Pretty dress escrita por pennyweather


Capítulo 2
Capítulo l


Notas iniciais do capítulo

Você aqui de novo? Me abraça.
Esse capítulo, aliás, é apenas mais um exemplo do que carinhosamente chamo de "surtos criativos da madrugada". Então... heuaheuaeu
Boa leitura!



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Gale rolou os olhos. Um ano atrás estava metido na linha de frente de uma bruta guerra. Fazia planos de ataque, dava seu sangue em lutas e fazia o seu melhor para proteger sua nação das mãos egoístas e opressoras do governo. Ele era um herói da revolução, um homem sem medos, alguém admirado – e até mesmo temido – por todos ao seu redor.

E agora a coisa mais perigosa que fazia era enfrentar aquela fila aglomerada de pessoas, todas com o mesmo objetivo: levar comida para casa. Claro que Gale preferia caçar na floresta, escutando os ruídos do vento e o canto dos pássaros. Sentia-se realmente vivo quando estava entre as árvores, enchendo o pulmão com o ar puro e inebriante da floresta, mas agora estava no Distrito 2, e não havia nada muito além do cinza das construções.

Mas, céus! Gale Hawthorne em uma fila da quitanda? Um homem que conseguia segurar uma arma com a maior facilidade do mundo agora estava segurando uma sacola repleta de frutas enquanto lutava por um espaço em uma fila cheia de tiazinhas?

Tarefas corriqueiras não eram mesmo o seu forte. Ou talvez ele simplesmente tivesse alcançado um nível de desânimo e descaso tão alto que qualquer coisa deixava-o irritado.

De qualquer forma, sempre fora de natureza quieta. Ele era sombrio como a noite. Algumas pessoas encantavam-se com o seu jeito sorrateiro, outras se sentiam levemente incomodadas. Mas não as culpe: se você visse um homem como Gale Hawthorne nas ruas, provavelmente se sentiria desconfortável também.

Ou se apaixonaria - o que era o caso de algumas mulheres do Distrito.

Eram tempos gelados. As nuvens cinza no céu indicavam que logo começaria a nevar, mesclando-se umas às outras, impedindo a visão do céu azul que se escondia por trás das grossas nuvens. Uma fina camada de neblina começava a erguer-se do chão e, ao notar isso, Gale não pôde deixar de sentir certo descontentamento: o fato de ele já ter se sujeitado a temperaturas extremamente baixas não tornava obrigatório ele gostar do frio. Além disso, Gale detestava a neve. Detestava mesmo.

De todo o modo, aquele amontoado de gente só servia para piorar o seu humor. Simplesmente não conseguiu evitar o resmungo que saiu de sua garganta quando uma mulher, mais à frente, começou a discutir com uma senhora encurvada e diminuta a respeito do preço absurdo das maçãs. Esse tipo de situação era a última coisa de que Gale precisava, então ele simplesmente cruzou os braços fortes e bufou – hábito que se mostrava presente quando seu humor não estava lá essas coisas (ou seja, quase sempre).

– Foi sem querer, foi sem querer! Me larga! – Uma voz estridente de criança exclamou, não muito longe do lugar em que Gale estava. O moreno virou o rosto, à procura do dono da voz, até que o encontrou. Um menino de aproximadamente 12 anos balançava as pernas no ar, tentando soltar o colarinho de sua camisa das mãos gorduchas de um homem velho e barbudo que mais parecia um botijão de gás. Mesmo a distância, Gale pôde notar os olhos azuis do menino, que se destacavam em meio àquela massa cinza de pessoas e brilhavam com certo quê de súplica.

– Delinquente... Sem querer, huh? – O homem soltou uma risada alta, sem humor, de certo modo até cruel. – Diga-me, rapazinho... Como esses morangos foram parar magicamente em sua mão? – Ele questionou, estendendo com a mão livre algumas das frutas.

O menino engoliu em seco, até que seus olhos safira arregalaram-se ligeiramente. Gale conhecia aquela expressão. Havia visto-a várias vezes estampada no rosto de Rory: o menino estava tendo uma ideia.

– Não é minha culpa! Eu juro! – O garoto afirmou, fazendo uma pequena pausa para regular a respiração. – Eu... Escute, toda vez em que tento me livrar desses seus malditos morangos, eles reaparecem em minha mão!

Aonde ele queria chegar?

– Já chega. Foi longe demais. – O velho disse entredentes. Ergueu um pouco mais o punho que segurava o colarinho da criança, e o rosto do menino ficou ainda mais vermelho.

– Eu posso te provar, senhor! – Olhos esbugalhados, lábios comprimidos, sobrancelhas franzidas: a mais pura expressão de desespero.

– Prove, então. – O homem resmungou, largando aquele pedaço de gente com certa ignorância. Abriu um sorriso sarcástico, desdenhoso, e então fez um gesto com a mão, entregando ao garoto o punhado de morangos. – Vamos lá, pirralho. Prove.

Foi a vez de o menino sorrir. Posicionando um pé ligeiramente atrás do outro, ele inclinou o tronco para trás e segurou os morangos um pouco acima de sua cabeça. Alguns segundos depois as frutas foram lançadas ao ar e caíram a metros de distância, sumindo entre as árvores da praça.

– E então? – O homem abriu um sorriso vitorioso, encarando o seu pequeno inimigo que, por sua vez, mantinha uma expressão indecifrável. – Cadê a mágica? – Apontou para as mãos vazias do garoto, com um ar desafiador. – Onde estão os morangos, huh? Quando vão reaparecer?

E então o menino pendeu a cabeça para o lado, adotando uma posição confusa. Parecia um tanto... desnorteado.

–... Que morangos?

Os olhos do velho vendedor perderam o foco, e ele agarrou o colarinho do pequeno ladrão, de novo.

– Você sabe do que estou falando. Onde estão os morangos, ladrãozinho? – Trovejou. Podia-se sentir, ao longe, a tensão do homem. Gale travou a maxilar enquanto observava o rosto do garoto avermelhar. Infelizmente – ou felizmente -, o menino não parecia ser o tipo que desiste fácil. Ele esboçou sua melhor expressão inocente e abriu um pequeno sorriso de canto.

– Não sei do que o senhor está falando. Em momento algum estive com os seus morangos.

– Estava com eles há dois minutos, pivete. Não tente me enganar.

Eu? – Ele piscou os olhos azuis de vidro, deixando a boca entreaberta. – O senhor ao menos tem provas?

Gale não pôde evitar o pequeno – e raro – sorriso que se formou em seus lábios. Aquele garoto era esperto.

– Insolente! – O velho berrou, erguendo o garoto, quando se deu conta de como fora burro. Todas as pessoas na fila pararam para ver o que aconteceria a seguir. Até mesmo as duas briguentas pararam de discutir e viraram o rosto para observar. – Vai aprender sua devida li...

– Largue o garoto. Agora. – Uma voz forte manifestou-se. O velho desviou o olhar de seu alvo inicial e deu de cara com ninguém mais, ninguém menos que Gale Hawthorne: um dos veteranos de guerra mais admirados de Panem.

– A conversa ainda não chegou ao quartel, seu...

– Por favor, cale essa boca – Gale resmungou, tirando o menino das mãos do velho e colocando-o no chão. – Ele está comigo. – E remexeu os bolsos, entregando o dinheiro ao rabugento. Depois, com a maior naturalidade do mundo, pegou um punhado de morangos da cesta e entregou ao garoto dos olhos brilhantes, que sorria.

– Vamos logo. – O Hawthorne disse, pousando a mão no ombro de seu aparente novo amigo e deixando um vendedor rabugento, uma dúzia de mulheres surpresas e vários suspiros para trás.

~*~

– Você viu a cara dele? Estava se cagando de medo de nós! - O menino exclamou sorridente. Saltou para evitar uma rachadura no asfalto e virou o corpo para olhar Gale, andando em ré. Seus cabelos loiros foram jogados para trás pelo vento, e ele fez uma careta.

– É, talvez. – Gale deu de ombros, chutando uma pedrinha e colocando as mãos nos bolsos da calça surrada. Ergueu o olhar do chão para poder fitar o garoto e perguntou-se onde o menino morava, e que tipo de pais ele tinha para precisar roubar comida por aí.

– Você é meio quieto. – O garoto sem nome observou, pensativo. Estreitou os olhos claros, como se estivesse analisando milimetricamente cada detalhe daquele soldado enorme que parecia ter o triplo de seu tamanho. Como não obteve resposta alguma para seu comentário, continuou. – Você é aquele cara da tevê, não é? Gayle alguma coisa.

– É “Gale”. – O homem respondeu, rolando os olhos. - E, sim, eu trabalho na televisão.

– Você parece mais simpático nas telonas.

– Escute, moleque. Posso ter te livrado de uma bela encrenca, mas posso te meter em outra com a mesma facilidade. – Gale retrucou. Nem mesmo a inocência de uma criança era capaz de aliviar seu humor. Ele era duro como uma pedra, e não acreditava que coisa alguma pudesse mudar isso algum dia.

Ele estava errado, é claro.

– Ei, desculpa! – O menino ergueu os braços, rendendo-se. Estava, provavelmente, tentando parecer sério. Mas sua risada foi o suficiente para acabar com os seus planos. Em um movimento rápido, ele estendeu a mão. – Me chamo Nathaniel. Pode me chamar de Nate, se quiser.

Gale apertou a mão de Nathaniel, o garoto dos olhos brilhantes.

– Podemos partir para a parte em que me interessa – Gale disse. – Por que estava roubando?

Nathaniel encolheu os ombros, abraçando o próprio corpo com os braços. Sua resposta soava tão ridícula em sua mente; resolveu, então, ficar em silêncio. Pensando nisso, ele soltou um muxoxo e esperou que o soldado não fizesse mais perguntas. Mordeu o interior das bochechas, um pouco envergonhado por parecer tão estúpido, e expirou o ar pela boca, estreitando os olhos azuis enquanto observava as nuvens. Uma pequena névoa branca formou-se e dissipou-se não mais do que alguns segundos depois.

– Por que está me seguindo? – O menor perguntou, por fim. Ao ouvir a pergunta, Gale revirou os olhos e coçou displicentemente o nariz gelado, virando a esquina junto do garoto.

– Vou te levar para casa. Chega de problemas por hoje.

Andaram por quase quinze minutos e não conversaram mais. Nate limitou-se a ficar cantarolando e tamborilando os dedos na calça, distraído, já que percebera que investir em um papo com o grandalhão ao seu lado resultaria em coisa nenhuma. As ruas estavam pouco movimentadas, provavelmente por conta do tempo, e a névoa impedia qualquer um de enxergar muito à frente. Todas as janelas estavam trancadas e mal se via a luz de dentro das casas por conta das grossas cortinas.

Gale não desfez a carranca por um segundo sequer até que reconheceu a canção que Nathaniel murmurava. Só conseguiu captar alguns trechos, mas sabia exatamente qual era a música.

Are you, are you

Coming to the tree

When they strung up a man they say murdered three

Strange things did happen here

No stranger would it seem

If we met up at midnight in the hanging tree

Uma coisa estranha aconteceu. Gale perdeu o ar e uma sensação de pânico tomou conta de seu corpo. Ele puxou Nate para si e tapou-lhe a boca com as mãos, desesperado, e começou a olhar para os lados.

Por favor, que nenhum pacificador tenha escutado. Por favor. Por favor.

Nathaniel começou a balançar as pernas, tentando inutilmente tirar as mãos de Gale de sua boca. Nada do que tentava dizer era compreensível e ele se esforçava para conseguir sair dali.

Uma pequena observação a respeito de Gale Hawthorne: Ele tinha surtos de pânico toda vez em que algo de seu passado vinha à tona. Quando isso acontecia, ele se esquecia de que Panem havia mudado e que coisas como pacificadores e bestantes não existiam mais.

– Cale a boca, seu idiota! Os pacificadores... Eles não... Eles...

Perdeu a fala. Essa é a parte em que ele se dá conta de que não está mais no Distrito 12 da velha Panem.

Largou Nate e sentou-se na calçada, colocando as mãos na cabeça e escondendo-a entre os joelhos. Sua respiração saiu trêmula, quase rasgando sua garganta.

Vamos, Gale. Acalme-se e conte até três. Não é tão difícil.

Travou a maxilar, fechando os olhos com força, tentando situar-se. Por que a calçada estava girando?

Are you, are you

Coming to the tree

Where the dead man called out for his love to flee

Strange things did happen here

No stranger would it seem

If we met up at midnight in the hanging tree

Não, não, não. Aquela música não. Lembranças invadiram sua mente como uma enchente, tão assustadoras que o impediam de tentar se acalmar. Pacificadores. Gritos. Estrondos e casas em chamas. Morangos e um par de olhos azuis. Armadilhas.

Vamos, Gale. Conte. Conte!

Inclinou o tronco para frente e abriu os olhos tempestuosos, encarando o asfalto.

Um...

“Primrose Everdeen!”

Dois...

"Eu sei.”

Três.

“Bem, se eu acabar indo para a Capital, vou querer estar com uma boa aparência, não é?”

Pronto.

Gale engoliu uma grande quantidade de ar quando o mundo ao seu redor parou de girar. Ele sentiu uma mão fria afagar-lhe o ombro enquanto piscava freneticamente os olhos, recuperando-se do surto que tivera.

– Ei, soldado. Tá tudo bem? – Nate murmurou, a voz vacilando um pouco. Estava assustado com o ocorrido de segundos atrás. Já havia visto muitos ataques parecidos.

Gale assentiu lentamente com a cabeça, apoiando as mãos no chão e fazendo força para levantar-se.

– Estou. Desculpe.

Nathaniel comprimiu os lábios e deu alguns tapinhas de consolo no ombro de Gale, observando o homem com atenção. O rosto do Hawthorne estava pálido e ele piscava com uma frequência estranha; era, de fato, uma visão esquisita. O menino torceu o nariz, pensando em algo para dizer. Não obtendo uma ideia satisfatória, ele ficou quieto e voltou a caminhar com Gale ao seu encalce.

~*~

Gale bateu à porta, sério, enquanto Nathaniel escondia as mãos atrás das costas e aguardava. Era uma casa simples, pequena, mas certamente bem cuidada. Uma árvore erguia-se no gramado verde que se estendia na frente da casa e algumas flores se espalhavam por ali, pontilhando o jardim com suas cores vibrantes.

– Seus pais estão em casa? – Gale franziu a testa, virando o rosto para o garoto loiro. O menino estacou e começou a brincar com os dedos, os olhos vazios.

– Eu não...

Antes que pudesse continuar, a porta abriu-se. Gale desviou o foco do menino e seu coração quase parou quando ele pousou o olhar na figura que o encarava, perplexa.

E as lembranças voltaram. Voltaram porque a garota que estava parada ali fazia parte de seu passado.

Um par de olhos azuis. Pés de morangos. Um vestido branco enfeitado por um pequeno broche. Longos cabelos loiros que escorriam em cascata, uma cortina de fios clara e brilhante. Uma garota, um sorriso. E então bombas, gritos e escuridão.

– Madge... Madge Undersee?


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Notas finais do capítulo

Final digno de um episódio de "Avenida Brasil", apenas. heuaheua
Reviews incentivam autores. Por favor, faça uma Pennyweather feliz. < 3
Até a próxima!
Penn



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