Desventura Divina: A Jornada de Ouro escrita por Lady Meow


Capítulo 14
Vamos matar alguns caras malvados


Notas iniciais do capítulo

WHO IS BACK? WHO IS BACK? SIM, TIA SENHORA MIAU ESTA DE VOLTA!
Cara, faz tanto tempo que não posto aqui? Muito né? Eu sei, minhas sinceras desculpas, sério mesmo. Porém, essa demora será recompensada com um dos avisos dos vários que eu vou falar: eu estou com dois capítulos escritos e prontos! Ou seja, agora posso postar mais rápido! Yeah!

Está ok, sei que vocês estão ansiosos e não veem a hora de ler logo esse capitulo, mas pessoa que esperem um momentinho para os avisos que vou dar antes:

[1] Esse é o ultimo capitulo com cenas de tortura. Acho que esta um pouco mais leve que o 13, mas ainda esta bem tenso. Ah, também teremos personagem novo na área!

[2] Esse será o penúltimo capitulo com narração da Valentine. As meninas vão parar de narrar no 16, porém, a historia ainda continua, mas sobre ponto-de-vista de alguns velhos conhecidos (e novos tbm). Alguns leitores já sabem quem são (graças a Lady Meow e a sua boca grande hahaha)

[3] Estou cada vez mais feliz com os comentários que vocês estão me mandando, sério. Voces são os melhores leitores do mundo, me orgulham, seus divos, amo todos vocês. As visualizações também estão ficando mais altas, muito obrigada, estou tão feliz!

[4] Aos tímidos, anônimos e leitores fantasminhas: não tenham vergonha de aparecer nos comentários e falar com a tia, expresse a sua opinião nos comentários, mande criticas construtivas, tenho certeza que vou amar! Meu name aqui é Lady Meow, mas eu não arranho nem mordo.

[5] Qualquer duvida, pergunte nos comentários, mas caso queira algo mais reservado, mande-me uma MP, ou me chame na DM ou por mention do twitter (@lannistaylor, se quiser seguir também, eu vou retribuir) ou chame no bate-papo do Social Spirit.

[6] Perceberam a capa nova? O que acharam? Digam nos comentários!

[7/Obs] O titulo desse capitulo é inspirado em um ep da Season 6 do meu seriado favorito, Doctor Who, cujo titulo é "Lets Kill Hittler".

Ufa! Chega de tantos avisos, o que importa agora é: Quem quer ler o capitulo logo? É só ir descendo a barra lateral e voilá. Vejo vocês nos comentários, meus meowlitos.



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VALENTINE

— Talvez você precise de tomar um bronzeado, garota, você é muuuuito pálida — comentou Megan, lançando a luz da lanterna contra meu rosto. A única coisa que pude fazer foi vira-lo para lado, impedindo que o feixe de luz cegasse ainda mais meus olhos.

Lincoln soltou uma risadinha.

— Não faça isso, Megs, vai que ela invoca um zumbi que coma seu cérebro ou algo assim? — zombou o irmão.

Os gêmeos, como eu os apelidava, deviam ser irmãos. Sempre andavam juntos e tinham o mesmo rosto desconfigurado junto com cabelos ralos. Era rotineiro que vinham me atazanar. Não havia nenhuma jaula ou grade para me privar de apertar seus pescoços longos, infelizmente, estava presa em pé na parede, com travas nos pés, nos pulsos esticados para cima do corpo e no pescoço. Estava inteiramente dormente, porém não podia sequer dar a ele o alivio de se mexer, respirar era ainda mais complicado.

— Cai.am. fo-ra. — sussurrei, a garganta seca parecia estar sendo atravessada por pregos.

Fazia quanto tempo que estava assim? Tinham se passado séculos desde meu primeiro encontro com a O.R.D.E.M, que tinha acontecido as portas do Hotel Cassino Lótus, durante a minha desastrosa fuga. Depois de Ronnie ter simplesmente desabado com um aperto de controle remoto, sem poder viajar nas sombras com os poderes enfraquecidos, tentei lutar contra eles. Minha tentativa de heroísmo tinha terminado com nossa captura graças a um tiro de raspão que acabei levando na perna.

O quarto em que estava era totalmente feito de madeira velha, talvez com uma chuvinha, era possível fazer as paredes desabar. Uma vasilha de água para cachorro seca estava ao lado, onde raramente despejavam uma espécie de pasta feita de restos de comida – era o que eu achava que fosse – ou uma pequena dosagem de água salobra. Eu não tinha o que reclamar, vindo da O.R.D.E.M, já era um grande presente.

Organização

Restrita

De

Extermínio de

Mitos

Pensar naquele nome me dava arrepios, apesar de saber muito pouco sobre o que se tratava, a definição da tal organização responsável por tentar livrar o mundo mortal da influencia dos mitos gregos (mantando eles, inclusive semideuses), era capaz de me deixar mal, mais do que eles haviam me deixado.

Não os conhecia perfeitamente.

Porém tinha certeza disso.

ELES NÃO ERAM MAUS. ERAM CRUÉIS.

— Crianças, voltem para seus alojamentos. Agora. — Uma silhueta branca parou sobre a porta recém aberta, deixando a luz atravessar ao redor.

— Sim, mãe. Vocês vão dar um jeito nela? — Perguntou Megan.

— Eu não aguento mais vê-la, tem uma aura ruim, me faz sentir que eu vou morrer — Comentou o outro.

— Isso faz parte dos poderes dela. Agora sabem porque não devemos conviver com eles? Com descendentes e seus mitos? — Respondeu a mulher mais velha. — Vão, temos que conversar.

Ela se afastou o os dois sumiram para fora. Mais três pessoas entraram, com armas apontadas para mim.

— Ainda bem que temos você... — A senhora se aproximou o bastante para que a reconhecesse. Era a velha Dra. Howard. — As coisas não foram boas com a outra, agora provavelmente ela deve estar apagada. Com você na ultima sessão foi simples, bastou uma dosagem de soro da verdade e então tínhamos todas as informações sobre seus deuses em nossas mãos. Para tentar tirar isso da sua amiga seria necessário um vírus de computador. — E riu da sua piada interna — Mas enfim, hoje faremos diferente. Podem soltá-la. Nossa garotinha merece ser premiada.

Dois dos caras uniformizados com trajes em um tom azul quase negro vieram para meu lado e destravaram as amarras, fazendo que meu corpo solto despencasse para frente. O terceiro me pegou pela cintura e colocou sobre os ombros. Nem fiz questão de lutar contra, me sentia como uma boneca de pano, quer dizer, já estava me tornando uma: sendo aberta, costurada, jogada, largada e levada para todos os lados como se fosse um amontoado de panos costurados e não uma pessoa.

— Para a D46, rapazes. — Ordenou Howard, fazendo com que seu olhar imponente atravessasse até mesmo a viseira escura dos capacetes deles. — Depois, para a nova cela dela.

Após alguns minutos de caminhada por longos corredores claros, deixando o quarto muito atrás, me colocaram em uma maca, com mãos enluvadas e delicadas dando um trato em mim. Limpando minha pele, penteando meu cabelo enquanto iam fechando todas as feridas com pontos transparentes. Injetaram algo em minhas veias que foi tirando a dor e a dormência aos poucos. Meus rosto foi sendo restaurado com maquiagem e lábios hidratados com batom e gloss, escondendo as rachaduras.

Deslizaram-me para dentro de um vestido cinza folgado de algodão e pantufas macias. Em frente ao espelho, percebi que eles haviam me arrumado, escondido hematomas e feridas, apesar de ainda continuar muito magra. Não conseguia falar, minha língua estava seca e continuava internamente ruim. Como uma maçã vermelha que aparenta ser perfeita que depois de uma mordida é possível ver que esta estragada, estava simplesmente bonita por fora e arruinada por dentro.

— Acho que esta perfeita. Pode levar ela para a Howard. — Disse uma das mulheres que me trataram, tirando os óculos de proteção e as luvas. Suas assistentes fizeram o mesmo. Novamente, os guardas se posicionaram ao meu lado e me obrigaram a marchar para fora dali. Quando comecei a andar era como se estivesse aprendendo pela primeira vez, confesso que foi difícil reaprender a usar as pernas e retomar ao ritmo de caminhada. Ainda mais cercada de armas de aparência mortal.

Só paramos quando entramos em um elevador que nós trouxe a um andar superior. Andando pelos corredores do lugar, percebi que eles não se pareciam nada com o quarto onde estava. Tudo era muito branco, limpo e organizado, tão claro que chegava a doer à vista.

Me empurraram para dentro de um quarto e fecharam a porta. Para variar, ele também seguia os padrões da O.R.D.E.M: azulejos claros nas paredes e chão, uma cama de ferro pendurada nas paredes forrada com lençóis brancos. Uma mesinha estava disposta no meio, com duas cadeiras. Uma delas ocupada nada mais nada menos que Howard.

— Sente-se, querida. — mal prestei atenção em sua voz, meu foco era o que estava sobre a superfície plana de metal. Uma travessa com pães espalhava um aroma delicioso pelo quarto. Fumaça saia de um bule de chá e havia uma faquinha dentro de uma vasilha com geleia vermelha. Isso sem mencionar a cestinha de frutas, indo desde uvas verdes, morangos gordinhos e outras frutas intensamente coloridas.

Não era como se eu quisesse, mas então simplesmente obedeci e sentei. Parecia que estava sendo fisicamente controlada.

— Boa garota. Sirva-se. Você merece. — Howard sorriu.

— Por quê? O que eu fiz? — não resisti a meu impulso e devorei uma fatia macia de pão. Minha fome era maior do que acreditava ser.

— Você se comportou, foi uma boa menina. Além do mais, a O.R.D.E.M gostaria de agradecer de alguma forma pela sua ajuda. — ironicamente, ela pegou uma maça vermelha da cesta e ficou brincando com a mão.

— Ajuda?

— Sim, nos últimos dias, você nós contou tudo o que queríamos saber sobre sua... Ah, digamos assim, “família mitológica”, claro que com uma pequena ajuda de um soro da verdade, mesmo assim, estamos agradecidos.

— O que eu disse...? — perguntei, por muito pouco não derrubei a xícara de chá quente no meu colo.

— Muita coisa, querida. Sobre o acampamento destruído, sobre os deuses, sobre outros de vocês que encontrou por ai... Ah, muitas coisas interessantes para nós — Howard mordeu a fruta, apenas o brilho maligno em seus olhos me fez cair na real.

“Você é uma traidora.”

“Tudo que tentou fazer até agora foi em vão, principalmente depois que sabemos.”

“Graças a você, temos uma ideia de onde estão seus amigos. Tem ideia do que vamos fazer?”

— Não, não, não, não... — murmurei para mim mesma, relembrando de como tinha se sentido leve há alguns dias atrás, depois de beber alguma coisa doce, que havia matado temporariamente minha sede e então ficado leve e relaxada, como se tivesse acabado de acordar...

Então aquela anestesia que aquelas mulheres tinham aplicado antes não surtia mais nenhum efeito, estava me sentindo ainda mais péssima. Todo aquele heroísmo que adquiri durante os dias da jornada tinha, como aquela velha disse, sido em vão, afinal, no final acabei ajudando os caras malvados.

Imperdoável.

Eu não podia levar a culpa, não sozinha. Eles tinham me forçado a fazer isso, praticamente obrigado.

Não deixaria isso em branco, eles não podiam machucar os outros, meus amigos. Não iriam. Não se não dependesse de mim.

Não teria mais nenhuma morte sobre minhas costas.

— Nem pense em machucar alguém. — coloquei minhas duas mãos sobre as bordas da mesa e empurrei com contra ela. Infelizmente, idade não condizia com a velocidade para escapar. Howard pulou e desviou facilmente para o lado.

— Acalme-se! Segurem ela! — gritou.

Me virei para os guardas e fiz um movimento com as mãos, sombras se formaram na parede e os dois foram jogados para dentro delas. Sem chance de defensa. Um segundo depois, parecia que o peso do mundo inteiro estava sobre meus ombros, sinais do cansaço intenso.

Agarrei uma das cadeiras e prendi Howard entre os pés delas pressionados contra a parede. Até eu mesma estava assustada com a minha fúria.

— Não pode fazer isso, sei o que são e o que farão com eles. — meus olhos encontraram os dela e outro relampejo apareceu dentro da pupila, como uma tela de um filme. Num centésimo de segundo, uma quantidade enorme de cenas inundou minha cabeça.

Nelas, Howard estava muito mais nova com um vestido de noiva acompanhada de um cara, em seguida os dois seguravam os gêmeos ainda pequenos. Seria uma cena bonitinha se não mudasse para outra completamente diferente, com ela se despendido do marido que usava uma farda do exército. Suas mãos tremulas segurando uma carta de óbito tomaram conta da visão.

Meus braços falharam e a senhora conseguiu me empurrar para trás, acabei tropeçando em uma vasilha e caindo para trás.

Pisquei os olhos e percebi que estava mudando. Estava esticando, peles, ossos, tudo junto. Arqueei a coluna, parecia que estava sendo puxada pelos membros. Todo meu corpo estava em mutação e como doía. Para me tornar Agatha, não havia sentido nada, agora tinha certeza que estava sendo puxada e colocada de volta de uma só vez. Era muito pior que todos os castigos da O.R.D.E.M juntos.

Pela primeira vez, não consegui controlar meus poderes.

— Jeremy? Jemmy? O que você fez com ele garota? Você é... ele! — Howard tentava se manter calma, porém estava tremendo tanto quanto eu. Ouvi sua mão pressionando um botão e o alarme começou a soar. Outros guardas arrombaram a porta e me levantaram, batendo minhas costas com força contra a parede. O impacto foi suficiente para me deixar atordoada. Minha pele pareceu escorrer, sinal que estava voltando a minha forma verdadeira.

— Não sei o que aconteceu. Acho que a subestimamos mais do que deviam. Achei que ela estava fraca e não conseguiria usar os poderes... Foi tudo tão rápido. — Continuou, dessa vez falando com uma mulher de branco que havia chegado. Seguraram meu corpo e enfiaram uma garrafa na minha boca, fazendo um liquido gelado e ardente descer pela garganta enquanto me deixava completamente dormente instantaneamente. — Vamos leva-lá para a sala de testes. Eles são mais resistentes do que esperava, isso não pode acontecer de novo... Temos que descobrir qual são seus verdadeiros limites. Vamos trabalhar em um novo experimento baseado nisso e nas pesquisas anteriores.

— Sim, senhora.

— Dessa vez, sem pena. Quero ver até onde os poderes deles vão — continuou a mais velha, controlando a raiva na voz enquanto tentava limpar o fio de sangue que escorria do canto da sua boca — Quero vê-la destruída logo depois.

— Como quiser.

— Sra. Darah, quero isso imediatamente, sua imprestável. — Rosnou.

— S-sim, já estou indo. Vamos rapazes. — A mais nova gaguejou e acenou para que adentassem em uma área vazia cuja a unica coisa era uma espécie de cofre de banco feito na parede.

Giraram algumas vezes a trava que lembrava um timão gigante feito de ferro e assim que abriu, fui brutalmente jogada para dentro e fechada. A situação não podia ficar pior do que ter caindo de cara.

Cambaleei para trás, tinha sensação que havia acabado de quebrar o nariz. Sangue escorria dele e eu não conseguia me livrar do aperto. Me encostei e deslizei por uma parede de aço, onde estava escondida passagem em que havia entrado.

Olhei para cima e percebi que estava em uma espécie de caixa, as três paredes eram feitas de um material pesada e cheias de furinhos, alguns maiores que os palmos de mãos. No teto, uma unica lampada presa jogava uma pálida clareza dourada.

A minha frente, a outra parede — que era transparente — se iluminou e quatro silhuetas foram se detalhando com a luz.

— Consegue me ouvir? — Howard deu algumas batidinhas no vidro. O som ecoou com maior volume ali dentro, graças a algum amplificador.

Sabia o que eles faria comigo ali dentro não seria nada bom.

Um dos “espectadores” tinha um controle remoto em mãos. O sorriso de escárnio da Velha Bruxa aumentou significamente quando o mesmo apertou com vontade um dos botões. Minha cintura foi agarrada e puxada com força para trás por um cinto robótico que me prendeu a parede contrária ao vidro.

Tentei usar a força, mas era mais pesado do que imaginava e parecia estar querendo quebrar meus ossos com o aperto.

A lampada do teto se desligou e o silencio reinou por um tempo até eu ouvir um chiado baixo, indo de debaixo da placa em que pisava. Não me lembrava de ter esquentado tão rápido.

Várias chamas azuis brotaram simultaneamente dos buraquinhos, algumas delas atingindo a sola dos meus pés em cheio. Teria pulado, mas não podia, o que me restou fui gritar e tentar suspender os pés, outra coisa que não deu certo graças a minha musculatura que devia estar a favor da O.R.D.E.M.

Howard balançou uma das mãos para cima e o cara com o controle aumentou o tamanho das labaredas que chicotearam contra toda a parte inferior ao meu joelho. Soltava gritos semelhantes aos sons que alguns animais faziam.

Eles queriam me queimar viva, que ótimo! Só me faltava algum tipo de processo judicial me acusando de bruxaria?

Nem tive tempo para pensar quando fui atingida na lateral do corpo e dessa vez o fogo tinha conseguido pegar na minha roupa. Me debatia e tentava apagar as labaredas do meu ombro — o que resultou outra queimadura feia, dessa vez na mão —, o lado esquerdo era o mais vulnerável, o mais atingindo.

Apesar disso, meu corpo inteiro ardia — não era no sentido figurado —, tanto interna e externamente. A fumaça desaparecia no teto, mas o cheiro de carne queimada não. O cinto estava tão quente que devia estar se fundindo e dobrando meus ossos.

Uma nova forma de emagrecer e manter a postura pior que usar espartilho.

Nada podia ser mais terrível do que estar presa sem poder ao menos se mexer enquanto assistiam você ser queimada. Naquele ponto, já sentia a dor se espalhar pelo rosto. Alguém soltar uma risadinha com isso.

— Quell, chega, acho que esse é o limite máximo deles. Lembre-sem que são semideuses, também podem morrer como os humanos normais. — Abri os olhos, tudo estava vermelho e sufocante. Todo o fogo foi se apagando em questão de instantes, até mesmo do meu corpo. Senti um pouco de ar resfriado vir de outra saída do teto — Próximo teste. Ouvi dizer que crias do deus dos mortos amam o mar.

O cinto se desprendeu e então cai com força contra o chão. Percebi que estava mais machucada que imaginava quando encostei ali. Devo ter acabado gritando tanto que fiquei sem voz, apenas soltei um gemido sofrido.

Levantei meu olhar para a frente do vidro.

— Consegue se transformar em algum defunto agora, pequena vadia? — zombou Howard — Você realmente acreditou que fiquei assutada e incrédula quando virou meu velho Jemmy? Não acredito que tenha achado que eu me importaria se aquele idiota estivesse de volta a vida? Claro que não! Eu o odiava, odiava aquele cara. Jeremy era um grande filho-da-puta, tão grande que abandonou eu e seus dois filhos problemáticos para lutar em uma guerra idiota, tudo isso por causa do seu orgulho... Eu não sinto falta dele, lembro de ter chorado... de felicidade por ele ter morrido...!

Ela fez questão de esperar eu terminar de tossir para continuar seus discurso.

— Não seria nada fácil controlar algo como a O.R.D.E.M. sendo casada com um cara que parecia a versão extremista do Capitão América... Ele não deixaria meu serviço passar batido por causa de uma maldita promoção para general, não deixaria mesmo. O vinho que tomei no dia em que recebi a noticia era delicioso... Um dos seus vinhos mais caros guardado para se comemorar no dia em que fosse promovido... Foi realmente doce.

— Por que eu não des-desconfiei — solucei, forçando minhas cordas vocais cheias de fumaça mais do que devia — Isso é algo que a gente espera de vir de alguém como vo-você.

— Exatamente, docinho... Agora olhe para você — sua unha pontuda deu algumas batidinhas no vidro — Onde está seu pai? Por que ele não aparece e te tira dessa? Ele não é um deus? Então pode simplesmente estalar o dedo e a senhora pode ficar sã e salva, mas nããããooooo. Duvido muito que se importe contigo. É assim que todos eles são, os deuses, para eles, seus filhos apenas servem para fazerem favores e mais nada, como o que estava fazendo...

— O que quer dizer?

— Qual o verdadeiro motivo para resolver entrar para essa tal jornada? Heroísmo? Sacrifício? Volta de de salvar os outros? Não, tanto tu, ma chère, e a sua amiga são egoístas demais para fazer isso, vem da sua natureza humana e divina. Por honra? Talvez, ambas as duas são competitivas... — o falso sotaque francês apareceu como uma tentativa de me ironizar provavelmente.

— Aonde quer chegar? — rosnei.

— O real motivo para vocês aceitarem isso é por que querem morrer, as duas sempre foram sozinhas, sem pai ou mãe, sem família, abandonadas e largadas a sorte, mas não tinham coragem o suficiente para se suicidar. Sua jornada foi como um bilhete de ouro para aquele brinquedo mortal quebrado, cuja certeza que morreria se andasse nele. Por que cometer suicídio e ser taxada de covarde quando se pode morrer como um heroína e ser coroada com honra? — ela riu.

Dessa vez fiquei em silencio e sem resposta. E não, não era por causa da dor que estava sentido e sim pelo fato dela estar dizendo a verdade. Howard tinha razão.

Quem eu era no passado, não podia voltar a descobrir. Mas nós últimos dias, acabei percebendo o que ela tinha acabado de dizer. Tudo que estava fazendo neles era impulsivo, seguindo apenas os instintos e deixando a parte racional de lado. Se você lesse as entrelinhas, conseguiria entender que não estava me importando se fosse morrer em certa hora ou não, era a adrenalina pura correndo pelas minhas veias.

Isso também era visível (ou quase) em Ronnie. A forma em que ela fazia questão de não dar a minima para as regras já era um bom indicio disso e bem, uma vez, depois de eu ter perdido a memoria, a vi ter um ataque de raiva e começar a recolher um monte de peças para depois construir algo enquanto chorava de noite. Lembrava da maldição da família dela e segundo ela, fazer aquilo era o mesmo que tentar tomar um copo de amaciante para roupas. Podia dar muito mal e te deixar doente ou simplesmente te matar.

Howard estava certa, tudo era uma grande desculpa. Eramos uma versão meio-olimpiana da Lana Del Rey.

Isso era meio irônico, por que eu sentia uma grande vontade de ser enterrada com uma tiara de flores na cabeça e Born To Die era uma musica que gostava bastante.

O comentário sobre essa musica tinha vindo automaticamente na minha mente. Talvez um fragmento perdido que havia restado sobre a antiga eu.

— Entendeu o que eu queria dizer? A maioria dos homens não presta. Espero que você não considere isso como ofensa — ela se virou para o rapaz com o controle, ele mal fez menção de ter ouvido alguma palavra da nossa conversa — Sendo eles pais, maridos, amigos, irmãos e filhos, sendo deuses ou humanos. Todos são a mesma coisa.

Aquilo mais soava como um desabafo, estava vendo o momento em que ela iria puxar uma cadeira e tomar uma garrafa de whisky.

— A senhora se daria muito bem como amazona ou Caçadora de Artemis se fosse mais nova, se pensar desse jeito... — comentei.

Não tinha nada contra esses grupos de garotas guerreiras meio extremistas que mantinham um ódio mortal por pessoas do sexo oposto, mas eu preferia feminismo a femismo. Eu me voluntaria para ser uma Ativista da Paz sem problemas.

— Calada. Sou eu quem fala por aqui e você apenas responde quando é para responder! Ouviu bem? — esbravejou, o eco dos amplificadores me faziam querer arrancar as orelhas.

Parecia que a ideia de entrar em um dos grupos de guerreiras mitológicas a deixava irritada.

— Vou fazer um favor a você te matando, já que não teve coragem de fazer isso sozinha antes, é melhor parar nos 16 anos do que continuar sofrendo a vida toda. — Howard tinha ficado um pouco mais melancólica, talvez com um pouco de pena — Sem filhos, sem responsabilidade, sem contas para pagar, sem problemas, sem trabalhar exaustivamente, sem ter um marido, sem ter que fingir ser a mulher perfeita...

Meu corpo poderia estar destroçado, mas minha língua continua sã e salva.

— A senhora diz isso para todos que torturam ou que são vitimas dos seus testes? — perguntei ácida.

— Não, estou falando isso apenas para ti. Sabe, você me lembra eu quando mais nova, antes de ser quem sou agora.

— Esta arrependida? — dessa vez estava sendo sincera, o máximo que conseguia ser.

— Não, nunca me perdoaria se continuasse como uma garotinha burra que nem você, se fosse ela, nunca seria quem eu sou hoje. — seu sorriso era o mesmo dos vilões de filme — Tome isso com uma lição e espero que saiba prender a respiração. Esse é o teste de resistência numero dois. Manda a ver.

Howard tomou o controle da mão do cara e água começou a cair, com em um chuveiro gigante. Quando as gotas bateram nas minhas costas esturricadas, dei um pulo violento para cima. Agora realmente minhas costas ardiam. As gotas que entraram na minha boca tinham um gosto salgado. Jogar sal na ferida era terrível, agora água salgada jogar na queimadura era algo desumano.

Por um momento achei que eu fosse uma lesma, me debatendo pelas paredes enquanto “começava a derreter”. Era tão ruim que preferia estar presa e sendo queimada. Em instantes, já batia nos meus calcanhares. Continuava a dar pulinhos, só que era impossível se manter por mais de um segundo sem um dos pés submersos.

Via meu reflexo em toda parte, era um misto parcialmente carbonizado, olhos escuros e cabelos ninhados com num ninho de ratos. O que era antes um vestido, se resumia em um trapo cujas pontas tinham que segurar para não ficar desnuda na frente de todo mundo.

Uma das minhas mãos seguravam as pontas da “roupa” enquanto a outra tentava esmurrar as paredes de caixa, era ainda mais complicado fazer isso com uma delas torrada. Dei outras batidas, apesar do vidro estar embaçado, vi todos eles gargalharem do meu desespero, como se ele fosse um espetáculo de stand-up.

A altura da água vinham pela minha cintura, sentia pequenas correntes fortes darem voltas em minhas pernas, o que justificava minha teoria que aquilo estava se transformando em um tanque que se enchia mais pela parte de baixo. A goteira era apenas mais uma forma de crueldade. Miseráveis.

Estava enchendo tão rápido que espuma se formava na superfície. Eu não sabia nadar, muito menos prender o folego. O tanque/caixa era pequeno demais para que conseguisse ficar em pé sem curvar o pescoço, em instantes, o nível já chegava ao meu pescoço. O cheiro de maresia me fazia pensar no mar, e pensar nele me deixava enjoada.

Era claro, eles não havia escolhido esse teste que era uma verdadeira tortura por acaso. Água salgada vinha do mar e o mar era a principal forma de poder de Poseidon, o deus dos mares e consequentemente, meu tio e irmão/rival de Hades.

Minha essência mitológica ia se diluindo cada vez mais, sugando meus poderes. Meus pés chegavam a flutuar e acabei batendo minha cabeça no topo. Alguns centímetros restantes e não havia mais nem um pouquinho de ar para respirar. Meu desespero conseguiu ultrapassar a dor das queimaduras em contato com sal.

Respirei fundo o máximo que podia até a água cobrir tudo. Fui ficando mole e sendo puxada para o fundo enquanto flutuava e tentava manter aquele pedaço de trapo no lugar. Aguentei firme alguns segundos até os pulmões começarem a apertar e aquela sensação ruim tomar meu corpo.

Tentei manter a calma, porém foi em vão. O coração batia com força, a cabeça doía e meu peito fazia menção de explodir a qualquer momento. Estava com os olhos arregalados, numa expressão de terror com a visão turva. Eu precisava de ar.

Fui arrastada para uma passagem. Tudo escureceu e o tanque desapareceu, dando lugar a uma correnteza. Dessa vez segurava uma pedra para não ser levada para longe, prendia o folego.

Conhecia aquele lugar, estava de volta ao Rio Lete, provavelmente antes de começar a esquecer quem eu era instantaneamente. Fui puxada para fora do rio, só assim pudendo voltar a respirar novamente.

Foi ai onde cometi o maior erro da minha minha.

Eu não tinha saído de lugar nenhum, ninguém havia me tirado da água e continuava submersa naquele cubo desgraçado. Vi bolhas saindo do meu nariz enquanto caia na ilusão de acreditar que havia ar. Quando tentei puxa-lo, meu sistema respiratório foi invadido por completo por liquido e não existia outra forma de expulsa-lo . Não possuía mais nada para se fazer, a desesperança era muito maior enquanto eu me engasgava e afogava.

E por fim, tudo se apagou quando água finalmente chegou aos meus pulmões. Não havia O.R.D.E.M, não havia mais medo, não havia mais nada.

Eu esperava que quando eu morresse, que não fosse de uma forma tão mísera e sim heroica. Esperava me encontrar nos Elísios ou os Campos das Punições, não em uma imensidão vaga tingida de preto e ainda por cima, refletindo isso com minha voz irritante. Tinha sido tão sem graça, nem tão terrível, nem tão encantado. Apenas cinza.

Também não sabia que tinha cheiro ou uma musica de fundo. O cheiro era de plantas, de natureza e o som era quase inexistente, leve e delicado, um assobio misturado com uma doce melodia cantarolada por uma voz fina e levemente infantil.

Era estranho, a água que pesava nos meus pulmões simplesmente era puxada para outro lugar e deixava o espaço mais leve. Minha boca tinha gosto de raízes.

De repente, levantei meu corpo com força, tossindo com força e colocando tudo para fora. Notava que logo fui me sentido melhor, mais aliviada. Porém, alguma coisa devia estar presa na minha garganta, a deixando irritada, como se tivesse me engasgado com comida.

Levantei o corpo bruscamente — pelo menos, acreditava ainda ter um —, me livrando da sensação estranha de entalamento. Agora podia enxergar uma luzinha fraca, quase como a de um vagalume. Voltei a deitar, ainda estava fraca demais.

Virei o pescoço lentamente para o lado, escondida nas sombras, uma forma pequena era a fonte da suave melodia. Era um pouco esquisita, rechonchuda, baixinha e com duas figuras se projetando acimada do que deveria ser a cabeça. Chifres? Quem sabe.

A criaturinha devia estar assustada, pois batia os pés peculiares nas tabuas de um assoalho frequentemente. O som que saia era semelhante ao de cascos de bodes batendo nas rochas das montanhas.

— Você acordou? — perguntou com a voz tremula. — Esta bem?

— Se sua definição de “bem” quer dizer parcialmente respirando, estou sim — dei um sorriso fraco, que acabou acalmando ele. — Me diga, isso aqui é uma espécie de passagem entra a vida e a morte? Uma espécie de espaço entre essas duas estações?

— O que é uma estação? Não, não é.

Achei fora do normal o fato dele não saber o que era uma estação, mas apenas ignorei e dei ombros.

— Quem é você?

— Eles me chamam de “Cobaia (de testes)”, apenas isso. — e deu um suspiro triste ao sair do esconderijo.

Da cintura para cima, ele parecia um menino gordinho de no máximo 10 anos, se ignorasse aquelas coisas lá em cima. Olhos verde musgo, cachinhos castanhos bagunçados e uma cara fofinha corada. Suas pernas de bode eram pequenas e se forçavam para suportar seu peso, eram tortas e assim como os longos longos chifres, pareciam desproporcionais a ele.

— Que nome horrível. O que eles fazem com você? — indaguei, fiquei comovida a ver ele.

— Eu nunca consigo lembrar, é um lugar branco, há muitos fios, eles tiram meu sangue e em seguida, me espetam com alguma coisa. Quando eu olho, estou diferente... — o garoto olhou para os pés, quer dizer, cascos.

— Não sabe como veio parar aqui?

— Não, simplesmente sempre estive aqui.

Meu coração estava cada vez mais apertado. Tossi mais uma vez.

— Tentei tirar toda a água, mas ainda restou bastante — e apontou para uma planta ensopada largada aonde eu estava a momentos antes. — Ouvi dizer que na terra dos humanos, eles usam uns canos para fazer esse serviço... Bem, fiz o que pude.

— Acho que era melhor você não ter me contado que minha boca virou um vaso de plantas e só os deuses sabem como me fez voltar a respirar novamente. Como fez isso? — coloquei a mão no rosto para segurar a risada.

— Cantando, seria melhor se tivesse uma flauta ou algo assim, mas não tenho — sua mão tateou o chão e encontrou um pedaço de madeira que começou a mastigar.

— Você é um fauno — me lembrei da curta aula de mitologia que tive antes de embarcar na minha aventura suicida.

— S-Á-T-I-R-O! — ele tinha fracassado na intensão de parecer zangado, já que continuava sendo fofinho.

— Tudo bem, sátiro, ok — estendi minhas mãos em sinal de rendição. — Onde estamos?

Dei uma olhada em volta. Um porão, eu chutaria. Havia entulho e lixo espalhado por todo lugar e um buraco escavado no canto grande o suficiente para caber uma pessoa. A terra que estava revirada era a mesma presente nos cascos e mãos do menino bode. Percebi que eu estava sobre uma lona de plastico encardida e molhada, também cheia de terra.

Pensar rápido não era minha vocação, mas de repente todas as peças se encaixaram simultaneamente na minha mente, como um quebra-cabeça de apenas 3 peças para crianças.

— Ei, me diga: se eu estava enterrada dentro daquele buraco, como me tirou dali e descobriu que ainda estava viva?

— Eles devem ter achado que você estava afogada e resolveram te enterrar, sabia que é a primeira vez que eles fazem isso? Pois é, mas então como sou um espirito da natureza, posso sentir qualquer tipo de vida em volta e bem, você estava bem viva.

— Eu devia ter avisado a eles que filhos de Hades são difíceis de matar — comecei a rir descontroladamente. Devia ser uma risada digna de uma pessoa louca, pois o sátiro me olhava com um pouco de receio.“Surprise, bitch!”

Tirar sarro da O.R.D.E.M. me fez esquecer o que tinha acontecido antes. Minha alegria durou apenas até meu peito começar a latejar. Apesar de estar melhor, não estava cem por cento recuperada.

Só depois de um tempo que me passou pela cabeça que ainda estava dentro da O.R.D.E.M e precisava sair dali. Interrompi nossa conversa sobre o que eles faziam mais com o pequeno sátiro (foi ai em que entendi por que o chamavam de Cobaia e era algo bem mais perverso do que eu achava).

— Espere um pouco. — sinalizei para ele parar de falar e comecei a passar as mãos em todos cantos e lados, inclusive olhando dentro das caçambas verdes de lixo encostadas em um canto que não tinha percebido. O porão era bem maior do que eu imaginava.

Para variar, quando encontrei as trancas dos portões, vi que estavam trancados do outro lado e que era uma daquelas portas que pareciam janelas gigantes e tinham que ser empurradas de fora para dentro.

Por um momento, eu jurava que uma lampada tinha aparecido em cima de mim quando tive uma ideia. Podia ser uma ideia tosca, que daria muito errado e as chances de acabar sendo pega pelos malvados eram muito altos, mas também não poderia ficar no meio de um monte de lixo trancada por muito tempo e afinal, poderiam me encontrar do mesmo jeito.

— Você pode saber se é noite ou dia?

— Noite. — respondeu ele de imediato.

Estalei os dedos e um pequena sombra começou a contorna-los , era muito mais fina e transparente que as outras, sinal que meus poderes ainda estavam impotentes. Devia ter outra opção.

Vasculhei alguns latões a procura de algo duro e forte para que pudesse ser usado para forçar a porta. Uma das “aparentemente mais úteis” que encontrei se quebrou assim que a forcei contra a porta e a outra nem tirar do lugar consegui tirar graças a minha falta de força.

Me encostei na parede e deslizei até o chão, cansada, frustada e dolorida. Abracei os joelhos e fiquei observando minha mais nova forma de defesa. Não tinha conseguido levantar aquele monitor gigante pesado contra a porta, mas pude chuta-lo até que a bloqueasse. Devia me dar tempo para bolar algum plano e impediria que algum deles tentasse entrar. Pelo menos na teoria.

O garotinho-bode se sentou com as patas cruzadas e começou a assobiar outra melodia baixa, semelhante a que eu ouvi enquanto estava “no meio termo entre vida e morte”. Mal dava para acreditar, mas aquele sátiro tinha 14 anos na idade dos humanos, porém o efeitos das drogas e soluções que eram testadas nele o impediam de crescer, sempre teria a aparência um uma criança. Isso não era nem a coisa mais pesada da sua vida, ele tinha nascido ali e permanecido o tempo todo sozinho, nunca sequer conheceu seus pais, tinha que aguentar firme todas as coisas malvadas que lhe faziam e muito mais. Meus olhos lacrimejavam ao pensar nisso. O que devia ser pior do que ser mantido desde sempre nas mãos da O.R.D.E.M?

Pisquei os olhos diversas vezes para ver se o que estava vendo era mesmo real: Num pedacinho do chão, o assoalho velho estava se quebrando e dando lugar a raminhos verdes meio manchados. A musica foi ficando mais intensa e os fez crescer mais, até começar a aparecer frutinhos irregulares e parar.

— Se os malvados vissem isso, eu apanharia. Mas, você vai ajudar a gente, é por uma boa causa — ele sorriu e colheu um dos frutinhos, entregando o para mim — Não dá para fazer uma árvore crescer aqui e meus dons não são os melhores... É o maximo que posso fazer.

Aquela era a menor romã que já tinha visto, quase do tamanho de um tomatinho. Segurei ela na mão enquanto pulei e dei um abraçado apertado nele.

— Não me leve a mal, mas acho que te amo, tipo muito muito mesmo — dei-lhe um beijo na testa, fazendo o ficar tão vermelho que seria fácil confundi-lo com a romã.

As vantagens de ter um meio-irmão que sabia das coisas era que consequentemente você também as aprenderia. Se saísse dali sã e salva, faria questão de dar um outro abraço igualmente apertado em Nico.

Segundo uma das lições que ele havia me dado umas 10 vezes durante os raros minutos em que passamos juntos, frutas como essas eram uma espécie de salva-vidas multifuncionais para as crias do senhor do submundo. Uma unica romã seria capaz de te deixar em uma espécie de coma capaz se salvar de uma enrascada ou até mesmo servir como um reforço temporário quando se esta completamente esgotado. Eu usaria a segunda opção.

Devorei-a completamente. Depois de alguns minutos, o efeito foi semelhante a de um daqueles energéticos. Uma descarga elétrica energizante percorreu meu corpo do dedinho do pé até o ultimo fio de cabelo. Senti sombras atingirem minhas costas e me darem uma sensação prazerosa.

Tinha que me lembrar que não era como néctar ou ambrósia, a duração do efeito era curta.

Dei muitos passos para trás, ficando de frente para as portas. Teria que correr, pular o monitor velho e passar pelas sombras no momento certo em que elas se formassem na minha frente. Ainda por cima, teria que fazer com que meu mais novo amigo seguisse o mesmo ritmo.

Agarrei sua mão que não segurava o ramo de folhas quase totalmente devorado e o puxei para perto.

— Quando eu disser três, você apenas corre, corre muito e bem rápido — ordenei, concentrando toda a minha potencia em um único ponto. Tinha que ser rápida, não sabia se conseguiria levar nós dois naquelas condições, mas eu tentaria. — Um, dois, trés.

Corremos contra a porta, tinha que calcular o momento certo se não acabaríamos precisando de uma boa plástica e meu nariz se arrebentaria ainda mais.

Um metro. Meio metro. Estava cada vez mais próxima, eu não podia errar e não podia voltar atrás. Poucos centímetros a frente e me concentrei. Quanto mais perto chegava, mais escura ficava a sombra a minha frente. Faltava um distancia menor que a de uma régua.

Fiquei aliviada ao sentir meus braços formigarem e os pelos enriçarem, trazendo junto aquele friozinho na barriga familiar. Tudo na minha frente se tornou escuro e gelado. Em questão de segundos a claridade veio a tona.

Saímos rolando até pararmos. Esperei até que parássemos de ofegar. O menino sátiro estava tremendo, mas fiz um esforço para ajuda-lo a levantar.

Olhei em volta, havia algo de estranho no corredor. Do teto ao chão, tudo estava manchando, com cheiro de queimado. Senti fez meu estomago se revirar, me lembrei do que tinha acontecido na caixa. Respirei e tentei manter a calma, agora quem estava com o corpo tremulo era eu.

Não havia câmeras naquele corredor. O que teve ali fez com que o alarme disparasse e o sistema contra incêndios entrasse em ação. O que explicava a aguaceira no chão. Todas as saídas estavam trancadas, como se alguém tivesse fechado aquela parte inteira. Estranho, ainda mais pelo fato que estava tudo vazio.

Encontrei um extintor pequeno e coloquei nas costas. Talvez houvesse algum outro foco de incêndio ou seria útil para jogar em quem quer que queria cruzar nosso caminho. Apertei um botão piscante colocado em uma parede que indicava uma saída de emergência. Uma escada de ferro longa caiu de um buraco no teto.

Nossa subida foi devagar e calma. Amarrei alguns cipós que ele tinha feito brotar na minha cintura e dei para meu amigo com cascos segurar. O caminho era estreitinho, porém, graças aos deuses, ele não tinha entalado nenhuma vez.

— Sabe de uma coisa? — virei e olhei para baixo.

— Qual? — perguntou ele.

— Você precisa de um nome novo, um nome digno, verdadeiro. Eu gosto de Sam.

Ele sorriu de volta e suas bochechas coraram. Sam parecia ter gostado do nome.

Fomos parar em um segundo andar. Tudo estava escuro e o ar tinha um aroma diferente. Perdi a conta de que quantas vezes acabei bocejando e meus olhos começaram a pesar de sono.

— Não respire. Eu conheço esse cheiro. Dá sono, não respire, é ruim. Faz você dormir. — Sam colocou as mãos no nariz. Eu fiz a mesma coisa. — Eles colocavam isso quando chegava a noite, para me fazer ficar quieto quando estava nervoso.

Seguimos em frente, para mim o escuro era claro, tive que guia-lo algumas vezes para não bater contra uma maca ou um vaso de plantas. Parei de repente quando ouvi o barulho de passos e uma silhueta aparecer do nada. Ela estava cada vez mais próxima e o barulho das botas mais alto.

Peguei minha arma de defesa e posicionei, de um jeito que pudesse jogar um jato ou simplesmente lança-lá contra a cabeça de alguém.

A figura vinha rapido, porém não trazia consigo nenhuma arma ou algo que pudesse visualizar. Era pequena, curvada e com cabelos curtos. Congelei. Poderia ser a Dra. Howard, não podia?

Devia ter passado tempo demais pensando nessa possibilidade para perceber que a pessoa havia se aproximado o suficiente para envolver meus ombros em um abraço.

(...)

— Você... como? — perguntei, me sentando em uma cadeira. Ronnie estava sentada em outra de costas para o maior painel de controle que já tinha visto na vida.

— Assim como você. Todo sistema tem uma falha, bem, a O.R.D.E.M vacilou conosco e cá estamos — ela limpou uma gota de sangue que escorria dos seus lábios. — Eles fizeram, ah, você sabe, então mandaram um deles me matar, mas ele tentou se aproveitar de mim antes. Felizmente, não sou do tipo fácil, coloquei fogo no andar de baixo e então me esgueirei no escuro até chegar aqui em cima, apaguei alguns cientistas malucos e voilá, aqui estou. Resumidamente.

Isso explicava o motivo das paredes chamuscadas lá em baixo e muitas outras perguntas.

— E os outros? O negocio do sono?

— Painel de controle. Arquivos de voz gravados pela Dra. Howard. Todos na sala de reuniões e trancados. Tubulação de ar condicionado. Pó do sono no armazém. Todo mundo dormindo. — Ronnie estava estranha. Apesar da armadura que criava ao redor de si, pelas brechas era possivel perceber que ela se controlando por dentro. Estava tão abalada quanto eu. O que tinham feito com ela? E o cabelo? — Menos um, ele teve que ser a força, isso me custou um belo machucado na boca.

— E Dra. Howard?

— Liguei todas as câmeras escondidas que estavam desativadas. Vi um carro preto sair, mas não sabia qual era o controle dos portões da garagem. Vaca, fugiu antes de eu apagar todos. Encontrei vocês por causa das câmeras — suas unhas se cravaram sobre o tecido de couro do seu macacão. Até mesmo me assustei, devia doer. — E lá se foi a tv a cabo.

Virei para trás. Sam estava debruçado sobre um dos painéis cheios de fios, ouvindo a conversa enquanto mastigava um monte de fios coloridos arrancados.

— Você estava bem? Espere ai — ela remexeu em algumas coisas e pegou uma frasco de remédio, me entregando um drop dourado. — Ambrosia concentrada. Encontrei na farmácia deles, no armazém. Pelo menos uma coisa boa no meio de tanta maldade. Agora conte o que aconteceu contigo?

Engoli e comecei a contar. Sobre a tortura. Sobre voltar e Sam. Sobre como cheguei ali.

Ronnie me encarava, mordendo os lábios machucados mesmo assim.

— O que foi? Por que esta me encarando? — perguntei.

— Você não percebeu?

— Perceber o que?

— Acho melhor você não ver... — ela se afastou para que eu pudesse me olhar na tela do computador.

Juro que naquela hora, a dor e o medo voltaram, a queimação da minha pele e a dor nos pulmões. Obriguei os dois a fecharem os ouvidos com o grito que dei. Não me preocupava muito com aparência, mas aquilo não poderia deixar passar. Dessa vez, comecei a chorar, de verdade.

Refletida estava eu, porém com boa parte da pele de um dos lados do corpo queimada e escura, inclusive a parte coberta pela roupa em que me tinham colocado. As feridas começaram a arder quando as lágrimas passavam por cima. Estava cheia de marcas carbonizadas, resultados de queimaduras de graus elevados. Estava horrível.

Então seria por isso que Sam também ficava me encarando, porém deve ter ficado em silencio, com medo de que eu surtasse ou era doce demais para me avisar.

— Eu sinto muito, isso é horrível... — Ronnie disse, colocando a mão sobre meu ombro — Nós podemos dar um jeito, nós vamos dar, existe maquiagem e pomadas de cicatrização, a gente só precisa sair daqui...

Sua preocupação era acalmante, mesmo assim, ainda não conseguia olhar para meu reflexo novamente, talvez nunca mais.

Olhei para as telinhas em cima dos controles e painéis. Elas mostravam boa parte dos lugares da O.R.D.E.M. Em uma delas, era possível ver todos os membros dormindo em um lugar cheio de mesas. Comecei a ferver de raiva.

Eu os faria pagar. Pagar por tudo o que fizeram durante esse tempo todo, eu tinha que fazer. Não era atitude mais heroica, estava mais comparada a atitude de um vilão, mas tinha que fazer. A vingança nunca é plena, porém as vezes é necessária, como justiça. Se não fizesse isso, eles poderiam fazer mal a mais outras pessoas e isso não poderia acontecer. E não iria. Incluindo o pessoal do Acampamento de Trailers, que graças a minha boca grande, foram descobertos pelos ouvidos da O.R.D.E.M. O efeito do sonífero seria passageiro e logo eles estariam acordados. Não, eu não iria permitir.

Passei a mão no rosto para cortar a choradeira, tentando me controlar para não vomitar ao sentir que no lugar em que estava minha pele macia, restava algo frio e áspero.

Desci ela para o pescoço e acabei puxando algo que se materializou na minha mão. Era a mesma chavinha presa na corrente que havia pegado do gerente do Cassino Lotús, quase tinha esquecido. Ela devia ser magica e podia ficar invisível. Isso explicava o fato da O.R.D.E.M nunca te-la achado e tomado de mim. Porém, mesmo todas as coisas que eu fiz para consegui-lá, a chave que abriria algo não era mais importante agora.

— Mas antes de dar o fora daqui, vamos fazer uma coisa? — sugeri, largando a corrente que bateu contra minhas queimaduras.

— Fazer o que? — ela perguntou, inclinando o rosto pro lado e franzindo as sobrancelhas. Eu sabia que Ronnie estava se segurando para não fazer isso, seja lá o que tenham feito consigo, não tinha sido melhor que o meu.

— Vamos matar alguns caras malvados?


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Notas finais do capítulo

E então? Gostaram? Amaram? Odiaram? Diga o que achou nos comentários, junto com sugestões, elogios, criticas e dicas. Lembrando: sou Lady Meow, mas não arranho nem mordo u.u
Não se esqueçam que esse capitulo não foi betado ainda, então tem alguns errinhos que a minha correção meia boca deve ter deixado passar. Me perdoem por eles e pela demora!
Enfim, vou ficando por aqui, até o próximo capitulo ou os comentários, estarei aguardando vocês neles!

Abraços, Lady Meow vulgo Senhora Miau.

(PS: Não esqueçam de ler The Snow Queen, da nossa co-autora, Get Loki)



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