Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 8
Capítulo 7




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A floresta era fria, úmida, cheirava a pólvora e terra, e os passos pesados de botas de couro e aço estampavam seco no chão fofo.

Os ouvidos treinados de Morpheu se voltaram às arvores por alguns segundos.

– Por ali, nada de conflito desnecessário. – ele indica com cuidado, mantendo a voz não muito alta.

– Pra que viemos até a fronteira? – pergunta um dos soldados para outro, que o olhava segurando a arma com firmeza.

– Trouxeram artilharia pesada pela ponte do leste ontem, quero parar a tropa de carga antes que a munição chegue a capital. – Morpheu responde com calma, mesmo que a pergunta não tivesse sido dirigida a ele.

– Drones com a carga. – o doutor atesta, em seriedade quase cruel.

– Por isso quero evitar o confronto. Se nos ouvirem chegando, as tropas de fuzilamento virão dos portões. Temos minutos após o impacto.

– Por isso escolheu vir de manhã? – os olhos do doutor se desarmaram em parte, surpreso simplesmente pela possiblidade de o comandante saber dessa informação.

– Exato. As tropas de fuzilamento não enxergam pela manhã-

– Olhos de visão noturna. – o doutor completa, comedido.

– Precisamente. Sabe muito sobre a guerra para um homem de função médica. – Morpheu diz, com um sorriso fraco de escárnio.

– E você sabe muito sobre o comportamento do inimigo pra um oficial de patente. – ele responde, quase ácido, mas não se arriscando a tanto.

– Ficaria surpreso doutor.

– Idem.

Eles se aproximam da trilha estreita, a conversa compulsoriamente morre, e enquanto se esgueiram por entre a vegetação mais alta, e as snipers sobem pelas árvores emaranhadas em silêncio tenso, o grupo de Drones que trazia consigo a munição a ser entregue na capital do norte chiavam barulhos metálicos ao se moverem.

Mas não seria entregue.

Entre as árvores, os atiradores esperavam os sinais, olhando ansiosamente na direção do comandante, que tirava as armas dos coldres, e sinalizava em um movimento de mãos as instruções que seus homens deviam manter em mente.

Destravando as armas ele aguarda lentamente o barulho de passos e patas riscando o chão, e então ele sai, atirando nos dois alvos maiores, encouraçados, tiros nos olhos, assim a mira seria fraca e não saberiam onde estariam atirando.

O estampido seco das snipers ecoava alto pelo ar.

– Quatro minutos antes da tropa de fuzilamento começar a sair! Vão! Vão! Vão!

As snipers cegavam os Drones, enquanto no chão, os soldados miravam entre os olhos, por mais que destreinados ao combate físico, os soldados ainda tinham uma mira impecável, aquém do tremer na base de seus pulsos eles ainda mantinham o foco aberto.

Um tiro.

Cai uma das snipers, num baque seco contra as raízes das árvores, o som leva um dos soldados a virar os olhos por uma fração de segundo, Morpheu precisa atira-lo para o lado até a sensação amortecida de seu ombro mais quente que o normal o faz notar a grande garra de aço fincada em sua clavícula esquerda.

Rasgando a carne, atravessando ossos.

Insensato.

O soldado se afastava pelo chão, observando-o com os olhos abertos em choque, o pipocar de tiros e o som metálico saindo das grandes criaturas-máquinas que sem seus olhos para mirar, avisavam o ataque inevitável.

Um chiado silencioso deixa lábios entreabertos, um dos soldados corta a junta frágil da unha em forma de estaca metálica que permaneceu fincada através dos ossos do comandante, o soldado é imediatamente arremessado contra uma das árvores, num baque estrangulado. Ossos quebrados. Klaus observa o carmim molhado manchando os ombros do comandante que agora parecia ter sido imobilizado pelo veneno sujo das unhas de metal, e olhava o próprio sangue com um certo interesse nostálgico.

Ajoelhado no chão, o doutor estancava o sangramento na primeira snipers que caiu, ele parecia estar com muita dor, mas fora de perigo.

Acima dele, os soldados procederam a arrastar o comandante que ainda tentava entender como sua tentativa em impedir um de seus homens de ser pisado havia resultado naquela sensação de que seu ombro na verdade não existia.

Sua cabeça estava leve, e não pela primeira vez em sua vida se perguntou se estava morrendo.

Mas como antes, tinha quase certeza de que estava enganado.

Apesar disso os Drones caiam, os passos distantes da tropa de fuzilamento se aproximavam rápido, o som de balas e feridos e ossos e sangue e carne.

– Levem os feridos de volta! Encontrarei vocês em alguns segundos. – Klaus grita, se pondo de pé num único salto, mentalmente avaliando o quão avariados estavam os homens.

Pesado novamente, Morpheu se sentia arrastar pelo caminho que haviam feito na ida, agora manchado de vermelho e respirações pesadas, pela rápida vista que havia feito, estavam todos lá, alguns mancando, alguns carregando outros. Contudo o mais importante é que estavam todos lá, vivos e respirando.

Apesar do descuido de seus homens, estava feliz estarem vivos.

Viu o doutor correr na direção oposta, sumindo entre a vegetação tortuosa e improvável da floresta de pedra.

O mundo se apagava nas beiradas de seus olhos, escorrendo por seus olhos assim como seu sangue no chão.

Não muito mais ouviu além de chiado mecânico alto, um ruído estrondoso e então o silêncio de sua própria violenta inconsciência.

~*~

Acordou, sentindo a dor cortante de seu ombro esquerdo, como se seu braço tivesse sido arrancado, sua primeira reação foi tentar se sentar, um soldado caído não é muito mais do que um soldado morto, mas conseguia mover os dedos, e o açoite rápido do odor toxico de álcool etílico o fizeram se deitar novamente, menos relutante dessa vez. Respirando fundo antes de notar que estava desarmado e franzir o cenho com certo desconforto.

– Que bom que acordou, já foi visitado algumas vezes. – a voz parecia mais longe do que de fato estava, mas ele não deixava de reconhece-la por isso.

– Klaus? – sua garganta parecia tensa, a voz se recusava a sair normalmente, soando mais grave e áspera do que ele inicialmente planejara, mas a dor pungente de seu ombro o distraiu do fato quase que imediatamente.

Ele segurava uma prancheta e uma caneta, e o observava da mesa próxima a janela, seus olhar cinzento escorria pra fora da janela como que tentando fugir da vida que o aprisionava. – Você perdeu muito sangue... Mas novamente nenhuma veia vital, nenhum osso quebrado...

Morpheu esfrega a palma de sua mão direito pelo rosto, emitindo um vago som de entendimento, olhando o teto com os olhos cansados, quase conformado com a lástima da dor que sentia, mas não fez menção em reclamar ou se queixar mais do que pela pequeno franzido de seu cenho, ou a linha fina que seus lábios haviam adquirido desde que acordara.

– Vou pegar algo para a dor... – disse voltando-se a estante.

– Alguma perda? – perguntou lacônico.

– Não, estão todos bem. Te entregarei o papel com a solicitação para mais anestésicos, coagulantes e analgésicos em breve. – ele ri, leve, como que para si mesmo.

– Claro.

Ao se virar novamente, o comandante estava sentado, o cabelo espalhado em desordem pelos ombros, ele se perguntava como ele havia levantado sem fazer nenhum som, os olhos azuis pálidos, passivos e quietos, por mais que soubesse que a dor o estava enlouquecendo. Ele olhava a agulha nas mãos de Klaus com uma reprovação que o médico não conseguia decifrar.

– Medo de agulhas, comandante?

Os olhos de Morpheu se ergueram da seringa que ele tinha em mãos, para os olhos dele, desafiando-o a repetir o que havia dito, mas sem de fato tentar fazê-lo, seus olhos permaneciam mais instáveis e frios que o normal.

Ele voltou a olhar para o chão segundos depois, com o braço ferido descartado inutilmente sobre os joelhos, com a camisa apenas apoiada sobre o ombro atado em bandagem grossa.

Klaus cortou a pequena distancia até o comandante com a seringa em mãos, ele voltara a olhar a seringa com calma comedida, mas parecia retrair algo de seus próprios pensamentos de volta, apenas manteve-se em quietude mundana, enquanto a agulha se aproximava de seu ombro, mas as mãos do doutor tremeram, como se fosse a primeira vez que fazia isso.

Seus olhos se desvencilharam da agulha, olhando o médico em desafio velado, esperando a picada e o líquido gelado infiltrando-se em seu sistema, mas não, Klaus deixou a seringa na mesa de uma vez, como se fosse tóxica, repulsiva, de uma mão, pra outra, pra mesa.

Morpheu olhou-o em silêncio, como se questionasse seus motivos sem realmente questiona-lo, talvez achasse tolo seu comportamento, mas permaneceu em silêncio fatídico como se assistisse seu próprio velório na imagem daquela seringa tão pequena e tão irrelevante.

Nada foi dito, Morpheu apenas se deitou novamente, fechando os olhos cansados, por mais que a dor fosse mantê-lo acordado por quanto tempo fosse preciso até que suas células lentamente tentassem recuperar a laceração grosseira a um padrão naturalmente indolor, deixando apenas a cicatriz esbranquiçada.

E o comandante parecia resignado a sua humanidade limitada pelos motivos que fosse, e ainda acima de tudo, acima do cansaço e do silêncio insuficiente, não havia notas de arrependimento.

Klaus, inquieto consigo mesmo, tomou fôlego pra falar, achando-se sempre inconveniente, assistindo os olhos do comandante se fixando nele de novo, com o mesmo desinteresse plácido que haviam se fixado num ponto vago e qualquer da sala segundos antes.

– Eu posso-

– Não. – disse simples, sem nota de raiva ou rancor, sem medo ou reprovação. – Sei o que vai dizer... Não. – ele pegou a seringa, reprimindo o som indignado de sua própria voz cansada pela dor, forçando a agulha contra sua pele sem se dignar a olhar pra ela, pressionando o embolo pra baixo e fazendo o líquido cristalino desaparecer em suas veias, abandonando a ampola vazia sobre a mesa, fechando os olhos e esperando que a dor se apartasse lentamente. E ele fosse novamente tragado pelo sono confortável onde nada se sente.


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Notas finais do capítulo

muita tensão sexual meu deus
pois bem pois bem
me digam o que acham, acho que não gostei do capítulo, mas enfim uvu



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