Louise No Mundo Dos Sonhos escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 17
Fim da Jornada


Notas iniciais do capítulo

Nem demorei, Yeah!
Tuts, tuts, tuts...
Com vocês... o último (ou melhor, penúltimo) capítulo de LnMdS.
Preparem os coraçõezinhos e boa leitura. :3



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Assim que Aster foi desintegrado, a fortaleza começou a ruir, murchando como uma flor. As barras das gaiolas cederam, as paredes começaram a desmoronar e o chão a rachar. Sem tempo para qualquer outra coisa, Salazar pegou a princesa recém-liberta nos braços, enquanto Vega – já de posse da sua preciosa espada – abria o caminho, golpeando os pedaços de entulho que choviam sobre eles. Louise vinha atrás de todos, com uma sensação ainda mais bizarra de irrealidade a movê-la. Se tudo já lhe parecia incrível e ilógico antes, agora era impossível.

Só mesmo em um sonho ela seria capaz de fazer aquilo tudo. E quando despertasse, quando Bree lhe concedesse o desejo que lhe prometera, acordaria no mundo real e descobriria que nada seria como antes. Mesmo que nunca se lembrasse dos dias passados com aquelas pessoas, a menina havia provado uma dose viciante de magia, loucura e fantasia. Jamais seria a mesma, e isso era maravilhoso e assustador ao mesmo tempo, porque agora que sua missão chegara ao fim, sabia o quanto seria triste a despedida.

Quando o quarteto conseguiu por fim a todos os imprevistos e deixar as ruínas – praticamente intactos, desconsiderando seus estados anteriores ao desabamento – depararam-se com uma agradável surpresa. Preparados para ter de lutar com mais um exército de criaturas sombrias, afinal a morte de Aster não resolvia o problema com elas, o que viram fora o reforço prometido pela rainha, triunfando contra os monstros.

Louise questionara-se, na hora, como diabos eles tinham atravessado, visto que na primeira etapa da viagem pelo rio a embarcação da barqueira era minúscula. Descobriu, posteriormente, que o barco havia transmutado-se em uma caravela, comportando assim todos os soldados, incluindo o corpanzil do Porteiro.

Uma coisa deveria ser gravada com relação ao povo do Reino dos Sonhos, e ela é sua adaptação rápida às adversidades que podem ameaçar suas vidas. Quando ficara óbvio que as entidades da escuridão eram fracas à luz, todas as raças juntaram-se para fazer um feitiço que desse propriedades luminescentes as armas da tropa que deveria resgatar a princesa.

Lógico que o atraso causado justamente pela obtenção de tal vantagem impediu-os de lutar contra Aster, mas fora o bastante para exterminar os monstros que espalhavam-se pelas planícies solitárias das Terras de Ninguém. Isso fora de grande ajuda para nossos heróis, afinal estavam todos exaustos depois de tanta correria.

Quando os combatentes viram sua princesa, tudo estagnou-se e ficou silencioso, como numa pintura ou em um vídeo pausado. Então, lentamente, exclamações de alegria foram escutadas de todos os magos, elfos, guerreiros e monstros presentes, demonstrando seu amor incondicional por Hannyere. A jovem, cujos os pensamentos fatalistas não tinham findado, permitiu-se sorrir pela primeira vez nos últimos dias. Era bom estar junto dos seus, mesmo por pouco tempo. Foi nesse instante que decidiu que retornaria à capital do Reino. Se seu fado era voltar para a inexistência, queria estar com a sua amada mãe nos últimos momentos, ainda que uma despedida daquelas fosse muito dolorosa.

Ela não fugiria.

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Deixando a princesa com seus súditos e afastando-se do centro das atenções, o trio de campeões dirigiu-se para onde descansavam seus outros dois parceiros naquela empreitada. O Porteiro estava esparramado sobre a terra ressecada, as três cabeças alertas, embora ele parecesse dormir. Allistar sentava-se em uma rocha, tirando a poeira de seu precioso chapéu… haviam marcas finas em seu rosto, como se ele tivesse sofrido o ataque de um gato.

— Ora, vocês parecem muito bem. — o explorador disse, fazendo um aceno de boas vindas com a cabeça. Ele devia ter classificado o ferimento de Salazar, a exaustão de Vega e o péssimo estado das roupas de Louise como coisas supérfluas, o que causou resmungos de protesto em resposta.

— E você está ótimo com essa cara toda arranhada. — caçoou por sua vez a espadachim, apoiando as mãos nos quadris.

— É bom vê-lo outra vez. — Salazar sorriu um pouco mais aliviado, enquanto Louise cruzava o espaço entre ela e Allistar e jogava-se para abraçá-lo pelo pescoço.

— Você saiu na briga com um monstro-gato-da-escuridão?

— Não, a Barqueira fez isso comigo quando descobriu que eu estava jogando os monstros no rio dela. — ele suspirou, passando distraidamente a mão pela face arranhada. — Tão possessiva…

— Não é a toa que aquelas coisas desintegravam ao tocar na água. — o Mestre das Cartas fez uma careta, imaginando que a viagem de volta não seria das mais aprazíveis.

— Desde que paguemos o preço, não ocorrerão imprevistos. — a voz possante do cão se fez ouvir, e pela formalidade usada, deveria ser a cabeça apelidada de Roy que falara.

— Eu só quero comer alguma coisa, essas coisas não enchem nosso estômago. — resmungou a cabeça mais irritadiça, ou Ed, referindo-se aos seres de escuridão.

— Tanto faz. — Joe rosnou, enfiando-se por baixo das patas de seu corpo enorme.

— Acho que você não vai achar nada comestível no transporte da Barqueira. — Louise, sentindo-se saudosa de implicar com a cabeça que detestava-a, mostrou-lhe a língua.

O rosnado que veio de “Ed” era mais possante do que os de seus parceiros de corpo, lembrava quase um trovão. — Quem sabe eu não devore você, garotinha dos olhos de coelho.

— Já chega disso. — Vega cortou, cruzando os braços, seu único olho focalizado não na direção do rio, onde todos estavam reunidos, mas sim nas desoladas planícies à frente, e nas montanhas altíssimas, de onde ainda era possível ver as ruínas da fortaleza de Aster.

A bruxa que a escravizara não vivia mais.

O rei, aquele que a convocara pessoalmente ao Torneio, em troca de sua liberdade para andar pelo Reino dos Sonhos depois de toda a carnificina que ela causara, também perecera.

Hannyere, a única que poderia cobrar a dívida pelo pai, em breve retornaria ao estado de morte, do qual nem deveria ter saído.

Agora ficara-lhe claro.

Não havia mais nada para ela no mundo conhecido, e a Estrela Cadente não se via retornando ao Palácio para servir à rainha. Sua lealdade nunca fora dela, e a reação da espadachim na sala do trono provava isso.

— Estamos pensando na mesma coisa? — ela olhou para seu interlocutor, não prestara atenção antes, mas agora via que o mago fitava aquela mesma direção, a dúvida escancarada em seus olhos.

— Não me agrada a ideia da minha mente funcionar da mesma forma que a sua.

— Não enche, estamos falando de… sei lá, uns dez por cento?

— Dez por cento de sincronia com você, está querendo me deixar angustiada?

— Do que vocês dois estão falando? — intrometeu-se Louise, trocando olhares de um para o outro. Aquela discussão não estava fazendo muito sentido, e olha que ela já estava acostumada a coisas que não tinham lógica (ou achava que estava, pelo menos). Viu enquanto os dois passaram a se encarar, e depois trocaram um sorriso cúmplice, algo meio inusual.

— Nada de mais, acontece que não terão mais torneios, e mesmo que ainda mantenham a prática não vai ser a mesma coisa. — Vega deu de ombros.

— Eu já estava cansado de batalhar mesmo, é um esforço meio inútil. — Salazar, por sua vez, libertara suas cartas, como se verificasse se estavam todas inteiras depois do confronto com Aster.

— No seu caso é inútil mesmo, você nunca conseguiu chegar longe… — a mulher provocou, fitando as próprias unhas. Daria tudo por uma bebida bem forte, mas algo lhe dizia que demoraria um pouco para consegui-la.

A mirada que o Mestre das Cartas deu sobre ela foi o bastante para imaginarem todos os impropérios que passavam pelos seus pensamentos, mas talvez por respeito à Louise, preferiu manter-se calado quanto a isso e continuar o assunto. — Basicamente não há muito o que fazer no Reino dos Sonhos agora, pelo menos não para nós dois, então creio que nossa jornada se estenderá um pouco mais. — lembrou-se de uma coisa, e então sorriu de forma mordaz. — Até porque, não acho que a Grande Campeã aqui tenha algo mais para barganhar na sua viagem de volta.

Obviamente, o olhar de Vega era mil vezes mais assustador e penetrante que o de seu parceiro, e ele automaticamente estremeceu, fingindo que não tinha visto-o.

Allistar estava contente com aquela decisão, afinal era seu prazer como estudioso despertar a curiosidade e a vontade de explorar dos outros. Ele bateu algumas vezes as palmas das mãos, recolocando o chapéu sobre os cabelos meio grisalhos. — É ótimo ver que estão tão animados. Será uma viagem divertida, se decidirem seguir juntos.

— Se não nos matarmos no meio do caminho, talvez. — retrucou Vega, erguendo uma sobrancelha, descrente. — Você tem algum conselho para nos passar?

O homem mais velho sorriu de canto, assentindo com a cabeça. — As Terras de Ninguém estão ligadas a muitos mundos, não especificamente àquele lugar. É como uma encruzilhada que leva para muitos locais diferentes, não há como saber onde vocês chegarão sem um mapa. Mas, considerando que nenhum dos dois quer ir para um mundo em especial, o que posso lhes dizer é: Atravessem as montanhas, encontrem a O Limite do Sonhar e sigam em frente, sem olhar para trás.

Os dois observaram-no silenciosos, até que Vega usa-se seu tom reprovador natural. — Que péssima dica.

Allistar apenas riu. — Desculpe-me, é o que eu posso lhes dar.

—Você é misterioso demais para seu próprio bem. — a caolha suspirou, meneando a cabeça e desembainhando a lâmina para testar seu corte. — Bom… acho que isso é um adeus.

— Eu diria que é mais um “até breve”. — o homem piscou para ela em resposta, e sentiu Louise soltar-se dele. Ela parecia prestes a chorar, os lábios tremendo e os olhos naturalmente vermelhos agora marejados de lágrimas. No entanto, a menina respirou profundamente e engoliu o choro, sabendo que tinha de mostrar-se forte.

— Oh, céus, não comece a chorar. — Vega uniu as sobrancelhas, ao passo que Salazar recolhia suas cartas de baralho e abaixava-se em frente a ela, puxando uma do monte e entregando-a, virada com a face do número para baixo.

— Leve com você. Para que nunca se esqueça do que você é capaz.

Louise virou a carta, vendo que era um coringa. Seu pouco controle desmoronou completamente e as lágrimas que tanto tentava evitar escorreram pela face, enquanto ela abraçava o mago o mais forte que conseguia. — Eu não vou me esquecer. Nunca! De nada que eu vi aqui. Eu vou me lembrar de vocês para sempre.

— Boa pirralha. — ele sorriu-lhe, retribuindo o abraço e só desfazendo-o quando ela resolveu levantar-se, ainda meio trôpega, para fitar Vega de baixo. A mulher deu um dos seus vários suspiros exasperados e desceu o punho fechado sobre a cabeça da garota, sem colocar força para machucar.

— Não deixe de acreditar em si mesma, ou eu vou dar um jeito de chegar ao seu mundinho chato e espancá-la, está ouvindo?

— Você é tão cruel. — Louise enxugou as lágrimas, lançando-lhe seu habitual olhar desafiador, o mesmo que havia iniciado a relação bizarra entre as duas. — É lógico que isso não vai acontecer!

— Acho bom. — um sorriso orgulhoso, apesar de sutil, singrou o rosto da espadachim, e a menina lembrou-se do quanto ela era bonita por baixo de todas aquelas cicatrizes e hematomas. A mão de Vega abriu-se, e ela bagunçou os cabelos loiro-prateados abaixo de seus dedos, antes de retirá-la. — Um dia nós terminaremos aquele nosso duelo.

— Estarei esperando. — a jovenzinha juntou as mãos atrás do corpo e abriu um sorriso largo e feliz. — Façam uma boa viagem.

— O mesmo para você. — O mago e a espadachim disseram quase ao mesmo tempo. Eles despediram-se de Allistar, do Porteiro e depois se afastaram para o grupo maior, onde a princesa Hannyere ainda era apoiada por seu povo. Louise viu quando trocaram algumas palavras, indistinguíveis daquela distância, e viraram para as montanhas, a cordilheira que precisavam atravessar se quisessem deixar o Reino Onírico.

— Será mesmo que eles vão ficar bem? — ela perguntou para o homem, e ele demorou mais tempo que o normal para responder.

— Os dois são fortes de seu próprio jeito. Podem até encontrar perigos pelo caminho, mas duvido que possam ser impedidos.

— Faz sentido. — a garota sorriu, inclinando a cabeça para um dos lados e guardando bem sua carta. Mesmo que não pudesse levá-la consigo quando partisse daquele mundo, ainda queria guardá-la o máximo que pudesse. — Então… será que a Barqueira ainda vai demorar muito?

A resposta chegou como uma onda. Literalmente falando, porque a embarcação que emergiu do rio antes tranquilo era tão grande que fez a água agitar-se medonhamente. Ainda que fosse maior que o barco original em que eles chegaram, ainda dava para perceber os padrões de desenhos, e a entidade que a pilotava era exatamente a mesma – talvez um pouco mais sábia e rica depois de transportar uma tropa inteira.

Louise agradeceu a todos os deuses que conhecia por não ter que encarar a Montanha Russa logo de cara – embora a ideia de passar por ela depois não fosse tão agradável – e nem mesmo reclamou quando a Barqueira passara a tesoura uma vez mais por seus cabelos, tirando o mesmo cumprimento do lado oposto que cobrara na ocasião partida. Ela ia aceitando o pagamento do povo de sonhos com as mesmas maneiras pomposas que demonstrara antes, e Allistar dessa vez fora o último a embarcar.

— Você ainda está irritada por eu ter jogado monstros no seu rio?

— Vou esquecer dessa sua ofensa. Apenas pelo fato de que se não tivesse feito isso, provavelmente você teria virado comida, e eu gosto muito de ouvi-lo cantar. — a mulher piscou o olho visível para ele. O outro ainda mantinha o tapa-olho de Vega para privar sua visão, embora ela não se importasse. A Barqueira sorriu vitoriosamente, estendendo a mão para Allistar, sabendo o que ele lhe daria e parecendo muito satisfeita com isso.

Como da outra vez, o explorador estava reticente em entregar seu chapéu, mas não demonstrando raiva ou tristeza. Ele puxou o adereço de pirata que descansava sobre os cabelos dela e colocou-o na mão que a mulher lhe estendia. Seus cabelos quase brancos caíram-lhe sobre os ombros, totalmente soltos, e só então ele tirou o próprio chapéu, passando delicadamente os dedos sobre o mesmo para limpar qualquer vestígio de poeira que ainda houvesse nele, por fim colocando-o na cabeça da Barqueira. — Tome conta dele direito, tudo bem?

— Tem a minha palavra. — ela manteve o sorriso de satisfação, fazendo um aceno de cabeça para que ele viesse mais para o lado dela. — E sabes que eu sempre mantenho minhas promessas.

— Sim, eu sei.

—-------x--------x--------  

Louise mal viu o tempo passar. A viagem de volta estava sendo muito mais rápida e sem imprevistos, embora a tendência da menina era querer ficar naquele mundo o máximo que pudesse, para ver todas as maravilhas até onde seus olhos podiam chegar. Mesmo a despedida da Barqueira parecia lhe pesar, pois lembrara-se do quanto tinha sido divertida a primeira travessia, com Allistar e a mulher enigmática dançando tão suavemente, Salazar lhe dando um peixe de celofane e Vega resmungando de mal humor.

Ela esperou rever os gêmeos, mas os dois simplesmente abstiveram-se de aparecer. Ao questionar ao explorador se eles tinham esquecido-se da dívida, o homem dera risada. Heri e Crass nunca olvidavam-se de nada, cobrariam a compensação mais cedo ou mais tarde. E o próprio Allistar era uma pessoa honesta, garantira que voltaria para pagar o que era devido, assim que terminasse a escavação que havia atrasado por conta do episódio com a Princesa.

O fato foi que o grupo atravessou o território das entidades, chapinhando na água e desviando dos relógios, sem serem molestados. Todos podiam sentir que estavam sendo vigiados, no entanto, e que seus anfitriões deveriam estar mais perto do que imaginavam.

E então, no segundo dia depois de atravessarem o Vale Parado no Tempo, Louise foi capaz de reconhecer a árvore de onde Bree observava as estrelas cadentes e transformava-as em desejos. Seu coração acelerou imediatamente, e ela concentrou-se para não sair correndo em direção a macieira solitária, ao lado da pequena casa, no topo da verdejante colina. A noite mal descera sobre eles, e era só naquele horário que a mocinha despertaria e poderia atendê-la. Também teria tempo o bastante para despedir-se de Allistar – que a partir daquele ponto também deixaria a comitiva, rumando para o próximo sítio a ser explorado – Hannyere, Joe, Roy e Ed. Não retornaria ao Palácio, pois sua demanda já fora completada, e de qualquer forma, todas as pessoas que sentiria falta já tinham tomado seus próprios caminhos ou estavam ali com ela.

 --------x--------x-------- 

— Parece que ficarei devendo-lhe uma coisa, pequenina. — Allistar ajeitou suas vestes, recolheu meia dúzia de apetrechos e jogou sobre o ombro uma bolsa repleta das ferramentas que precisaria em seu trabalho. — Ainda quer vir comigo? Acho que atrasar em alguns dias sua partida não vai causar nenhum problema.

Ela negou com a cabeça, em resposta. Prendera os cabelos em um rabo de cavalo e não se dera ao trabalho de procurar por um vestido, conformando-se com as vestes de couro que fora forçada a usar desde que entrara no torneio. Ao menos ela podia trocá-las por outras mais limpas e tomara um banho no pequeno lago que encontraram no meio do caminho. — Hum… eu até queria, mas acho que estou tempo demais longe de casa. Além do mais. — e ela abriu bem os braços para dar a impressão de grandeza. — Já fizemos uma grande e produtiva viagem, não é?

— É verdade. — ele sorriu, dando uma pausa. Em seguida, vergou o corpo para fazer uma reverência cavalheiresca. — Foi um prazer conhecê-la, mocinha.

— Digo o mesmo, senhor!

— Não me faça parecer assim tão velho.

— Mas você parece ser muito maduro. — ela mordeu o lábio inferior. — Espero que encontre coisas interessantes lá para onde vai.

Ele abriu um sorriso enigmático, assentindo com a cabeça. Seus pés levaram-no para longe, e quando estava distante o bastante, levou as mãos em concha para a boca e gritou para aqueles que ficavam, ou talvez apenas para Louise, quem poderia saber? — Até algum dia.

— Até!

Louise acenou, até perdê-lo de vista, meio nostálgica, e virou-se para o Porteiro. O crepúsculo descia sobre o mundo. Bree logo despertaria.

A princesa Hannyere vinha caminhando lentamente em sua direção, mantendo as mãos em frente ao corpo. A ilusão que fazia-a parecer bela começava a falhar com mais frequência, os feitiços lançados por Aster perdiam lentamente a força. Ela parou ao lado do grande animal, acariciando os pelos de sua colossal barriga, parecendo pensativa.

— Alteza…?

— É chegada a hora da despedida. No meu caso, não haverá até breve, pois não nos reencontraremos mais, Louise dos Cabelos de Ouro e Prata.

— Você ainda tem certeza disso?

— Sim. É necessário, para que meu Reino siga em harmonia, para que as frestas entre-mundos sejam concertadas. De qualquer jeito, a magia do necromante está escoando desse mundo com rapidez, não acredito que conseguiria manter esse corpo por muito mais tempo.

— Você retornará para sua mãe, não é? — a garotinha questionou. Sabia que os pais estavam esperando-a do outro lado. Acreditava que a Rainha devia ver a filha que tentara salvar, no fim das contas.

— Sim. Vendo-a percebi muitas coisas. Quero fazer tudo certo, independente das consequências.

— Mas… e quanto ao Reino? Quem herdará o trono quando a sua mãe…

Hannyere deu de ombros, os olhos amarelados transmitindo uma tranquilidade absoluta. — Eles escolherão alguém à altura. Quem sabe, se um dia retornar a este mundo, você não encontra novas oportunidades?

— Seria divertido. — confessou Louise, sorrindo um pouco.

— Vê? Não é tão triste quanto parece. Tudo precisa terminar um dia, para que coisas novas surjam. É um ciclo… eu agradeço por ter me libertado e me mostrado a importância dele. Que sua viagem de volta para casa seja abençoada.

As três cabeças do cão rosnaram em uníssono e ele inclinou um pouco o corpanzil, dobrando uma das patas dianteiras, o que parecia muito com uma mesura.

— Até a próxima vez, criança dos cabelos de ouro e prata…

— Agradecemos pela ajuda…

— E nos desculpamos por ameaçar devorá-la.

A menina riu um pouco, fazendo uma reverência em resposta e, acreditando que não suportaria mais uma despedida, disparou em direção a colina. Seus pés escorregaram algumas vezes na grama, mas ela conseguiu pegar impulso o bastante para subir o resto do percurso, e viu-se mais uma vez em frente a Menina que Contava Estrelas. Desta vez, porém, Bree já tinha despertado – talvez o fizera enquanto Hanny a mantinha entretida – e estava de pé, com uma Stella esparramada no topo de sua cabeça e duas maçãs em mãos, a da direita estendida em sua direção. — Seja bem-vinda de volta! Preparada para uma longa noite?

— Todas as noites são longas. — cortou a estrela, com sua voz que lembrava o bater de sininhos. — Vamos subir logo!

— Super preparada! — Louise agarrou a maçã, dando-lhe uma bela mordida e esperando sua “anfitriã” iniciar a subida para segui-la. A garota tinha uma certa facilidade em passar pelos galhos, era bem leve e ágil. Não demorou muito para que atingi-se a copa, acomodando-se ao lado de Bree e erguendo o olhar para o céu estrelado. O céu no Mundo dos Sonhos era a coisa mais incrível, apesar de não ter as mesmas constelações ou estrelas da Realidade era repleto de brilho, ainda mais visto daquelas bandas onde não havia luz artificial para atrapalhar a observação. Era relaxante ficar ali em cima.

Pela primeira vez, a moça pôde ver o outro lado da colina, onde havia um lago e mais planícies a perder de vista. — O que fica naquela direção?

— É o limite entre o Sonhar e a Realidade. Para lá estão as civilizações do seu mundo, mas aqui ninguém chega, porque estamos muito distantes do seu mundo conhecido.

— Aqui seria então o começo das Terras de Ninguém, só que do Mundo Real?

— É um modo simplório de ver as coisas, acho… mas sim. — Bree mordeu sua fruta, sem tirar os olhos das estrelas. — Bonito, não é?

Louise concordou com um murmúrio, pensativa. — Esse lugar todo é lindo. Acho que… vou sentir saudades daqui.

— Você já pensou em ficar?

— Já! Mas agora me lembro que tenho uma família… não posso abandoná-los, eles acham que estou dormindo.

— Escolha difícil. — a outra lançou-lhe um olhar de esguelha. — Mas, pense bem… você continuará a nos visitar, em seus sonhos. Não será a mesma coisa, e você pode não se lembrar ou não se encontrar com as pessoas que conheceu aqui… ainda assim, o Sonhar sempre estará com você, pois está em todos os humanos.

— É uma bonita ideia.

— É conhecimento comum. — Bree piscou, vendo riscos prateados cruzarem a negritude do firmamento. — Chegou a hora… deseje, deseje de todo o coração, e eu lhe conectarei!

Louise fixou a atenção completamente na chuva de estrelas cadentes, nunca vira tantas juntas. Estava tão concentrada, visualizando os pais e o desejo forte que tinha de acordar no seu mundo, que pouco escutou da conversa entre Stella e Bree.

— Elas estão caindo demais hoje…

— É o desequilíbrio, acho. Tudo vai ficar bem, Stella, não se preocupe.

— Eu sei… confio em você.

A garota dos cabelos de ouro e prata sentiu-se ser envolvida por uma substância aquosa e colorida, como se tivesse ficado presa em uma bolha de sabão. Quando a esfera formou-se ao seu redor, tudo que havia do lado externo passou a desvanecer, e a luz cegou-a, expandindo-se descontroladamente, enraizando-se em um casulo multicolorido. Essa foi a última visão que as tropas acampadas ali perto tiveram de sua salvadora, antes que os fachos se abrissem novamente, mostrando o interior vazio, e desaparecessem sem deixar rastro.

—-------x--------x--------  

Ela abriu os olhos. Havia branco em todo lugar, sentia que estava deitada em algo não muito confortável e bipes zumbiam em seus ouvidos. Confusa, tentou acostumar-se a visão, e então reparou que estava em um quarto de hospital. Ao lado direito da sua cama, duas cadeiras eram ocupadas por um casal de adultos, dormindo encostados um no outro. As olheiras nas peles pálidas mostravam que não descansaram muito bem nos últimos dias.

Por um instante, a menina não soube o que estava acontecendo… sofrera algum acidente? Não era capaz de lembrar-se muito bem. Foi quando ela ergueu um pouco o corpo e reparou nos cabelos um pouco mais curtos do que deveriam na frente. Uma explosão de informação passou por sua mente, e seus olhos vermelhos arregalaram-se. Imediatamente, ela saltou da cama, sentindo-se um pouco zonza, puxando os fios das máquinas presas a si. Por quanto tempo dormira? Não notara nenhuma outra mudança drástica no corpo, e isso tranquilizou-a um pouco, porque temera ter ficado anos desacordada.

Os bipes agudos causados pela retirada dos aparelhos despertou seus pais, que deram um salto de susto, acabando por chocarem-se um no outro. E então eles desceram seus olhos em direção a filha.

Num segundo seguinte, Louise era cingida por abraços e travava contato direto com as lágrimas dos pais que a apertavam muito forte, como se nunca mais fossem soltá-la em toda a sua vida.

— Nossa garotinha… nossa criança querida.

— Nós ficamos tão preocupados…

— Mamãe… papai. Eu amo tanto vocês.

— Nós também amamos você, querida…

E a menina dos cabelos de ouro e prata não foi capaz de perguntar o quanto tinha ficado ausente, e isso nem importava mais, porque estava de volta, estava segura, e as únicas provas de que um dia fora ao Reino dos Sonhos eram suas lembranças.

E os cabelos que apareceram com um corte distinto do natural da noite para o dia…

E uma certa carta de baralho que surgira, sabe-se lá de onde, sob o travesseiro em que Louise descansara, cujo material de fabricação era muito resistente – para não falar em desconhecido – e tinha a imagem de um coringa em uma de suas faces.


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Notas finais do capítulo

Yo!
Como andam os corações? Funcionando ainda? Espero que sim!
O capítulo foi bem grandinho, admito, mas Louise tinha que se despedir de muita gente importante e tinha coisas que eu queria muito colocar (como a cena do Allistar entregando seu amado chapéu a Barqueira).
A história ainda não terminou, ainda falta o Epílogo (que vai ser pequeno e não deve demorar para sair), então deixarei a enooooorme nota de agradecimento que devo a todos vocês - meus amados leitores - para colocar nele.
Também deixarei para por nele os links para a próxima história do Projeto Contos de Além Mundos (do qual LnMdS faz parte) e dos especiais que estou preparando (principalmente o da Vega) por lá.
Nos vemos em breve, pessoal!
Kisses, kisses para todos ♥



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