Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 162
Capítulo 161


Notas iniciais do capítulo

O NATAL MAIS LONGO SIM!
Muitos feelings, muitos acontecimentos, muitas conversas importantes.

O Murilin, então, vem pra ahazar nesse capítulo. Uma criaturinha de muito respeito espalhando sabedoria. Sempre apostei nele - ele que diz que não.

Falando nas criaturinhas, impossível não ficar gatilhada com a cena do acidente do personagem Daniel na novela das 9, Terra e Paixão. Vi completamente a cena do Vinícius descobrindo sobre o verdadeiro pai e saindo cantando pneu. E vi muito do Murilo no personagem Caio por sempre carregar culpas e sentimentos nocivos. Eu só queria abraçar todo mundo, como a Milena. A diferença real é que o Vini e o Murilo têm a Milena e a Milena também pode contar com eles.

Orgulhosa por ela ♥
AGORA VÃO LER, VÃO!



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One Republic – Secrets

 

Parte de mim queria agradecer à Aline pelas músicas que colocou pra tocar – e me fez ouvir em repetição “Secrets” do One Republic por todo o dia, por vontade própria, pelo tanto que amo essa canção e todo o ar misterioso vindo do violoncelo – e parte de mim ainda não acredita que cantei Pitty em dia de Natal. E nem falo por papai enfim ter me visto cantar de pertinho, mas pelo que a artista representava a mim no momento. De quem me lembrava e de quem tentava afastar o pensamento sempre que possível.

Enquanto One Republic era minha banda preferida, Pitty era a artista favorita da Flávia. Eram mesmo nossas grandes marcas musicais, de modo que ouvir um mínimo trecho um remetia à outra de cara.

Reouvindo a entrada de violoncelo de “Secrets” pela milésima vez, ajusto o notebook à almofada nas pernas e conecto o pen-drive na entrada USB. Já nem prestava atenção à letra ou aos seus significados, só ao fato de como o som dessa música sempre me abraça de um jeito diferente.

Não foi nada difícil conseguir uma cópia das fotos que seu Júlio nos mostrou na noite passada, com todas as peripécias de Murilo e Vinícius preparando e alvoroçando nossa ceia de Natal. Na verdade, o vô-sogro já tinha separado o pen-drive para me passar. Disse-me para “usar com responsabilidade”. Assenti, demonstrando que não era aquela vingativa de antes. Agora só queria colecionar momentos com minhas criaturas favoritas – Iara, claro, inclusa.

E, de preferência, sem quebrar mais nada do corpo de alguém. Nem de mim. Que o universo tenha dó e maneire nas próximas doidices que me reserva.

— Vou ter que ouvir essa música quantas vezes mais?

Murilo aparece à sala de pijama, cabelo molhado e com uma falsa cara de marrento.

— Tá tão baixo que não sei nem como você tá ouvindo.

Isso porque nossos pais se retiraram mais cedo para o quarto, já que logo de manhãzinha papai e meus avós vão pegar estrada de volta para casa. Queria ter ficado de chameguinho com papai até mais tarde, mas entendi que mamãe queria um momento com ele e me preservo de saber o que isso envolveria. Que era bonito de vê-los juntos, isso era. E para não atrapalhar o casal, deixei o som bem baixinho mesmo.

Murilo se dirige à cozinha, mas quando passa por mim, não deixa de alfinetar.

— Porque já grudou na minha cabeça.

E é claro que provoco:

— Você prefere a Ellie ou a Britney?

Ele volta em uns dois segundos.

— Prefiro qualquer um que não um desses três. Mas deixo essa porque é calma e já tivemos um dia e tanto.

— Deixa, é?

 

Green Day – Boulevard of Broken Dreams

 

Coloco “Boulevard of Broken Dreams” do Green Day, que também tocou no nosso piquenique e marcou uma cena bem INSANA com a descoberta generalizada de que existia, ESSE TEMPO TODO, um camaleão no jardim da casa.

Sinto o sofá afundar ao meu lado quando a criatura se deposita cá comigo. Murilo logo espia na minha tela o que tô fazendo.

— Já são as fotos do Natal?

— São as que seu Júlio tinha. As da câmera da I vou esperar ela editar.

— Então a da gaveta tá aí, né?

— Estaria mentindo se dissesse que não. E a de primeiros socorros também. Mas não te preocupa, apenas acervo pessoal, não mais... não mais moedas de troca.

Ao reorganizar minhas pastas de fotos gerais, fico tentada a abrir algumas, como que saudosa de certas pessoas e ao mesmo tempo me certificando de que este não foi um dia ruim para ficar desejando voltar no tempo.

— Pode colocar o remédio aqui pra mim, Lena?

Nem vi ou senti quando a criatura tirou a camiseta da viajada que dei. Nas mãos e na mesinha de centro ele dispunha do remédio, uma caixa de cotonetes, gaze, esparadrapo e tesoura. Coloco o notebook no espaço ao lado para atender seu pedido.

— Não tem band-aid não?

— Se tem, não achei.

Ele se move de modo que fique de frente pra mim, mas com o braço em destaque.

— Juuuuuuuura que é isso aqui?

Havia apenas um ínfimo arranhão, com uns pontos vermelhos cicatrizando.

— Na hora sangrou e arde pra caramba quando tomo banho.

Isso me faz lembrar do comentário do Vini sobre os souvenirs que deixei com ele, de como ardia no chuveiro e como que teve que disfarçar por um dia inteiro. Ele escapou de ir pra piscina, mas até a Lia tentou fazer com que tirasse a camisa depois de batizá-lo com uma bela golfada. Ao menos ninguém desconfiou, acho, das suas tentativas de não ficar sem camisa na frente de todo mundo.

Eu? Tentava apenas não rir. Porque o que vai volta! Ele já fez essa graça comigo de deixar um chupão no meu pescoço, que é um local bem difícil de esconder, e eu que tinha que dar meus jeitinhos.

Pra não me entregar nessa, ou a peste pensar que tô rindo dele, disfarço, abrindo o potinho do remédio. E embromo, sem me dar conta do caminho que também me enveredo:

— Não acredito que vocês tavam brincando com comida e de faca na mão. Ou melhor, acredito. Pareceu aquela vez que...

Paro porque lembro de quem já ia mencionar. Mas a peste mostra que tava atento:

— Que...?

— Só uma situação que me vi envolvida numa festa de criança. Fui eu e uma pessoa pegarmos uns docinhos a mais na cozinha e...

— Já começaram errado.

— Daí a gurizada nos viu e começamos uma batalha de pegadinhas. Eles tentando nos roubar coisas, a gente se protegendo. Em dada hora, quando voltamos pra cozinha, fiz um teatro para fazê-los nos deixar em paz... Só que envolvia eu ameaçar a pessoa com uma faca. E conseguimos. Mas a genialidade foi comemorar e eu ainda tava com a faca na direção dele. E arranhou. Sangrou um pouquinho. Como com você.

Pego o cotonete e enfio no vidrinho do remédio, novamente pra fugir do desconforto, ainda mais porque sinto o Murilo me observando. Sei que poderia ter dito o nome do dito cujo, mas no momento apenas não quero.

 

Kyo – Dans Ma Chair

 

Nisso, a função aleatória do programa de músicas passa para uma canção que não reconheço de imediato, mas que quando entendo que se trata de uma banda francesa, lembro quem me influenciou e me viro pro notebook para passar de música.

 

12 Stones – Lie To Me

 

A seguinte eu reconheço, e apesar de ter pegado essa do Sávio, e a letra se tratar de outro contexto, a palavra “lie” (do verbo “mentir”) me faz passar também. E aí a playlist aleatória me pega de novo com uma música que tem por título “Costumávamos ser amigos”, que óbvio, passo outra vez. Não é hora de o universo me mandar mensagens!

The Dandy Warhols – We Used To Be Friends

 

Beyoncé – Baby Boy

 

Rio quando começa “Baby Boy” da Beyoncé, pela situação recente com o namorado antes de cair na piscina, e passo novamente pra manter um pouco de concentração no que tô fazendo. Ou no que devia estar fazendo. Ao menos cai numa do Justin Timberlake, de terreno mais... mediano.

 

Justin Timberlake – Summer Love

 

— Eu vim pra passar remédio, não pra ouvir música, sabe?

— Foi tu que reclamou do meu One Republic. Mas tava aqui te dando um tempo pra se preparar pro ardor, porque tu sabe que esse remédio aqui arde pra caramba.

— É, ele vai na alma, mas vai só uma vez. Prefiro isso a ficar pulando no banho a semana toda.

— Dramático.

— Bruta. Vai logo.

Mal passo o cotonete molhado nele, a criatura fecha os olhos intensamente e se segura pra não xingar até a décima quinta geração de quem inventou o álcool iodado. Não usávamos o famoso Merthiolate, que não arde, porque esse cicatrizava qualquer coisa mais rápido. Só tinha que morrer um pouco.

— Assopra, assopra!

Assopro até que se dê por satisfeito e termino com um beijinho na careta dele, de quem ainda tá respirando com dificuldade pela boca. Enquanto se recupera, pego a tesoura pra cortar o pedaço de gaze e esparadrapo, que, claro e com certeza, gruda no meu dedo.

— Essa pessoa que você falou... É o Gui?

Não respondo, só balanço a mão pra tirar o esparadrapo de mim, como se eu estivesse distraída e não tivesse percebido sua questão. Mas eu sei que ele sabe que tô desviando. Ainda mais quando ele apenas me observa e suspira e sei que não é do ardor da ferida.

Ele puxa o esparadrapo do meu dedo e, com a maior calma do mundo, começa:

— Sabe, mana, tem uma coisa que sempre me volta à cabeça.

— O quê?

Murilo dá um dar de ombros cansado e pensativo.

— Uma coisa que faltava pra gente: diálogo. Na verdade, diálogo é o que falta pra todo mundo. Mas mais que isso, no meu caso, faltou eu assumir o que sentia e porque sentia e porque fazia o que fazia.

Lembro vagamente de uma conversa com Djane sobre isso, em um de nossos primeiros conflitos. Eu disse mesmo que faltava diálogo entre mim e o Murilo e comparei nossa situação com ela e o Vinícius.

Quieta, só ajeito o pedaço da gaze que vou usar e enrolo o restante para guardar. Murilo, por outro lado, continua, ainda em seus ares de cansaço, de repente muito concentrado no que era o esparadrapo agora grudado no seu dedo.

— O fato é que ficava muita coisa para se dizer e que nunca eram ditas. Depois de muita guerra e confusões nossas que percebemos isso. Quer dizer, enfim percebemos, não?

Com essa ele me olha e eu, ainda enrolando o restante da gaze, não correspondo esse contato visual. Mas resmungo:

— Eu sei que eu não facilitava também.

— Nenhum de nós dois, né.

Divago enquanto puxo o esparadrapo dele e corto em mais pedaços, pra poder distribuir no curativo.

— É apenas incrível como a gente acredita em algo com base em nossas inseguranças. Eu acreditava que ia te perder por minhas falhas. E você, que eu ia te abandonar por... falhas. Mas onde você quer chegar?

— Agora que você fala as coisas, você se sente bem, não sente? Quando tem a oportunidade de falar, mesmo que seja uma coisa difícil.

Assinto, com o desabafo de Natal ainda bem fresquinho na minha mente.

— Me sinto melhor mesmo. É uma sensação diferente. De liberdade e segurança. Confiança também.

Por um momento, temo que Murilo queira introduzir o papo da terapia. O Vini permanece dando uns toques aqui e acolá. De qualquer maneira, me concentro no curativo. Posiciono a gaze e coloco devagar as fitas colantes capazes de lixar qualquer pele.

— Já pensou se... Se tivéssemos tido diálogo quando você descobriu tudo sobre a Denise?

Isso me pega.

— E se eu tivesse sido sincero sobre o peso que carreguei por esses anos todos, toda a culpa e a minha necessidade de proteção?

Considero isso por uns segundos, descascando com a unha o grude que ficou no meu dedo da fita colante branca. Considero algumas discussões. Momentos que desistimos um do outro. E então a gente se resgatando. Teríamos...

— Teríamos encontrado o melhor de nós há muito tempo.

— Exatamente. E não acredito que vou falar isso, mas... Olha, eu não tive essa chance. Nós não tivemos essa chance. Mas a Flávia poderia ter. O Gui... também. Eles devem estar loucos para se explicarem. Loucos para desabafar. O que acha de ouvir? Assim, só ouvir mesmo. E então reagir da maneira que você quiser. Deixar que eles se esvaziem, como um dia eu já quis tanto e um dia você também já sentiu o aperto. Só... esvaziar. E então você toma sua decisão.

— Mu...

Meus olhos se enchem de imediato e ele percebe.

— Não se trata sobre perdão agora. Nem superação. É sobre colocar pra fora o que ainda não foi dito. Colocar os pratos na mesa.

Meu peito se enche de repente e algo se retorce dentro de mim, contudo, percebo isso com uma força diferente. Quer dizer, fico embasbacada mais uma vez com esse Murilo que demorei a encontrar. Porque não houve diálogo.

Estaria eu perdendo o melhor dos meus amigos por estar me concentrando no pior deles? Eu que já errei tanto com eles, tanto quanto eles.

Estaria eu fazendo uma barreira que eles não fizeram pra mim quando precisei?

O que eles fizeram foi MUITO errado. Mas foi errado nível Denise?

Lembro ainda do pacto que fiz com meu mano. Com o Vini e com o Gui. De fazer as coisas respeitando nossos espaços, conversando. Recomeçando. Reconquistando.

Teria chance para nós ainda?

Eu só saberia se tentasse. Se deixasse essa porta aberta e o muro no chão.

Além disso, já ouvi de Sávio e do Murilo, quando também não achei ser possível. Permiti essa entrada também a Filipe. Dei oportunidade até para Max. E já fui ouvida.

Por que não Flávia e Gui também?

— Lena?

— Entendo o que quer dizer.

— Entende mesmo?

— Sim.

Murilo desvira sua camiseta e começa a se vestir enquanto fala meio distraído, embora conforme segue eu perceba um leve desconforto seu pelo que me revela:

— Fico aliviado. Aquela imagem da Flávia no trabalho, de como ela ficou abatida... Também não me saía da cabeça. Falei sobre isso na terapia. Não sobre a Flávia em si, claro, mas sobre como já fiquei assim. E depois da sessão, a imagem ainda me veio várias vezes junto com o que a terapeuta falou. Enfim, é só eu tentando ser gentil com o Murilo que fui. Porque ódio não leva nada de bom a ninguém.

Mal ele termina de falar e de se ajeitar no sofá, me jogo sobre ele, que me recebe surpreso. Sinto seu carinho em meus cabelos e costas de pronto e apenas me permito esse momento de quietude e sinceridade.

Com o alongar do tempo que fico maquinando espirais de perguntas, Murilo tenta se desvencilhar de mim.

— Tudo bem, pequena?

— Não sei. Quer dizer, tô bem. Mas acho que gostaria de vê-los. Ou pelo menos a Flávia. Ver como me sinto também. O quão cansado você tá?

Me afasto para poder pensar direito e falar direito e dou de cara com as sobrancelhas de pé de Murilo, meio desajeitado pela proposta súbita que deixo no ar.

— Cansado como?

— Acha que poderia me levar para visitar a Flávia? Tipo, agora?

Depois dessa conversa, não aguentaria esperar o dia seguinte.

Murilo desvia a cabeça só pra espiar rapidamente a hora no relógio da parede e se volta pra mim. Pelo que sei, não devia ser mais de 21h30.

— Acho que dá. Mas seria bom ligar antes pra saber se ela tá em casa.

— Verdade.

Fico tão elétrica com isso que nem penso bem nas coisas. Não poderia simplesmente aparecer na porta dela sem avisar, ainda mais sendo no feriado de Natal. Vai saber com quem estaria ou onde estaria comemorando. Se estaria comemorando.

Antes que eu pense em desistir, Murilo se levanta e mostra que devo seguir com esse instinto.

— Vou colocar essas coisas no lugar e volto pra saber a resposta.

~;~

O carro se move devagar para sair da minha rua e se por fora eu estou quieta, por dentro me sinto explodindo. Como um diesel que queima dentro dos canos de um veículo para fazê-lo andar. É a ansiedade, a doce ansiedade.

Ela bateu desde o momento em que decidi fazer isso. Também me agitou bastante na hora ligar. Mas estava tão certa de seguir com isso que só coloquei pra discar e esperei três eternidades passarem pra saber se seria possível um encontro.

Como no outro dia que liguei pra Flávia, tanto eu quanto ela gaguejamos, perdidas na ligação. Perguntei se estava em casa e se poderia ir vê-la. Ela estava a caminho, pois passou o dia no apartamento da irmã. E assim ficou combinado. Só troquei de roupa, com algo leve e fácil de vestir que não fosse pijama, e o Murilo foi no quarto avisar nossos pais, pro caso de ainda estarem acordados – não estavam. Por isso também foi cuidadoso no momento de sair da garagem, para não atrapalhar o descanso deles.

O que só aumentou meu nervosismo.

— Respira, Lena.

— Não sei se consigo.

— Consegue. Porque vou respirar junto com você.

Murilo desvia a mão na marcha entre nós, segura no meu braço esquerdo e, mesmo dirigindo, me faz respirar com ele. O que de fato ajuda.

Aos pouquinhos, esse simples movimento de sugar o ar e soltá-lo faz baixar a bola dos meus loucos pensamentos e expectativas. Fechar os olhos e sentir esse movimento leve junto do carro avançando devagar também me dá uma oportunidade de desligar um pouco.

Murilo continua sendo meu guia:

— Não pense no que vai ouvir. Pense, sei lá, que só vai vê-la. Que era o que você queria no outro dia. Fora que, por mais que exista mágoa, ainda existe carinho também, né?

— Sim.

Expiro devagar, abrindo os olhos para a avenida iluminada e decorada de Natal. E então:

— Será que ela também tá uma pilha?

— Você a conhece melhor do que eu pra responder essa.

De fato. Deve estar bebendo toda a água de sua casa. Sobraria um copo de água pra mim? Me sinto uma boba de repente e suspiro, observando a pista livre da cidade. Ao menos isso significa que não demoraria muito a chegar lá.

Até pararmos num sinal vermelho. Mesmo que não houvesse ninguém para atravessar a rua, o certo é parar. Não poderia pedir pro meu mano simplesmente ir em frente só por conta da minha agonia.

Que acho que ele sente de novo, pois:

— No que te conheço, havia sempre a preocupação por estar mentindo pros seus amigos. Porque estava impedida por um policial. E tinha um medo terrível de perdê-los.

Não sei se queria voltar nesse ponto, mas termino assentindo e correspondendo:

— Tinha mesmo.

— Vou me arriscar em dizer uma coisa: talvez a Flávia tenha sentido o mesmo.

Quase dou um salto do banco.

— Mas ela poderia ter me dito!

Cauteloso, Murilo desvia o olhar do semáforo e questiona:

— Poderia mesmo?

Perguntando desse jeito, fico até sem resposta.

— Vai ver ela achava que não, com muito medo de você. Ela teve muito medo quando pegou aquele caderninho e entregou pro Vini, pra nos alertar da situação. Eu sei que vocês se entenderam, mas já pensou no real medo que a Flávia sentiu? E no que sentiu agora?

Isso me pega de um jeito que não sei nem reagir. Porque água brota de novo nos meus olhos.

— Mu...

— Eu só tô dizendo... que a gente... A gente passou anos sem se resolver. Tantos conflitos, Lena, e por puro medo. E vergonha. E por muito tempo tive a impressão de que você não perdoava fácil.

É inevitável lembrar da Flávia falando sobre isso quando voltei pra casa depois de toda a confusão da minha fuga.

— Mas uma vez você me disse que não se tratava disso, de ser difícil ou não de perdoar, porque o problema tava comigo. Que era eu que não me arrependia dos meus atos e tampouco tinha a dimensão deles.

O sinal abre e o silêncio toma o carro enquanto meu mano prossegue com os comandos do veículo. Ou assim pensei, quando já divagava além da pista a respeito desses dias difíceis que ele menciona.

— Acho que a Flávia tem esse entendimento, mana. E muito mais medo porque te conhece. Sabe dos teus princípios. Sabe muito bem também o que fez. E eu... eu só quero que considere isso, sabe? Não deixo de pensar no tempo que a gente perdeu da gente mesmo por um raio de má comunicação.

Mordo o lábio sem deixar de ouvir nenhuma de suas palavras, por mais que já não consiga encarar isso. Nem mesmo a meu irmão. Apenas vago pelas luzes piscantes e trechos pouco iluminados já quase chegando à casa da Flávia.

Ao enfim chegarmos à rua dela e Murilo estacionar atrás do que parecia ser o carro do Aguinaldo, paraliso. Não sei se vou conseguir entrar. Não sei nem se vou conseguir sair do carro. Estava tão determinada e agora... não sei se quero voltar. Não sei mesmo o que quero.

Com o motor desligado, Murilo tira o seu cinto e se vira pra mim.

— Desculpa se falei demais. Acho que só não quero que vocês se percam assim... Não assim, entende? Mas... Tá, falei demais. Devia ter ficado na minha.

Abro os olhos que não percebi ter fechado e só respiro novamente. Isso é só a ansiedade, me atento. Me movo puxando também o cinto de segurança e penso no que me fez vir aqui. No que me fez começar isso.

O próprio medo. As barreiras. Havia mágoa, mas também havia carinho. Não teria feito todo um alvoroço de salvá-la do Juliano se não fosse um sentimento forte como esse. E claro, fazer algo de que me orgulhe.

— Não deixa de ser sua maneira de fazer melhor, né. E por mais que mexa comigo, eu agradeço.

— Então vai entrar?

— Vou.

— E vou com você.


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Notas finais do capítulo

Por muitos anos usei álcool iodado por isso mesmo hahaha
E AMO COMO O UNIVERSO ÀS VEZES MANDA A MÚSICA CERTA - ou a indireta certa. E amando demais e cada vez mais esse novo Murilo gentil consigo e com os outros. Que pondera e arrisca em abrir o coração.

E agora vem aí esse encontro. Trechinhos?

"- Eu só vi... coisas!
Me viro de volta, sem entender.
— Viu o arquivo?!"

e

"- Por favor, Milena.
Sem me dirigir a ele e atender a esse seu pífio pedido, só digo:
— Vou ter que chamar o Murilo?"

SE O SONO PERMITIR, VEM AÍ O PRÓXIMO CAPÍTULO
falta só revisar



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