Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 24
Capítulo 23




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/445637/chapter/24

Ainda naquela madrugada, pouco antes da partida deles para traçar os mapas, Klaus tinha uma xícara de chá verde nas mãos, reclinado contra o observatório no primeiro piso, onde era silencioso e quase ninguém circulava, fugindo da agitação do andar principal.

Olhava o breu do lado de fora, aclimatando os olhos a pouca luz do ambiente apinhado de arquivos e pastas, que cheirava a papel velho e umidade.

Os passos pelo corredor fazem eco pela sala vazia, mas o doutor não se vira para encarar a fonte, optando por continuar a observar a janela, reclinado sobre o batente alto, batendo insistentemente a ponta do sapato no chão, apoiando-se na perna direita.

– Boa noite, comandante. – ele diz, bebendo mais um gole de chá, que parecia estranhamente sem gosto naquela noite.

– Imaginei que estaria aqui. – ele diz, postando-se na outra extremidade da janela inteiriça, a uma distancia respeitável. – Você não parece gostar de grupos grandes de pessoas.

– Como estão suas mãos? – ele pergunta deixando a xícara apoiada na beirada da janela, virando o rosto para olhar na direção do comandante.

– Estão bem. – ele responde, olhando para fora, por cima dos ombros, sentado na borda da janela extensa as pupilas dilatadas para captar a luz fraca do ambiente. – Não achei que tivesse aquele tipo de comportamento, doutor.

– Estava blefando. – ele comenta, encarando o líquido esverdeado fumegante e rodando-o dentro da xícara em movimentos circulares.

– Oh, então não pretendia apelar à violência? – ele pergunta, inclinando a cabeça na direção do doutor, fechando os olhos por um instante.

– Não. Estava blefando quando disse que não me importava se ela quisesse ser sua enfermeira particular. Eu me importo. – ele ainda encarava o interior da xícara, mas podia dizer mesmo assim que os olhos do comandante haviam caído sobre ele quando ele terminou de falar.

Ainda assim ninguém disse nada.

Por alguns minutos.

– Me disse... Que quando decidisse de quem é minha lealdade, fosse procurar você... Não fui por que já deixei isso claro em diversos momentos. Não sou o tipo de ficar me repetindo tantas vezes assim. – ele suspira, tomando outro gole de chá, esperando que acalmasse sua garganta seca. – Mas não posso ajudar você a extinguir tudo que regula uma sociedade inteira. Entendo seus motivos, e não posso julga-lo por defender os seus... Contudo quando você sair para pegar o espelho... Eu não irei com você. Virarei meus olhos a ambos os lados. – ele pausa, apoiando a cabeça num dos pilares de apoio da janela. - Não me faça escolher entre você e toda a minha gente... Eu escolheria você e isso iria me arruinar.

– Eu entendo. – o comandante acende um cigarro.

– Obrigado. – ele deixa a xícara vazia sobre o batente da janela.

– Já peço demais de você num nível diário... Não vou exigir que participe dos meus motivos.

O Silêncio volta a tomar a sala por mais alguns instantes, apenas o som do comandante inalando e exalando fumaça acinzentada.

– Sinto sua falta, Morpheu... – ele apoia o rosto nos braços, fechando os olhos por alguns segundos. – Tenho certeza de que isso não é saudável.

Morpheu traga o cigarro, soprando a fumaça que é puxada para fora da janela.

– Não, não é. – ele responde, simples. – Mas isso também não é. – ele diz, indicando o cigarro entre os dedos. – Não estou em posição de dizer nada.

– Então não diga. – o doutor diz, desencostando da borda da janela.

Ele traga uma ultima vez, apagando o cigarro na parede de concreto, atravessando a sala e soprando a fumaça em silêncio e parando ao lado do doutor, empurrando-o de leve para o lado com o ombro.

Klaus olha para ele em silêncio, ia dizer algo, mas é puxado pelo pulso e atado num abraço antes que pudesse acrescentar um comentário frustrado aos modos do comandante.

– Estamos em horário de trabalho, comandante. – ele comenta, as mãos paradas na parede atrás de onde Morpheu permanecia apoiado. – Virão procura-lo em breve, se nos virem assim-

– Fez um bom trabalho com os soldados hoje, Klaus. – ele comenta, trançando os dedos enfaixados pelo cabelo escuro do doutor, que segura as bordas de sua camisa entre os dedos de algodão. – Provou seu valor diversas vezes.

– Está me constrangendo, comandante... – ele diz, com as testa apoiada no peito do comandante.

– Tenho certeza de que você conseguirá contornar o sentimento com graça.

– Você superestima minhas habilidades, comandante. – ele suspira, aspirando o perfume fraco que emanava da pele do comandante.

– Então somos dois. – ele oferece em resposta.

Continuaram assim, em silêncio leve e melancólico, por mais alguns minutos antes que Morpheu relutantemente soltasse o doutor, que por sua vez se afastou alguns passos para trás.

– Vamos. – Klaus foi o primeiro a dizer, virando as costas para o comandante e saindo apressadamente pelo corredor, não dando tempo para que nada mais fosse dito, Morpheu olhou pela janela por alguns instantes mais, associando o som dos passos do doutor descendo as escadas apressadamente.

Em seus ouvidos apenas passos.

Em seus olhos apenas um vulto distante.

~*~

Klaus descia as escadas, engolindo sua própria respiração, seguido de perto pelo silêncio, assolado por um pressentimento ruim, seu bom senso gritando para que fizesse parar.

Parar o que?

Não podia dizer.

Mas ao sair pela porta principal, cruzando dezenas de rostos, suas tremiam, e isso nada tinha a ver com o clima.

Queria gritar, não sabia por que.

Continuou em silêncio, esperando o sinal de que partiriam.

E por minutos que se arrastavam lentos e densos ele aguarda na escuridão, até ouvir a voz imperativa do comandante rasgar o ar, o som de armas engatilhadas e neve sendo amassada.

Sentia cheiro de pólvora, mas nenhum disparo havia sido feito.

Sentia cheiro de sangue, mas nenhum homem estava ferido.

Caminhava a passos lentos, atrás de todos, perscrutando o silêncio, varrendo a escuridão com os olhos, as movimentações do ar fazendo com que estremecesse sozinho.

Algo estava errado.

Algo estava fora do lugar.

Os soldados respiravam baixo, receosos, trêmulos.

Mas tirando isso, apenas o chiado de folhas, apenas o barulho de insetos, apenas o assovio gelado do inverno.

Então parou.

Tudo parou.

Não havia mais nada, apenas silêncio e óculos de visão noturna.

Parou seus passos, a respiração instável, esfregando os dedos das mãos.

Um dos soldados próximos dele pararam para olhar pra ele, ele encarava a trilha a frente, os olhos arregalados no escuro.

Morpheu indica para que caminhassem mais devagar, fechando os olhos no escuro e ouvindo os arredores com o cenho franzido.

Não sabia o que era, nem de onde estava vindo.

Klaus olha na direção das árvores, parando os soldados na clareira onde estavam, a sensação amarga no fundo de seu estômago.

Rodando, rodando.

Sua respiração acelera, instável, olhando ao redor, olhando o centro da formação, procurando por Morpheu.

– NO CHÃO AGORA! – Klaus joga os soldados que tinha a sua frente no chão, forçando-os a cair.

Pouco tempo tiveram de fazer algo, atirando-se no chão quando o som de galope chegou por quase todos os lados, passos de patas pesadas vindas da Floresta, saltando sobre as cabeças dos soldados com unhas e garras e dentes...

E veneno.

Olhos brilhantes no escuro.

– MORPHEU LEVE ELES EMBORA! – Klaus grita do outro lado da clareira, tirando ambas as luvas e pegando a arma que um dos soldados carregava nas mãos.

– O que são essas coisas?! – Morpheu se põe sentado rápido, puxando as armas no coldre que tinha no peito embaixo do casaco, sentindo os dedos reclamarem.

– Não lute! Só vá! – ele diz, atirando para cima, tampando os ouvidos entre o braço e a mão livre.

Os animais se escolhem diante do disparo, voltando as atenções ao doutor que permanecia parado na entrada da clareira, correndo para o meio das árvores e gritando por cima dos ombros.

– Vá! Vocês não tem tempo! – sumindo entre a escuridão e as árvores.

– Klaus, não!

Mas já era tarde, só havia silêncio e o galope de patas.

– KLAUS!

Os soldados se punham sentados devagar, segurando as armas que tinham nas mãos trêmulas, próximas ao peito.

– Ordens, comandante... – Giovanni pergunta, parado ao lado de Morpheu, engolindo a saliva com dificuldade.

Morpheu se coloca de pé, olhando a direção por onde Klaus havia sumido, ouvindo mais passos chegando à distancia.

– Comandante... – ele repete, a respiração começando a tremer na garganta.

Uivos altos ecoavam entre as árvores, Morpheu engole um grunhido irritado, fechando os olhos, as mãos em punho ao redor do gatilho da arma destravada.

– MONTANHA ACIMA, AGORA! VÃO! E NÃO OLHEM PRA TRÁS!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Estou de volta!
Cliffhanger!
O que acharam