabe. E mesmo que numa última opção ele fizesse, você tem a mim para te proteger.

Foi como sentir o coração ser abraçado. Pois senti a ternura e o zelo de verdade, nada como até uns poucos tempos atrás que eu me recusava a aceitar qualquer tipo de atitude e/ou argumento de proteção. Eu sempre ficava danada da vida. Já não sinto mais essa revolta. Acho que ele agradece tanto quanto eu por essa proteção ter sido bem aceita.

De qualquer forma, como eu havia lhe falado faz uns dias, quando finalmente contei esses últimos detalhes a ele, Murilo também corria risco nessa iminente tempestade. Havia lhe dito em forma de brincadeira, mas tinha todo um fundo de verdade. Estávamos no sofá, ele todo esparramado e deitado em meu colo enquanto lhe contava tal história. Ele sempre adepto de um bom cafuné.

– Acho que agora é seu rostinho que tá em perigo.

Murilo riu, e entrou na brincadeira.

– Meu rostinho bonito?

– Seu rostinho apenas.

Estávamos voltando ao que éramos, só que nas nossas melhores versões, eu acreditava. Era tudo que eu mais queria por anos a fio, porém, não dessa maneira. Quer dizer, não invalido todos nossos sacrifícios, bombas e chutes. Não dessa maneira é referente a tanto conflito. Ok que muita coisa tá encontrando seu lugar, mas precisava ser tão a duras penas?

Novamente meu mano me traz à cozinha, os papéis ainda em minhas mãos.

– Se ele fizer algo, a gente tem como se defender, não há porque haver algum ataque. Mas acho que Vini não vai reagir assim, tenho puxado o assunto de vez em quando, testando território. Ele tem até aceitado mais a presença do pai.

– De fato, Vini tem me surpreendido nisso também. Ainda assim, Mu, ele tem feito isso pelas razões erradas. Por mim e por você. Por seu Júlio. Nunca por si próprio.

– Eu sei.

– Não devia ser assim.

– Mas é assim, Mi. É assim que ele tá encarando a situação, que posso fazer para mudar? Ele tá lidando pelo menos, antes só ignorava, fugia. Ele tá refazendo esses passos. Pouco a pouco. Por mais que se convença de que quer se manter longe, nem ele consegue, não por completo. Eu confio que vá melhorar. E a gente vai tá lá do lado dele.

A esperança, pelo visto, estava certa no coração de meu irmão, era confiante e reconfortante. Foi muito bom ouvir isso dele, não só porque demonstrava sua sensatez, mas porque me cedia um pouco dela também. Declarar de tal maneira me fazia acreditar, que era possível uma reação boa, afinal, tratava-se de algo que Vini queria muito, que era conhecer algo de sua mãe. Se saber de seu pai fazia parte do pacote, era um bônus que até Djane bem encorajava.

Ela também acha que vá fazer bem para seu filho. Ela, ao fim daquele papo, me agradeceu por ter eu me envolvido ao caso. Beijou-me a testa, abraçou-me, abençoou-me por cuidar de seu menino. Por amar demais seu filho. Djane me emocionou bastante.

Já Murilo sorri, convencido de que aquilo era uma boa atitude e que era um alívio poder dividir. E eu sorri junto, mas foi mais por vê-lo pegar o sorvete e catar a cobertura na geladeira, se virar pra mim e perguntar “agora cadê aquele bolo?”. Aquela ausência que sempre senti de um bom mano que acreditei que Murilo poderia ser já era presença. Mais que bolo, eu queria dividir outras coisas com ele. E assim, eu me sentia bem em tomar partido, como ele.

Deixei o relatório de lado, me servi, fiz a combinação de sobremesas e...

– Já que estamos aqui, queria tratar também de algo. Algo que venho ignorando faz um tempinho, e talvez... Bom, conversei com Renato e Vini ontem e estava esperando um bom momento para abordar. Antes de mais nada, tenho uma pergunta.

~;~

Aquilo por certo exigia bastante de mim, e nem por isso eu deixava de ir em frente. Eu escolhi esse caminho e pedra era o que não faltava para desestabilizar-me, e ainda assim, lá estava eu. Encarando Murilo. Formulando...

Respira, Milena!

– Diga lá.

Ok. A pergunta. Lá vai. Arrisco.

– Aquela sua decisão de falar com papai e... e vovô. Você levou a diante? Comunicar sobre... Denise?

Murilo hesita por um ou dois segundos enquanto remexe na sua taça de sobremesa e me responde, calmo, muito calmo. Acho que tudo era tão surreal que meu cérebro demorava a aceitar.

– Não.

– Não?

Com certo pesar, Murilo esclarece:

– Não tive coragem. Achei que seria forte o bastante de tomar toda a responsabilidade. Mas a verdade é que isso ainda me rasga, mana. Não consigo falar com eles sobre isso. Nem discar o número.

E olha que eles vivem ligando. Mamãe principalmente.

No entanto, super entendo o lado dele, que fica com esse ar de insatisfeito por si mesmo. Me bate uma dó no coração.

– Mu...

– Sabe, aquela sua resistência ainda me pesa muito. E se...?

Ele não finaliza sua sentença, parte para outra.

– Papai vai se decepcionar muito.

– Eu sei.

Ele deixa o doce do sorvete de napolitano se desfazer em sua boca junto com o bolo, apreciando a sobremesa, mas fica claro como o doce não era exatamente doce em sua língua. Eu experimentava o mesmo e me sentia assim.

– Acho que preferi ignorar isso também, sinto muito.

– Tudo bem.

Mas, embora permaneça calmo, ele não consegue ser complacente com isso. Não mais. O desgosto e a repulsa retornam em seu ser, que logo solta a colher dentro da taça na mesa.

– Não, Lena. Ainda tenho ânsia por fazer algo, eu só... Eu não consigo falar. Pensar. Eu nunca esperaria um golpe desses. Fui tão... enganado! Parece que não conheci mesmo quem eu botei dentro de casa. Meu Deus, ela flertava comigo! Ela me cantava! Eu devia... devia ter visto que tinha algo ruim nela.

Abaixo a colherada que levava à boca, porque também me dá repulsa quando ele levanta a questão de que Denise flertava com ele, quando não, cantava-o. Eu lembro disso. Na época, parecia uma coisa tão legal. Minha melhor amiga com meu irmão.

Melhor amiga o escambal!

Hoje isso me dá um nojo sem tamanho.

Mas tento não entrar nessa de novo. Tento acalmá-lo e para Murilo, é entrada para mais raiva.

– Ela contou justamente com nosso bom coração, mano. Naquela época foi uma fraqueza, mas hoje em dia... é o que nos fortalece. Isso é bom.

– Bom? Ela se aproveitou da gente. De MUITA gente. Gente que eu nem conheço!

– E ainda tá se aproveitando, mano. Quando a encontrei naquela viagem, eu não só vi como ela mesma fez questão de me dizer. Que estava pisando nas pessoas. Que continuava pisando em mim.

Eu já havia contado sobre isso a ele, noutra oportunidade. Quando finalmente pudemos ter A conversa. Foi bastante duro, mas eu confessei bastante coisa. Ele, felizmente, também.

– Ainda me sinto muito... chocado. Traído. Idiota. E pisado. Como isso pode ser bom?

– Bom bom não é, o que eu quis dizer é que a gente se levantou. E não tomamos alguma atitude precipitada. É sobre isso que quero discutir. Eu... eu tenho uma proposta.

Foi bem isso que pude conversar com Vini – e Renato, indiretamente.

O professor Carvalho comentou comigo sobre o caso de seu Júlio ter mencionado o filho no almoço e logo ter se consertado, o que achou bem estranho e não entendeu o que foi aquilo. Ele bem que me confessou de canto que não gostava de Filipe, por tudo que ele aprontou com Djane, e que até por culpa dele, os dois professores ficaram separados. Mas agora que Carvalho tem uma nova perspectiva do real problema que rola na família, ele meio que tem pena do cara. Renato concorda comigo que Filipe foi um cara mal interpretado.

Não que Djane esteja em conformidade com essa teoria, mas até ela já não vê o cunhado com tanto maus olhos assim. Tem aceitado aos poucos que ele simplesmente não vai evaporar e que sim, ele faz parte da história de vida do filho. Quem seria ela pra negar? Ela também está torcendo por lucros a vir dessa investigação, coisa que, sei lá, se fosse uns meses antes, acho que ela Djane não seria tão condescendente em aceitar algo do tipo, principalmente porque escondemos de todos.

Até quando Filipe foi espancado no assalto e foi parar no hospital, houve humanidade nela em considerar o lado dele. Pelo menos enquanto justiça. Com certeza o universo deve a eles uma boa conversa de retratação, mas enquanto isso não acontece, eles estão tentando fazer as coisas funcionarem. Vide aquele dia que passamos na casa de seu Júlio em prol de dar apoio ao Murilo e tava todo mundo de bandeira branca.

A menção que vô-sogro fez perante a mesa foi por alguém ter feito algum comentário e aí ele respondeu, involuntariamente, que “o pai do Vinícius fazia isso” e aí ele mesmo se atropelou nas palavras como se tivesse engasgado e se consertou, dizendo “Filipe fazia isso”. Ninguém falou nada a esse respeito, só continuou a conversa como se nada tivesse acontecido. Vini diz que não foi nada demais, que seu avô só não quis confundir, afinal, “pai pai mesmo quem o criou foi o Gustavo”.

Pode ter sido apenas um erro inocente, porém, na mente de cada um dos outros naquela mesa, acho que as coisas rolaram diferente. Murilo, por exemplo, sentiu-se mal e foi atrás de Filipe. Já Renato, bom, também sentiu o desconforto de muitos à mesa por aquela mínima menção. Mas não foi bem sobre isso que conversamos.

Dada hora ele teve que atender uma ligação, retirou-se para a varanda. Eu tava doida procurando uma fivela de cabelo que tinha deixado em algum lugar, foi aí que lembrei que quando havia chegado, Djane estava na varanda e durante a conversa, eu tirei pra ajeitar e não recoloquei no cabelo. Aproveitando que estávamos afastados do resto do pessoal, foi que Renato abordou comigo.

Pra quebrar o gelo depois, pra não ficar aquele clima de drama no ar, ele perguntou se eu tinha aprontado algo mais e eu disse que não. Brincando com minha cara, ele fez que não acreditou. Aí eu embromei, entrando na brincadeira – ainda que tudo isso tivesse um super fundo de verdade. Renato achou que eu tava de zoeira sobre minha decisão de contar a verdade para meu mano sobre o ataque de André.

– Juro, juradinho. Tenho testemunhas até.

Renato faz aquela cara de “sei”. Me defendi mais.

– Mas eu ia! Tenho culpa se ele descobriu primeiro? Fiquei mais preocupada com a reação dele do que a de André. Me dá um crédito, Renato.

– Hey, você me chamou de Renato.

– Olha, não me venha querer de nome a essa altura do campeonato, professor.

– E voltamos à estaca zero.

– Tá, sem brincadeira. Eu ia mesmo.

– Que bom. Quer dizer, do que Djane já me falou, isso parece ser um grande passo para vocês, que significa muito. Fico mais tranquilo.

E aí o Vini apareceu, Renato voltou para a sala e eu me desliguei um pouco enquanto recolocava minha fivela. Porque eu pensei ligeiramente sobre esse grande passo, que começou quando eu permiti que minhas amarras fossem ao chão, que era o caso de Denise. Daí foi fácil o pensamento fluir e concluir que a questão em volta dela ia ficando cada vez mais para trás, embora estivesse ainda sob nossa pele. Vini me enlaçou logo que percebeu meus sentidos aéreos e quis saber o que tanto povoava minha cabeça que roubava a atenção dele, por, a princípio, mal ter notado sua presença. Nessa hora o Murilo já tinha saído, sob aviso de que tinha marcado de ver a Aline.

– Só uma coisa que me veio de repente.

– Que tipo de coisa?

– Renato falou algo que me deu um clic, sabe? Sobre Murilo. E sobre Denise.

Era bom Murilo não ter feito nada ainda, vendo pelo ponto de vista de que ele, primeiramente, poderia ter se machucado mais, por agir de cabeça quente, senão, ter feito uma enorme besteira. Isso que eu não queria de jeito maneira para ele, já nos bastava o rolo com André.

Talvez ele enfim tenha aprendido algo com isso, bem no hard way, mas ainda assim, aprendeu. Foi o que Vini me afirmou. E eu queria muito poder contar com isso.

– Minha proposta é que quero tomar essa decisão. Com você.

Eu ia dar, enfim, uma chance de isso resolvermos juntos.


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Notas finais do capítulo

*hard way = modo/módulo difícil

E aí, foi ou não foi um combo digno e comemorativo?

Nhaaaa, tô tão orgulhosa desses dois que nem sei :)

O que sei é que vou deixar só um trechinho do próximo pra fechar o mimo pra vcs sentirem a vibe:

"Não. Não. Não.
Não acredito no que meus olhos veem.
No que minhas mãos tocam.
Ouro.
Ouro puro e brilhoso.
— Iara, olha isso!
Balanço a fotografia para ela, que ri do outro lado do cômodo. Uma fotografia de Vinícius abraçado com uma moça. Eu não me liguei ao fato de ele estar abraçando a garota porque o ouro mesmo se tratava de outra coisa."

Quê que a Milena vai aprontar com essa carta na manga, hein? Disso não sei nada... Nada que eu possa falar =X =D



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