Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 21
Capítulo 20


Notas iniciais do capítulo

Um pouco de Murilismo e... novas tentativas de aproximação. Vai que...?
Enjoy.



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É amoral rir da desgraça alheia, não?

Imoral eu sei que não é. Não necessariamente, acho.

Mas pode-se abrir uma exceção se for seu amigo? Digo, rir dele?

Claro que Lucas não iria aceitar, mas se torna tão inevitável que a “desgraça” dele me alcança. E, estando longe dos olhos de toda uma gente da festa, reforça aquela história de que muita coisa acontece por detrás das cortinas de um palco. Coisas que o público não pode ver para não perder a magia do “show”. A magia nesse caso foi o incidente do microfone.

Uma agressão pela “infanto-travessura” de Lucas se deu por um puxão de orelha com gosto. Fui rir e levei também. Murilo mal teve tempo para reagir e acabou indo junto. Ficamos os três em linha reta, um do lado do outro como anteriormente no discurso, resmungando a dor no órgão violentamente agredido. Lucas sabia bem mais que eu, enquanto Murilo era o perdido no tiroteio, arrastado pela confusão.

- Confessem logo!

Vovó ordenou e ninguém respondeu. Ela não curtiu bem a ideia, pode-se ver.

Pois bem, o incidente não foi exatamente... um problema técnico. Quer dizer, foi uma armação. Logo que descemos do palco e vovó foi rodeada pela família e amigos em longos abraços de parabéns, eu ainda fiquei mais para o canto onde estava antes de subir ao palco. A festa tinha voltado ao seu ritmo e o ambiente ficou vivo por toda aquela zoada das pessoas conversando alto. Me sentia um tanto aliviada por ter enfrentado o público, além de ter toda uma adrenalina ainda correndo nas veias, o que de certa forma estava sendo ótimo para meu estado de espírito. Nem incomodada estava mais por Murilo permanecer ao meu lado. Era como estar inconsciente dele ali.

Acho que ao ver que eu estava meio elétrica ainda, Lucas tomou o meu outro lado e me acompanhou na vista à distância da felicidade da minha avó. Ele carregava um aspecto de “dever cumprido” que não entendi num primeiro momento. Era o começo de sua revelação traquina, isso sim.

- Parabéns pelo discurso. Quem viu, pensou que foi encomendado.

- Nada. Ele só... fluiu.

A gente não mantinha contato visual. Nossos olhares só convergiam para as felicitações que vovó ganhava mais um pouco a nossa frente. Percebi que Murilo parecia um pouco interessado na conversa que Lucas iniciou, mas duvido muito que ele pudesse ouvir, dado a todo o barulho que tinha o salão.

- Pelo menos salvou sua avó de falar ao público.

- É. Mas se tivesse microfone, talvez eu não tivesse tanta coragem assim. A sorte não me sorri tanto assim. E hoje nos salvou praticamente. Merecia um beijo no rosto.

- Então tá me devendo.

- Como assim?

- Fui eu quem mexeu para os microfones falharem.

Foi então que num flash de segundo, saindo do transe de olhar para minha família, como se tivesse sido picada ou algo do tipo, virei o rosto surpresa para ele, com minha máxima expressão questionadora e perdida. Eu senti o vinco formado na minha própria testa e sabia que por mais que eu tentasse falar, eu estava ali abrindo e fechando a boca sem nada balbuciar de verdade. Como assim tinha sido ele, como? Por quê?

Não houve uma pergunta direta dessas para sair de minha boca. Se da minha surpresa pulei para uns segundos de achar que era brincadeira, nos outros segundos mais tarde vi que não era. Isso porque a minha avó praticamente se materializou ante nossos corpos e, com uma pose de mão na cintura, determinação e desconfiança que só ela tinha, pareceu sacar tudo. Mal sibilou um “eu sabia!” e sua mão alcançou a orelha de Lucas, puxando para o fundo do palco depois das cortinas.

Eu fui logo atrás, claro! Queria respostas. Minha avó também.

Aí que vi Lucas rindo entre uns “ai, ai” que soltava, de cabeça baixa por minha avó ainda segurá-lo pela orelha. Foi difícil não rir... Acho que irresistível é uma palavra que melhor define pela cena. Então a “desgraça” me pegou também, porque ela soltou o bendito culpado e veio puxar a minha. Repeti a cena de Lucas, rindo entre os “ai, ai” que me escapuliam. Ela não estava com cara de boazinha, tampouco sua força na minha orelha. Os puxões dela realmente eram puxões, doíam para nos punir. Mas eu não conseguia era parar de rir!

Em meio ao conflito, um Murilo aturdido tentou protestar para saber o que estava acontecendo e foi ele o terceiro a ser arrastado. Vovó Marília me soltou e foi lá na sua orelha para que ele se juntasse a nós, esfregando nossos debilitados órgãos agredidos frente ao bico desconfiado que detinha a face dela. Acho que nós três nos asseguramos melhor quando ela cruzou os braços pedindo uma confissão. Pelo menos ela tinha soltado nossas orelhas e não mais nos ameaçava com seu olhar zangado.

Eu ainda queria rir, mas engulo a vontade. Já não posso dizer isso de Lucas, que estava bem descarado num sorriso triunfante. Murilo nos olhava e resmungava baixo que alguém deveria explicar a situação.

- Vocês que aprontaram. Vocês que expliquem.

- Eu nem sei do que vocês estão falando. Alguém pode me explicar por que eu levei esse puxão? Quê que EU fiz?

Vovó não compra muito essa confissão de inocência do meu irmão. Entrecerra seus olhos para passar uma vista clínica em nós e balança devagar a cabeça em negação, num leve repudio de nossa suposta travessura. Que era do Lucas e ela que pensava que era dos três talvez. Eu não ia deletar também.

- Fui eu.

Lucas se denuncia com um dar de ombros e não demonstra nenhum anseio pelas consequências de sua resposta. Ele se revela assim, de uma forma tão simples e clara, que parece não estar nem aí. O que me dá mais é vontade de rir e eu não aguento dessa vez ao ver sua tamanha cara-de-pau. Pelo menos sou mais silenciosa.

- Até você, minha Milena?

- Eu? Eu acabei de descobrir também, vovó! Não me olha assim, eu sou inocente.

- Alguém, por favor, pode me dizer o que está acontecendo?

Fala o perdido.

- E você, meu neto, eu devia saber que estaria metido nisso... sempre está metido com os tramoios do seu avô.

- Eu? Eu nem sei do que vocês estão me acusando! Eu nem sei pelo que estou sendo punido! Vocês podem parar de graça agora?

Murilo estava começando a ficar nervoso.

Já disse que eu estava aos risos? Poxa, parece que rir era reação proibida no momento, pois quanto mais eu insinuava uma crise delas, ele e vovó me olhavam feio. Só o Lucas parecia estar curtindo o “show” e ele que era o culpado por tudo.

Na passiva, ele se mete entre vovó e Murilo para amenizar as coisas:

- Gente, vamos nos acalmar. Foi só... um cuidado que tive. Considerem um presente. Vocês foram ótimas no palco e eu sei como aquele microfone poderia inibir. A Milena acabou de me confessar que também tem aversão ao aparelho. Não precisam agradecer.

- Como assim “cuidado”? Do que esse cara tá falando?

- Ai, Murilo, como que você ainda não entendeu? Foi o Lucas que mexeu para que os microfones não funcionassem.

- Ah. Hum.

- É, ah.

Me limito a ser monossilábica com ele. Se não fosse o nosso afastamento, eu já teria dado um tapa na cabeça dele. A família tem esperanças que o cérebro dele funcione mais rápido se tiver maiores estímulos.

- Dona Marília, perdoe-me se isso que fiz foi de seu desagrado. Eu só quis ajudar. Sei como a senhora pode se sentir desconfortável nessas situações. A Milena pode até ter tomado a voz pela senhora naquele palco, mas não pode negar que a senhora estava bem incômoda, né? Eles não têm culpa alguma, eu que planejei, eu que fiz. Não brigue com eles.

Lucas se mostra bem destemido. A cada palavra que saía de sua boca, parecia que havia algo que puxava a atenção de todos para o que ele estava falando. E era assim, leve, calma, lenta. Como se tivesse todo o tempo, todo o controle do mundo.

- Viu, eu não tenho nada a ver com isso.

Murilo retruca, reforçando e tirando o seu da reta.

- Hum. Melhor que não tenham a ver mesmo. Estariam de castigo agora.

Vovó mantém a pose. Acho que está se acalmando mais.

- Qualé, vovó, eu já sou grandinho pra ficar de castigo.

Ou não.

- Mais um pio sobre isso e eu mostro o castigo versão adulta.

E ela dá meia volta e caminha firme para o salão.

Por uns cinco segundos, ficamos os três observando ela passar as cortinas. Antes que ficasse uma situação incômoda eu também me retiro, mas não antes de dar uns tapinhas leves no ombro de Luke como um consolo. Na verdade, eu queria mesmo era perguntá-lo uma coisa, e não estava podendo por causa da presença do meu irmão ainda por lá. Eu teria outras oportunidades de falar com Luke, eu não ia esquecer. Tenho a sensação de que não iria deixar a questão sem resposta.

E a pergunta que não queria calar era: Por que Lucas se importaria de mexer nos microfones e fazer com que falhassem no meio da festa?



~;~



O porquê de Lucas se importar de mexer nos microfones e fazer com que falhassem no meio da festa do jornal eu não consegui descobrir no passar dos dias. Isso porque não houve chance alguma de ficarmos sozinhos ou algo do tipo para abordá-lo com uma pergunta dessas. A quinta e a sexta que passaram foram como um estalar de dedos e ninguém parava quieto.

O que foi bom porque o plano de “não pensar” estava entrando em ação e sendo bem executado, apesar de não me manter longe de Murilo como eu pretendia. Ele estava sempre se aproveitando da presença de Lucas, que acabou nos acompanhando em passeios enquanto estava de folga de seu trabalho. Seu emprego de dj era recente e dividia o cargo com outro cara, de forma que trabalhava de segunda a quarta, enquanto que o parceiro, de quinta a sábado. Aos domingos eles alternavam. A quarta que Lucas foi para a festa da minha avó foi um “bônus” que ele conseguiu por quebrar uns galhos pelo tal parceiro, que o cobriu na noite.

Mas só porque ele não era dj de quinta à sábado, não queria dizer que não trabalhava... ele ficava com a supervisão dos aparelhos de som e outras coisas mais, acontecendo o mesmo com o outro quando Luke estava no comando das festas. Isso era bom porque nos dava desconto na entrada das festas, que fomos na quinta e sexta seguinte à festa do jornal. Aproveitei pra entrosar Luke e Flávia, outro plano que estava dando certo. Já Murilo... bom, ele sabia que eu não ia fazer uma cena com uma pessoa de fora por perto, por isso ele tirava vantagem da situação e ficava o mais próximo que ele conseguia de nós. Por vezes minha indiferença acabava se camuflando à conveniência e isso ninguém parecia notar, além dele e Flávia.

Quer dizer, só teve um momento que outra pessoa meio que percebeu: papai. Na tarde de quinta, deixei Flávia dormindo no quarto e fiquei na sala assistindo o clássico filme natalino “Esqueceram de mim” que passava na Tv. Naquela manhã passamos o tempo fora visitando uns pontos legais da cidade para mostrar para minha amiga, que começou a simpatizar melhor com Lucas. E era ela quem estava flertando com ele! – não vindo ao caso agora. Quando o filme entrou numa propaganda, eu preparei uma tigela de frutas cortadas com umas guloseimas que encontrei na geladeira para um lanche de frente para Tv. A casa estava silenciosa já que meus pais estavam trabalhando na livraria, assim como meu avô, e vovó descansava no seu quarto.

Eu não sabia de Murilo e não fazia questão de saber. Papai chegou um tempo depois para pegar umas chaves do depósito que ele havia esquecido. Foi quando outra propaganda do filme se sucedeu e eu saí para ir ao banheiro. Ao voltar, Murilo estava materializado no lugar de onde eu havia levantado do sofá nos minutos anteriores e comendo MEU lanche. O qual eu preparei APENAS para mim.

Parei no corredor que dava na sala ao ver que ele estava ali e dei meia volta, indo para meu quarto, que era o do fundo, passando debaixo da escada. Ao encarar a porta do quarto, dei mais uma meia volta, andei determinada até a sala e retirei a tigela da mesinha da sala, levando-a comigo sem dar um pio. Meu irmão não falou nada, só suspirou de leve, desgostoso pela situação.

Não liguei para o que ele pensava, mas só fui descobrir que papai tinha visto isso – e que percebera também que não estávamos conversando muito à mesa junto da família reunida nas refeições – quando ele me abordou na sexta à noite, enquanto eu esperava Flávia terminar de se arrumar para irmos a uma das festas que Lucas nos deixou entrar. Na verdade, Murilo também estava atrasado para descer, então podia se contar que estava esperando por ele, mas eu não estava. Ele tinha entrado de bicudo oferecendo seu carro. O caso é que papai comentou comigo sobre nosso comportamento. Me pegou na cozinha como quem não queria nada. Eu bebia água e ele fazia umas contas na mesa:

- Impressão minha ou vocês andam brigados?

Falou às minhas costas, o que me fez virar e sair de perto da geladeira com o copo na mão até onde ele estava. Papai não me olhava, ele parecia bem centrado na maquininha de calcular e nos rabiscos que fazia.

- Vocês quem?

- Você e seu irmão.

Ele fazia pouco caso utilizando-se de um tom leve e calmo para falar. Só que eu sabia que ele queria esconder sua preocupação. Ele tinha noção que eu não gostava que ficassem em cima de mim, perguntando demais, inquerindo coisas. Por isso seu tom era ameno, era aquele “só estou perguntando e isso não é morder”. E ele sabia a resposta, ficou claro quando e como ele questionou.

- Por que pergunta se já sabe a resposta?

Joguei de volta para ver o que ele diria.

- Porque preciso de uma cena para chegar onde quero.

Esse era meu pai. Ás vezes ele não pergunta, ele cria uma situação para que consiga suas respostas. Eu sei, ele não bate bem das ideias, mas é engraçado como faz isso. Ou talvez ele tenha assistido muito “Eu, a patroa e as crianças”.

- Pai...

- Ok, ok... vi que vocês andam estranhos. Quis confirmar antes de qualquer ideia precipitada. Eu precisava entrar no assunto. O que houve, afinal?

A primeira coisa que me veio à cabeça foi: será que ele já havia abordado o outro? Eu não queria ser tão direta quanto a isso, nem me alongar no assunto, por isso eu contornei como eu já era acostumada a fazer:

- Nada para se preocupar. Juro.

- Quer que eu fale com ele?

- Também não. Não precisa mesmo. Eu já estou resolvendo.

- E por que ainda tem essa carinha?

Foi quando ele deixou suas anotações e me encarou de verdade. Respirei fundo procurando as palavras e para não responder com silêncio terminei por dizer que... que aquilo “fazia parte do plano”. Ele me olhou por um momento e ia falar algo, mas foi interrompido pelos dois que apareceram juntos na cozinha, arrumados para a festa. Deixei meu copo na mesa e demos boa noite antes de sair.

Fora a história de que eu queria falar com Lucas, eu também quase não tinha chance a sós com minha amiga, dado o tempo que ficamos a passeio, e em casa sempre havia alguém por nosso redor, mamãe principalmente. Ela mal nos deixava ir dormir, ficávamos tempos e tempos dentro do quarto só conversando baboseira e matando saudades. Entendo que ela não queria me largar por muito tempo.

Mamãe, no entanto, não notou algo de diferente de mim para com meu irmão. Se percebeu, não falou. E acho que ela não reparou de fato, pois se tivesse, haveria de ter comentado algo, nem que fosse por alto.

Assim, na manhã de véspera de Natal, quando mamãe fez questão de nos expulsar de casa porque ela estaria dominando a cozinha e instruindo a empregada de como fazer uma ceia perfeita, e tivemos que nos virar para almoçar, saímos todos – eu, Flávia, Lucas e o bicudo do Murilo – para encontrar um restaurante. Não queríamos acompanhar meus avós ao almoço de poker que eles tinham arranjado com seus amigos, o qual papai foi de boa vontade.

Acreditem ou não, mas a única vez que fiquei sozinha com Flávia foi quando estávamos no banheiro do restaurante, apesar de dividir um quarto com ela. Eu sei, como isso pode ser possível? Bom, mamãe só deixava nosso quarto praticamente quando o sono nos embalava e não tinha mais como ser coerente para nossas conversas. Me toco que estamos realmente sozinhas ao observar que as portas dos cubículos particulares estavam abertas e um silêncio cobria o espaço, distanciando-nos do movimento que o restaurante ostentava. Sem antes esperar que ela saia de seu cubículo, eu falo enquanto passo sabão em minhas mãos na pia do lugar. Tinha outra coisa que estava me intrigando além do caso Lucas-microfone.

- Sabe de uma coisa que tenho estranhado esses dias?

- Além do fato de que agora você tá ignorando o pobre do seu namorado quando ele te liga?

Sua voz sai abafada e eu sinto que ela não fala por mal. Ela detém até um tom divertido quando fala na situação penosa de Vinícius. Esfrego as mãos para tirar os resquícios de espuma e me defendo, ainda que o que ela disse não fora um ataque:

- Hey, eu tô respondendo as sms dele. Então não estou o ignorando.

- É, não por completo, né?

É, não por completo.

Depois daquela ligação e nossa pequena discussão, eu não quis mais atender qualquer ligação que ele fizesse. Fez contato na quinta primeiramente por sms, como ele havia feito na quarta, e eu respondi também. Não tardou a ligar para meu celular e, ao ver seu nome piscando e ouvir aquele toque totalmente “descaracterizador” de mim – afinal, não havia toque particular após eu ter apagado Good Life – eu não quis falar nada. E não falei. Deixei que tocasse até cair pelas duas tentativas que ele fez. Havia certo receio de que nossa conversa não fosse agradável de novo e eu preferia deixar assim.

Mandei uma mensagem dizendo para que não ligasse. Claro que ele quis saber a razão. Então percebi que estávamos trocando o canal de discussão, de voz para mensagens, o que me fez ser bem breve e sucinta em escrever que eu queria evitar outro confronto nosso. E claro que ele disse que não faria de novo, e isso me parecia muito às brigas que eu tinha com meu irmão. Já era complicado o bastante ter que ficar longe, sua insistência não me ajudava em nada. Isso foi antes do filme “Esqueceram de mim” começar, depois do almoço. Na hora do jantar, ele mandou mais mensagens.

“Lena, fala comigo, por favor”.

“Você sabe que seu silêncio sempre me mata”.

“O que preciso fazer para você me atender?”.

Ainda bem que meu celular estava no silencioso. Eu não iria responder enquanto estava à mesa com minha família. Além de chamar atenção, seria mal-educado. E eu queria ouvir bem os planos de mamãe. Mas ficou bem na cara que eu não ouvi quando todos deixaram a copa, para ver um episódio decisivo da novela, e eu perguntei para Flávia o que minha mãe tinha dito. Enquanto nos arrumávamos para a festa que Lucas nos chamou, minha amiga me colocou a par do que foi discutido pela família. Nem precisei explicar meu motivo de ficar fora quando mostrei as mensagens. Chegaram novas quando estávamos quase prontas:

 “Me atende, por favor”.

“Vou ligar agora”.

Assisti sentada na minha cama o celular vibrar e fazer barulho até o fim. Flávia me incentivava a atender. Me dava era vontade de chorar. Eu estava morrendo de saudades dele. Eu queria atender! Mas eu não podia, caramba! Ele me quebraria lá de onde ele estaria... Não podia permitir isso.

Então o respondi, por sms novamente.

“Você sabe que eu não vou atender”.

“Só... atende dessa vez”.

“Pra quê?”.

“Eu preciso ouvir sua voz”.

“Ela está em sua cabeça, você tem boa memória”.

“Preciso dela no meu ouvido”.

A essa altura eu estava com Flávia na calçada, pronta para sair, esperando Lucas aparecer. Murilo estava no carro pronto para dar partida. Eu quase desisti de ir depois da última sms. Se ele me quebrou com UMA sms, imagine com uma ligação completa. Eu não queria lidar com aquilo. Ainda abri a boca para dizer que não iria mais quando Lucas chegou e nos distraiu. Era isso que eu precisava afinal, distração de tudo. Então entrei no carro, do lado de Murilo, que fingia não me observar, e mandei a última mensagem da noite.

“Não agora”.

Na festa fiz de tudo pra deixar o episódio pra lá, que parecia forçado. Por isso nem dancei, eu não estava no clima. Fiquei de papo com uns conhecidos que encontrei por lá e algumas vezes com Lucas, inteirando-me do que tinha acontecido nos últimos tempos. Foi divertido e por uma noite eu mantive minha cabeça fora de tudo.

No dia seguinte, sexta, Vini mandou uma mensagem pelo meio da manhã. Ele devia estar no trabalho, presumi, enquanto eu estava rindo das palhaçadas de Lucas e Flávia na loja de coisas de carnaval. Eu sei, fora de época total, o que tornava melhor ainda. Senti o celular vibrar no bolso do meu short, puxei e nem olhei de quem era, apertei direto para visualizar o que tinha chegado.

Dizia “Bom dia. Como você está? Não se preocupe, não vou ligar... Bjo”. Nessa hora Lucas se fez de vulto e colocou uma máscara de pano em meu rosto e me arrastou às gargalhadas para onde estava minha amiga e tirou uma foto nossa. Murilo não estava conosco. Me senti mais livre por não ter aquela sensação de alguém me observar o tempo todo.

Compramos umas besteiras lá, como aqueles fru-frus cheio de penas coloridas, chapéus, lenços estampados, capas, bijuterias, pulseiras fluorescentes, entre outras coisas. Era para a festa do ano novo, mesmo que Flávia não fosse ficar conosco até lá. No balcão do caixa, respondi a mensagem de Vini, “Estou bem. Obrigada por perguntar e por respeitar meu pedido. Está no trabalho? Não quero atrapalhar”.

Não demorou um minuto acho, que ele respondeu.

“Poderia estar numa reunião e vc n estaria me atrapalhando. Na vdd estaria me salvando de n dormir na mesa pq o meu chefe é bem chato”.

Suspirei aliviada por ver que ele estava cedendo um pouco, aquela tensão toda de afronta estava amainando. As mensagens que trocamos a partir daí eram no mesmo estilo, falando umas banalidades, uns carinhos por entrelinhas, sem mencionar nada daquele “assunto”, nem mesmo citar Murilo. Isso me tranquilizou bastante.

Flávia sai do banheiro e passa sabão em suas mãos. Acena para que eu continuasse a falar o que tinha começado. Amasso o papel toalha que tinha usado para secar as minhas mãos e me encosto na pia de mármore:

- O estranho é que Djane não me ligou mais.

- E você atenderia se ela ligasse?

Flávia parece surpresa, tanto que me olha com as sobrancelhas de pé. O que ela esperava? Só porque Djane é mãe de Vinícius, não quer dizer que eu tô ignorando a mulher. Nem tô ignorando o filho. Ela é minha amiga também. Tenho saudades dela.

- Claro que sim. Ela não é só mãe de Vini, eu gosto dela de verdade.

- Não sei, Lena, é que você se afastou tão rápido de todos que... pensei que ela também estaria no pacote.

Desencosto-me do mármore e viro para o espelho a nossa frente. Me sinto horrível por pensar que talvez seja essa a razão de não ter notícias de Djane. Não sei se a imagino preocupada ou com ódio de mim. Me apoio derrotada na pia.

- Será que é por isso que ela não me liga? Por que acha que também não quero falar com ela? Eu devia ter ligado, cara. Ligaria agora se meu celular não tivesse ficado na bolsa, lá na mesa.

- Bom, não adiantaria muito...

Ela enxuga as mãos no papel toalha que pega e se mostra meio indecisa do que falaria. Entendo pelo modo que amassa o papel e o olha com a linha de sua boca se esticando para um lado. E não era de um sorriso.

- O quê? Aconteceu alguma coisa?

- Er... bom, Djane foi assaltada. Levaram algumas coisas dela, como o celular.

- E AGORA QUE VOCÊ ME DIZ UMA COISA DESSAS?

Nem preciso falar que nesse momento a porta do banheiro abre e uma cliente entra. No entanto, ao ouvir da metade para o final do meu “ataque”, ela não prossegue e trata de deixar o lugar. Sem me importar com isso, volto minha atenção a Flávia. Como que ela não comentou isso comigo?

- Agora que você abordou o assunto.

Deu de ombros. DEU-DE-OM-BROS. Fico bestinha.

- Mas... mas você sabe que eu me importo com aquela família. Ela também é minha família. Eu não acredito nisso... Flávia!

- Tá, desculpa, eu não sabia. Também não sabia como abordar...

- Ok, deixo essa passar se você me disser como foi isso, do assalto, digo. Ela se machucou? Foi feio? Onde foi? Como aconteceu?

- Se eu disser que eu não sei nada disso também, você mata a mensageira?

Finjo pensar por uns mínimos segundos antes de responder brandamente.

- Provavelmente. Mas como você soube então?

- Eu ouvi seu irmão falar no celular. Logo que você falou com Vini quando chegamos e você ficou mal pela tarde, naquela hora que saí do quarto para pegar água, Murilo estava subindo a escada perguntando sobre o assalto de Djane, se ela estava bem. Disse “ainda bem que só levaram coisas materiais. Ela pode comprar celular, mas não a vida”.

Meu Deus, eu tenho que falar com ela! PRECISO!

Saímos do banheiro e a moça que tinha entrado estava lá na porta. Nos viu e entrou. Eu hein. Antes de chegarmos à mesa, paro minha amiga no caminho. Eu tinha que fazer alguma coisa.

- Flávia, te perdoo se você fizer um trabalhinho sujo pra mim.

- Tenho medo de perguntar. O que é dessa vez?

- Fala com Murilo e consegue o novo número dela? Eu não quero arriscar de perguntar para o Vini e sem chances de eu abordar isso com meu irmão. Eles podem entender de um modo errado.

- Tá. Acho que posso fazer isso.

- Valeu.

Ao chegarmos na mesa, sustento o olhar que meu irmão me lança. Eu quero falar algo, perguntar sobre a história de Djane; no entanto, nada de minha boca sai. Deixo que minha atenção se esvazie pelo comentário que se segue de Lucas falando que estava salivando só pelo cheiro que vinha da cozinha, de onde nossa mesa estava perto. Ele tinha um modo de puxar a conversa para ele que era fácil de nos distrair. Eu o agradecia internamente por isso.


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Notas finais do capítulo

Torcemos pelo Vinícius e principalmente Murilo. Eles merecem uma força, né? Mas gostei desse vizinho ó rsrs

P.S.: A plataforma do Nyah tá fazendo mudanças e é provável que acarrete umas disformações enqnt formatação. Lá vô eu me adaptar de novo...



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