Nove meses para o casamento.

Misty conseguira disfarçar o sorriso durante o dia, porém a noite chegara e ela estava feliz tão feliz que não conseguia evitar o riso. Togepi ficara nervoso no início, porém agora já se acostumara. Ash tivera de voltar às suas jornadas, porém retornava a Cerulean uma vez ao mês. Naquela noite, Chikorita o deixaria em sua janela.

Penteou os cabelos novamente e ajeitou a camisola – quase – comportada que vestia. Ansiava por aquelas noites do mês, pois era o único dia em que podia ver Ash. Tomavam muito cuidado com Rudy; não gostavam nem de pensar no que ele faria caso descobrisse.

Ela ouviu o farfalhar de roupas perto da janela e encarou o moreno sorridente que entrou por ela. Misty sorriu e pulou nos braços dele.

— Senti sua falta – sussurrou contra o ouvido do amado.

Ash sorriu e a estreitou entre seus braços, beijando delicadamente o pescoço exposto.

— Não mais do que eu, Myst.

— Como foi?

— O de sempre. Venci algumas, perdi outras.

— E Dawn? Se divertiram muito? – o tom da voz dela era de desgosto e Ash precisou se controlar para não gargalhar.

— Não precisa ficar com ciúmes, gatinha. Tenho olhos só pra você…

— Pra mim, é? Claro, só pra mim.

Ash sorriu e a pegou no colo, encaminhando-se para a cama da ruiva.

— Vou te mostrar que não existe mais ninguém no mundo pra mim, Misty.

A ruiva sorriu, deixando-se levar pelo momento.

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Misty podia pensar que enganava a todos com sua falsa infelicidade, porém Rudy sabia que ela escondia alguma coisa. Algo que a deixava irritantemente feliz, e ele precisava descobrir o que era.

Violet já dormia ao seu lado e ele a deixou sozinha na cama quente. Caminhou silenciosamente pelo corredor, colando seu ouvido na porta do quarto de Misty assim que a encontrou. Por vários segundos ele não ouviu nada além de suspiros.

Sorriu malicioso, imaginando o que ela poderia estar fazendo sozinha ali. Chegou a tocar na maçaneta, pronto para se oferecer para ajudá-la, quando percebeu outra respiração naquele quarto. Sentiu a raiva acumular-se em seu corpo e rangeu os dentes. Aquilo não ficaria daquele jeito, mas não ficaria mesmo.

— Eu amo você, Ash.

— Eu te amo mais, Misty.

Rudy ouviu a troca de palavras com os olhos flamejando. Faria com que pagassem, com toda certeza.

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Ash partiu antes do amanhecer, e Misty sabia que ficaria mais um mês inteiro sem vê-lo. Não era o ideal ou o que desejava, mas era a única opção que tinham. Sorriu feliz, pensando na noite anterior. Ele fazia tão bem a ela…

Controlou o sorriso e saiu do quarto – tinha muito o que fazer naquele dia.

Limpou a piscina e treinou um pouco – há quanto tempo não conseguia treinar com Gyarados? –, pois conseguiu terminar de limpar o ginásio mais cedo. Estava distraída, secando os cabelos, quando ele apareceu. Como sempre acontecia, Misty continuou seu caminho como se não o visse.

Mas Rudy não a deixou simplesmente seguir em frente. Ele a puxou pelo braço e se aproximou. Ela foi recuando passo por passo, mantendo-se tão afastada quanto podia.

— Por que está fugindo de mim, noivinha?

— Não estou fugindo.

Ela encostou na parede. Ele a prendeu entre seus braços.

— Eu acho que está. Me pergunto o porquê…

Rudy sorriu malicioso. Os olhos verdes dela o encantavam, o corpo dela o deixava louco… Misty por inteira o deslumbrava. Ele a queria.

— Com licença, eu preciso tomar um banho.

— Eu acho que não… você cheira tão bem…

Ele apoiou o nariz na curva do pescoço dela, aspirando o cheirinho de suor e cloro. Ela precisava de um banho, afinal, mas ele não se importava. Adorava senti-la assim tão pertinho, tão acessível.

— Com licença.

Ela o empurrou e tentou passar pelo lado. Rudy agarrou o braço e a empurrou novamente contra a parede, dessa vez machucando as costas dela.

— Por que ele pode e eu não, Misty? Por que ele pode cheirar o seu corpo, ter você pra ele, mas eu não posso?

Ela gelou.

Rudy sorriu.

— Achou que eu não descobriria? Devia ser mais silenciosa, então.

Não, ele não podia ter ouvido… eles tomavam cuidado, eram quietos, apenas se envolviam quando a madrugada chegava e todos na casa dormiam. Como assim Rudy os descobrira?

— Não sei…

— Não se faça de boba. Eu sei o que você e o Ash andaram fazendo escondidos. E eu não gostei nada disso.

Engoliu em seco, sentindo o medo absurdo envolver seu corpo novamente. Quando se envolvera com Ash, há tantos meses, não pensara que Rudy poderia descobrir. Eles tinham bastante certeza de que conseguiriam montar um plano de fuga antes de o noivo sequer sonhar com o que planejavam.

Tudo isso ia por água abaixo. Tudo o que haviam conjecturado até o momento dependia da completa discrição que mantivessem.

— Ash? Não…

— Misty, por favor…

Ele aproximou-se, matreiro, e mordeu o lábio inferior dela. Beijou-a com ternura e possessão, deixando claro que ela não tinha escolha ali. Obedecê-lo-ia e pronto.

— …Não finja que é burra. Termine isso. Se eu souber que ele encostou mais um dedinho no que é meu…

A frase ficou no ar e Rudy saiu. Misty ainda ficou alguns minutos encarando as costas bem-definidas, confusa, assustada. Antes de passar pelo portal que separava aquela parte do ginásio do resto, ele sorriu e virou-se para ela.

— Na verdade, isso talvez tenha sido bom… eu sempre gostei mais de meninas experientes.

E piscou antes de sair.

Ela estava ferrada de tantas maneiras diferentes que mal conseguia elaborar uma frase. Como, diabos, sairia daquela enrascada?

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Estava nervosa. Queria andar de um lado para o outro, mas se manteve sentada em frente à sua penteadeira. Escovava os cabelos furiosamente, como se isso pudesse impedir o que estava por vir. Mas, é claro, não podia.

Ouviu o som abafado que Ash fez ao saltar sua janela e fechou os olhos. Não podia vacilar, não podia deixá-lo desconfiar. Precisava fazer o que ensaiara ou tudo daria errado.

— Misty…

O sussurro dele arrepiou cada pelinho que existia em seu corpo. Sentia uma saudade tão absurda que queria simplesmente jogar-se nos braços acolhedores e deixar que Ash lidasse com Rudy. Mas, por melhor Ash fosse, ele ainda não saberia lidar com a loucura daquele homem.

— Ash, não.

Ele suspirou. Sabia o que estava por vir, já passara por aquilo antes.

— Misty, o Rudy não vai descobrir, relaxa. Eu preciso ir embora amanhã, vamos lá…

Ela negou com a cabeça e se levantou. Os olhos castanhos estavam presos nos seus e ela quase desistiu ao ver o amor que transbordava deles.

— Ele já sabe.

Ash gelou.

— O quê?!

— SHI! Ele sabe, mas isso não significa que pode jogar na cara dele. Você precisa ir embora e não pode voltar.

— Misty, não, me escuta…

— Não, você me escuta. Fizemos do seu jeito e não funcionou, ok? Eu te amo, sim, mas não o suficiente pra colocar meu casamento em risco. Você vai embora.

Ash franziu o cenho, confuso.

— Não o suficiente?

— Pois é. Eu te amo, Ash, você sabe que sim. Mas meu casamento vai me dar as únicas coisas que você não pode.

— Você nunca quis grana ou fama…

— Quando eu era uma criança, não queria mesmo. Mas, por favor, não vou ficar a vida inteira vivendo numa casa meia-boca, né? Eu quero ter filhos, Ash, e eles vão ter tudo do bom e do melhor. E isso você não pode me oferecer. Além disso, eu não conseguiria abrir mão dos fãs. O casamento já tá na mídia e todo mundo me ama, a “noiva do futuro Mestre Pokémon”.

— Eu vou ser um Mestre Pokémon, não o Rudy.

Ela acreditava, do fundo do seu coração, que ele seria. Acreditava que Ash conquistaria todos os objetivos que tinha e que atingiria todos os seus sonhos. Mas não era hora de dizer isso a ele.

— Não, não vai. Se enxerga, Ash. Você é um garotinho do interior com um sonho. Existem um milhão iguais a você. Agora, por favor, vai embora.

Em seu plano, mandava-o ficar com Dawn. Mas não conseguia, não tinha coragem. Não o queria perto dela de jeito nenhum.

— Essa não é você.

— Sempre foi. Eu gosto de ter fama, Ash. Eu gosto de ser conhecida, de ter fãs.

— Não mais do que me ama.

Ele estava certo.

— Talvez eu não te ame tanto quanto você pensa que eu amo.

As palavras o magoaram de uma forma ainda mais intensa do que ela pensou que fossem magoar. Ash chorava em silêncio, Misty se controlava para não chorar também.

— Isso é mentira. O Rudy te ameaçou de novo, não foi?

— Foi. Ele prometeu revelar o nosso caso pra mídia. Eu não quero parecer uma noiva ingrata e traidora. Ele é o monstro dessa história.

— A gente planejava fugir.

Ela deu de ombros e balançou a mão em descaso. Andou um pouco pelo quarto, mas não permitiu que qualquer sinal de fraqueza fosse exibido.

— Era só uma mentirinha pra te manter por perto. Eu amo você, como já disse. Só não tanto, entende?

Era cruel, doloroso. Ela dizia que o amava como se o amor deles não fosse o bem mais especial que possuíam – mas era. Misty usava cada aula de teatro que recebera, cada fibra de atriz em seu corpo para manter a encenação e não cair no choro. Ash não era tão forte. Ele se aproximou e a abraçou.

De alguma forma, ela conseguiu deixar de correspondê-lo.

— Diz que é mentira, por favor.

“É TUDO MENTIRA, POR FAVOR, FICA AQUI COMIGO!”

— Desculpa, Ash. Não é.

— Eu não consigo acreditar que você é assim tão fútil. Não depois das nossas conversas, não depois de tudo!

— Ash, é muito mais simples do que parece. Antes eu não era famosa, não sabia como é receber cartas de fãs diariamente. Eu sou amada, idolatrada, quase. As pessoas vêm assistir aos meus shows de novo. Isso não acontecia antes, entende? Eu não sabia o que era ter fama quando te conheci.

E ele ficou ali, paralisado, sentindo o peso das palavras dela e se lembrando de tudo o que Dawn lhe falara sobre os famosos. Não acreditara nela então, mas tinha a prova bem ali, à sua frente.

— Misty…

Ofendido, magoado e traído, ele pulou janela para fora e ela chorou.

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Dawn detestava aquilo. Uma vez a cada maldito mês, ele ia dormir com a vadia ruiva e a deixava sozinha. Dawn não conseguia uma abertura, uma chance – mesmo que mínima – de se aproximar dele da forma que desejava. E aquilo a matava aos poucos.

Por que Misty tinha tudo e ela não tinha nada? Nem fama, nem dinheiro e nem Ash? Era simplesmente muito injusto. Pegou a garrafa de uísque que comprara e a abriu. Sabia que não devia, mas era a única maneira de conseguir aguentar a noite em que Ash transava até o amanhecer com Misty.

Depois do terceiro gole, pensou que via uma miragem, mas não estava bêbada o suficiente para isso. Ash caminhava, cabisbaixo e irritado, de volta ao Centro Pokémon. Algo dera muito errado no “país maravilha” – modo que ela usava para chamar o relacionamento dele com Misty.

Desceu até a entrada correndo, cuidando para manter a garrafa bem escondida – Brock os mataria se a visse.

— Ash!

Ele revirou os olhos, irritado. Não queria falar com Dawn naquele momento, não queria nem mesmo olhar na cara de alguém. Não podia estar tão errado, certo? Ela mentira para mantê-lo afastado de Rudy, ou o que fosse. Certo?

— Dawn, hoje não.

Ela encarou o chão, tímida.

— É só que você não parece bem… eu também não tô muito, então… quer beber comigo?

Ele pensou que ela o oferecia um refrigerante, mas, ao virar-se e dar de cara com o uísque, seu pensamento mudou completamente. Misty queria ficar com Rudy? Bom, que ficasse. Ele teria outro passatempo agora que já tinha dezoito anos.

Aceitou o convite e os dois partiram para dentro da floresta, querendo se esconder dos olhos de águia de Brock.