Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 167
Capítulo 166


Notas iniciais do capítulo

Tô há uns três dias me prometendo de vir aqui, mas essa galera me coloca pra escrever. Reclamem com eles! Ou não, porque aí significa mais capítulos para perturbar o juízo de vocês haha

Hoje tem vídeo sendo ressuscitado, zoeiras e uma conversa há muito pendente.
Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453816/chapter/167

Saviara Danbru Vilena. Parece nome de gente chique, né?

São os nomes de casal que inventei junto de mamãe. E estou louca para espalhar pra galera que foram assim batizados. Até eu fui!

Depois de tantas despedidas e uns surtos, mereço um pouco de paz e descanso. E zoeira das boas. E misturar Danbru com Saviara é uma ótima pedida para o dia de hoje.

Na verdade, é uma grande emoção o passo de a própria Daniela topar um encontrinho com Sávio. A ideia foi do Bruno. Ele me mandou uma mensagem ainda na noite passada:

21h07

B.

Ei, Lena

Oq acha de o Sav e Iara irem amanhã?

Conversei com a Dani e ela disse que td bem

Acho que seria um recomeço p eles

O que me diz?

21h39

MLins

TOPO

Nem enviei o convite por mensagem, liguei logo foi pro Sávio. Contei que tinha marcado um encontro com Daniela e Bruno, que agora eles voltaram a namorar, e que gostaríamos – os três – de estender esse convite a ele e à I. E que a Dani estava bem com isso e seria uma visita de boa, só para arrancar os detalhes de como foi o retorno desses dois. Nessa parte o Sávio riu e senti que foi sincero, nada por conveniência ou desconforto.

Foi um pouco em cima da hora e ele ficou de falar com a Iara. Mandaria a resposta até 10h da manhã. São 9h10 e ainda não recebi um A. Mas estou confiante de que vão topar. E mesmo se não toparem, estou feliz só por essa possibilidade existir. Nem ligo pra qualquer incômodo mais de estar menstruada ou com a bota protetora, mesmo que esteja de cama por uma colicazinha chata.

Ver mamãe animada com a saída com Djane e Muline também me deixa de muito bom humor. O namorado é o único que ainda não confirmou pra onde vai, se vai, se vem. Mesmo sem aulas, tem seu trabalho. O Bruno deu uma sorte de ter uma folguinha do seu.

Pra ajudar a conter minha animação, deixei o notebook do lado e aberto no Youtube pra ouvir umas músicas aleatórias. Quem sabe leve umas pra Dani cantar com a banda. Sei que isso ajudaria muito ela nesse processo todo de digerir os últimos acontecimentos. Vindo de mim, então, sei que gostaria mesmo. E parece que o Youtube estava entendendo meu momento, pois caio numa playlist de só canções dos anos 90 e 2000. Me aconchego em uma antigona da cantora Dido que nem ligo para a letra.


Dido – Hunter

 

E ainda que quietinha na minha, posso ouvir mamãe e dona Bia fofocando sobre o pequeno grande “menino homem” que é o Murilo, de como ele tem virado gente. Minto. De como tem crescido nos últimos tempos. Acho que dona Bia está limpando o quarto de hóspedes, onde a criatura ficou mesmo depois de papai voltar para o interior. Também tenho muito orgulho dele. Não pelo quarto, claro, mas por... tudo.

Curiosamente, encontro uma música do Nickelback na playlist e coloco para tocar quase como uma homenagem pessoal a ele.


Nickelback – How You Remind Me

Estava mais ou menos na metade da canção quando ouço uma notificação no celular que me dá esperança sobre a resposta do Sávio ou da Iara. Me estico para pegar o aparelho na cômoda ao lado da cama, onde havia deixado carregando.

Não era uma mensagem do Sávio ou da I, era... do Luke. Um link do Youtube na verdade. Me sento na cama e dou um comando no notebook para parar a playlist, esperando a continuação de Luke, já que a rede social dizia que ele estava escrevendo algo.

9h27

Luk.e

VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR NISSO

ABRE O VÍDEO!

 

9h28

MLins

Agora tô com medo

É sobre o quê?

9h28

 

Luk.e

O vídeo que tu tanto queria

A dança no casamento

A homenagem do noivo

O delírio geral

Locked Out Of Heaven

 

9h29

MLins

MEU

DEUS

9h29

 

Luk.e

ABRE LOGO

FELIZ NATAL (de novo)

Sem cerimônias mais, abro o link. De primeira, já percebo a imagem em alta qualidade; devia ser de uma das câmeras profissionais da festa. Mostrava o centro do palco com os convidados ao redor. A noiva, Ádria, estava sentada numa cadeira e em frente a ela, o enfermeiro bonito – Diogo – de pé, sorrindo ao microfone. Então, um barulho imenso quando ele anuncia “amor, isso é para você” e dispensou o microfone para se posicionar.

Ajusto o aparelho em mãos não sabendo dimensionar o OURO que detinha nelas.

Começa a tocar “Crazy in Love” da Beyoncé com o noivo e os padrinhos no espaço do palco dançando a coreografia – algo próximo da oficial – que logo se misturou a outras canções, com todo mundo indo à loucura. Gritos, muitos gritos.

Eu? Não consigo nem balbuciar qualquer coisa, só escancarar meu queixo ao fundo do colchão de tão... DESCRENTE... que me sinto. Lembro que em dado momento tocava uma romântica do Bruno Mars, que deu um passo mais lento, e de fato isso tudo começa a passar na tela do meu celular: o momento do Diogo puxar a Ádria, que estava sentada de frente para o grupo, e logo depois o casal dançar juntinhos Michael Jackson.

E então o gran finale, que é o que me eletriza o corpo inteirinho quando Ádria é devolvida à sua cadeira e as luzes se apagam de uma vez. Entre um e outro flash de luz, o grande grupo de homens – incluindo meu irmão, Vinícius, Bruno e... tá, o Aguinaldo – se prepara para uma apresentação. A luz volta e mostra geral. Localizo o Vinícius e o Bruno num canto e o Murilo em outra ponta, como bem me lembrava.

A adrenalina me sobe outra vez ao começar Bruno Mars novamente. A batida arrebatadora e contagiante. E todos os caras dançando ao ritmo, com passos a la sincronizados, com pequenos pulos, agachadas e palmas de interação. Quando dou por mim, estou cantando também e lembro nitidamente de quase estourar os pulmões gritando lá pra cantar junto com os convidados. Delírio real e generalizado aos yeah yeah yeah contínuos.

Como se eu não soubesse o que vinha logo depois, escancaro gostosamente o queixo ao surto coletivo por atingir o momento AUGE da música, CLÍMAX TOTAL, quando o cantor solta o famoso verso “’cause you maaaake meee feeeeeeeeeeeeeeeeel liiiiike... I’ve been locked out of heeeeaveeeen… for toooooo looong, for toooo loooooong” e os caras todos REBOLARAM. E rebolaram com vontade ao ritmo!

Agito os pés na cama com gritinhos e me sinto novamente ali, indo pro espaço e voltando à Terra, que lembro que foi assim que me expressei à Dani no dia. E o QUANTO EU QUIS esse vídeo, eu nem sei dizer. Agora ele tá aqui, na minha mão.

Nem volto pra agradecer o Luke por essa pérola preciosa demais, grito é mamãe:

— MÃE! MANHÊ! MÃAAAAE!

Ouço sua voz abafada pelo corredor:

— O quê, que foi?

Volto o vídeo para poder ver com mais clareza o namorado em cena.

— CORRE, RÁPIDO. VEM. VEM LOGO!

— O que foi, hein? Caiu?

Sei que mamãe pergunta brincando, mas tô tão LOUCA que respondo que sim.

— CAÍ. CAÍ PRA TRÁS.

— O QU...?

— É FORÇA DE EXPRESSÃO. VEM LOGO!

Ela vai me perdoar quando vir essa tamanha preciosidade.

Meio preocupada, meio insana, dona Helena me encara perdida quando abre de supetão a porta do meu quarto.

— Não me assusta, filha!

— Mãe, depois que a senhora... nem vai pensar mais nisso. Vem, senta aqui. Olha isso!

Coloco exatamente segundo antes do momento rebolation e fico entre assistir o vídeo outra vez, prestando atenção em outro ponto das imagens e assistir a cara da minha mamãe, sem ter noção alguma do que ali viria. Até canto um pouco acompanhando e então... E sim, o queixo dela também atinge o subsolo. Mamãe puxa mais a tela para perto, encarando as imagens simplesmente em transe. Chocada. Passada, engomada e dobrada. Com as mãos no rosto e tudo, com um sorriso do tamanho do mundo.

Eu, que achava estar lidando com a maior surpresa de todas, rio mais loucamente quando ela pega o celular da minha mão e se levanta chamando a dona Bia para ver “uma coisa”. No mesmo pique, vou atrás mal colocando a bota, pra ver e viver esse momento de O QUE VAI, VOLTA, MURILO!

Tá, não foi ele quem vazou meu vídeo com a banda da Dani, e não há nenhuma intenção de vingança aqui, só mesmo de dividir essas pequenas grandes alegrias e tesouros raros – e pra lá de extravagantes. É, acho que tô orgulhosa de mim também.

~;~

Não faz muito tempo que as redes sociais e os aplicativos começaram a expandir, mas ter um grupo com as minhas criaturas favoritas todas juntas num chat só tem sido a novidade da vez. Criamos um no fim de tarde no Natal, enquanto testávamos umas novas funções ainda na casa do vô-sogro. Uma das ideias de Iara foi de colocar o nome de “O Fred está entre nós”, mas era muito gigante para o curto espaço. Ficamos com a sugestão do Vinícius: “os milenares”. Quase um poeta ele!

Após conseguir meu celular de volta, ainda no pique de espalhar o máster vídeo, a primeira coisa que faço é ir no grupo e soltar o link lá. Eu poderia só enviar pra Iara? Poderia. Ela foi outra que me pediu esse vídeo desde a fatídica noite. Mas agora compartilhamos muito mais que amizades e loucuras de vida, e nossos irmãozinhos alvos de surtos principalmente. Como o Vini mesmo batizou, somos todos parceiros milenares.

A Iara é a primeira a responder:

9h51 I_Muniz:

AIMEUDEUS

 

9h53 Murilo Lins

Oq tem no link?

9h53 I_Muniz:

PRIMEIRO TU REBOLA DO MEU LADO

AGORA VEJO MEU IRMÃOZINHO E O MURILO REBOLANDO JUNTO

SOU UMA GAROTA DE SORTE

Eu? QUASE MORRO COM ESSA. Graças a Deus que nem o Murilo, nem o Vinícius visualizaram, conforme diz a função do chat. Tenho que fazer essa bonita apagar a tempo!

9h54 MLins:

CARA, EU TE DOU UM OURO DESSES E TU FAZ É ME ENTREGAR

APAAAAAAAAAAAAAAAGA ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS

Solto o ar de alívio quando ela apaga, ficando apenas o texto “sou uma garota de sorte”. E tenho a certeza de que apagou mesmo quando o Murilo surge querendo saber sobre isso.

9h56 Murilo Lins:

Q história é essa?

9h56 MLins:

NEM QUEIRA SABER

Já abriu o vídeo?

9h58 Murilo Lins:

Agora não dá. Só lá pro almoço

Me adiantem aí

9h58 MLins:

Vamos apenas deixar de surpresa

I, ainda não tive a confirmação de vcs: vêm ou não vêm hj?

 

9h58 I_Muniz:

Caramba, ele não te avisou?

VAMOS SIM!

9h59 MLins:

YAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAY!

Já sentia falta do namorado mandar sinal de vida, porém, apesar de compreender que fim de ano é uma temporada complicada em qualquer trabalho, esperava sua resposta. Acabou que não nos vimos desde a rodoviária. O que são poucas horas, mas estávamos tão em boa sintonia nos últimos dias – e desastres – que queria perturbá-lo um pouco, com todo o carinho e gracinhas que poderia fazer sobre ele dançando sensualmente naquela festa de casamento. Quero lhe perguntar porque não vi mais dessa sua versão dançante desde então.

E parece que ele sentiu o pedido de meu coração, pois logo chega mensagem sua. Só que no privado:

10h02

Vinícius Garra:

Posso passar na tua casa depois do almoço?

Antes do Bruno chegar com a Dani

É coisa rápida, juro

A gente pode ir tomar um sorvete

10h03

MLins:

Vai trabalhar hj de tarde tbm?

10h03

Vinícius Garra:

Mais ou menos

10h04

MLins:

Poxa :(

Tudo bem então. Te vejo que horas?

10h04

Vinícius Garra:

Passo 13h15

Pode ficar logo na porta? Nessa hora

10h04

MLins:

Beleza

Conto o babado do dia lá na sorveteria

Bom trabalho ♥

Uma pena ele não poder ficar para a bagaça aqui em casa, nem poder ir pentelhar o Murilo junto de mamãe e Djane. Mas é a vida. E enquanto tô livre, vou é tomar meu banho e arrumar os lanches da tarde. Mal posso esperar para ver a cara do namorado e do Bruno quando virem esse épico vídeo.

~;~

Como combinado, já estou a postos e com pulinhos animados no máximo que dá para fazer ainda no modo ortopédica na calçada de casa. Na verdade, na porta mesmo, porque não vou fritar no sol de 13h da tarde nem que o Vinícius rebolasse uma música inteira pra mim. Chego a pensar nessa imagem com Locked Out Of Heaven na cabeça e... não mesmo. Já me basta a própria bota me esquentando o pé nesse calor. E antes a bota do que a muleta.

Nesse ponto, a bota é bem melhor mesmo. A muleta tenho usado em poucas situações, geralmente para me equilibrar, como quando vou tomar banho. A cada vez que entro ou saio do banheiro, só consigo sonhar com o dia que não vou mais precisar de nenhum desses acessórios. Sei que não está tão longe e tenho de aguentar só mais um pouquinho. Até mesmo sinto minha mobilidade avançando. Os exercícios no pé, claro, junto de meu comprometimento com eles, são o que tem ajudado mais.

Quando o namorado aparece, ele posiciona o carro para facilitar minha entrada. Ia dar um baita beijo nele, porém, logo vi que estava no celular e agitado. Enquanto manobra para seguir caminho, checo no celular as horas – 13h07 – e por cálculo mental me pergunto se deu tempo de ele almoçar. Vinícius por vezes negligencia essa refeição e sabe como posso ficar no seu pé por isso. Sendo que o bonito faz o mesmo comigo!

Em dois minutinhos estamos estacionando na sorveteria do bairro, eu só observando ele no telefone, parecendo preocupado com algo. Ao encerrar a ligação, desliga também o motor. Antes que diga algo, pergunto logo:

— Deu tempo de almoçar?

Vinícius se entrega ao fechar os olhos, franzir o rosto e inclinar a cabeça para sua janela. Ainda bem que não quis me enrolar.

— Tá, vamos no self-service ali do lado primeiro.

— Não tem problema, Mi. Depois como qualquer coisa.

— Me admira você ainda tentar essa. Bora.

Sem resistências mais, descemos do carro. O restaurante ficava mesmo quase do lado, de modo que nem mesmo para mim era dificultoso andar. Ainda assim, Vinícius me oferece sua mão e ombro de suporte.

Apesar do horário, o local não está muito cheio, muito provável pelo período de férias, recesso e fim de ano. Assim que entramos na fila, com apenas duas pessoas a frente, o celular do Vinícius toca – não o toque do Imagine Dragons, só um toque padrão mesmo. Ele até olha a tela e desliza o botão de não atender.

— Desculpa, eu vou desligar.

— Tudo bem, pode atender.

Não consigo ver o nome da pessoa, só sei que toca de novo e o Vinícius fica no impasse.

— Vai atender, eu faço seu prato sem problemas.

Vinícius fica um pouco desconcertado, mas ao mesmo tempo pressionado pela ligação. Sem muito o que fazer, apenas me passa seu cartão e vai para a portaria para atender. Pelo jeito, está mesmo ocupado, o que me faz pensar no porquê de ele sugerir ir tomar um sorvete no intervalo de expediente. Nada contra, só não gosto de atrapalhar mesmo. E se eu puder colocar uma comida quentinha e boa no seu estômago, sinto-me mais útil. Nesse ponto, é inevitável lembrar de papai e suas observações sobre as mulheres fazerem as coisas pelos homens – coisa que ele sempre teve por parte de mamãe e agora não quer que eu faça nada quando se trata do Vinícius. Mas ele não diria um A se fosse com o Murilo, como sempre. Homens e suas ideias descabidas de papéis sociais.

Viro de volta para a fila, porque está quase na minha vez. Sei que o Vini faria por mim se preciso. O Murilo vez e outra vem buscar o almoço aqui também. Eu faço e faria por quem me importo e que vale a pena. E faço por querer, não por obrigação. Por cuidado e amor também. Quem não vai querer facilitar a vida do outro?

Assim que estou pagando, Vinícius se aproxima para levar a bandeja para a mesa:

— Tem muita comida aqui.

— Te ajudo se precisar.

— E o sorvete?

— Fica pra depois, se sobrar espaço.

Vinícius equilibra a bandeja e me ajuda a ir para a mesa, seguindo meu passo. Algo nele está diferente, não sei dizer bem o quê. Acho que mais retraído? Quieto? As ligações acabaram atrapalhando um pouco, mas ainda assim... Não digo nada, só observo-o começar a comer. Para quem disse que era muita comida, as garfadas vão indo uma seguida da outra quase sem pausa. Dou um espaço para sua quietude, que parece não querer me encarar no momento. Talvez pela questão da “fome repentina” que ele quis tentar me dobrar.

Ao esvaziar um pouco a boca e tomar um gole de água, Vini tenta outra vez o papo do sorvete:

— Se quiser, posso ir na sorveteria e trazer pra você.

— Tô aqui pela companhia, não pelo sorvete, sabe?

Ao menos um risinho ponho em seu rosto.

— Por isso que não encrencou com o cartão?

— Que cartão?

— O meu que te entreguei pra pagar o almoço.

— Ah. Eu só tinha o dinheiro do sorvete na bolsa. Sorte a tua.

Já podia ver o namorado se gabando, mas então ele franze a testa de olhar baixo. Ao que parece, para mim:

— Sua mão está suja de batom?

Olho para minhas mãos sem entender, até ver a pequena mancha vermelha a que ele se refere.

— É só uma leve queimadura. Não percebi a frigideira quente na pia.

— Tá ardendo ainda? Passou alguma coisa?

— Nadinha. Ardeu só um pouco. Como tá o repolho?

Mudo de assunto para descontrair e ele ver que não há nenhum problema, mas a sensação de que ele está incomodado com algo não me deixa. No entanto, é hora do almoço e é uma refeição sagrada para trocas relaxantes – apesar de que ontem não foi nada sossegado. Essa conversa sobre o surto coletivo meu e de mamãe vai existir e vai precisar mais do que os poucos minutos de folga do Vinícius. E vai acontecer. Alguma hora.

— Com gosto de repolho. Quer um pouco?

— Nah, tô de boa.

Seu semblante parece melhorar ao dar de encontro com minha expressão boba. E o que era uma pratada que tinha chamado atenção, logo está praticamente limpa. Ou ele queria mascarar a fome dele ou... estaria tão nervoso que não sabia dizer que isso também se misturou à fome? Ou... será que soube o que aconteceu ontem?

Murilo não soube, tenho certeza. E mamãe não diria, diria? DIRIA?

Ao finalizar seu prato, Vinícius levanta para deixar a bandeja no balcão e segue para o banheiro. Disse ele que queria se certificar de que não teria nenhum vegetal nos seus dentes. Ainda parecia tenso e isso me deixa... tensa. Fico na portaria à sua espera maquinando. Quando retorna, logo me dá a mão para seguirmos até a sorveteria.

Acontece que sua mão está quente, mais morna do que o normal. Estaria ele doente? Tento espiar um pouco mais dele no passo que damos e vejo seu rosto um pouco avermelhado. Seguro meu ímpeto de pará-lo ali mesmo com minha mão sobre sua testa.

Sentamos então num banquinho de madeira do lado de fora da sorveteria, o Vinícius novamente inquieto. Consigo ver que há algo lhe tirando atenção, embora faça de tudo para se mostrar presente, sem soltar nossas mãos. Sua mandíbula parece estar cerrada, apertada, e sinto sua respiração curta. Preciso perguntar.

— Tem algo errado, Vini?

— Errrrado? Nã-ão.

— Vini. Por que você tá aqui? Tem algo te incomodando, eu tô vendo.

Com essa, ele expira cansado, apesar de a tensão não se dissipar por completo.

— Eu só precisava te ver, só isso.

— Por que me parece que é bem mais que isso?

Ele expira mais dessa vez. Deixa os ombros caírem e fecha os olhos no processo. Me segura as mãos ao colo enquanto quase se desmantela por completo ao banco. Chega a deitar a cabeça para trás no alto do espaldar de madeira.

— Vini, tá me deixando preocupada.

Sem sair dessa posição ou tampouco abrir os olhos, apenas apertar suas mãos nas minhas, ele começa:

— Não consegui me concentrar hoje.

— Ok. Continue.

— Pedi pra te encontrar aqui porque não vou conseguir sossegar. Não enquanto não falar.

— Ok. Então fala.

Vinícius inspira tão profundamente um fôlego que não sei como cabe tanto ar nele. Devagar, ele se ajeita em sua posição largada, senta-se ereto e me olha de um jeito indefeso e franzino que não sei nem reagir. Vini então coloca uma mão sobre minha bochecha e encosta sua testa na minha, sem dizer nada. Quando me olha novamente, traz algo doloroso junto. Assim, ele me beija.

Tão lento e quieto, que mal correspondo, de aflita.

— O que houve, Vini?

— Só me beija.

Atendo seu pedido perturbado, sigo-o no ritmo que dita. Leve, angustiado e breve. Logo sondo-o outra vez, tocando-lhe o rosto.

— O que te deixou assim?

Ele não me olha, cabisbaixo, mas ao menos responde.

— Tive um sonho doido.

— Que sonho não é doido? Tá, diz o que você lembra.

Dessa vez sim, ele me olha diretamente, embora de modo doloroso.

— Sonhei que estava perdendo você.

Me assusto e me agito.

— Perdendo como?

Vinícius abaixa novamente o olhar e o rosto, envergonhado.

— Sonhei que estava perdendo você pra outro cara.

E assim respiro de um jeito que nem sei dizer. Mas tento elaborar algo.

— Como isso acontecia?

— Parece que eu... eu era da equipe de um reality show, que um ricaço árabe escolhia a próxima esposa. Eu sei, não faz sentido. Não agora. Mas lá um colega me avisava que você estava no grupo de candidatas. E eu tentava de tudo para atrapalhar os encontros de vocês.

Em qualquer outro caso, diria que isso parece roteiro de algum filme. O assistente apaixonado que sabota encontros. Daria uma boa comédia romântica. Mas sendo isso um sonho e na cabeça do Vinícius... sei que isso tem uma carga bem diferente para ele.

— Em um desses encontros, guiei vocês para um labirinto.

— A gente se conhecia no sonho?

O semblante vulnerável de Vini se levanta só para questionar:

— Importa?

— Não, eu só quero entender como isso... Vini.

Outra vez, ele foge do meu olhar. E eu só quero entender para poder tirar esse peso do coração, da cabeça, dos ombros.

— Preciso te dizer uma coisa.

— Estou te ouvindo.

— Eu não gostei do que o Gui fez com você.

Fecho os olhos e respiro um ar de alívio que, novamente, não sei dizer como ou o porquê, só deixo a sensação me dominar. E me concentro nesse sentimento, não na decepção que enfrentava há semanas dentro do meu peito.

— Eu também não gostei.

Sinto sua mão, já não tão quente, deslizar pela minha bochecha e chegar até minha nuca, onde ele a firma bem. Sinto também quando se aproxima, e o toque do seu rosto na lateral de minha testa.

— Não gostei de ele ter deitado ao seu lado e ter te abraçado. Eu sei que não envolveu nada sexual, eu sei, eu juro que sei, mas não gostei desse atrevimento.

— Eu também não.

Posso sentir um princípio de lágrimas encher um pouco de meus olhos, mas então Vinícius mesmo trava meu sistema lacrimal logo em seguida, quando me faz abrir de vez os olhos e encará-lo só para responder na lata sua declaração:

— Ainda quero matar ele.

— Se o Murilo não mata, você não mata.

Foi isso que o meu irmão disse a ele quando revelou toda a situação. E digo isso com toda a convicção, porque não quero mais violência. Não quero que nada disso domine ninguém mais.

— Nos ouviu naquele dia?!

Tento amainar um pouco da minha agitação interna.

— Não tinha como não ouvir. Mas tudo bem, tudo bem ter esse sentimento acho. Quer dizer... é um sentimento. E é um caso diferente. Apenas não quero que isso... Não quero que se machuque.

— Não queria me sentir assim, mas sinto. Sou um idiota.

Ao tentar dispersar sua expressão e abaixar o rosto outra vez, faço questão de pegá-lo pelo queixo e firmar frente a frente comigo.

— Não é.

— É um sentimento idiota então.

Nem digo que senti um déjà-vu porque já tivemos de fato conversas assim, com ele se menosprezando dessa maneira.

— É um sentimento... para se avaliar.

Mais uma vez, ele apresenta seu semblante indefeso e temeroso.

— Não vai discutir comigo?

— Deveria?

— Não sei. Mas não queria esconder de você.

— Fez bem em me dizer. Se sente melhor?

— Não sei bem.

Sem mais delongas, abraço-o, puxo-o para mim e deito a cabeça em seu ombro. Vinícíus me envolve e a gente se ajeita ao espaço do banquinho para dar o encaixe certo. Pelo seu pouco movimento, sei que a comédia romântica de cinema é para si um terror pessoal, desses que endurece todos os seus músculos e tem dificuldade de relaxar até em um abraço. E isso me faz pensar um pouco mais sobre esses seus sentimentos... que não são de agora. Não são somente pelo que houve naquela noite na casa da Flávia.

Desvencilho-me com calma.

— Vini... Já pensou sobre de onde vêm essas inseguranças? Quer dizer, depois de tudo o que passamos... e de toda a nossa relação... Você pensa sobre isso?

— Tenho pensado mais desde o Natal, quando sua avó fez aquela dinâmica sobre orgulho. Penso sobre a certa frequência que sinto esse... receio. Como se fosse perder você. Que tenho sempre que batalhar por você. Talvez por isso tenha tido esse sonho. E também um programa aleatório de casais que assisti dia desses com seu avô. Acho que juntou tudo de uma maneir...

— Isso não é bom, Vini.

— O sonho?

— Não, essa sensação constante de, como disse, ter que batalhar. De estar perdendo.

Comprimindo a boca, melancólico, ele termina por murmurar.

— Eu sei.

Eu, por outro lado, tento ir pelo lado mais racional da coisa. Mais cuidadoso também. Como mencionei, era para se avaliar esses sentimentos.

— Você confia em mim.

Não foi uma pergunta e Vinícius sabe. Tanto é que ele anui.

— Confio.

E eu lanço a pergunta que faz ele me encarar de volta sem resposta:

— E confia em si mesmo?

Por um acaso, vejo uma placa eletrônica da avenida, próxima de um semáforo, onde demarca a hora de 13h49 e isso me traz de volta ao mundo. Que não é o momento, nem o local para termos uma conversa tão profunda, logo uma que demanda bastante.

— Tá na sua hora, Vini. Não quero que se atrase para o trabalho.

— E o sorvete?

Sua carinha até melhora com essa, mas é melhor que eu não desvie mais desse assunto.

— Nunca foi sobre o sorvete, foi?

Com essa, puxo-o pela mão para se levantar e seguir caminho.

E claro, digo para conferir o link no nosso grupo só no final do expediente e evitar ouvir qualquer música do N’sync. Eu também o conheço bem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

AQUELE BUG CERTEIRO: você confia em si mesmo?

Trechinho do próximo?

"Bato meu ombro no dela, acusatória e sacana:
— Na verdade, quem tem que espocar coisas aqui é tu, bonita. Tu e... tu.
Aponto pro Bruno na poltrona, que se mostra pronto para abrir o bico, todo orgulhoso. Já Iara, bem das minhas como é, dita:
— E sem pipoca?
— Já te disse que amo como você pensa, I? Porque amo. Pipoca saindo."

JÁ SABEM O QUE VEM AÍ, NÉ?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio - Finale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.