Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 27
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Apesar dos acontecimentos desse cap, gostei mto do resultado. Espero que vcs tbm. Enjoy.



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Que eu fiz, Senhor? Que EU FIZ?

O “brand new day” tinha começado como qualquer outro para os “trabalhadores”. Se eu não precisasse tanto dormir – camuflagem que me caiu bem para disfarçar o pesar que eu trazia do dia anterior – desculpada por chegar tarde na madrugada e por ser hóspede em minha própria casa de família, eu deveria ter acompanhado todos à loja, pois o trabalho seria pesado para organizar o balanço de material. Saíram todos bem cedo, exceto Flávia e Murilo, que também demoraram a levantar. Minha amiga me viu meio acordada enquanto se vestia.

Na realidade, nem eu sabia se estava acordada, tava meio grogue dos efeitos fight com Vini e Murilo, sem coragem para me mexer. Flávia disse que ficaria em casa se eu quisesse conversar, já que nenhuma palavra foi dita praticamente desde o “incidente”, só que especular sobre como tudo aconteceu não estava na minha lista de vontades do dia em seu princípio, então um simples balançar cansado de cabeça resolveu.

Quando ela disse que iria ajudar na loja, eu ia me esforçar a ficar acordada só para dizer que não precisava, ela estava de férias assim como eu e não deveria ficar trabalhando. Mas me calei por ela mencionar que tinha prometido ao vovô, que estava bem animado com a promoção que recebeu de papai e queria impressionar o chefe com novas técnicas.

Eu não ia negar isso a ele, ia? Perguntei como ela iria sabendo que todos já deveriam ter saído e respondeu-me, incerta, que pegaria carona com Murilo. Ela ia aproveitar pra conversar com ele sobre o que tinha acontecido, que para ela também estava uma bagunça na cabeça. Nessa hora me lembrei de perguntar:

– Falando em bagunça... hã... Gui estar aqui ainda não fez sentido pra mim. Faz pra você ou tô grogue demais?

Não tinha feito mesmo. Não que eu tivesse parado pra pensar muito sobre isso.

Flávia, que estava perambulando pelo quarto ajeitando as coisas de sua bolsa, parou quando eu disse isso. Ela ficou estranha até suspirar como se estivesse desistindo de um caso. Sorriu então bobamente para minha total genialidade que não somou 1+1:

– Sabe Milena, acho que não tenho mais porque não falar disso... ou esconder, já que está quase estampado à vista de todos. E você, como minha melhor amiga, deve saber. Eu só não falei antes porque você tem andado numa, hã, maré ruim... que não quis trazer uma preocupação a mais.

– Do que você tá falando? Pode falar comigo sobre qualquer coisa, não importando quando, onde, como...

– Eu sei, Lena, eu sei. Mas eu... não estava muito querendo falar sobre isso. Acho que também estive em momento de negação. Ou seguindo aquele plano de “não pensar” sobre dilemas.

Levantei minimamente da cama, recostando-me à parede que dava de encontro com a cabeceira, para sair mais da letargia do sono que acabava. De olhos entrecerrados pela luz que entrava pelas frestas da janela quase ao meu lado, tentei maquinar o que ela queria dizer, mas acho que estava tão tapada que se desenhasse para mim acho que eu seria corajosa o bastante de levantar a mão e perguntar o que aquilo significava. Devo ter passado tanto tempo nessa história de não pensar que isso estava me estragando os miolos, só pode.

– Flá, onde você quer chegar?

– É ele, Milena. ELE.

– Ele quem?

Certo, eu mereci uma travisseirada nesse momento pra engatar o pensamento de vez. Devia ter oferecido o meu, instruído para que me batesse, e que fosse com força para fazer efeito imediato, o de acordar meus neurônios e fazer com que se remexessem na minha cachola. Cruzes, eu estava ruim, confesso.

– Ai, Lena, é dele que eu te falei, aquele que...

– Oh.

Sim. Oh.

Gui era o cara que estava mexendo com a cabeça da minha amiga, cuja família não gostava dela. Como que eu não vi ISSO? Caramba! Agora sim muita coisa teve seu sentido. Me veio à mente logo em seguida sobre aquela vez que Vini comentou que havia algo rolando na mesa no nosso encontro com a galera na praia. Eu tinha dito que eram só Bruno e Dani, enquanto que ele enfatizou que tinha algo mais ali, só não disse quem porque acabamos por nos distrair.

Que péssima amiga eu sou!

Onde ando com a cabeça? Estava debaixo do meu nariz. Será que alguém mais percebeu? Claro que devem ter percebido, só eu que sou uma amiga horrível não vi uma coisas dessas! Isso porque tem rolado faz um tempo de acordo com os relatos de Flávia. Verdade que ela demorou um pouco para abordar o assunto, mas sabe como é, todos temos um momento para se abrir... Apesar de ser boa de matemática, esse cálculo eu não vi para fazer a ligação dos fatos.

Era só nisso que eu pensava enquanto tomava meu café da manhã, sozinha na cozinha, logo após sua saída, era quase 10h. Estava tudo pronto, café quentinho e bolinhos de chuva na minha espera... o silêncio do ambiente era agradável e agradecia por dona Tili, cozinheira de minha mãe, ter ido fazer compras e ser daquelas demoradas.

Me entreti de lembrar situações em que os dois estavam juntos que nem me liguei de ligar a Tv para fazer algum barulho na casa silenciosa e deserta. Acho que era a cafeína que fazia meu cérebro funcionar, porque a cada gole praticamente um novo fato pipocava na cabeça e dava o porquê para os casos que pareciam sem explicação.

Lembrei-me bem da mãe de Gui naquela festa de aniversário de Natália, de como ele havia contado um tempo antes de como era sua relação, mesmo por alto, com sua família, o que batia direitinho com o comentário feito por Flá no dia que fazíamos compras juntas.

Ela também estava na mesa quando ele tinha falado sobre ser obrigado a ir à festa, que nem poderia levar alguém para fazer-lhe companhia. Oh. Na mesma noite dessa conversa, Flávia estava bem chateada... eu a perturbei até que aceitasse dormir na minha casa. Ficou estranha por muito tempo, mas respeitei sua vontade e nada comentei. Oh... será que era pra ela que ele ligava naquela festa? Ele estava meio bêbado quando o encontramos, lembro então de uma parte que falou sobre estar com quem se quer e, sozinho, estava se entendendo com uma garrafa de bebida alcóolica.

As cenas não paravam de vir e eu de me sentir mais mal por não ter sacado. Teve a vez na faculdade que Gui tinha ficado para recuperação final e Flávia demorou a aceitar ser sua parceira de estudos, ela estava chateada com ele já naquele dia, nem falou nada enquanto eu a instigava a ajudá-lo. E teve aquele dia que descobri o furo de Murilo e Vini! Eles estavam juntos fazendo compras! Eles digo Flávia e Gui, não eles Murilo e Vinícius.

Fiquei pasma comigo mesma.

Então me dediquei a, pelo menos, pensar num jeito de compensá-los de alguma forma. Passei meu banho encucada numa maneira de conseguir isso. E foi assim, mais uma vez distraída, que as coisas ficaram tensas.

Eu saía do banheiro, acabara de passar a toalha pelo corpo após enxugar devidamente as pontas do meu cabelo para que não saíssem pingando pelo quarto, tudo era calmo. Então, para minha surpresa, que achei não ter mais ninguém em casa, ouvi um barulho da cozinha, algo, como uma panela, atingiu o chão com força, assim como outros utensílios. Sim, um barulho grande e seguido de um grito. Minha mãe, reconheci de imediato. Paralisei. Minha mãe em perigo. Me desesperei, bateu o pânico. Ela gritou por socorro, tinha um ladrão dentro de casa.

Tinha um ladrão dentro de casa. TINHA UM LADRÃO DENTRO DE CASA!

O que se faz nessas horas? Se mantém a calma? Calma só é TOTALMENTE o oposto do que se sente nessas condições. É o tipo de coisa que a gente pede às pessoas sabendo que é uma coisa impossível para um sistema nervoso. Só uma pessoa impassível de sentimentos seria capaz da suposta benção de manter a calma e pensar racionalmente. Não era bem meu caso, nunca foi.

Da porta do banheiro, no corredor, ouvi minha mãe gritar aflita um “o que você está fazendo?” seguido de um “vai embora”. Ela estava enfrentando o ladrão? Eu tinha que fazer algo, não era louca o bastante para deixá-la sozinha a lidar com um perigo desses. Será que estaria armado? Que tipo de arma era? Meu Deus, minha mãe! Pode levar o que quiser, menos minha mãe...

Atarantada, atravessei o corredor numa disparada que nem temi o que iria encontrar, as coisas eram um borrão só, o coração a mil. Nada mais passava na cabeça senão a dura repetição de que havia um ladrão dentro de casa. Quando cheguei na sala, minha respiração estava de mal a pior, não havia ar para se respirar, não havia nem tempo pra perder. Forcei-me a controlar a respiração pra poder mandar ar para o cérebro e pensar em algo para poder fazer... mas era inevitável pensar “ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus”.

Defesa! Precisava de uma defesa...

Mas como eu poderia me defender? Ou com o quê? Mamãe ainda estava na cozinha, eu PRECISO defender minha mãe, PRECISO chegar lá. Ao redor procurei por algo que pudesse bater no ladrão, ou pelo menos pra ganhar um tempo de chegar até minha mãe e fugir, qualquer coisa, contanto que o imobilizasse. Papai não usa arma, então ideia descartada. Não dá pra sair pela porta da rua simplesmente tampouco... Eu não ia deixar minha mãe ali e gritar por ajuda.

Me tremia por completo, a urgência quebrava minha base. E, merda, não tinha um bastão, não tinha faca, não tinha garrafa, nada que pudesse ameaçar o maldito do ladrão. Tive que pensar rápido se cada segundo significava minha mãe sendo atacada. O jeito era usar o que tinha disponível. Fiquei com o que eu tinha mais próximo e carreguei. Ainda fui digna de pensar “desculpa, vovó, é uma causa justa”.

A cozinha tinha duas aberturas para a sala. Numa delas eu vi parte do corpo de minha mãe segurando firmemente uma vassoura, encostada na pia, pronta para um ataque. Ela não me viu de onde estava. A minha preocupação era onde estava o ladrão para poder avançar. Foi então que vi, na outra entrada para a cozinha, vi a sombra dele. Fui de encontro aquele destino.

Ergui o vaso preferido de vovó ao alto e, sem dó ou piedade, taquei na cabeça do ser, que, pelo impacto da cerâmica se partindo, contorceu-se em dor num urro, oscilou querendo se segurar em algo e escorou-se na parede, perto da porta que dava para uma parte da varanda. Tombou em gemidos, todo agonizado. Mas nem olhei para ele, eu mal taquei o vaso em sua cabeça e corri para minha mãe, atravessando a cozinha, ver como ela estava, se havia algum machucado, se era uma ferida séria.

– MÃE! VOCÊ TÁ BEM? Ele tem machucou?

Mamãe também tremia. Para soltar a vassoura foi uma luta, temorosa de que o maldito poderia se levantar e sei lá. Abracei ela forte, ambas com espasmos, duras de ter outra reação senão essa. Até aí eu ainda não tinha visto o estrago que eu tinha feito.

– Mãe, temos que sair daqui, temos que pedir ajuda.

A primeira coisa que tínhamos que fazer era sair dali, claro.

E foi quando me virei.

Eu vi o cidadão meio morto, caído encostado à parede, a cabeça pendente. Levei a mão à boca para conter um grito pelo que eu havia feito. Era ladrão, mas essa vida eu não tinha o direito de tirar. Que eu fiz? Senhor, matei um homem!

Aí observei melhor de onde estava. O ladrão se mexeu... respirava, fraco, mas respirava. Devia estar meio pra lá ou pra cá, disse algo baixinho e levantou a cabeça, para o espanto total e um grito rasgado meu.

– VINI!

O ladrão não era ladrão, era Vinícius. Um Vinícius bem machucado.

Que eu fiz, Senhor? Que EU FIZ?

Matei um homem, ou quase... isso.


~;~



A ajuda demorava, fico mais tensa. Onde mamãe foi buscar? Cadê que ninguém aparece? Ele precisava de atendimento e pra agora! Vê-lo nessas condições só me matava. Afastei os fragmentos de cerâmica dali de imediato quando cheguei ao chão para verificar a merda maior que eu tinha feito. Gritei para que minha mãe fosse buscar ajuda, que ela atendeu logo, apesar de desnorteada, saiu correndo. Quanto tempo passou, não sei dizer, só sei que Vini tinha que ir para um hospital, ele não estava bem.


– Vvvini... guenta firme, eu vvvou... vvvou pegar o telefone e li-i-igar para a emergê-ê-ência.

– Nã-ão. Fica aqui comigo.

Falou tão baixo que por quase não o ouvi.

Mordi o lábio para controlar meu choro, mas estava difícil de tomar as rédeas das saídas lacrimais. Quando umas saíam, amparava-as antes de descerem pelo rosto. Mas não tinha jeito para esconder quão trêmula eu estava. Quer dizer, eu quebrei um vaso na cabeça de Vinícius! Eu queb... Céus, isso é... é... nem tenho palavras para dizer o que é de tão horrível que é vê-lo no estado em que se encontra. Eu não poderia deixá-lo, mas como poderia ajudá-lo?

Ajoelhada a seu lado, eu não conseguia tocá-lo tamanha era minha culpa. Minhas mãos permanecem ao meu rosto como se estivessem presas, presas pelo medo de que se o tocasse, eu o quebraria mais. Isso obstruía um pouco de minha respiração, já irregular pelo choro, mas era o jeito. Se ao menos eu soubesse o que fazer, como fazer...

– Só... fica. Eu posssso me levantar...

O sem noção inventa de querer levantar. Claro que não deixo, ele cairia logo em seguida. Assim o toco, lhe seguro pelos ombros, impeço-o de fazer mais besteira. Ele não via quão debilitado estava? Sua própria cabeça, enquanto a mexia, pendia um pouco. Nem conseguia olhar direito para cima... quando tentava fazer isso, ele entrecerrava os olhos incerto. Como queria ergue-se desse jeito? Ele é maluco ou o quê? Acabou de levar uma pancada séria na cabeça! Ele tem mais é que ficar quieto. Será possível que nem machucado ele consegue isso?

Quando toco no seu rosto, nunca imaginando estar assim com ele, seguro firme para estabilizar sua cabeça numa posição só. Ele fecha os olhos com força, franze a testa e reprime um gemido ao engolir em seco uma respiração contida. Estava doendo muito ao meu ver, ele que não falava nada sobre isso. Ele segura meu braço como um tipo de apoio e tenta se mexer, arfa um pouco e desiste de levantar-se, mas não chega a me soltar. Ao mexer a cabeça, que eu ainda tinha em mãos assistindo seus pequenos movimentos, eu vi... percebi que havia uma mancha pequena de sangue na parede, onde sua cabeça estava encostada. Meu desespero aumentou, assim como meu choro que se tornou um pouco mais audível.

– Meu Deus, vvvocê precisa de um atendimento... agora.

– Essstou bem. Não... não chore.

Quase num pulo, seguro suas mãos nas minhas antes de disparar minha resposta:

– Mas você está sangrando. Mamãe está demorando. Eu só vou ligar para...

– Não... não me deixa. Essstou tonto.

– Mas Vini... é só um segundo.

Isso não devia estar acontecendo. A qualquer hora ele parecia que ia desmaiar, sinto isso pelo modo que ele mexia a cabeça, os olhos com umas piscadelas demoradas como se estivesse com muito sono. Tinha que mantê-lo acordado e concentrado.

– Me... desculpa.

Desculpa?

Eu quase o mato e ele quem pede desculpa?

Ele reúne uma forçazinha a mais para falar, noto.

– Eu não dev...

– Shhh. Não faça esforço, ok? Vai ficar tudo bem. Mantenha-se acordado, eu só vou pegar o telefone.

– Não, por favor... fica aqui.

Como eu poderia sair de perto dele assim?

– Isso é sério, Vini.

– Eu possssso... posso exxxxplicar.

Ele franze mais a testa, de um jeito que indica claramente que aquilo era caso de emergência. Acho que se continha para não se entregar, não me deixar com mais medo do que poderia acontecer, coisa estúpida. Mas cadê a porra do socorro que não chega?

– Vini, só olha pra mim, ok? Você não pode fechar os olhos. Tudo bem?

Ele não responde, só me olha. O embargo não me deixa, tampouco o estado trêmulo. Eu não iria me perdoar se algo acontecesse com ele. Sob seu olhar direto, eu quero mais é chorar, por tudo ser minha culpa. Vini retira devagar uma mão que eu segurava e a leva ao meu rosto, que devia estar vermelho, ampara umas lágrimas que desciam devagar sem eu mais ver, porque tudo era um borrão. Apesar de debilitado, seu toque era delicado, do tipo que faz até carinho ao passar o dedão em minha bochecha molhada e transmitir calor. Me viro um pouco e deixo um beijo em sua palma, numa inútil tentativa de deixar claro que iria ficar tudo bem. Só não sabia se iria mesmo ficar bem.

– Não quero que você chore.

– Bom, não quero que você desmaie.

Para meu alívio, alguém abre a porta da sala e isso significa finalmente o socorro. Mamãe me grita. Alguém mais fala, não sei dizer quem, não estou bem para poder distinguir. Reconheço Leila, minha vizinha, a primeira a chegar na cozinha, checa o estado de Vinícius. Me diz que o levaria em seu carro para o pronto-socorro. Alguém me puxa, afasta-me de Vinícius, e me abraça quando levanto. Era difícil olhar aquela cena dele caído e machucado, mas era mais difícil ainda evitar vê-lo.

Iria ficar tudo bem?


~;~



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http://migre.me/bbGfj


– Como você está?


Murilo. Ele se joga no banco ao meu lado num dos corredores do hospital.

Saí da sala de espera porque estava tudo me agoniando e me sufocando, olhar todas aquelas pessoas preocupadas com seus familiares, emergências chegando, médicos e enfermeiros correndo de um lado para outro, avisos noticiados pelos locutores internos do hospital... Lucas me deixou lá dizendo que ia buscar algo na cafeteria, disse para esperá-lo, mas eu não quis. Mamãe estava cuidando do atendimento e eu poderia ter ido procurar por ela para saber notícias. No entanto, não fui. Maior que minha preocupação com Vinícius era meu receio de chegar perto e desmoronar de vez. Perambulei um pouco pelos corredores sem rumo até sentar-me num banco e ficar.

Encolhida, abracei a mim mesma, queria ficar quieta num canto. Estava a contar os azulejos da parede a minha frente para não me entregar à depressão física. Isso me ajudou a respirar melhor, o tremor diminuiu consideravelmente. Aí Murilo aparece... e me faz perder a conta. Tenho a menor ideia de que número estava. Fungo, ignoro-o. Ele continua sendo a pessoa que menos quero conversar no momento. Não me movo sequer para olhá-lo. Recomeço a contar os azulejos da parede. Um, dois, três...

– Lena, por favor. Diz algo.

Seguro meu embargo para não transparecer mais que o devido.

– O que você quer que eu diga? Como você espera que eu esteja?

– Não sei... mas, você está com o vestido ao contrário.

A questão que fica é se é uma pergunta ou uma afirmação. Tanto faz.

Olho para meu vestido para constatar que ele tem razão. Não havia detalhes de um franzido de pano no meu decote, a etiqueta que devia estar às minhas costas se mostrava às claras no colo de meus seios... o vestido estava ao contrário. Praguejo.

– Droga.

Só posso dizer que o desespero para colocar uma roupa quando você tem que correr para o hospital consegue ser uma boa razão para isso. Quando Leila disse que ela ia acompanhar Vinícius no seu carro, eu disse que também ia. Mas era uma emergência, ninguém poderia me esperar, eu estava de toalha ainda. Nessa hora me senti tão nua na frente de estranhos que me agarrei ao pano. Tinha até um policial lá que mamãe achou quando saiu em busca de socorro. Ela que assumiu meu posto, foi com Leila para a emergência e Lucas me esperou colocar uma roupa para seguirmos ao hospital em seu carro. No quarto, puxei o primeiro pedaço de pano que vi na frente, cruzei um cinto, meti umas chinelas, peguei minha bolsa.

Murilo toca no meu joelho com calma, aproxima-se me encarando penoso.

– O que aconteceu? Encontrei mamãe falando com um policial. Eu não entendi... um ladrão invadiu nossa casa? Como?

Me afasto de seu toque, abaixo minha cabeça. Respondo-o mal também.

– Não sei por que pergunta para mim se minha resposta nunca conta como verdade mesmo.

– Lena, é sério. Eu me preocupo.

Rio sem humor. Levanto a cabeça para encará-lo dessa vez.

– Por que eu estou sentindo que você teve alguma coisa a ver com Vinícius aparecendo lá em casa do nada?

Ele suspira antes de responder, desvia o olhar, se entrega:

– Porque... porque tenho.

– Palmas, finalmente uma confissão.

Eu ia bater palmas, mas uma enfermeira passa com uns prontuários e coloca o dedo indicador nos lábios para pedir silêncio e respeito, que ali não era lugar para “atrações”. Ainda bem que só passa, porque não gosto de plateias.

– Para, tá? Só para. Eu me canso disso.

Meu irmãozinho querido se irrita com meu comportamento, tanto que se expressa bruscamente com as mãos e fala meio alto. Do fim do corredor, aquela mesma enfermeira faz “shhh” para ele, que faz que se rende e condescende ao pedido sussurrado da mulher de branco. Em contrapartida, eu não consigo ser condescendente a ele.

– Ah, você cansa? Nossa, imagina se trocássemos de corpo.

– Odeio quando você fica se escondendo em ironias.

– E eu odeio quando você se intromete na minha vida.

– Eu só quero ficar do seu lado. Você que não deixa.

– É, né? Por que será, né, Murilo? Às vezes nem o travesseiro consegue me dizer isso quando deito e penso na vida. Deve ser uma daquelas perguntas de um milhão de dólares. Ou de euros?

Faço expressão de especulativa, finjo pensar no assunto, como se estivéssemos discutindo uma banalidade qualquer, mas interessante. Ele não gosta nadinha, se mantém sério. Então saio do jogo de palavras pra falar sério também.

– Para, você tá fazendo de novo.

– Não, você que tá fazendo de novo. Se mete onde não é chamado, faz suas burrices, age pelas minhas costas, arrasta outros com você, me deixa em situações delicadas... quer que eu continue a lista?

Contava cada dado pelos dedos, uma mão já tinha ido. Segurei o dedão da outra esperando sua resposta, não me faltavam motivos para listar.

– Eu só faço por sua prot...

– É melhor que você não use o argumento baixo de proteção, te digo logo. Se você se preocupasse comigo e quisesse realmente me proteger, você devia começar a pensar bem no que faz. Você anda cada vez mais inadmissível.

Jogo logo na cara. Se pudesse gritar, eu gritaria, o ambiente não me permite. Falar baixo foi o jeito, rasgado, mas foi, contendo minha raiva. Não é isso que ele quer? Pelo jeito não, porque do nada ele quer dar uma apaziguador.

– Olha, não vamos discutir, ok? Vamos nos ater então ao que houve. Pode me dizer isso pelo menos?

Não.

– Por que não começa você, afinal, a ideia genial parece ter vindo de sua linda mente brilhante? Já disse alguma vez como ela é adorável e admirável?

– Você é impossível, sabia?

– Sabia. Tão impossível quanto possível. Teria que ter alguma beleza em nossas discussões.

– Só me diz o que aconteceu.

– Já que insiste, te faço um resumão de vestibular: eu estava no quarto quando ouvi um barulho da cozinha, ouvi mamãe gritar que havia um ladrão dentro de casa. Fui lá pra enfrentar, não iria deixá-la sozinha, claro. Mas tive que improvisar uma defesa. Não tendo muitas opções, peguei o vaso da vovó... aquele de cerâmica. Vi a sombra do suposto ladrão, ergui e taquei na cabeça dele. Ele caiu, eu chequei mamãe e na hora de chamar a polícia, eu vi que o ladrão não era ladrão. Agora vê se passa na prova e não faz mais burrice.

Levanto, deixo-o para trás antes que fale alguma coisa. Encontro Lucas no final do corredor com algo em mãos para mim. Parece ser suco, é amarelo. Agradeço e finjo tomar... pensando como um mínimo gole poderia descer se havia um bolo na minha garganta atrapalhando o trânsito da laringe. Se ele viu Murilo ficar para trás não sei dizer, só sei que sigo para a sala de espera e Lucas me segue sem nada comentar.


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Notas finais do capítulo

WOW! Um vaso!
Milena morria, e eu morria junto.
Não foi mesmo um dos melhores planos do Murilo, hein.



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