Os Olhos que Encontraram os Meus escrita por Yukii


Capítulo 20
Capítulo 20 - The Call


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo! o/



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O ambiente da Vila da Chuva era escuro e úmido. Ali parecia ser o completo oposto do que era Konoha: as pessoas não paravam para se falarem nas ruas, não olhavam nos olhos das outras, e falavam absolutamente aquilo que era necessário, em sussurros. O calor humano que envolvia a Vila da Folha parecia estar morto ali.


Apesar de tudo, Sakura não via outra opção. Chegara exatamente ao ponto que mais temera, em toda a sua vida: o abandono total. Ninguém agora iria aceitá-la de volta em sua vila. Não com a criança que ela carregava no ventre. Seus pais seriam os primeiros a rejeitá-la, sem dúvida: reclamariam que ela era jovem, que desperdiçara sua vida por nada, condenada à cuidar de uma criança com sangue de Uchiha; ela conhecia-os bem demais para saber suas reações, e a última coisa que queria no mundo era decepcioná-los. Naruto e Sasuke, provavelmente... ela nem conseguia imaginar como os dois amigos reagiriam. Naruto podia ter tudo no mundo contra Itachi, mas talvez ele tentasse compreender um pouco o lado da amiga. Ou talvez não. E Sasuke... era uma incógnita. Talvez ele sequer reagisse de alguma forma.


Nunca mais soubera nada de Itachi. E não tinha sido por falta de procura.


Mas não estava totalmente sozinha: ainda restavam uns poucos alicerces sustentando-a. Esses alicerces concretizavam-se em Misha, sua colega de missões, que agora estava provando ser bem mais que uma simples conhecida. Não questionara, nem duvidara, nem discordara em algum momento; conseguiu um pequeno quarto na Vila da Chuva para a colega, e disponibilizou-se a ajudar com tudo.


E era nisso tudo que Sakura pensava, os pés descalços tocando o chão de madeira do quarto escuro e sujo, os olhos vidrados na pequena cama encardida, iluminada pela luz violenta descarregada pelos relâmpagos que se desenvolviam com a chuva. Sua expressão demonstrava um vazio de alma tão grande que Misha chegou a atribuir aquilo a si mesma.


- Etto... - começou a mulher, hesitante. - Eu sei que é pequeno e está sujo, mas... é provisório! Quando o bebê nascer, podemos procurar uma casa e...


A frase foi interrompida por um abraço. Um abraço vindo de Sakura. Misha sentia os braços da amiga apertarem-a com força, enquanto Sakura soluçava, as lágrimas molhando o ombro da nukenin.


- Obrigada por estar aqui - sussurrou a Haruno, a voz muito baixa, interrompida pelos soluços. - Obrigada pelo que você fez por mim, Misha. Muito obrigada mesmo.


Quando separaram-se do abraço, a Akatsuki mirou incrédula a face cheia de lágrimas da garota.


- Ei, você não precisa mais chorar! Está tudo bem, Sakura. Vai ficar tudo bem.


- Será? - murmurou a outra, alisando a barriga com dois meses de gravidez. - Sinto falta... sinto falta dele. Eu sinto que se ele estivesse aqui, me ajudaria a superar tudo isso. Ele não está fugindo de mim, eu sei. Nós apenas... apenas nos desencontramos. - ela virou-se para a janela, tentando esconder as lágrimas.


- Claro, claro - concordou Misha, embora não concordasse de todo. - Mas por hora, você deve pensar no seu bebê.


- Sim - fungou Sakura, limpando as lágrimas com as costas das mãos. Ela sorriu. - Pode parecer estranho, mas descobrir que eu vou ter um bebê me deixou muito feliz.


Misha sorriu, bagunçando os cabelos da amiga e levantando-se com uma disposição ferrenha.


- Agora, vou aproveitar que estou aqui e dar uma limpeza nesse quarto. - ela franziu o nariz. - Está horrível, toda essa sujeira!


- Deixe eu ajudar...


- Não, Sakura, sente aí, eu termino num instante.


- Por favor. - pediu a garota de cabelos rosados. - Eu preciso me sentir um pouco útil.


Misha decidiu não insistir. Juntas, limparam o quarto em silêncio, interrompidas apenas pelos estrondos da chuva.


Duas horas depois, estava tudo limpo e organizado. As amigas miraram seu trabalho, satisfeitas.


- Agora só precisa de uns retoques - concluiu Misha, puxando as colchas velhas e encardidas da cama. - Eu sei que é provisório, afinal, você não poderia morar com seu bebê num hotel como este... - ela fez uma careta. - ... mas limpeza nunca é demais. Vou trocar isso aqui. - ela sorriu, indicando as colchas de cama, e saiu do quarto.



Uma vez sozinha no quarto, e exausta pela limpeza, a garota deixou-se cair na cama, mesmo sem nenhuma colcha. Suas mãos pousaram na barriga, enquanto ela tentava imaginar que havia uma vida ali, uma vida pela qual ela era responsável. Seus olhos miraram o teto escuro, a chuva desabando num temporal infinito. Naquela hora, ela não estava pensando em seu filho, nem em Misha, nem em mais nada.


- Itachi... - ela estava pensando nele.









Os gritos enchiam o pequeno quarto. Gritos de dor, de esforço de desespero. Naquela noite, a chuva caía um pouco mais forte do que o normal. Toda a energia elétrica havia acabado, e o aposento era iluminado apenas pela luz amarelada e bruxuleante de um velho lampião.


- Aguente firme, menina - pediu a velha senhora. - Só um pouco mais.


Enquanto ofegava, o corpo encharcado pelo suor, Sakura sentiu uma certa raiva. Era muito fácil falar "tente só um pouco mais", quando não se estava fazendo nada. Quando forçou seu corpo pela trigésima vez para tirar a criança ali de dentro, sentiu como se seu corpo estivesse sendo destruído, membro por membro, todos tão doloridos e dormentes. Os lençóis estavam encharcados de sangue.


Misha observava a amiga, seus olhos nervosos acompanhando os movimentos da velha parteira. Sua mão ansiosa apertava a de Deidara, como se estivesse tentando quebrar seus dedos.


Sakura gritava, e fazia uma força descomunal, que deixava seus músculos tremendo e sua cabeça pulsando de dor. Não tinha noção de mais nada: ouvia vozes confundindo-se ao seu redor, os gritos da parteira para que ela continuasse, que não desistisse, que fosse até o fim. Era isso que a parteira gritava; mas ela não ouvia.


A visão foi anuviando lentamente; uma claridade tomava conta de tudo, e ela não conseguia enxergar mais nada. A última coisa que teve noção de ouvir foi um gemido, um lamento, como um choro de uma criança.









- É linda.


- E teve muita sorte, veja só, é uma menininha perfeita.


- Não a segure desse jeito, mulher, você vai fazer a criança cair, un.


- Ah, até parece que você entende de bebês, Deidara.


Sakura acordou com os sussurros dos amigos ao seu redor. Piscou uma ou duas vezes, a claridade entrando com violência no seu campo de visão.


- Sakura! - Misha curvou-se para abraçar a amiga; a Haruno sentiu seus músculos torcerem-se desagradavelmente. - Como você está?


- Um pouco dolorida. Mas nada demais. - ela assustou-se com a própria voz, rouca e muito baixa, e deu um sorriso fraco. - O bebê...?


- Está aqui. - a parteira apareceu por detrás de Deidara, segurando um pequeno embrulho. Quando Sakura fez menção de levantar-se, a velha mulher a deteve: - Você perdeu muito sangue, fique onde está, se não pode acabar sofrendo um acidente. É uma menina.


- Deixe eu vê-la melhor - pediu a Haruno, a voz tão rouca que ela mal fez-se ouvir.


A parteira atendeu o seu pedido, aproximando se da cama e encurvando-se, a pequena segura entre os braços. Sakura sentiu os olhos arderem em lágrimas ao ver sua filha pela primeira vez. A garotinha piscou duas vezes, os olhos muito apertados; dava-se para ver que as pupilas eram rubras como as de Itachi.


- É linda - sussurrou Sakura, deixando as lágrimas tomarem conta de si própria. - É a coisa mais linda que já vi.


Esquecendo-se completamente das dores e do cansaço, a Haruno ergueu os braços para a parteira, num pedido mudo. A velha mulher entendeu, e cedeu o bebê à sua mãe. Sakura segurou-a carinhosamente, apoiando a cabecinha rala de cabelos no braço; era tão leve e tão pesada ao mesmo tempo que ela sentia que poderia deixá-la cair a qualquer momento. Ela tocou a pele rosada da criança, sentindo sua maciez e pureza de recém-nascida. Sakura sentiu uma alegria imensa quando os dedinhos curtos e rosados se fecharam em torno do seu dedo indicador.


- Minha filha - sussurrou a mãe, tentando se acostumar com a ideia. - Minha pequena...


- Como será o nome dela? - quis saber Misha.


Sakura mordeu os lábios, enquanto fitava a menina. Uma ideia estranha lhe ocorreu.


- Mikoto - sussurrou - quero que ela se chame Mikoto.


A face da Haruno, repentinamente, carregou-se de tristeza e saudade. Deidara e Misha trocaram um olhar de dúvida. A parteira observou em silêncio, enquanto a jovem mãe abraçava e beijava a testa da menininha.












O céu azul e sem nuvens do País do Fogo resplandecia. As cerejeiras floresciam e deixavam suas folhas caírem ao relento, naquela época do ano; era a época de colheita e fartura, a época que os dias quentes pediam alguma bebida refrescante.


It started out as a feeling,
Começou como um sentimento,

which then grew into a hope,
Que então cresceu e se tornou uma esperança,


E, há um ano atrás, havia sido a época em que uma jovem kunoichi de cabelos rosados havia sido sequestrada por um criminoso de rank S. Mas essa época havia morrido; as mesmas cerejeiras que haviam presenciado a cena continuavam vivas ali, nos arredores de Konoha, encobrindo as silhuetas da Vila.


which then turned into a quiet thought,
Que se tornou então um pensamento quieto,

which then turned into a quiet word,
Que se tornou então uma palavra quieta,


E, por mais que a época tivesse morrido, a protagonista principal daquele sequestro continuava viva. E a lembrança daquela época ainda manchava suas memórias. Um ano depois, seus cabelos rosas não estavam mais longos; estavam mais curtos, porque em um dado momento, ela precisara cortá-los por terem sido queimados pelas chamas do Amaterasu. E nem o cabelo queimado restara-lhe de lembrança daqueles tempos; estava tudo morto.


and then that word grew louder and louder
E então essa palavra cresceu mais e mais ruidosamente,

'til it was a battle cry
Até se tornar um grito de guerra.


Ou não. Nos braços de Sakura, a prova viva de que tudo aquilo acontecera, e de que tudo fora real, dormia, em um sono calmo. Sua mãe apertava-a carinhosamente nos braços. Sua pequena filha. Sua bebê.


- Veja só, eu lhe trouxe para ver um pouco do sol - disse a moça, acariciando os cabelinhos ralos e negros que começavam a nascer, enquanto caminhava pelos arredores de Konoha. - Aqui é um lindo lugar. Temos que nos acostumar a ver paisagens assim, em vez de só ver aquele cinzento da Vila da Chuva! - ela riu para a filha, que retribuiu com um sorriso enviesado e uma risada infantil. Ela não sabia falar, mas sabia sentir os sentimentos dos outros. - Mesmo que... - o sorriso de Sakura se desmanchou lentamente - ...mesmo que nunca mais possamos voltar aqui.


I'll come back when you call me,
Eu voltarei quando você me chamar,

no need to say goodbye
Não há porquê se despedir.


Os olhos de Sakura miravam Konoha, e uma saudade horrível apertava-se no seu peito. Queria entrar novamente por aqueles imensos portões, e caminhar pelas ruas onde brincara e crescera, rever seus pais, seus colegas, seu sensei, sua mestra... sentia saudade de todos. Mas nenhuma saudade superava a que ela sentia por Itachi.


Ver a vila ao longe também lembrava-lhe o pouco tempo que ele passara morando ali. Sentiu seus olhos umedecerem, e rapidamente levou a mão livre ao rosto para secar as lágrimas que teimavam em descer.


Just because everything's changing
Só porque tudo muda

doesn't mean it's never been this way before
Não significa que nunca foi assim antes.


Todos os dias, ela tentava convencer a si mesma. Tentava acreditar que sua vida poderia continuar com um rumo fixo, poderia prosseguir, mesmo sem seus amigos e família... mesmo sem Itachi. Se ao menos o tivesse ali, conseguiria superar a dor que sentia pelas pessoas dentro daquela Vila. Mas ele não estava ali. Nunca mais iria estar. E ela não conseguia conformar-se.


All you can do is try to know who your friends are
Tudo que você pode fazer é tentar saber quem seus amigos são

as you head off to the war.
Enquanto marcha para a guerra.


Sua vida não evoluíra nada, desde que perdera ele. Criava sua filha, dedicando-se ao máximo por aquele pequeno bebê rosado de apenas um mês de idade. Mas Mikoto era a sombra viva do pai. Seus olhos, seu cabelo, tudo. Em tudo, ela remetia a Itachi.


Pick a star on the dark horizon
Escolha uma estrela no horizonte escuro

and follow the light.
E siga a luz.


Quando deu por si, estava chorando.


You'll come back when they call you,
Você voltará quando eles lhe chamarem,

no need to say goodbye
Não há porquê se despedir.


- Itachi! - ela sussurrou baixinho, como num chamado, enquanto chorava.

E tudo aconteceu rápido demais. Rápido demais para ela. O vulto saltou das ramagens, tão rápido que ela não teve tempo de se desviar. Ele agarrou o pulso dela. Ela encontrou os olhos dele, sem querer. Os dois tremeram ao enxergarem um ao outro.


Now we're back to the beginning
Agora nós voltamos ao começo

It's just a feeling and no one knows yet,
É simplesmente um sentimento que ninguém conhece ainda


Os olhos rubros. O cabelo negro. O cheiro dele. O rosto. Tudo continuava igual. Mas ele não era mais um temido criminoso; reduzira-se a um bandido qualquer. Ela também não era mais a valorosa kunoichi médica de Konoha; era apenas uma mãe desgraçada pelo destino. Mas o sentimento continuava tão vivo como antes.


but just because they can't feel it too
Mas apenas por eles não conseguirem sentí-lo também

doesn't mean that you have to forget
Não significa que você tem que esquecer.


E ele lembrava dela. Por isso que tinha agarrado seu pulso daquela maneira brusca, mal a vendo. Ele não queria se perder dela de novo. Pela primeira vez na vida, Uchiha Itachi teve medo. Medo de perdê-la. Medo de ser esquecido por ela.. Mas ela nunca havia esquecido, nem por um único momento. Nunca.


Let your memories grow stronger and stronger
Deixe suas memórias crescerem mais e mais fortes

'til they're before your eyes
Até que estejam diante de seus olhos.


Quando o Uchiha mirou a pequena criança no colo da Haruno, ele não precisou perguntar. Ela não precisou falar. As memórias dele continuavam vivas, lembrando-se de tudo o que haviam feito. Da criança que nascera por causa deles.

- Eu estava sempre... sempre esperando por você. - foi tudo que Sakura conseguiu sussurrar.


You'll come back when they call you,
Você voltará quando te chamarem,

no need to say goodbye
Não há porquê se despedir.


- Eu nunca deixei de procurar por você. - as mãos calejadas dele tocaram a filha, e ele sorriu, incrédulo. - Ela é... minha filha?

- Você uma vez me disse que se eu tivesse filhos, eles seriam seus também. Não estava errado. - ela sorriu, tentando conter a própria felicidade. - Mikoto... olhe para o papai!


O bebê sacudiu as mãozinhas em direção ao pai, com um riso típico de bebê. Itachi olhava aturdido para Sakura.


- Mas... Mikoto... isso é...

- O nome da sua mãe, eu sei - ela sorriu, os olhos úmidos. - Era uma forma de... uma forma de você estar comigo.


- Eu nunca deixei de estar com você, Sakura. - ele se aproximou e beijou-a suavemente. Sakura retribuiu o máximo que pôde, as lágrimas mohando o rosto enquanto ela apertava a filha contra o peito.


- Eu nunca mais quero dizer adeus para você.


- Você nunca mais vai precisar.


Não era o fim. Era apenas o começo.


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Notas finais do capítulo

(música utilizada: The Call - Regina Spektor)

Bem, esse foi o fim! Demorei muito para chegar nesse fim o_o e acabei nem gostando muito dele. Em todo caso, espero que tenham apreciado a história! x3 Essa música que usei é uma das minhas preferidas, adoro mesmo! *-*

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