Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 15
Capítulo 14




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Era como se toda a realidade fosse naturalmente absorvida e introjetada no espaço ao redor deles, à chegada as Torres foi obscura e tensa.

Ninguém disse nada, não haviam guardas que ficassem na passagem, só pedaços de muros, estradas esburacadas, pessoas parecendo cansadas da gaiola ao redor delas, elas olhavam na direção da carruagem, até eles parassem em frente a um bordel.

Morpheu desceu, deixando o casaco lá dentro e caminhando pela calçada com o mesmo senso de pertencimento que ele tinha pelas calçadas de mármore da Ilha Capital.

Ele bate na grande porta de madeira, por um longo tempo todos esperam, até uma senhora com roupas vibrantes de um magenta reflexivo abrir uma pequena fresta da porta e principiar a falar, com voz enrolada e doce demais.

– Desculpe, estamos fechados. Voltem mais-

– Olá. – Morpheu diz com um sorriso ameno.

– Oh. Meu. Deus!

– Faz tempo, Madame.

A porta se fecha antes de se abrir de novo de uma vez, e Morpheu ser arrastado para dentro num único movimento de uma mão com unhas vermelhas.

Depois o rosto se projeta novamente para fora, olhando os soldados e o doutor.

– Vão ficar na sarjetam? Entrem de uma vez! – ela diz, gesticulando com as mãos.

Os soldados caminham para dentro devagar, aos cochichos, sendo recebidos por uma pequena multidão de moças em robes de seda não muito vestidas além disso, com chinelos e o cabelo preso em coques desalinhados.

Todas observavam os soldados com uma curiosidade genuína, em olhares famintos laceados em dúvida e maquiagem.

– Homens, essa é a Madame Lilipuff, dona desta casa, ela vai nos hospedar durante o tempo em que estivermos aqui nas Torres.

Os homens prestam continência na falta de resposta melhor, e entre as moças começa um cochicho e crescer de risadinhas.

– Quem é aquelem? – a madame pergunta, apontando na direção genérica de Klaus, ela tem uma mania perturbadora de puxar m’s onde não existem, dando uma nota enjoativa a sua forma de falar.

– Klaus, meu médico. – ele responde, sucinto.

Encantadam. – ela sorri, um sorriso involuntariamente malicioso.

Klaus sorri com simpatia, mas não diz nada.

– Hey!

Morpheu volta os olhos imediatamente na direção da voz, sorrindo o sorriso mais leve e casual que qualquer uma ali, tirando a Madame, já o viu usando.

– Alissa! – ele diz, pegando-a no ar quando ela se joga do alto da escada, rindo com intimidade.

Klaus volta seus olhos a um dos cantos da sala, sem desfazer o sorriso plácido estampado em sua expressão.

– É Kassandra agora. – ela diz, ajeitando as saias do vestido. – Qual o nome agora?

– Morpheu. – ele diz, sorrindo, com ambas as mãos nos bolsos.

– Vejo que mudou de classe social. – ela diz, socando amistosamente o braço esquerdo de Morpheu, que responde rindo, simpático.

– Sou um soldado, na verdade.

– Ora, mas a ironia disso é quase cômica. – ela cruza os braços, medindo-o de cima a baixo. – Mas acho que você sempre pareceu mais com um aristocrata.

– Me sinto lisonjeado. – ele finge falso orgulho, ainda com um sorriso brincando em sua expressão como se não pertencesse a sua face menos que qualquer outro atributo que tinha.

– Não foi um elogio, mauricinho. - ela diz, colocando ambas as mãos nas cinturas - Vou chamar o resto dos caras, vão ficar felizes em saber que você voltou.

– Megera. – ele diz, estalando a língua. – É bom ver você de novo. - ele sorri, simples e plano, tão sincero quanto possível.

– Ei, ei! Não comece a ficar emotivo, seu frouxo.

– Perdão, é mais forte que eu.

Ela rufa, estalando a língua com reprovação.

– Vai ficar muito tempo? – ela pergunta, dessa vez mais séria.

– Não muito, apenas o suficiente pra resolver meus negócios.

– Veja se manda algumas cartas, achávamos que você tinha morrido!

– Nenhum de vocês sabe ler. – ele ri.

– Não é desculpa!

– Ok, ok... Vou mandar cartas. – ele sorri uma última vez.

– Então... Seus colegas? – ela pergunta.

– Não. Meus subalternos.

– Oh, ganhou patente? Definitivamente, não posso tirar os olhos de você que você já começa com complexos de grandeza.

Os homens encaram as interações relaxadas em silêncio, esperando permissão para saírem da pose de continência e encontrarem o caminho até seus quartos, eles não pararam para dormir e o caminho a pé era torturante com as botas com pontas de aço.

– Dispensados. – ele disse, com um aceno de mão.

Cada um alcançou sua mala, sendo guiados por dentro dos corredores tortuosos até um dos muitos e muitos quartos vagos.

– Quem é o cara com as luvas? – Kassandra pergunta, olhando enquanto Klaus dispensava a moça que se oferecia para guia-lo com um aceno de mão e um sorriso amável.

– Meu médico.

– Médico, é...?

– Kassandra, limpe o canto da boca. – ele indica com o indicador.

Ela tenta limpar, procurando traços de batom pelos dedos, mas não encontrando nenhum. Ele rapidamente complementa antes que ela perguntasse.

– Nada. Estava babando, só isso.

Ele ri e ela da outro soco no outro braço, a ferida ainda faz doer um pouco, mas nada que ele não consiga contornar com calma, a dor é mais uma sequela passageira do que um aviso de que a ferida poderia abrir de novo.

– Idiota. – ela diz, contendo o vermelho da raiva e da vergonha subindo pelas orelhas.

~*~

Durante a noite, Morpheu e Klaus se cruzam pelo corredor, mas nenhum dos dois diz nada, Morpheu olha por cima do ombro, mas o doutor continua em silêncio, sem olhar para trás.

No salão principal, os amigos de Morpheu estão num semicírculo ao redor de Kassandra, e eles riem, considerando a direção de onde Morpheu veio, provavelmente estavam conversando até aquele momento, quando ele pisa no tapete escuro, todos os olhos se voltam na direção dele, mas ele simplesmente continua a caminhar com sua toalha na direção do banheiro, olhando plácido para frente.

Os quartos não tinham chuveiros com água quente, então Klaus se via obrigado a atravessar a casa para usar a sala de banho.

– Psst! Hum... Klaus? – ela pergunta tentando recordar o nome de cabeça e cruzando os dedos para estar certa.

Com sorte ele para e olha para ela, inclinando a cabeça de leve, entreabrindo a boca, mas não dizendo nada.

– Vem aqui. – ela indica com alguns movimentos enérgicos de mãos.

Ele caminha até ela mesmo que não tivesse nenhuma obrigação de fazê-lo, com uma expressão contida e amena.

– Sim?

Ela levanta, ajeitando as saias do vestido e estendendo a mão de maneira enérgica e entusiástica.

– Kassandra, é um prazer! – ela sorri, limpando um pouco a garganta.

Era engraçado que uma cortesã fosse tão tímida.

Klaus olha a mão de unhas pintadas e depois para ela com um sorriso paciente.

– Minha cultura não aprova o contato de mãos... é considerado um convite sexual. – ele sorri, inalterado e complacente, ciente de que ela não tinha a obrigação de saber.

Ninguém tinha.

Um rubor sobe pelas orelhas dela até a raiz dos cabelos vermelhos, os outros com ela apenas cochicham baixo, com sorrisos de canto de boca e movimentos discretos de mão.

O doutor não via motivo para ser rude, ela e o comandante eram íntimos, sim, mas ele não tinha direito nenhum de se revoltar, além disso, ainda se sentia anestesiado por ter contado a verdade.

– Oh... – ela abaixa a mão devagar, limpando a garganta de novo ao sentir a voz tremer. – Como vocês se cumprimentam, então? – ela pergunta, com o máximo de firmeza que julga possível.

– Assim... – ele da alguns passos para frente, encostando a testa na dela, fechando os olhos por alguns instantes enquanto ela arregalava os olhos verdes e travava os braços ao lado do corpo. – Há uma lenda que diz que isso simboliza o meu respeito pelos seus caminhos e vice versa, mas que nossas mentes e nossas vidas se cruzam mesmo assim. – ele diz, mais baixo por ela estar mais perto. – Acho bobo.

Então ele se separa dela, sorrindo novamente, suas atitudes não eram motivadas por maldade ou segundas intenções, ele apenas demonstrava seus modos como ela havia pedido. Sabia pouco da cultura dos homens, só sabia de sua guerra e de seus pontos fracos, não havia de fato interagido socialmente com muitos humanos, mas não julgava suas ações erradas.

E eram desprendidas de fato.

Diante do silêncio dela, ele brevemente cumprimenta os outros com ela e parte na direção do banheiro. O som de risadas o segue assim que ele sai da sala.

Risadas...

Ele sorri sozinho, sentindo-se estranhamente relaxado no ambiente livre da morte e da dor.

Poderia se acostumar com isso.

Com a vida dos homens.

Ele sorri em silêncio, relembrando todos os sons de risadas que havia ouvido naquele dia, propositalmente mantendo o comandante longe de seus pensamentos.

Por hoje não...

~*~

Em seu quarto o comandante repensa suas estratégias para o avanço em breve, traçando os diagramas de seus argumentos quando precisasse convencer seus escolhidos a participar com ele de algo grande.

Algo que podia mudar o caminho da guerra.

Por um momento sua cabeça vaga pelos acontecimentos, sentindo-se estranhamente desafiado pela realidade.

Já fazia algumas horas que estava pensando.

É arrancado de lá tão logo escuta uma batida da porta.

– Senhor, pediram que eu o chamasse para jantar.

– Não tenho fome, doutor.

– Faz um dia e meio que você não come nada... Vai acabar ficando fraco, senhor. – ele diz, com a clara nota clinica em sua voz.

Morpheu se obriga a ficar de pé, abrindo a porta de madeira maciça ao se lembrar que aqui as portas são manuais.

– O que você quer? – ele pergunta, um tanto ríspido, sem conseguir refrear totalmente a raiva por trás das palavras.

– Não quero nada, estou entregando uma mensagem. – ele declara, distante, olhando pelo corredor.

– Já disse que não estou com fome.

– Muito bem. – ele suspira, saindo pelo corredor. – Da próxima vez pedirei a Kassandra que venha chama-lo... – ele olha para o teto.

Num súbito ataque de protecionismo, Morpheu pega o doutor pelo braço, jogando-o na parede com o que parecia estar se tornando um hábito, prendendo-o pelos ombros.

– Você não se atreva a falar com ela. – o tom de aviso em sua voz é tão claro que é quase tangível.

– Por que comandante? Tem medo que eu quebre sua namoradinha humana? – ele destila as palavras com raiva, diante do comportamento protetor do comandante sobre a garota.

Em qualquer outra situação, Morpheu já teria o punhal em punho, mas os olhos do doutor tinham um brilho vermelho e ele parecia irritado, não ofendido, não magoado.

Irritado.

E haviam testemunhas demais.

– Não chegue perto dela, eu falo sério.

– Não se preocupe, senhor. – ele cospe, tirando as mãos de Morpheu de seus ombros com raiva, empurrando-o para longe dele. – Ela é toda sua.

Então ele sai pelo corredor de novo, a passo pesados, e Morpheu conclui que se ele não o odiava antes, agora ele odeia.

Depois de toda essa agitação, Morpheu consegue sentir o açúcar de seu sangue caindo, e por isso ele ruma até a sala de jantar, para pegar uma maça e voltar ao seu quarto.

Klaus está sentado à mesa, mas não toca em nada, apenas olha para a comida com os mesmos olhos que ele olhava para os mortos:

Conformado.

Kassandra está sentada ao seu lado, e constrói a conversa toda sozinha, mas Klaus não parece se importar. Ele e o comandante trocam olhares por um momento, e Klaus ignora com frieza o aviso contido nos olhos do comandante, virando-se para Kassandra e dando uma opinião sobre o que ela falava, ela sorri pra ele e parece feliz.

Morpheu observa a cena com raiva.

Uma raiva inócua de ter sua autoridade questionada.

Mesmo que ele não acreditasse que o doutor fosse fazer mal a ela.

Ele pega a cadeira do médico arrastando-a para fora da mesa com ele ainda sentado nela, ele se segura no acento para não cair.

Kassandra o olha com surpresa, mas não diz nada, apenas o observa abduzir o homem com quem falava.

O resto das pessoas à mesa também não parece se importar, como se a situação toda fosse habitual, então ele arrasta a cadeira com o doutor até o jardim, jogando-o fora da mesma e para o chão.

– Seu cretino!

– O que? Ciúmes? Já disse que não quero nada com ela. – ele diz, cruzando os braços.

– Eu disse pra não falar com ela!

– Não sou seu escravo!

– Mas é meu subalterno! E se eu falo, você faz.

– Imbecil! – ele desfere um tapa do lado esquerdo do rosto do comandante.

O arrependimento é quase imediato quando ele vê sangue no lábio de Morpheu.

– Seu...

E o arrependimento se esvai quando ele se lembra porque ele deu o tapa.

E então Morpheu se joga no pescoço do doutor, ambos caem na grama, de novo Klaus bate a cabeça, com a diferença de que agora ele está com raiva, então ele chuta uma das costelas do comandante que sai de cima dele por um instante e então inverte as posições no chão.

– Militar idiota! – ele diz, fincando um gancho com o punho direito na mandíbula do comandante.

Isso provavelmente podia fazê-lo ir para a corte marcial.

Por sua vez enfia o cotovelo no pescoço de seu médico, e então eles estão rolando no chão, Morpheu consegue sentir o gosto de sangue na boca, e alguma coisa dentro dele o faz se sentir de novo no passado, onde ele podia arrumar brigar na rua, ser descuidado e desacatar todas as autoridades que pudesse.

Ser genuinamente sincero.

Neve cai acima deles, e Morpheu é arremessado para o lado quando Klaus assenta um murro em seu olho direito, usando das pernas para tirá-lo de cima dele, limpando o sangue com a manga da blusa.

Ele se coloca de pé, mas o comandante o puxa pelo tornozelo e ele cai de novo, no meio da grama gelada, Morpheu prende seus braços com os joelhos, sentado sobre seu peito, limpando o sangue da boca e sentindo o roxo se formando em seu rosto, que esquentava.

Abaixo dele, Klaus tentava se soltar sem sucesso, e pelo tom de voz, ele provavelmente estava cuspindo uma série de ofensas e disparates.

Mas todas na língua do norte, e o que os olhos nos veem o coração não sente.

Quando ele finalmente parou de se mexer, e apenas ficou no chão, arfando, com a obstinação furiosa em seus olhos, Morpheu começou a rir, sentindo a mandíbula reclamar quase que imediatamente, alternando-se em dizer “ai” e rir como se tivesse 19 de novo.

Klaus parecia muito mais do que ofendido.

Seus olhos se estreitam e num movimento improvável, ele pega o comandante pelo pescoço usando os joelhos e joga o peso para trás, jogando o comandante um metro e meio para frente e se colocando sentado, limpando a boca e respirando com dificuldade.

Morpheu ainda ri, então ele o pega pelo colarinho e bate contra uma das árvores, uma, duas, três vezes.

– Insensível! Ordinário! Cruel...

De repente o doutor está tremendo... ele abaixa a cabeça por alguns instantes, suas mãos afrouxando no colarinho da camisa agora encardida do comandante que vai parando de rir ao perceber que ele não tremia por conta do frio.

Ele está... chorando?

Ele abre a boca, levantando uma das mãos para levantar o rosto ferido do doutor, mas ele bate a mão dele para longe, virando as costas e saindo pelo jardim, passando por algumas pessoas que pararam o jantar ao ouvir o som de pessoas sendo arremessadas em coisas.

Klaus abre caminho entre as pessoas, recusando-se a responder qualquer uma das perguntas que lhe são dirigidas, tremendo ainda, saindo pelo corredor, com uma das mãos no rosto.

Estava... chorando?

Uma onda inesperada de culpa invade o comandante, e por alguma razão que ele não conhece plenamente, ele sai atrás do doutor, passando pelas pessoas na porta, que trocam olhares confusos.

– Doutor!

Ele sai pelo corredor, atrás de seu médico, meio correndo, meio caminhando, consternado com o fato de tê-lo feito chorar.

Por que ele estaria chorando...?Por que...?

Ele encontra o doutor no corredor, secando os olhos energicamente, e tentando conter os espasmos dos soluços enquanto procura a chave de sua porta.

– Doutor!

– Não! – ele abre a porta, fechando-a atrás de si, o som da fechadura segundos depois.

Morpheu apoia na porta fechada.

– Klaus, me deixe falar com você. Me perdoe.

– Não! Não! Vá atrás da sua namorada humana e me deixe em paz! – a voz dele está trêmula e quebrada pelo choro, e ele ouve a porta do banheiro batendo, e então silêncio.

– Klaus...

Ele encosta a testa na porta, sentindo-se cruel... sentindo-se injusto.

Sentindo-se...

Vulgar...

Ele suspira, ainda com a testa apoiada na madeira.

– Perdão... – ele murmura para ninguém antes de desencostar da porta e caminhar lentamente na direção de seu quarto.


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Notas finais do capítulo

CLIFFHANGER~
mas um personagem feminino
tretas
muitas coisas
me digam o que acharam :3



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