O Quarto Rosa escrita por Lótus


Capítulo 12
12


Notas iniciais do capítulo

Karina



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Na escola no mesmo dia que sofri insultos quanto à forma e estética dos meus pés, eu conheci uma menina com grandes olhos castanhos, cabelos curtos e encaracolados. Karina. Seu nome era Karina, tinha mesma idade que eu, oito anos.

Naquele mesmo dia em que Karina me salvou daqueles garotos malvados eu pude sentir o quanto alguém pode ser doce. Por um lado senti o gosto amargo da vergonha e da impotência ao ser insultada e quase ao mesmo tempo pude sentir o acolhimento bondoso e desprendido de Karina, pois eu estava chorando e não tinha muito para oferecer, ela ao contrário, ajudou-me em demasia, conversou e se importou comigo, depois muito gentilmente ainda dividiu se lanche comigo alegando que nunca conseguia comer todo o lanche que levava que sua mãe porventura sempre abarrotava sua lancheira de guloseimas.

Entre Karina e eu a partir daquele dia nasceu uma amizade, eu tinha verdadeira devoção pela minha mais nova amiguinha, ela tinha um sorriso lindo, aquele sorriso que acolhe, com furinhos nas bochechas, dentes muito brancos, e era sempre feliz e delicada, tinha uma maneira sempre doce de abordar todas as coisas, leiam-se assuntos e pessoas. Meus recreios de monótono e solitário passaram a ser os melhores momentos que tinha na vida, porque sempre brincava, corria e ria alto de muitas coisas, e sempre com Karina ao meu lado, ganhei e apossei de uma liberdade incrível, sentia-me amada por a minha amiguinha, nós sempre concordávamos em tudo, nossos recreios tinham uma sequência quase natural, lanchar – brincar e observar outras crianças e sempre que possível interagir com alunas de outras salas. Cuidávamos sempre uma da outra, quando acontecia de uma de nós faltar a aula que era algo muito raro, parecia que na escola faltava luz naquele dia, era tudo meio sem graça torcíamos para chegar logo o dia seguinte para encontrarmos e saber o que tinha acontecido de tão importante na vida uma da outra que tínhamos faltado aulas.

Na escola eu era muito feliz, tinha uma ótima professora, que acolhia a todos com muito carinho e dedicação, ela envolvia-se de verdade com cada um de nós. Estava aprendendo a ler, descobrindo o mundo das palavras e encantava-me cada vez mais essa situação, eram códigos que poderiam ser interpretados e passados para quem eu quisesse, poderia escrever expressando o que bem entendesse sem pronunciar uma única palavra, isso é mesmo mágico, nessa situação minha imaginação colaborava incessantemente, voava a milhares de anos na linha do tempo pensando como as pessoas se comunicavam antigamente, e por mais que a professora falasse dos homens das cavernas, eu ficava meio incrédula, porque o que me foi passado era que não conversavam mas grunhiam. Eu já os considerava animais. E depois descobri que eram mesmo, somos mesmo animais, só que racionais. Espero.

Durante todo o ano letivo Karina não saiu de perto de mim nem um único dia, a menos que faltasse aula, nisso conquistamos mais duas amiguinhas, Delmara e Kátia, que gostavam muito de nós e sentiam imenso prazer em nos acompanhar sempre, ficamos um grupo de amigas de verdade, não tinha brigas ou de sentimentos sérios, somente conversávamos alto, eu era a mais falante, a Karina a mais sorridente, a Kátia a mais calada e a Delmara a mais engraçada, ríamos de tudo.

Certo dia, estávamos no recreio quando aproximaram de nós duas colegas de sala, eram as irmãs gêmeas que eram consideradas as garotas mais metidas da escola, Corina e Carolina, elas eram lindas, loiras, bem arrumadas, pareciam muito elegantes, mas não davam muito atenção para quase ninguém, mas nosso grupo chamava a atenção pela união. As gêmeas sempre exibiam algo novo que acabaram de ganhar ou ainda iam ganhar, era uma boneca nova, um quarto que recebera toda nova mobília, brinquedos que eram trazidos de longe por seus pais e parentes, enfim um monte de novidades, e nós quatro ficávamos só olhando e escutando sem sequer ter como retribuir nada a altura dessas garotas.

Um dia cansei-me de sempre só ouvi-las em silêncio e resolvi também falar, pois elas sempre me perguntavam o que eu tinha em casa, como móveis e brinquedos de meninas interessantes. Nesse dia me perguntaram como era meu quarto, e eu disse com todo o entusiasmo e firmeza que conseguia ter, pois na época contava com oito anos de idade, então com muita segurança comecei a falar:

__Meninas, vocês sempre perguntaram e eu me calava porque não as julgava dignas de nossa confiança e ao conversar com minhas amigas decidimos deixar vocês participarem um pouquinho de nossas conversas e vou responder pacientemente tudo o que me perguntaram, primeiro, moro em uma casa muito espaçosa com meus pais, ela tem um jardim maravilhoso. Somente meu pai trabalha fora, minha mãe fica em casa cuidando de mim. O carro do meu é lindo e muito caro. – Nesse momento fui interrompida por Corina: __Mas Bianca nunca vimos você chegar de carro aqui na escola? - Nesse momento tive que pensar rápido, não me daria por vencida:

__Claro que não Corina, meu pai é muito ocupado e sempre viaja a negócios na empresa em que ele trabalha. – Assim continuei:

__Minha mãe agora está esperando um bebê, ainda não sabemos se será menino ou menina, dessa forma, temos duas empregadas domésticas. – eu falava e olhava firme para as irmãs que cada vez mais arregalavam seus olhos, tendendo a acreditar ao mesmo tempo em que perscrutavam minha alma em busca de algum deslize. – Continuei, agora iria até o fim, minhas amigas estavam boquiabertas com minha coragem e audácia, mas não se atreveram a pronunciar uma única palavra.

__O que mais querem saber? – Elas rapidamente, retornaram: __Nos fale de seu quarto, o que tem nele? – Nesse momento respirei fundo, dobrei meu nível de concentração e convicção, e disse calmamente, como se descrevesse o que havia de mais sagrado para mim:

__Bem meu quarto é um quarto de tamanho médio, tem uma janela decorada com uma linda cortina bordada a mão com florzinhas bem delicadas, tem um jogo de móveis de quarto que combinam entre si, uma penteadeira com um enorme espelho e um banquinho onde me sento todas as manhãs para pentear meus cabelos, meu quarto é todo cor de rosa, um rosa de princesa, ele é lindo! Incrível! Perfumado! E ninguém tem permissão para entrar a menos que eu conceda, no meu quarto tem vários ursinhos de pelúcia, todos têm nomes, o meu quarto rosa é o que tem de mais bonito na minha casa. – Assim que terminei de narrar meu quarto, havia silêncio absoluto, todas encaravam-me com olhos distantes, sonhadores, estavam todas imersas em seus mundos particulares.

O sinal tocou avisando que o recreio tinha terminado, todas voltaram para a sala de aula em silêncio, exceto Karina que do mesmo modo delicado de sempre, aproximou-se de mim e disse baixinho:

__Nossa Bianca você nunca me disse isso. –

Nesse momento senti uma tristeza na alma, porque até eu mesma já estava acreditando na historia que contei, se minha memória não acusasse que tudo isso só existia na minha imaginação, eu acreditaria que possuía mesmo o tal quarto rosa. Karina minha amiga, minha melhor amiga, minha doce amiga, para ela não, para ela eu não poderia mentir, puxei-a pelo braço e olhando-a intensamente nos seus olhos eu disse:

__Karina eu não tenho esse quarto rosa, nada do que disse eu tenho, é tudo ao contrário, o quarto que durmo é muito pequeno e nem é meu, só tem uma cama velha, não tenho guarda-roupas, muito menos ursinhos de pelúcias, não moro com meus pais, disso você já sabe, e nada do que disse existe na vida real, mas estou cansada dessas gêmeas sempre se sentirem melhores do que a gente, por isso resolvi fazer isso, eu me senti bem no início, mas quando voltei a realidade vi que nada disso eu tenho o bem estar de início se esvaiu. – Karina aproximou-se mais de mim e com um sorriso tímido disse:

__Bianca, vou torcer de todo o meu coração para você ter tudo o que você falou, e se um dia eu ficar rica te darei o seu tão sonhado quarto rosa. – Fiquei muito emocionada com a bondade e carinho da minha amiguinha, como ela conseguia ser tão boa assim comigo? Quase não acreditei no que tinha ouvido:

__Sério?

__Claro Bianca, eu prometo.

Abraçamos-nos e fomos para a sala de aula, pois estávamos muito atrasadas, tivemos que ouvir em silêncio a bronca da professora e dar uma explicação plausível para a situação em questão.


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