Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 11
Capítulo 10




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Durante a manhã, Morpheu caminhava do lado de fora do centro, soprando o vapor quente de sua resíração para a atmosfera gelada, com as mãos dentro dos bolsos do casaco grosso de guerra, e apreciando como começava a esfriar rápido, sua feriada ainda doía, e no frio seus músculos se retraiam subitamente, a dor parecia inevitável, mas ainda assim estava feliz de finalmente poder ver o inverno se aproximando.

Fechou os olhos e respirou fundo, deixando que o ar gelado inundasse seus pulmões congestionados de calor e cheiro de tragédia futura, sua boca tinha o gosto amargo de cigarro e café puro que a essa altura ele não notava mais.

Talvez não fosse de tragédia futura que seus pulmões estivessem congestionados.

Riu de sua própria piada mórbida, e olhou o sol nascendo naquela manhã gelada, havia virado a noite, mas depois de um banho ele se sentia especialmente bem, especialmente leve, especialmente disposto.

Considerando a quantidade de cigarros que consumia, era de se esperar graves problemas respiratórios, dentes amarelados, o cheiro tóxico de nicotina emanando por cada miserável poro que ele ousasse pensar que tinha.

Mas não.

Jamais poderiam supor que ele, em qualquer hipótese, fumasse com a frequência e a assiduidade que fumava.

Majoritariamente porque segundo as normas do exercito, ele não podia.

Subversivo abusado.

Ele conteve um pequeno sorriso divertido enquanto tirava o maço de cigarros do bolso, juntamente com o isqueiro de prata que havia ganhado, curiosamente, no dia que foi promovido a comandante.

– Doce, doce ironia. – disse, tragando profundamente o cigarro e relaxando visivelmente ao sentir a fumava invadindo seus pulmões, mas parecia ir diretamente ao seu cérebro, seu sangue, seus músculos, todo lugar, desfazendo tensões, amenizando problemas.

E naquele breve momento em que segurou a respiração antes de soltar o ar, tudo estava perfeitamente bem e em ordem.

Eles não estavam em guerra há 17 anos; eles não estavam perdendo jovens em batalhas que iam e vinham de maneira injustificada, sem nem ao menos poder explicar as famílias como seus filhos haviam partido; e eles certamente não estavam colocando suas vidas em jogo, pois naquele momento, Morpheu não era responsável por mais nada além de suas próprias sequelas pulmonares.

E ele se sentia ótimo.

Então ele soltou o ar, abrindo os olhos devagar.

E com isso voltaram todas as suas responsabilidades e obrigações esmagadoras, e ele novamente tinha vidas em suas mãos, não só a sua própria.

Com o peso de volta, ele olha para o céu, tragando o cigarro de novo, mas dessa vez, com uma parcimônia medida que não tirava o mundo de suas costas.

Apenas liberava um pouco da pressão que não parecia mais caber, ou o oxigênio que não parecia mais suficiente para que ele respirasse verdadeiramente.

Meu médico iria me matar...

Ele apenas pensa, olhando o cigarro entre seus dedos.

Olhou para o telhado então, aparentemente o pássaro-mestre já havia voltado, estava empoleirado no alto da torre central, com a cabeça sobre a asa, e se ele estava de volta, também havia voltado a resposta da Ilha Capital.

Com a quantidade de tecnologia que tinham, parecia absurdo que tivessem de usar um pássaro para se comunicar.

Mas a Ilha Capital desprezava todo tipo de tecnologia... Era como eles diziam "Imundo e antinatural."

Estava particularmente interessado em saber com que justificativa vagabunda a Ilha Capital havia saído para justificar o comportamento inexplicável de seu médico, e se ninguém lhe desse uma resposta que ao menos simulasse que eles não o consideravam um militar imbecil, ele iria descobrir por si mesmo.

Tinha meios pra isso.

E todos teriam de sobreviver ao clima, consequências ou desgraças que isso viesse a acarretar nas vidas de todos os envolvidos.

Ele havia perguntado gentilmente antes, afinal.

– Comandante?

Ele vira, não reconhecendo a voz de imediato.

– Ah, Geovanni. O que faz de pé tão cedo? – ele sorri simpático, sua função como comandante se resumia aos campos de batalha e não fazia questão de mantê-la em nenhum outro momento além desse.

Hoje especialmente, Morpheu havia deixado seu cabelo solto, seu ombro doía e ele não estava disposto a se forçar a amarrá-lo com decência.

– Nada, senhor... Apenas... Caminhando. Passei muito tempo deitado. – ele diz, indicando o braço engessado.

– Fico feliz que nada de mais grave tenha acontecido. – ele sorri, com verdadeira empatia, contudo mais pelo fato de que não teria de sentir o peso de mais uma morte sobre sua vigilância.

– Obrigado, comandante. Se você não tivesse me empurrado... Talvez eu não... Eu não... – Giovanni olha a atadura exposta pela parte aberta da camisa de Morpheu com certa culpa, sentindo o peso de saber que aquilo, deveria estar nele, e seu ombro devia ter um buraco que o atravessasse de um lado ao outro.

Mas não tinha pois o comandante havia tomado o tiro para si.

– Não pense muito nisso, Giovanni. – ele puxa a camisa, de modo que Geovanni parasse de encarar a atadura branca que transparecia por ali.

– Não, senhor. Não posso. Eu tenho uma grande divida com o senhor, minha vida, na verdade.

– Giovanni, eu faria o mesmo em qualquer outra situação, se tenho sua gratidão muito bem, tenho certeza que retribuirá o favor quando chegar a hora. – ele sorri, agradável, e a simpatia descontraída que ele sempre mantinha acabava por intimidar os soldados mais do que os tratamentos brutos que usualmente tinham de seus comandantes.

O que dizer de um cão que não ladra?

Giovanni sorri de volta, era um tipo muito emocional, e nesse momento parecia estar se contendo para não abraçar o comandante, chorar, talvez destrambelhar algumas palavras de agradecimento melosas, mas fielmente genuínas, e Morpheu estremeceu desconfortável diante da ideia, não sabia muito bem como lidar com seus homens nessas horas, acabando muito mais sem ação do que seria prudente a um homem de sua idade.

– Eu farei. – ele bate continência, com o braço bom, e Morpheu somente acena com a cabeça diante do entusiasmo enérgico que Giovanni demonstrava para um homem cujo braço havia se quebrado.

Ele volta para dentro, parecendo muito mais feliz, feliz de verdade.

Morpheu não pode deixar de invejar a real noção de propósito que parecia transparecer diante dele pelas atitudes de um soldado que ele dificilmente poderia dizer que conhecia, mas que mesmo assim estava disposto a morrer em nome dele.

Quando o soldado finalmente desaparece, ele ruma para dentro, para a sua segunda xícara de café.

Que naquele momento soava realmente tentadora.

O refeitório estava quase totalmente vazio, tirando os dois soldados conversando em uma das mesas, e o doutor sentado em outra mesa no centro da sala, com uma xícara fumegante de chá e uma prancheta.

– Bom dia. – ele cumprimenta, pegando sua xícara de café e se sentando em frente do médico, que se move desconfortável na cadeira ao vê-lo sentar.

Ele realmente parecia nutrir um profundo desgosto quando se tratava da pessoa de Morpheu, mas ele não se importava particularmente com o desgosto mencionado, pelo simples fato de:

Ele não tinha mais como se importar com coisa alguma com tanto que estivessem todos respirando.

Nem regras.

– Bom dia. – ele disse, alcançando a xícara, tomando um gole pequeno dela e fixando-se no seu interior enquanto falava. – O que faz acordado tão cedo?

– Na verdade eu não dormi. – Morpheu sorri, plácido, observando a prancheta com curiosidade meramente burocrática. – O que está escrevendo?

O doutor o olhava de volta com ceticismo quando ele disse que não havia dormido, mas ao mesmo tempo não parecia propriamente surpreso, ele olhou para prancheta por alguns segundos quando Morpheu a mencionou, como se tivesse esquecido dela completamente, e ela parecesse ter surgido ali por mágica.

– Apenas anotando o progresso da recuperação dos soldados... Eles estão todos progredindo bem. – ele diz, apoiando a prancheta no peito, como se tivesse vergonha de seu trabalho.

– Hm... – Morpheu comenta, apenas por hábito, bebendo quase metade da xícara de café em cerca de dois goles, sentindo o café se misturar com o cigarro de novo, e relaxando visivelmente, soltando quase todo o ar que tinha nos pulmões e cruzando os braços com cuidado sobre a mesa.

– Como está o ombro?

Ele volta os olhos ao médico, que agora segura a xícara com ambas as mãos, não pode deixar de notar as bandagens grosseiras que tinha sobre as palmas de ambas as mãos, completando-se pelo fato de ele estar sem as luvas, havia prometido não comentar nada, então apenas observou as bandagens em silêncio. Até que, mesmo diante de seu silêncio o doutor seguisse seus olhos até suas mãos e se tornasse estranhamente autoconsciente novamente, deixando a xícara sobre a mesa e rodando-a com certa ansiedade, sem dizer muito mais.

– Como disse? – Morpheu pergunta, sem tentar esconder o fato de que não estava ouvindo.

– Seu ombro. – ele coloca de novo, um pouco mais baixo dessa vez, inconscientemente puxando as mangas do avental branco um pouco mais.

– Estou bem, obrigado, doutor.

– Não por isso. – ele rodava a xícara sobre a mesa, parecendo ansioso, mas não evitava o contato visual, apesar de Morpheu não estar tentando estabelecer nenhum.

Ele olhava as ataduras em silêncio, se perguntando o que havia acontecido e bebericando da xicara branca de café eventualmente.

– Senhor?

– Hm? – os olhos de Morpheu se voltam ao rosto do médico uma vez mais.

– Algum problema? – ele pergunta, novamente parecendo ansioso por dar uma resposta e finalizar o assunto.

– Não, nenhum. – ele responde, simples, decidindo livrar seu subalterno do suplício de sua companhia. – Perdão doutor, com licença. – ele diz, terminando a xícara de café e escorregando para fora da mesa.

– Toda. – o doutor murmura de volta, bebendo silenciosamente da xícara de chá.

Morpheu nem ao menos notou que ele usava o cachecol que havia lhe sido confiado no dia anterior, mas isso também não era necessário.

~*~

Foi um dia lento, de uma semana igualmente lenta, e Morpheu não estava surpreso com a resposta evasiva que a Ilha Capital havia mandado.

Estranho? Como assim? Algo aconteceu? Quer que mandemos os corcéis até ai? Falaremos com a armen noir, comandante.

Ele joga a carta sobre a mesa, inspirando profundamente.

O doutor era arredio, e fazer perguntas a ele sem que ele espontaneamente viesse comunica-las só fazia tudo tornar-se mais difícil na relação já complicada que partilhavam.

Mas nada daquilo havia passado em branco.

Morpheu podia ser muito, mas não era estúpido.

Pelo menos não quando se tratavam das delicadas nuances que envolviam seu trabalho como soldado.

Contudo havia muito a se fazer, e ele não podia se dispor a gastar suas horas investigando o passado nublado de seu subalterno da área de saúde.

Por isso ele voltou aos relatórios vindos da Ilha Capital, e continuou escrevendo os avisos de recebimento de carga e solicitações de equipamento.

Agora que iriam trabalhar de verdade, seria bom se tivessem meios para fazer um trabalho descente, não?

– Senhor?

A batida metálica na porta faz as engrenagens no interior de sua mente pararem de rodar, e seus olhos se voltam lacônicos na direção da porta, abandonando a caneta com desinteresse.

– Entre.

O doutor passa pela porta com pequenos passos deslocados, ele sempre parece desconfortável em sua sala, mas Morpheu não tem certeza se ele ao menos sabe disso, da forma como caminha, usualmente ele anda rápido a passos pesados e determinados pelo corredor, como se soubesse exatamente aonde teria de ir e o que teria de fazer ao chegar lá, mas em sua sala e parecia inquieto, desconfortável, ansioso.

Como um animal acuado, esperando um predador maior.

Morpheu havia considerado pedir que transferissem o médico a outro lugar onde ele ficasse menos nervoso, mas isso pareceu impossível depois que ele viu o potencial que ele tinha.

Como estrategista não podia se dar ao desfrute de ceder uma peça tão incomum por um capricho.

Ele se desculpava mentalmente ainda assim.

– Senhor, tem algumas pessoas na enfermaria... eu não sei quem são eles. O que eles estão fazendo ali? Por que eles estão de jaleco? O que está havendo?

– São auxiliares de enfermaria, doutor. Cuidarão dos pequenos casos. Agora que entraremos em ação efetiva, será bom se tivermos alguém que cuide das situações menores.

A expressão dele se desfez em certo descaso, quase descrença.

– Acha que não posso dar conta da minha função, comandante?

Morpheu larga a caneta, suspirando com uma das mãos nas têmporas.

– Qual a sua necessidade em levar minhas atitudes como uma prova de que não acredito na sua competência.

– Porque você já disse que não acredita. – isso era quase verdade. – Disse que terei de provar meu valor.

– E você o fará.

– De que forma se você trouxe estranhos para a minha sala? – ele indica o corredor, indignado.

Ele não pergunta se o doutor podia confiar nele no assunto, não parecia confiar nele nem o bastante nem para permanecer na mesma sala que ele por mais do que alguns minutos.

– Doutor, apenas faça como eu disse, não preciso justificar minhas ações em detalhes para você.

– Não pedi que fizesse. Pedi que não me insultasse.

O sangue circulava um pouco mais rápido do que deveria novamente, era normalmente nessas horas que o sangue de Morpheu esquentava e ele tendia a falar mais baixo e mais devagar, com aquele olhar cansado nos olhos, que devia exprimir mais desprezo do que ele realmente sentia.

– Doutor, se eu estivesse de fato insultando-o. O que você faria?

Klaus parou, olhando para a ele, como se fosse fazer muitas coisas, tantas coisas que elas se atrapalharam no fundo de sua garganta, e agora ele se via obrigado tentar organizar as palavras antes de cuspi-las todas de uma vez, sua boca estrava entreaberta e ele olhava seu superior com descontentamento evidente.

– Julgue minhas ações como achar prudente doutor, minha obrigação é com minhas intenções, não com a sua leitura. – ele pega a caneta novamente, sentindo uma leve pontada de culpa diante das palavras rudes, lhe era muito desagradável, ser assim incivilizado, mas estava cansado e o doutor parecia sempre estar esperando por uma oportunidade para criar um desentendimento. – Mais alguma coisa?

Detestava usar aquele tom de voz, e ia se desculpar, mas não teve tempo.

O doutor caminha até sua mesa, jogando um pequeno conjunto de folhas sobre ela, referentes a chegada dos auxiliares da enfermagem.

– Eu não vou assinar.

– Como disse? – dessa vez Morpheu estava quase chocado com o atrevimento.

– Eu disse, senhor,que não vou assinar.

Morpheu franziu o cenho, inclinando a cabeça a para o lado, em um claro sentimento de ultraje diante do comportamento revoltoso do médico a sua frente, ele se põe de pé devagar, tentando não depositar peso sobre o ombro avariado, sem quebrar o contato visual, de modo que agora ele tinha que olhar para baixo para manter os olhos focados no homem a sua frente.

Porque ele não podia escutar o que ele tinha a dizer pelo menos uma vez?

– Não vai? – sua voz era baixa, mas isso por que ele estava com raiva.

– Não.

Os olhos de Morpheu se estreitaram, ele lentamente entreabriu os lábios, o cabelo escorrendo por um dos ombros, e por mais furioso que ele estivesse, sua voz não passava de um sussurro.

– Não depende de você.

O peso de Klaus se inclinou para frente, com ele apoiando ambas as mãos na mesa, mas ele não disse nada, apenas manteve o contato visual.

– Use-os então... comandante. Afinal são apenas peças, não? Porque importaria quem são.

Foi rápido, Morpheu ergueu o braço esquerdo, num tapa que estalou alto de um dos lados do rosto de Klaus, que por sua vez desequilibrou da mesa, caindo um pouco para o lado derrubando o tinteiro e alguns papeis de cima da mesa, se equilibrando para não cair de joelhos.

Não chegou a ter tempo de se levantar sozinho antes que Morpheu o pegasse com um pouco a mais de força pelo pulso e o puxasse, quase arrastando-o até a porta, jogando-o do lado de fora, fechando a porta, voltando a própria mesa, o doutor podia ouvi-lo se mover pelo peso de seus passos no chão acarpetado.

Klaus estava no chão, recostado a parede ao lado da porta, olhando o próprio pulso, com a outra mão sobre a marca quente de tapa em seu rosto.

Os olhos abertos, estava quase chocado.

Chocado não com a atitude, mas com a genuína expressão de desprezo que viu nos olhos do comandante que ele havia insultado tão gratuitamente.

Sentia-se pequeno.

Trouxe os joelhos para junto do peito, apoiando a testa nele, com a mãos ainda no rosto, uma marca vermelha começava a se formar em seu pulso, marcas grosseiras de dedos.

Não queria isso.

Nada disso.

Queria apenas que ele confiasse em sua capacidade.

Mas agora ele o olhava com asco, como se ele fosse patético e indigno e seu corpo pesava, pesava com o sabor amargo de arrependimento.

Levantou o rosto para olhar a porta fechada, seus lábios se abriram mas ele não disse nada, apenas olhava a porta fechada, com medo de que ele pudesse ouvi-lo e tivesse que encarar o inverno daqueles olhos de novo.

Olhos gelados como a neve que ele sentia se aproximar pelo sul...


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Notas finais do capítulo

capítulo novo~
um capítulo sobre os meus dois bebês idiotas
estamos nos aproximando cada vez mais da hora do "vou me confessar porque o comandante é sexy demais pra mim"
ai ai ai viu
me digam se gostaram



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