Memórias tristes e felizes escrita por kagomechan


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453555/chapter/1

Mesmo depois de tantos anos, Gilbert lembrava-se claramente daquela época de tantos anos atrás. O albino estava em sua biblioteca quando um livro lhe chamou atenção, ele o pegou e abriu numa página já marcada de tanto que ele já tinha aberto sempre no mesmo lugar e então começou a lembrar daqueles dias...

Carruagens passavam pelas ruas de Berlim carregando pessoas que seguiam para fazer seus afazeres; jovens damas com seus vestidos caros provavelmente bancados pelos pais ou por amantes e namorados, jogavam conversa fora; camponeses compravam o pão para alimentar a família. A cidade de Berlim, na Prússia estava cheia de vida sob o governo absolutista de Friedrich Wilhelm I, sob o governo dele, o país havia crescido forte, próspero e seguro, e era sobre isso que Gilbert refletia apoiado sobre o parapeito da ponte que cruzava o Rio Spree que serpenteava por sua querida Berlim. O rapaz de cabelos brancos e olhos vermelhos não sabia há quantos minutos já estava ali pensando em todos os tipos de coisas conforme via o movimento ao seu redor até que ouviu uma voz se aproximando e o chamando.

- Gilbert... – disse a voz de um jovem.

O prussiano se virou e deu de cara com um jovem de quase 30 anos, cabelos castanhos claros e olhos azuis. Gilbert sabia bem quem era ele, era Friedrich II, filho de Friedrich Wilhelm I.

- Pela cara eu diria que encontrou o livro que procurava... – disse Gilbert abrindo um sorriso um tanto desafiador enquanto cruzava os braços.

- Sim. – respondeu o outro o mostrando para Gilbert – parece ser um livro muito interessante sobre alguns filósofos...

- Sabe que seu pai não vai gostar disso né Fritz?

- Não vai contar para ele né?

Gilbert deu de ombros.

- Ainda não entendo porque você não gosta de batalhas e coisas do tipo... Se gostasse, nós poderíamos um dia competir num duelo! Mas óbvio que eu ganharia!

- Façamos um duelo então... Xadrez... Quero ver você ser tão incrível nesse como você diz ser, Gilbert.

- Pff. – resmungou Gilbert virando a cara.

Depois da breve conversa, Gilbert e Friedrich foram voltando para a mansão da qual Friedrich havia “fugido” para ir em busca desse livro. A desculpa da vez foi que ele iria pesquisar algum livro de Arte da Guerra e Gilbert iria como o “vigia” para que Friedrich não inventasse de tentar escapar de novo, assim como ele havia feito quando era mais novo resultando em graves consequências. No caminho, Gilbert parou para olhar para Friedrich com o canto do olho. Provavelmente logo ele subiria ao trono, afinal seu pai estava ficando velho... Muito velho... Todos sabiam que ele não duraria muito e então seria a vez de Friedrich ser o rei da Prússia. Ao pensar na ideia, Gilbert se sentia de certo modo incomodado com a situação... Gilbert ainda não entendia porque, talvez não conseguisse imaginar aquele jovem que gostava de música e filosofia sendo o rei da Prússia... Seu rei... Mas ao mesmo tempo sentia que talvez ele fosse um bom rei... Com alguma ajuda talvez. Gilbert sacudiu sua cabeça balançando seus alvos cabelos tentando varrer aqueles pensamentos. Já havia visto vários reis subirem ao trono e então caírem... Reis bons, ruins, fracos, malévolos ou bondosos. Talvez estivesse apenas curioso para ver como Friedrich reagiria ao peso de governar um reino.

Quando os dois chegaram à mansão, Friedrich foi logo para o quarto de seu velho pai, pois o mesmo havia pedido para passar lá quando voltasse para ter certeza de que o filho não estava tentando fugir de novo.

- Voltei pai – disse Friedrich.

- Fico feliz em ver, meu filho. Não quero ter que mandar meu primeiro filho para o esilo novamente – disse o velho.

Friedrich I estava numa situação de dar dó, velho, acabado, de cama... sua voz mal tinha força a força que tinha antes. Não dava mais para ver ali naquele homem o governante que havia feito tão bem a Prússia, tudo o que se via era um homem debilitado. Gilbert estava a porta olhando a cena, já havia visto vários líderes partirem e diria que esse logo seria mais um.

Como se o destino estivesse lendo a mente de Gilbert, poucos meses depois Friedrich I partiu. Depois da cerimônia fúnebre, ocorreu a cerimônia de coroação... Fritz... O jovem que Gilbert queria ver como iria se sair, tornou-se Rei da Prússia. Entre as festas e demais eventos de níveis de futilidade variados, também haviam serviços importantes, papeladas e decisões complicadas para Fritz tomar sem lhe deixar tempo de sentir a dor da perda do pai.

O sol já estava se pondo deixando o céu com um lindo tom de alaranjado enquanto Fritz estava sozinho na mesinha de seu quarto lendo e escrevendo um monte de coisas importantes. Seus olhos estavam cansados e cheio de olheiras, o cabelo bagunçado e as mãos sujas de tinta. Gilbert passava no corredor dali e pela fresta da porta viu o que acontecia ali dentro, ele abriu mais a mesma e foi até Fritz.

- Está sendo muito trabalho para você, Fritz? – disse Gilbert com um sorriso no rosto e cruzando os braços parando por trás de Fritz.

-... U-um pouco... – disse Fritz exausto soltando um pesado suspiro e soltando tudo que segurava para então começar a se espreguiçar e alongar. – Não esperava que pudesse ser assim tão complicado...

- Mas é claro! Você é o líder do melhor país do mundo! – exclamou Gilbert alegre fazendo Fritz abrir um pequeno sorriso que não conseguia esconder seu cansaço.

- Não sei como consegue ser tão alegre assim... E egocêntrico.

- Não sou egocêntrico. Apenas tenho noção de quão grande é minha grandeza!

Fritz deu mais uma leve risada, alegrava ao Gilbert ser útil ao menos para aliviar o estresse do outro. Apesar da cara de cansaço que Fritz estava, Gilbert tinha que admitir que ele estivesse se esforçando bastante. Aquela conversa era a primeira normal que eles tiveram desde morte do pai de Fritz, as outras conversas foram puramente de assuntos políticos e questões do país. Fritz parecia muito preocupado em saber da opinião de Gilbert. Uma parte do albino torcia para ser sua opinião como pessoa, mas sabia que era sua opinião como pais, e pensar nisso o fazia suspirar. Fritz voltou a encarar a montanha de papeis que ele tinha para ler, escrever, assinar e coisas do tipo com um olhar cansado de quem não gostava de ver o quão grande ela estava. Ele bocejou de cansaço enquanto Gilbert olhava para ele com preocupação.

- Você vai mesmo aguentar esse pique todo até ficar velhinho? Dando tempo ainda por cima de gerar um herdeiro? – perguntou Gilbert.

- Não acho que eu vá chegar a gerar um herdeiro... – disse Fritz sem encarar Gilbert – mas tenho que fazer tudo... Afinal... Sou... Responsável por esse país grandioso não? – disse Fritz com a voz cada vez mais cansada até que finalmente ele soltou um grande bocejo e dormiu em cima dos papéis.

Gilbert soltou um suspiro olhando para Fritz com um pequeno sorriso de canto. O albino foi então até a cama do chefe, pegou o cobertor com a intenção de cobrir Fritz, mas parou. Estaria mesmo tudo bem cobrir ele? E porque estava fazendo isso exatamente? Ok... A Prússia não era um dos lugares mais quentes do mundo nem de longe, ele poderia pegar um resfriado se não se protegesse bem durante a noite, mas... Não ficaria estranho quando ele acordasse? Não teria outra pessoa que poderia ter feito isso já que algum serviçal iria provavelmente tentar o acordar ou o deixaria ali mesmo. Gilbert corou de leve constrangido com a própria ideia enquanto desviava o olhar. Com raiva do próprio pensamento, tacou o cobertor de qualquer jeito em Fritz e saiu do quarto com raiva. O cobertor caiu bem na cara de Fritz cobrindo mais a mesa do que o corpo do governante que levado pelo seu cansaço, continuou a dormir.

Saindo do quarto de Fritz, Gilbert se trancou em seu quarto fazendo questão de bater a porta com força. O albino se sentou em sua cama e enterrou o rosto na palma de suas mãos.

- Que porra foi essa? - perguntou Gilbert para si mesmo com raiva. As mãos em seu rosto impediria qualquer um de ver... Mas ele estava vermelho.

Gilbert tentava não pensar nisso, mas conforme os dias, semanas e anos passavam, mas complicado aquilo se tornava. Certo dia, quando a chuva caia fortemente sob o palácio deixando todos presos dentro dele, Fritz estava olhando pela janela admirando a chuva cair no grande jardim do lugar enquanto discutia educadamente com um de seus conselheiros.

- Senhor, aconselho-o a buscar uma rainha – disse o conselheiro para Fritz enquanto Gilbert abria a porta do lugar entrando no cômodo.

“Ah claro, uma rainha.” Pensou Gilbert um tanto cabisbaixo e logo se xingou por se sentir triste por aquilo. Já havia várias semanas que estavam discutindo esse assunto com Fritz, mas tudo o que ele fazia era ignorar ou falar que não via nas mulheres uma prioridade no momento. Gilbert às vezes gostava de ouvir isso... Preferia Fritz sozinho. Embora o albino já tivesse suspeitado de seus sentimentos, ele não queria os admitir para si mesmo e muito menos para Fritz ou para qualquer pessoa que pudesse o ajudar.

- Sabe que tenho prioridades maiores do que mulheres... – respondeu Fritz calmamente sem desviar seu olhar da janela - o fato de ter me separado da mulher com quem meu pai me obrigou a casar já não é prova suficiente disso?

- O senhor precisa gerar algum herdeiro para o trono – continuou o conselheiro.

- Quando chegar o dia em que eu partirei, nomearei alguém digno do mesmo. – respondeu Fritz – agora vá, quero conversar a sós com Gilbert.

Gilbert estava com os pensamentos perdidos devido a Fritz ter mencionado o “partir”. Como podia ser a vida humana algo tão frágil? Na melhor das hipóteses conseguiam chegar a pouco mais de uma centena de vida e então morriam.

- Tsc – resmungou Gilbert virando a cara um tanto corada enquanto o conselheiro saia. Com o canto do olho, o albino então olhou para seu chefe que estava com o olhar perdido no jardim chuvoso do lado de fora. Gilbert o olhava e o via agora como um pedaço de porcelana devido aos pensamentos que estava tendo até então e com isso percebeu os traços no rosto do regente e então se lembrou de que Fritz um dia envelhecia embora no momento ele estivesse com pouco mais de 35 anos. Quanto tempo mais ele iria durar?

- Gilbert... – disse Fritz quebrando o silêncio – tenho notado que tens me evitado ultimamente.

- Está imaginando coisas – respondeu Gilbert cruzando os braços sabendo muito bem que era verdade.

- Não... Não tenho... Já notei que várias vezes você vai entrar em algum lugar e ao me ver, você dá meia volta. Provavelmente você não teria entrado aqui hoje se eu não tivesse lhe chamado.

Gilbert ficou em silêncio, ele sabia muito bem que era verdade o que Fritz havia dito. O albino tentara controlar seu coração com a distância, sabia muito bem que não daria certo se aqueles sentimentos que moravam em seu peito crescesse ainda mais.

- Gilbert... – insistiu Fritz mais uma vez virando-se da janela e então olhando para Gilbert com um olhar que era ao mesmo tempo de preocupação e também de tristeza – me conte o que está havendo.

- Já disse que não está havendo nada! – exclamou Gilbert virando-se de costas para o regente devido ao seu rosto corado.

- Se você diz... – disse Fritz soltando um pesado suspiro desistindo da discussão. – Não sei o que possa ter te levado a ficar com raiva de mim Gilbert... Mas saiba que eu gosto muito de sua amizade.

Aquelas palavras agiram como facadas sobre o coração do albino. Amizade. Como poderia uma palavra tão simples se tornar tão dolorosa? Gilbert simplesmente não conseguiu mais permanecer naquela sala sozinho com Fritz. Ele saiu a passos pesados e ao passar bateu a porta com força.

O tempo foi se passando sem que não muito melhorasse dessa complicada situação que estava entre os dois. Gilbert acabou aceitando seus sentimentos então começou a parar de ignorar Fritz, embora a paixão começasse a o consumir, principalmente quando estava sozinho à noite em seu quarto tentando cair no sono. No começo de 1750, Gilbert estava sentado a luxuosa mesa comendo seu almoço ao lado de Fritz que já estava com 38 anos.

- Estou pensando em compor uma nova Sonata, Gilbert - disse Fritz segurando a taca com suco e girando-a em sua mão.

- Mais uma? Quantas você já fez até agora?

- Não lembro bem o número neste momento – disse Fritz com uma leve risada – contarei e lhe falarei quantas são. Acho que ter conhecido Bach me deixou mais inspirado... Soube que ele andou escrevendo uma nova composição? Diz ele que é inspiração de nosso encontro.

- Você vai acabar chamando-o para o palácio novamente.

- Ora e porque não? Suas composições são mesmo magníficas.

- Nunca vi um regente pra gostar tanto de música e filosofia como você. – disse Gilbert revirando os olhos - e apesar disso... Ainda te chamam de “Rei das batatas”.

Fritz deu uma leve risada com aquilo e voltou sua atenção para o prato de comida. Poucos minutos depois de ele terminar de comer, um empregado entrou timidamente na sala de jantar.

- Senhor – disse o empregado – o senhor Voltaire acaba de chegar.

- Magnífico! - exclamou Fritz se levantando imediatamente da mesa – deixe que entre, prepare um chá enquanto conversamos na biblioteca.

Gilbert revirou os olhos e, bufando baixinho de raiva, encostou o rosto na mão e o cotovelo sobre a mesa vendo Fritz sair pela porta. Ele havia conhecido Voltaire já há algum tempo e agora os dois estavam irritantemente grudados. Gilbert não sabia nada dessa visita de Voltaire, mas de uma coisa sabia, quando Fritz estava falando com Voltaire, o regente esquecia do mundo e isso incomodava muito Gilbert que se sentia deixado de lado e sentia a inveja e o ciúmes o corroendo por dentro.

Depois de alguns minutos, Gilbert resolveu ir para onde Fritz estava conversando com Voltaire.

- Magnífico! - dizia Fritz para Voltaire enquanto Gilbert abria a porta – e quanto tempo você pretende ficar morando aqui nessa cidade?

- Alguns anos sem dúvida. Ainda não tenho certeza de quantos. – respondia Voltaire – assim ficará bem mais fácil de nos falarmos.

- Será muito bem vindo aqui todos os dias. – respondia Fritz.

Aquela estava bem longe de ser a memória favorita de Gilbert, muito menos as visitas constantes que se seguiram de Voltaire. Mas o que surpreendeu o albino quando Voltaire disse que iria morar naquela cidade, foi o olhar de alegria no rosto de Fritz. O regente estava com os olhos brilhando e um sorriso de canto a canto. Gilbert nunca havia o visto com o rosto mais alegre e notar isso, fez o albino sair da sala melancólico, pois nunca veria aquele mesmo olhar do regente direcionado para si.

De volta ao tempo presente, Gilbert fechou o livro que lhe havia feito viajar por tantas lembranças. Mas havia uma que ainda faltava, e para essa, Gilbert se sentiu na necessidade de fazer uma pequena visita.

Gilbert lembrava-se bem daquele dia em que havia decido ir a biblioteca atrás de Fritz que já estava com 74 anos. Quando o albino entrou na biblioteca, sentado sobre sua querida poltrona, estava o velho Fritz, um livro sobre seu colo estava aberto e o olhar era de quem estava adormecido tendo belos sonhos.

- Fritz... Isso lá é lugar de dormir? – dizia Gilbert enquanto se aproximava do regente – vai acabar ficando doente, está frio.

Fritz não havia respondido provavelmente o sono estava muito bom. Gilbert pegou levemente no ombro do regente e com uma expressão de espanto enquanto seu rosto, já branco, ficava ainda mais branco Gilbert notou com horror que Fritz não estava dormindo. O albino se afastou com uma expressão de terror, suas mãos tremiam enquanto ele soltava o ombro do regente. Não conseguia acreditar, não queria acreditar.

- FRITZ! FRIEDRICH! FRIEDRICH SEU MALDITO! ACORDA! – gritava Gilbert segurando os ombros de Fritz com os olhos se enchendo de lágrimas – Não... NÃO!

Gilbert gritava. As lágrimas já não conseguiam ser mantidas presas em seus olhos. Aquela gritaria foi ouvida por outros, pois logo pessoas entraram pela porta e ficaram paralisadas com a cena enquanto Gilbert caia de joelhos no chão tremendo e sem conseguir controlar as lágrimas que rolavam pelo seu rosto.

O albino não fazia ideia de quanto tempo ele passou lá no chão chorando e tremendo até que conseguiu dizer, com uma voz fraca e falha, bem baixinho para ninguém mais ouvir e entre vários soluços.

- Eu te amo...

Gilbert não conseguia esquecer aquele dia, e às vezes ele voltava em seus pesadelos. Agora, anos depois do acontecimento, lá estava Gilbert novamente de joelhos e com lágrimas rolando pelos olhos. Mas dessa vez, não era na biblioteca do palácio e sim em frente de uma lápide escrito em letras onduladas e pomposas “Friedrich der grosse” e com um buque de flores que Gilbert havia acabado de colocar. Gilbert olhou para a lápide, e entre suas lágrimas, um pequeno e fraco sorriso brotou.

- Fritz... Eu ainda te amo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Memórias tristes e felizes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.