Emily Young escrita por elizabeth beans


Capítulo 2
Capítulo 1 - Runaway




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Runaway

 

As gotas de chuva atingiam as janelas do ônibus enquanto continuávamos aquela marcha lenta e torturante pela estadual. Estava a caminho de La Push em busca de paz, um terreno neutro, longe dos meus monstros.

 

Meu violão estava apoiado entre minhas pernas e o encosto do próximo banco, não que eu tivesse vontade de tocar nele. Minha musica estava aposentada já tinha mais de dois meses.

 

Supostamente, eu passaria apenas o fim de semana em La Push, de hospede na casa da minha tia Sue, tio Harry e meus primos Seth e Leah Clearwather. Nem imaginava como seria no domingo, onde na teoria eu deveria estar voltando pra Makah, pra casa.

 

Eu não voltaria. Isso era a única coisa certa, até agora. Daí pra frente era apostar a favor da minha boa sorte e torcer pra que algum milagre me atingisse, pois não havia mais um lar pra mim, onde deixei minha mãe, irmã e sobrinhas.

 

Fiquei pensando em como as pessoas se definem, pra convencer a si mesmas de que se conhecem bem. Poderia até rir, mesmo sem alegria, de como eu supostamente seria definida. Uma opção seria usar a palavra NADA mas como soava clichê demais, acho que teria que ficar com a segunda opção: Eu era Emily Young, 17 anos, nativa americana, compositora amadora e atualmente sem-teto; E, tão pouco, esperava encontrar resposta ou alento, nas terras Quileute.

 

  • Está servida? - perguntou a gentil senhora sentada ao meu lado, me estendendo um grande cookie em um guardanapo de papel.

 

  • Não, obrigada! - tentei ser amável com ela, mas minha voz ainda parecia a voz de uma gralha e emperrada por falta de uso.

 

  • São de canela e chocolate, querida. - ela insistiu me olhando nos olhos. - Você é jovem demais para estar tão triste. - completou.

 

Eu peguei o biscoito e agradeci; comi depressa, estava gostoso.

 

Fui praticamente obrigada a aceitar mais um, porque pelo visto eu parecia realmente deprimida. Lamentei por isso, mais que lamentava por qualquer dos meus problemas. Lee, minha prima, me conhecia como a si mesma e iria me fazer AQUELE interrogatório assim que eu aparecesse em sua frente com essa minha cara de fracassada, e eu não queria colocar mais ninguém no meio do meu desamor.

 

A viagem ainda demoraria mais uma hora, ficaríamos atolados em uma grande poça no meio de um desvio. Eu chegaria à La Push, além de tudo mais, muito moída.

 

 

(...)

 

  • Lee, você sabe que pode confiar em mim. - eu abracei minha prima pelos ombros.

 

Nós estávamos sentadas em sua cama agora. Ela parecia distante e preocupada e me lembrava um pouco a mim mesma, quando cheguei naquela rodoviária e vi que apenas o tio Harry estava me esperando.

 

Leah sabia que eu viria, ela fizera questão de me buscar na rodoviária, havia confirmado comigo o horário, planejado tudo desde quarta-feira quando liguei pra ela pedindo pra ir no fim de semana... E então, quando eu penso que todas as coisas erradas já haviam acontecido comigo, antes de eu chegar à La Push, Lee nem sequer aparece pra me buscar e, alem disso, eu só fui vê-la perto da hora do jantar, quando ela entrou em casa como uma ventania e correu direto para seu quarto sem falar com ninguém.

 

  • É claro que posso confiar em você, prima. - ela deixou sua cabeça cair até meu ombro, seus cabelos revoltos e tão sedosos espalhando-se por meus ombros.

 

  • Me conte, talvez eu possa te ajudar. - eu dizia enquanto afagava seu rosto e limpava uma lagrima.

 

  • Não tenho nada pra contar. - ela choramingou. Eu não insisti. - Não tenho mesmo, não sei de nada, na verdade. - ela se endireitou e me encarou num misto de raiva e atordoamento, mesmo com seu semblante autoritário, ela parecia um bichinho acuado, tão confusa que eu quase desmontei junto com ela.

 

  • Tudo bem, shhh, tudo bem! - encostei sua cabeça de volta ao meu ombro.

 

  • ELE não diz nada que faça sentido... eu estou lutando pela gente. Eu tinha decidido aceitar o pouco que ELE poderia me dizer, mas ELE parece determinado a me afastar... Eu pensei que isso estava acabado, mas ELE está cada vez mais estranho. Eu nem sei se me ama mais, talvez seja tudo um grande truque pra terminar comigo! - ela murmurava muito depressa e soluçante como se eu nem estivesse ali. Continuei abraçada a ela.

 

Eu sabia que quando Leah falava ELE, se referia à Samuel Uley, namorado de Lee desde que ela começou o colegial, mais velho que ela um ou dois anos, alto e com alguns traços interessantes... que talvez... TALVEZ, pudesse ser considerado bonito.

 

Morava apenas com sua mãe, estava prestes a pedir minha prima em casamento e eu o vira apenas uma vez de perto, no aniversario de Leah no ano passado.

 

Lee tinha um relacionamento estável e muito promissor com Uley e pareciam se amar verdadeiramente. Não entendi como a situação pode chegar àquilo, com Leah tão incerta sobre o futuro dos dois e se debulhando em lagrimas.

 

Me penitenciei por não ter estado junto dela quando as coisas de fato começaram a desandar. Como quando tia Sue ligou pra minha mãe e avisou do sumiço de Uley, pedindo ajuda, espalhando cartazes.

 

Foram duas semanas de intensa movimentação em La Mush, Makah e toda a Olympic; procurando por todos os lados onde se pudesse encontra-lo, ferido que fosse, mas a salvo.

 

No fim eu só soube que o acharam, aparentemente sem nenhum dano.

 

Estava tão absorta em meu próprio pesadelo naquele momento que não me liguei no que poderia estar acontecendo a Lee. Que ela poderia precisar de uma amiga, de uma força. Eu precisava de uma amiga e de uma força, então apenas me resignei a ser egoísta com ela e tentar me manter inteira.

 

Dormimos juntas naquela noite de sexta-feira, abraçadas e espremidas na cama de solteiro da Leah, do mesmo modo que fazíamos quando crianças. Nem assim meus pesadelos me abandonaram. Acho que os de Lee também não, ela mexeu muito.

 

Pra mim era sempre aquela mesma cena, bastava fechar os meus olhos.

 

Aquele quarto branco e simples com a cama de casal de alguem que eu não conhecia. Julian me beijando e eu me sentindo a pessoa mais amada do mundo, totalmente confiante nele, e aí os beijos ficavam mais ousados e eu tentava compreende-lo. As mãos dele começavam a apertar o meu corpo desajeitadas e com uma fome que me assustava e eu então começava o processo já conhecido de empurra-lo e virar meu rosto contra o acolchoado para impedir ele de me beijar os lábios, pedindo pra ele parar e ele fingia não me ouvir.

 

Eu já tinha dito que não estava preparada para o que ele queria de mim e era aqui que ele sempre me deixava e começava a brigar, mas pelo menos me deixava.

 

As constantes baforadas me faziam sentir cada vez mais o álcool que ele bebeu naquela festa antes de me levar até aquele quarto. Eu tinha medo de que ele fosse me odiar se eu começasse a gritar, mas ele não estava mesmo me obedecendo e eu começava a me assustar de verdade, um horror crescia em mim enquanto ele me alisava com malicia e eu podia sentir ele roçando sua excitação em mim.

Comecei a me debater, ele se empolgou mais ainda. O meu primeiro grito saiu livre, o pegou de surpresa. Da segunda vez eu tentei lutar e gritar ainda mais ferozmente, decidida a sair dali a qualquer custo, mas ele só me imprensou ainda mais contra a cama restringindo os meus movimentos. Gritei de novo, dessa vez por socorro. Isso fez ele virar um tapa violento em minha face. Eu choraminguei e engoli o filete de sangue que brotou no canto da boca.

 

Todo o meu amor, toda a minha dedicação àquela primeira paixão, tudo o que eu fazia por ele; indo muitas vezes contra o que eu acreditava, só para estar com ele. Tudo aquilo sendo esmagado em mim e expurgado com o mais completo pânico.

 

  • Fique quietinha, vai acabar depressa querida. - ele sussurrava em meu ouvido beijando o canto machucado de minha boca.

 

  • Me deixe ir, por favor Julian, por favor...

 

  • Você vai gostar querida, eu prometo, fique quietinha que você vai ver. - ele olhava pra mim com olhos insanos.

 

  • Eu não quero, por favor, por favor...

 

  • Emily, Emily... você não achou que eu esperaria a vida inteira, achou querida? - e voltava a me beijar, dando chupões em meus ombros a mostra. Me fazendo soluçar violentamente.

 

 

Enquanto ele abria meu jeans com uma das mãos eu aproveitei de uma distração e gritei outra vez, outro tapa, e dessa vez a minha blusa foi junto em um rasgo só, meus seios saltaram do soutien e ele os tocou daquela sua forma suja...

 

Petrificada eu observei a dona da festa e o namorado dela entrarem no quarto e nos flagrarem deixando Julian ocupado por tempo suficiente para que eu me afastasse o mais rápido que minhas pernas conseguiam e tropeçando em direção à rua. Correndo e correndo sem nem ao menos arrumar minhas roupas, no frio cortante que fazia, com toda aquela desesperança e toda aquela dor, até encontrar uma viatura policial e convence-los de que eu estava bem o suficiente pra ir para casa.

 

E toda noite, a dois meses era assim.

 

Foi quando o meu pesadelo passou a ser real novamente e Julian começou a aparecer para mim nos lugares onde eu ia, me fazendo ameaças caso eu o entregasse à policia, eu soube que não poderia ter uma vida ali, ou pelo menos o resto que me sobrara de vida desde aquela noite onde ele levou tudo de mim. Onde ele tomou qualquer inocência, mesmo que não tenha conseguido terminar o que realmente intentava contra mim.

 

(...)

 

 

No sábado bem cedo eu me levantei, sentindo o frio que me partia os ossos no instante em que deixei as cobertas da cama de Leah para traz.

Andei até a cozinha envolta em meu poncho de lã grossa e encontrei tia Sue preparando panquecas. Tio Harry já devia ter ido trabalhar e Seth, dava pra perceber pelos roncos ocasionais, ainda estava dormindo.

 

  • Levantou tão cedo, querida! - Sue se virou, me servindo um prato cheio e uma caneca com leite quente.

  • Estou acostumada a estar de pé antes do sol, tia, acho que até dormi bastante hoje. - eu me sentei na mesa da cozinha e comecei a comer.

  •  

A claridade entrava pela janela deixando tudo muito mais colorido, mesmo que o sol não estivesse a pino, como alias, nunca estava em La Push.

 

  • Emily, você se importa de me ajudar na loja hoje? - Ela perguntou hestiante.

  • Claro, Tia. Eu ficaria feliz. - E de fato, não precisei mentir ou exagerar. Seria muito proveitoso uma mudança de ares e afazeres.

  • Obrigado, filha. Leah costumava me ajudar mas... não quero colocar mais uma carga nos ombros dela! - falou pesarosa.

 

Concordei com um aceno de cabeça e terminei meu café. Antes de sair deixei um bilhete para Lee em cima da comoda, ao lado da cama, para que ela me encontrasse mais tarde na loja. Ela não pareceu.

 

Estava passando um pano no balcão, polindo a superfície de madeira com um pouco de exagero movido pelo tédio, quando Seth passou pela porta.

 

  • Mamãe já começou a te escravizar? - ele provocou vindo até mim com o seu sorriso de moleque. Ele era um garoto franzino nos seus 12 anos.

  • Eu adoraria trabalhar aqui, todos os dias. - confessei abertamente.

  • Se quizer ficar em La Push eu lhe dou o emprego. - Tia Sue apareceu na conversa de repente. Morri de vergonha por ela ter percebido o quão serio eu falava.

  • Não quero tirar o lugar da Lee. - eu disse, recolhendo o pano e abaixando minha cabeça.

  • A Leah odeia isso aqui. - Seth ergueu uma sobrancelha e rolou os olhos. Eu ri de sua expressão.

  • Então está resolvido. Emily fica. - minha tia deu o ultimato e passou pelo filho bagunçando seus cabelos já crescidos pelos ombros.

 

Não poderia dizer que não estava, no minimo aliviada, porque eu já tinha a primeira resposta para minhas duvidas: Onde eu iria depois de domingo. Pelo visto, era por aqui mesmo que eu ficaria.

 

Quando fechamos a loja eu fui dar uma volta, procurar por Leah que não dera sinal de vida o dia todo, e procurar também por um pouco de sobriedade e silencio. Colocar os pensamentos em dia, revolver memorias dolorosas e tentar concerta-las, achar um sinal, a velha historia da luz no final do túnel.

 

Nem me dei conta de que saia da via principal e acabei em uma ruazinha de terra tomada pelos dois lados pela floresta. Sorri sozinha com a possibilidade de estar a caminho da casa da velha Bruxa onde eu encontraria Joãozinho E Maria e uma construção cheia de doces. Nunca estivera ali, mas não me sentia perdida e não tive medo, continuei caminhando e a estrada as vezes parecia quase que completamente tomada pela floresta selvagem.

 

Um visão me fez parar. Era uma casa.

 

Uma casa obviamente abandonada com toda a era que cresceu junto a varanda e as paredes, uma pintura muito suja e descorada que não apresentava nenhum resquício da cor original. Flores do campo cresceram junto ao mato e fizeram da paisagem desolada um misto de beleza e solidão.

 

A porta estava apenas escorada. Eu entrei passando por uma teia de aranha imensa que se infiltrava pelo portal até o chão de madeira ainda em ótimo estado. Olhei para o teto, girando nos calcanhares pra analisar tudo, as vigas também me pareciam bastante solidas. Ainda havia salvação para esta casa.

 

Uma grande faxina e algumas reformas, quem sabe. Me peguei devaneando sobre onde seria a cozinha, teria que ser muito grande porque eu gastava o tempo livre em que não compunha, experimentando novas receitas.

 

Abri os braços e aspirei o ar que incrivelmente não cheirava a poeira. O cheiro de mato e flores entrou por minhas narinas e eu experimentei a liberdade e alegria de estar ali em um lugar que poderia renascer assim como eu. Perguntaria sobre essa casa quando voltasse para o jantar. Mas de repente uma vontade se fez mais urgente. Uma vontade que não me acometia a exatos dois meses. Eu tive vontade de pegar meu violão e tocar, apenas tocar sem nenhum sentido e sem nenhuma premeditação.

 

Corri pra busca-lo.

 


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