Katniss acordou encolhida dentro dos cobertores que pegou para si na noite passada. Estava tremendo e seus pelos estavam arrepiados. Ela ficou alguns segundos em silêncio e não ouviu nenhum som, deduzindo que estava sozinha subiu para a cama de Peeta, que já estava fria, e se enrolou em suas cobertas que eram mais quentes. Ela devia ter dado ouvidos a ele e dormido na cama ao invés de dormir no chão.

Ela pensou em dormir novamente ou ao menos cochilar, mas quando seu corpo estava começando a se esquentar ela ouviu o toque do seu celular. Levantou-se com um resmungo e foi atendê-lo. Revirou os olhos ao ver o nome de Peeta na tela.

– O que foi? – ela resmungou com a voz sonolenta.

– Meu primo vai levar sua noiva para almoçar conosco hoje, então seja boazinha e prepare o almoço – disse-lhe Peeta.

– Ah, claro, conte com isso – ela respondeu e encerrou a ligação.

Katniss estava exausta. Não dormiu nada bem na noite anterior e ainda tinha que acordar para aguentar Peeta achando que podia lhe dar ordens. Sem esperança alguma de que fosse conseguir voltar a dormir ela se levantou, tomou café da manhã e foi tomar banho, sem pressa alguma.

Por incrível que pareça ela desejou que Peeta voltasse logo para casa. Estava sendo péssimo ficar o dia todo sem ter nada pra fazer, mas dada às circunstâncias ela preferia não fazer nada a cozinhar para Peeta e seu primo que ela já estava julgando ser irritante como ele. Dessa forma, ela ficou a manhã toda deitada no sofá assistindo televisão entre uns cochilos e outros.

Era pouco mais de onze horas quando Peeta chegou em casa.

– Não sinto cheiro de comida – ele disse respirando fundo, em seguida balançou a cabeça negativamente em gesto de desaprovação – Como eu já previa isso, voltei para casa um pouco mais cedo do que planejava. – ele abriu o paletó e afrouxou a gravata, direcionando-se à cozinha.

Antes que Peeta sequer começasse a cozinhar, ele foi até a sala e desligou a televisão. Katniss gritou em protesto e jogou-lhe uma almofada. Ele voltou rindo para a cozinha e levou o controle com ele, logo Katniss foi até lá.

– Você é irritantemente chato – ela disse e se sentou no balcão. Puxou um cacho de uvas que estava lá para mais perto de si e uva por uva jogou nele, que estava pegando os ingredientes para fazer o almoço.

– Ei, isso é de comer, não de atirar – ele se agachou para pegar uma uva no chão enquanto ela continuava a jogá-las nele. Com a uva entre os dedos, Peeta tentou colocá-la a força na boca de Katniss, enquanto ela se afastava. Quando ele conseguiu, ela cuspiu a uva e mordeu os dedos dele, que tentou puxá-los, mas essa tentativa fez doer ainda mais, então ele ficou imóvel e olhou para os lábios dela que estavam separados pelos seus dedos que estavam sendo segurados pelos dentes dela.

Quando Katniss percebeu no que ele estava reparando, ela parou de sorrir e afrouxou a mordida para que ele tirasse os dedos. Peeta pigarreou e se afastou, sem saber como lidar com o clima constrangedor que se estendeu.

– Meus dedos estão todos babados – ele fez cara de nojo e lavou as mãos.

Katniss ficou em silêncio enquanto ele cozinhava o macarrão. Quando o molho estava quase pronto, a campainha soou. Peeta sorriu alegremente e deu dois tapinhas na perna de Katniss, pedido silencioso para que ela descesse do balcão e o acompanhasse, e assim ela o fez.

Quando a porta foi aberta Katniss analisou rapidamente as suas pessoas paradas. O homem era alto, possuía os olhos claros e cabelos dourados, mais escuros que o loiro de Peeta. A mulher ao lado dele era mais baixa, seus cabelos eram longos e castanhos, seus olhos também eram azuis. Ela esbanjava delicadeza e era linda. Ela não deixou de reparar que eles formavam um belo casal. E ver os dois, tão belos e parecendo tão bem sucedidos e naturalmente elegantes, exatamente como Peeta, Katniss se sentiu mal e até mesmo constrangida. Ela estava sentindo na pele o que era ser inferior a alguém, ela estava sentindo o que fez várias pessoas sentirem. O mundo realmente gira, em muitos sentidos.

– Kat, esses são Finnick Odair e Annie Cresta, que até o fim da semana será Annie Odair – Peeta sorriu e os dois retribuíram, enquanto Katniss tentava entender o motivo de Peeta tê-la chamado por um apelido – Eu estou muito feliz por vocês, com certeza nasceram para ficarem juntos.

Eles entraram e Peeta fechou a porta.

– Não é mesmo? – concordou Annie. Sua voz era doce e suave fazendo jus a sua aparência – Não poderíamos estar mais felizes, depois de tanto tempo agora finalmente vamos ficar juntos para sempre!

– É mesmo ótimo. E como estava Paris? – perguntou Peeta.

– A viagem foi incrível, exceto pelos momentos em que Annie me arrastou para umas quinhentas lojas – ele revirou os olhos.

– Finn! – ela exclamou ofendida – Algumas lojas são mais baratas na Europa, eu precisava aproveitar.

– O barato dessas lojas continua caro.

– Não seja tão mesquinho – Annie disse a ele – E quem é a sua amiga, Peeta? – ela sorriu para Katniss, que já estava começando a se sentir incomodada por não terem reparado muito em sua presença.

– Ah, ela não é minha amiga – ele sorriu maliciosamente – Ela não gosta que fale assim, mas ela é... – ele estava sussurrando e falou mais baixo a última parte de forma que Katniss não conseguiu ouvir, mas ela conseguia imaginar perfeitamente a expressão que estava fingindo em seu rosto, mesmo que não pudesse ver por estar atrás dele. Ela estreitou os olhos tendo uma boa ideia do que ele havia dito, mas achou que ele não seria capaz de humilhá-la dessa forma – Sim, por isso ela atende por Kat, mas o nome dela mesmo é Katniss.

E então suas suspeitas foram confirmadas. Katniss sentiu o rosto ferver, só não sabia se era vergonha pelo o que Finnick e Annie estavam pensando dela ou se era raiva de Peeta pela mentira. Ela tentou puxá-lo pelo braço para levá-lo a algum cômodo em que pudessem ficar a sós onde ela poderia tirar satisfações e ouvir da boca dele se o que ela estava pensando era verdade, mas ele se manteve firme.

– Kat, seja boazinha, eu já falei que você precisa controlar esse seu gênio – ele disse fingindo estar abaixando em tom, mas ambos estavam cientes de que ele estava propositalmente falando numa altura boa para que o casal pudesse ouvir.

Katniss revirou os olhos, respirou fundo e soltou o braço dele, abrindo um sorriso ingênuo e diabólico ao mesmo tempo, o que fez Peeta hesitar. Ela não sorria sem motivo e ela não se conformava quando era atingida de qualquer forma.

– Sentem-se! – Katniss exclamou em alto e bom tom, abrindo os braços como se estivesse acolhendo-os – Eu termino de arrumar o almoço e trago para vocês, não se preocupem – Peeta olhava apreensivo para ela – Relaxa, Peeta, amor, você tem que confiar em mim – ela sorria com falsa inocência, erguendo a sobrancelha. Peeta soube ler suas expressões faciais e seu gesto, ele sabia que ela estava o desafiando, querendo dizer que ele não havia ganhado ainda.

Peeta se sentou como não havia nada que pudesse fazer. Queria voltar até a cozinha, queria sentar no balcão onde há minutos Katniss estava e observar cada movimento dela para garantir que ela não faria nada, mas não havia garantia e ele sabia que ela faria. Ele não pôde deixar de reparar que essa era a primeira vez em muito tempo que ele estava esperando por algo, sentindo a expectativa, sem saber o que iria acontecer em seguida. Era amedrontador, mas excitante ao mesmo tempo, mesmo que suas expectativas fossem algo bobo como o próximo movimento de sua adversária em uma espécie de jogo, de desafio. Se lhe perguntassem ele negaria, mas estava gostando disso tudo.

– Foi muito gentil seu pai deixar que eu me ausentasse nessas duas semanas para viajar e terminar de cuidar das coisas do meu casamento – comentou Finnick, passando o braço ao redor de Annie e acariciando levemente seu ombro nu.

– É seu tio, ele não te negaria nada, ainda mais algo referente ao seu casamento – afirmou Peeta – Sem falar que, com consentimento ou não, você teria ido de qualquer modo – eles riram.

– Você tem razão. E ninguém nunca me nega nada. Eu sou lindo, priminho, as pessoas não negam coisas para caras lindos como eu – ele brincou com um sorriso divertido iluminando seu rosto. Annie revirou os olhos, mas também abriu um sorriso para ele.

– Agradeça por humildade nunca ter sido um dos meus requisitos para me casar com você – disse-lhe Annie.

– Você é a prova, Ann. Você disse sim porque eu sou lindo, nem se quisesse poderia ter dito não.

Ela estava prestes a retrucar quando Katniss apareceu segurando dois pratos de macarrão. Ela os entregou a Finnick e Annie.

– Espero que gostem. Vou pegar o seu prato Peeta, eu só tenho duas mãos, desculpe-me – e dizendo isso ela retornou à cozinha.

Colocou mais comida do que seria necessário no prato e voltou até a mesa, mas antes que pudesse entregar o prato a Peeta ela fingiu tropeçar fazendo todo um teatro como se tivesse sido acidental e derrubou todo o macarrão que estava no prato em Peeta. Katniss colocou o prato na mesa e levou a mão à boca fingindo espanto.

– Me desculpa, oh, por favor, me desculpa, foi sem querer, eu tropecei! – ela exclamou, falando rapidamente tentando mostrar o quão desesperada ela estava, mas na realidade estava tendo que se segurar para não disparar a rir.

– Eu te desculpo, Kat, até porque eu sei como você é desastrada – Peeta se levantou e começou a andar em direção à cozinha para pegar um pano para se limpar um pouco, mas antes parou de frente para Katniss e discretamente segurou seu braço com força e a puxou para mais perto para que pudesse sussurrar em seu ouvido: - Tão desastrada que tropeçou em uma superfície plana – ela sorriu maldosamente ao mesmo tempo em que ele a soltou e foi pegar o pano na cozinha.

Quando ele regressou, Katniss segurou em seu braço com delicadeza.

– Peeta, vem, vamos tomar banho, eu te ajudo, é pra isso que estou aqui mesmo – ela sorriu maliciosamente – Para mostrar o quão arrependida eu estou eu vou cobrar mais barato por esses dias – Peeta deu uma rápida olhada para o casal sentado à mesa, com as expressões totalmente indecifráveis – Ah, não ligue para eles, eles não vão importar, aposto que também querem ficar sozinhos – Katniss se esticou para tentar beijar-lhe o pescoço e a bochecha, mas ele a afastou. Ela então deu de ombros – Bom, eu estou me retirando – e foi até o quarto rebolando exageradamente e fechando a porta em seguida.

Ela se sentou na cama, enterrou o rosto nas mãos e suspirou pesadamente. Conseguiu usar a própria ideia de Peeta contra ele para envergonhá-lo na frente do primo e sua noiva, mas isso não a fez se sentir melhor. Passados alguns segundos, ela ouviu duas batidas na porta e então ela foi aberta. Para a surpresa de Katniss, era Annie, que fechou a porta e se sentou ao lado dela.

– Oi – Katniss falou baixinho.

– Nós sabemos que você não é uma... Meretriz – ela falou parecendo procurar as palavras certas. Parecia estar se sentindo tão constrangida quanto Katniss com toda a situação.

– Como sabem? – ela indagou.

– Você é muito elegante pra ser uma. Toda aquela cena lá fora foi bem forçada e eu conheço Peeta, ele não é o tipo de homem que paga essas mulheres. E aliás, por que precisaria? Ele é uma graça – respondeu-lhe – Mas a verdade é que Peeta contou tudo a nós dois, sobre a aposta, sobre os tempos de escola, a forma como ele guardou rancor de você todo esse tempo. Ele nos contou o que diria sobre você e deixou claro que era mentira, mas nós teríamos que agir como se acreditássemos. Ridículo – ela revirou os olhos – Finn está jogando infinitas pragas para que ele se apaixone por você. Em minha opinião é uma bobagem sem fundamento.

Katniss sorriu.

– Eu vou desistir dessa aposta ridícula. Ele conseguiu me afetar, me sinto patética. Não vou conseguir voltar a ser eu mesma quando deixar esse prédio, então vou acabar logo com isso. Querendo ou não, ele venceu – Katniss deu de ombros.

Annie balançou a cabeça negativamente.

– Você errou com ele, mas ele também não está certo em querer fazer você se sentir inferior só porque é assim que ele se sente na sua presença. Se ele guardou rancor de você, Katniss, é porque você o afeta. Você tem condições de passar por isso até o fim. Talvez vocês dois consigam se perdoar.

– Acho que não – Katniss riu brevemente imaginando a bela cena de reconciliação que seria. Era quase inimaginável.

– Bom, de qualquer modo é você quem sabe – Annie se levantou – Mas eu espero que você vá ao meu casamento, pegue as informações com Peeta depois. Deem uma trégua apenas para isso, e se decidir ir entre em contato comigo que eu lhe arranjo um convite – ela sorriu gentilmente.

– Obrigada, Annie. Espero que possamos nos falar depois – ela devolveu o sorriso e Annie assentiu.

– E só pra você saber, Finnick está torcendo cegamente para que você faça ele se apaixonar e depois quebre seu coração – Annie riu.

– E você? – ela perguntou. Annie ergueu as sobrancelhas, surpresa com a pergunta.

– Estou torcendo para que vocês dois terminem isso igualmente – ela disse sincera – Não quero que ele te magoe porque você está tão certa quanto ele e não quero que você o magoe porque ele é só um garoto que por causa das mágoas ainda não pôde amadurecer. Espero que ao menos vocês tirem algum proveito disso tudo.

Katniss refletiu sobre o que ela disse.

– Você tem um bom coração. Finnick tem sorte – falou Katniss.

– Não existe essa de sorte, nós apenas nos apaixonamos um pelo outro, se for assim então nós dois temos sorte – e então ela saiu do quarto. Katniss ouviu os três conversando em outro cômodo e depois outra batida de porta, assim ela soube que eles haviam partido.

Katniss percebeu que enquanto conversava com Annie não havia competição. Ninguém era inferior nem superior, havia apenas igualdade. Surpreendentemente Annie fez com que ela quisesse ainda mais desistir da aposta. Ela fez com que Katniss se sentisse melhor e até mesmo quisesse ser uma pessoa melhor. Ela esperava que aquele sentimento durasse, por isso evitou Peeta o resto do dia, aparentemente ele também estava feliz com isso. No dia seguinte ela tomaria uma decisão, se iria ou não desistir da aposta.