POV – Percy

Realmente, eu não sabia o que fazer. Tinha alguns clientes em suas mesas esperando para ser atendidos, conversando entre si, ou o que fosse. Os meus colegas de trabalho passavam correndo por aí, entregando nas mesas o que esse pessoal todo tanto ansiava: café, biscoitos, chocolate quente, e etc. É, eu trabalho em uma cafeteria, não que me orgulhe muito disso. Como eu moro sozinho com a minha mãe (de acordo com ela, meu pai havia morrido em um acidente envolvendo uma tarde de pescaria com os amigos, uma lancha e cerveja. Ela não me deu muitos detalhes), o dinheiro acaba ficando um pouco escasso e eu acabo precisando contribuir com a renda da família com empregos de meio-período. É um pouco ruim estudar e trabalhar ao mesmo tempo, já que muitas vezes eu acabo tendo de recusar o convite de várias festas que uns amigos meus vão, convidados ou não. Mas eu me acostumei já. O banco acolchoado que ficava perto da caixa registradora tinha até o formato do meu traseiro. É, além de trabalhar em uma cafeteria eu sou o cara que cuida do dinheiro que entra e que sai dali.

Hoje é um dia de inverno. Tem um pouco de neve perto da entrada e as janelas estão um pouco embaçadas, mas o termostato garante que a temperatura não desça muito. E o mais importante, absolutamente ninguém está vindo no caixa. Esse era o bom de ficar sempre com o primeiro turno, mas ao mesmo tempo também era o pior. Tem algum sentido nisso? Tipo, você não tem tanto estresse quanto os garçons que ficam andando para lá e para cá com as bandejas, mas também não tem nada para fazer. Às vezes largar os estudos e o emprego para virar surfista profissional chegava a soar bem interessante.

“Não Percy, surfar não dá dinheiro. E sua mãe precisa de dinheiro, então não rola.” Repreendi eu mesmo simplesmente por pensar naquilo de novo. Mamãe já está tendo problemas financeiros agora, imagina se o filho dela resolvesse dar a louca e decidisse virar surfista? Além disso, é inverno! In-ver-no. Sabe o que isso significa? O mar está tão quente que se você entrar lá sai como um picolé, e isso só se tiver sorte.

Acordei do meu devaneio quando ouvi algumas batidas na bancada de madeira.

― Anda logo.

O garoto devia ser uns dois anos mais novo que eu. Podia usar uma blusa de uma banda que eu não conhecia (eu só consegui ler “Chemical Ro”. Chutei que a última palavra era “Roses”), jaqueta de aviador e um rosto pálido com olheiras que me lembrava vagamente de um defunto, mas a altura dele não me enganava. Apesar da minha cara de mongolão, eu acabei esboçando um sorriso. O que um pivete daqueles estava fazendo ali?

― Eu disse pra andar logo. ― Ele bateu os dedos novamente, e eu acabei percebendo que um deles estava usando um anel de caveira. O que ele era, afinal? Um menino punk da quarta série?

― Já estou indo. ― Limpei a baba que estava escorrendo pelo canto da minha boca com as costas da minha mão, e me arrumei na cadeira. Ele me entregou a folha que tinha o que ele tinha comido escrito ali e eu fiz o meu trabalho; peguei a calculadora e somei tudo sem prestar muita atenção no que ele tinha pedido. Eu já tinha perdido a conta de quantas vezes já tinha feito isso.

― Oito dólares. ― Eu disse sem muito interesse, e ele me deu o dinheiro. Coloquei tudo dentro do caixa. ― Obrigada pela preferência e blá blá blá.

Ele soltou um riso nasal e sorriu.

― Até. ― E então ele caminhou até a porta, com ambas as mãos nos bolsos de seu casaco, provavelmente para se proteger do frio. Foi embora.

[...]

Fim do horário de trabalho. Já tinham fechado a cafeteria e eu estava do lado de fora, caminhando na direção de casa. Mais um dia normal e monótono, exceto por uma coisa.

Eu não estava conseguindo parar de pensar no sorriso daquele garoto.