Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 14
Uma conversa muito esperada - parte 3




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A porta do quarto foi aberta, iluminando parcialmente o quarto escuro e dragando imediatamente a atenção de Faye. A garota não sabia exatamente quanto tempo havia se passado, desde que havia percebido a certeza em sua alma de que Owen voltaria e a tiraria dali, parara de contar os minutos. Porém, uma fugaz olhadela no relógio rosa e infantil que estava caído no chão – mas ainda funcionando – lhe revelou serem 3:50 da madrugada. Voltou-se para o recém chegado e começou a se mexer, pronta para levantar da cama, no entanto viu que Owen carregava – com certa dificuldade – pelo menos quatro garrafas diferentes e então com duvida estampada em sua face, a menina relaxou os músculos, continuando onde estava.

 

O caçador entrou com dificuldade no quarto, estava atrapalhado com as coisas que trazia, no entanto, não fez cerimônias. Logo que chegou chutou o corpo morto do monstro casualmente, como se tentasse – sem muito empenho – limpar uma sujeirinha no carpete, arrastou os pés no chão – deixando um borrão de sangue de monstro no piso com o ato – e então olhou ao redor, dando alguns passos – o que fez com que alguns cacos de vidro estalassem sob sua pesada bota –. Quando voltou desatentamente para a porta, a luz que vinha do lado de fora iluminou seu rosto e revelou que um sanduiche jazia preso à sua boca.

 

A garota na cama sorriu ao ver a cena – talvez tivesse gargalhado se não tivesse passado pelos acontecimentos de minutos atrás – mas estava mais entretida com o que ocupava as mãos do seu salvador. No entanto Ela logo ficou sabendo do que se tratava, pois, assim que ele decidiu ligar a luz – quase deixando cair o que trazia em uma das mãos – e simplesmente depositar o que trouxera no chão, se agachou onde não havia vidro e foi enumerando os itens.

 

– Afeite te Olifa – disse por trás do sanduiche enquanto colocava a única garrafa de vidro no chão – Fegue mais pferto, acho que vai acfar isso instfru... fru.. instrutivo. Os leifores também!

 

Mesmo não entendendo o que seu salvador quis dizer e nem tendo a mínima idéia da serventia que o azeite teria, a garota foi engatinhando do lugar de onde estava em sua cama e parou na borda mais próxima de onde os materiais estavam sendo depositados. Observou atentamente enquanto mais uma garrafa era depositada sobre o piso.

 

– Finagre – tendo uma das mãos livre, segurou o pão e mordiscou um pedaço – Vinagre – repetiu quando engoliu.

 

Faye assentiu com a cabeça, dando a entender que estava ouvindo e prestando atenção. Owen continuou.

 

– Álcool – a nova garrafa escorregou de sua mão e rolou, mas ele a parou estirando o pé – Querosene. Tive sorte em achar essa. – depositou por fim o ultimo recipiente que segurava e, como em todos os outros, disse seu nome – Água sanitária.

 

O caçador levantou de sua posição e esticou os braços para trás, como se estivesse se alongando para alguma tarefa. Olhou para a garota com atenção, sentiu que algo estava errado. Talvez esperasse que ela estivesse mais impressionada com a coisa toda. Era certo que, pelo modo como o olhava, estava curiosa, mas nem de longe exibia o comportamento esperado para alguém que passava pela mesma situação que ela. Owen não pode dizer se isso era bom ou ruim. Não sabia se essa falta de assombro pela parte da menina era algo benéfico. Por fim deixou sua inquietação de lado. Ela tinha visto o que tinha visto e além do mais, tinha uma ligação com toda essa parte mágica da coisa... Ele não sabia o teor dessa afinidade, mas pretendia descobrir. Ou melhor, acreditava que tinha que descobrir, antes do fim da história. No momento isto não importava muito, mas, com assombro ou sem assombro, estava claro que além de curiosidade, havia admiração nos olhos da menina.

 

Faye parecia não tirar os olhos de seu salvador. Não havia entendido o propósito daquelas garrafas, mas confiava nele e por isso imaginava que serviriam para algo de suma importância. Owen por sua vez devolvia o olhar, mas carregado de uma curiosidade um tanto quanto cômica. Estava um pouco atordoado por não ver a menina quase sequer piscar. Foi lentamente estendendo uma das mãos para a esquerda, queria ver se a garota acompanharia – como nas histórias de desenho animado em que alguém não desprega os olhos de outra pessoa –. Ela acompanhou com a mesma admiração todo o trajeto. Por fim o caçador deu um risinho, sufocando uma risada maior, e deixou a mão cair. Faye prontamente tornou seu olhar para o rosto do homem, não deixando transparecer em sua fonte nenhuma expressão significativa além daquela emanada pelos seus olhos.

 

– Ei... Também não precisa me olhar dessa maneira – ele sorriu – vão acabar pensando que eu hipnotizei você ou alguma coisa parecida. – levantou as mãos, como parte de uma indagação – Mas você não esta um pouco silenciosa demais? Quer se fazer de misteriosa, como tudo isso deve estar sendo, ou a fada comeu sua língua antes que eu chegasse?  – Deu uma risadinha, querendo demonstrar que estava brincando. Mas logo se arrependeu do que dissera. Nunca tivera muito tato com as pessoas, principalmente com crianças. – E então?

 

Os Olhos de Faye se dirigiram tristemente para baixo por alguns poucos instantes. Com isso Owen praguejou silenciosamente a si mesmo, imaginando que havia trazido à tona lembranças recentes que a garota preferia manter afogadas, que, na verdade, PRECISAM – pelo menos por hora – ser esquecidas. No entanto, este não era o caso. Enquanto estivesse com seu salvador a menina não se sentiria desamparado ou temeria acontecimentos passados. A despeito dos seus temores, o caçador logo ficou sabendo o que havia entristecido a menina, pois foi lhe dito, sem o uso de palavras.

 

A garota levantou os olhos e visualizou seu salvador, estava decidida a comunicar sua deficiência, pois, sabia que Owen logo descobriria sem muita dificuldade. No entanto, não pôde evitar uma leve hesitação quando começou a levantar sua mão. De alguma forma aquele momento superava todas as vezes em que ela quis com todas as forças ter o dom da fala. No entanto, como em toda sua vida, não teria voz. Ela levou vagarosamente os dedos até o rosto. Não percebeu, mas no meio do trajeto sua mão começara a tremer e uma lagrima solitária escapara de seu olho direito. Tocou delicadamente os lábios rosados e então, tendo como acompanhante outra gorda lagrima – que escorreu rapidamente pelo rosto –, balançou morosamente o indicador e um sorriso tímido e fingido tingiu seu rosto.

 

Primeiro Owen não entendeu de inicio o que foi que a garota estava fazendo e isso ficou visível em seu rosto. Faye, vendo tal confusão, se prontificou à repetir o gesto. No entanto, foi diferente dessa vez. Toda a tristeza que ela conseguira suprimir na tentativa de comunicar ao seu salvador que não possuía o dom da fala voltou de supetão, fazendo seu peito arder e trazendo mãos invisíveis que lhe apertavam coração e garganta. Tentou impedir, mas não pôde. Conforme levava a mão em direção ao próprio pescoço forçava cada vez mais o sorriso fingido, tentando vencer o peso que forçava os músculos de sua face. Perdeu a luta e logo sua boca se contorceu para baixo, um gemido mudo escapou de sua boca e, se antes havia dois traços molhados em seu rosto, agora rios caudalosos e com múltiplos afluentes trespassavam o rosto delicado da jovem.

 

O caçador percebeu tardiamente o que a garotinha queria comunicar, o estrago já estava feito. Faye agora se debulhava em um pranto silencioso, transmitindo uma imagem copiosa que acabou por amolecer o coração – já sensibilizado pelos eventos do dia – de Owen. O pistoleiro achou estranho o fato de a garota ser muda. Mesmo ela podendo aceitar mesmo as coisas mais insanas e fantasiosas com uma incrível rapidez, devido à sua loucura, no entanto algo corriqueiro, que era a deficiência de alguém – alguém que ele imaginava ser importante para o que chamava de história – acabou pegando-o desprevenido. Contudo, mesmo que houvesse questões urgentes para resolver, não poderia deixar a garota em seu triste choro sem som. Até porque, queria que ela acompanha-se os pequenos, porem importantes, rituais que ele faria daqui há pouco.

 

Owen placidamente depositou as mãos sobre os ombros diminutos da garota. Por um tempo ficou apenas à olhar aqueles grandes e negros olhos chorosos. Ela devolvia-lhe o olhar, ainda arfando e perdida em meio às águas de seus olhos. Ficaram ali, parados, até que o caçador suspirou fundo e, esperando que estivesse utilizando as palavras certas para a situação, falou-lhe.

 

– Você não pode falar... Tudo bem. Mas ainda assim podemos conversar, não? – apresentou o sorriso mais cálido que pode oferecer – porque não pega papel e caneta e me mostra seu nome?

 

Ele temeu novamente ter falado de um modo que não deveria, mas, dessa vez pareceu ter acertado. A garota aos poucos parou com sua lamúria silenciosa e limpou os olhos com as mãos. Olhou para os olhos de seu salvador ainda dando algumas fungadelas ocasionais. Depois de um tempo, sorriu. E aquele era um sorriso verdadeiro, ainda que umedecido por lagrimas de tristeza. Ela Levantou-se rapidamente, jogando as mãos de Owen para trás, e então correu por cima da cama, indo em direção à um pequeno criado mudo que ficava em baixo de onde dormia. De lá tirou um pequeno bloco de notas e uma caneta rosa - decorada com imagens da Minnie -, logo estava novamente sentada perto de seu salvador. Abriu o bloco em um instante batimento de seu inocente coração e logo rabiscou duas palavras em uma letra corrida: “Faye Luzia”. Mostrou a seu salvador.

 

O homem se demorou por alguns instantes aquela caligrafia enquanto deixava o nome entrar em sua mente. “Faye Luzia”... Pensava. Ponderou ligeiramente sobre a ironia que aquele nome carregava e em como ele combinava com sua portadora. No entanto, por algum motivo, ao pensar em o quão radiante e inocente Faye poderia ser quando estivesse contente, a primeira imagem que se destacou no redemoinho de sua mente foi a da garota autorizando-o, com um olhar gelado, que a fada dos dentes fosse executada. Um pequeno calafrio atravessou a coluna do caçador, mas ele não deixou isso transparecer em sua face. Mantinha aquele sorriso em seu rosto.

 

– Faye Luzia... – ele leu novamente – Fada e luz... Será que juntos poderia dizer Fada de luz ou fada que brilha? – se esforçava em um sorriso – É um nome bastante apropriado, não acha? De qualquer maneira, me chamo...

 

Owen não completou sua sentença, pois assim que estava para dizer o nome que recebera ao nascer, a garota colocou o indicador cruzando seus lábios fechados e levemente pressionados. Ela pediu silencio. Ele deu o que foi pedido. A garota dessa vez não escreveu, mexeu apenas os lábios, em uma pronuncia sem voz disse duas palavras que não deveria saber. “Owen Hughes”. Então sorriu.

 

Outro sorriso foi a resposta de Owen e dessa vez, o gesto foi verdadeiro. Achou curioso que ela soubesse seu nome. Imaginou que isso confirmava a suposta ligação que ela tinha para com ele e talvez até mesmo alguma espécie de talento para certos tipos de divinação. O caçador pensou no quanto queria descobrir o que a menina tinha de especial, além de, em sua mente perturbada, aparentar ser um personagem importantíssimo para o que chamava de enredo, contudo já havia se demorado por demais. Devia terminar logo o que tinha que fazer. Curiosidades ficariam para depois.

 

– Mas então, Faye, agora que nós dois sabemos o nome um do outro... Que tal eu lhe dizer um pouco sobre aquele monstrengo e sobre pra que diabos eu trouxe aquelas garrafas? Espero que concorde, afinal... – pegou novamente se sanduiche e deu uma vigorosa mordida – A história tem que continuar!

 

Faye não entendeu muito bem o final do que ele havia dito. Mas não se ateu a isso. Balançou vigorosamente a cabeça, concordando. As aulas mais bizarras que teria em vida breve começariam.


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Notas finais do capítulo

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Como sempre, aceito criticas das mais pesadas, conselhos, sugestões, reviews, indicações, revistas usadas, revistas novas e dinheiro.

Sempre me esqueço de fazer isso. Mas aqui esta uma história interessante de outro autor. Sempre que eu lembrar mostrarei outra a cada capitulo:

http://fanfiction.nyah.com.br/historia/68031/Entidades_-_Sussurros_Na_Casa_15

Ela é do Vallim, um leitor daqui, de "Um outro conto de fadas". Recomendo a leitura dela. Espero que gostem