O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 10
Dez - Grande recepção




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Nereidas são diferentes de sereias. Infelizmente Alice nunca havia visto uma nereida nem uma sereia para saber a diferença e acabamos descobrindo mais tarde que tivemos o azar de nos esbarrar com sereias. Diferente das nereidas, filhas de Nereu, que dividia o Mar Egeu com as filhas, e Dóris, as sereias possuíam uma malícia natural. A neutralidade com a qual elas acenavam e nos chamavam tinha uma sedução sobrenatural e sinistramente mística.

Estes seres são sempre conhecidos por bondade e na maioria das vezes são amiguinhas de peixes com nome engraçado e de caranguejos com segurança em excesso. Porém é de grande importância revisar o conceito de uma sereia quando se conhece uma, pois estas terão a dedicação de atrair a atenção da vitima e possivelmente manipular a rendição do corpo para as profundezas do mar.

***

A até então solitária mulher peixe brincava com as tartarugas de mentira que estavam posicionadas na areia da praia, quando logo depois mais duas surgiram das águas serenas do mar noturno.

Meus sentidos ficaram um pouco desestabilizados e um tipo estranho de câimbra atacou meus braços e pernas, fazendo eu me mover em direção dos seres marinhos, assim como Matheus que se encontrava do meu lado.

Minha visão perdeu os reflexos laterais e só me permitiam ver as duas mulheres peixe que recuavam ao mesmo tempo em que persistiam em chamar a mim e a Matheus. A terceira sereia avançou no mesmo momento em que tive a leve impressão de ter escutado meu nome ser chamado por alguém.

–Você não. – disse a mulher para quem quer que tivesse chamado a mim e a Matheus. Meus olhos piscaram quando dois lápis atingiram as duas que me seduziam a morte. Foi ai então que lembrei da existência de Alice e percebi o quanto me desliguei por conta dos efeitos da hipnose.

–Pegue a garota! – disse em um quase sussurro uma das duas que já estavam entrando no mar.

A terceira sereia meio que rastejava na areia molhada em direção a Alice transfigurando a serena face em uma feição monstruosa com dentes pontiagudos.

Foi ai então que mais uma vez perdi meu controle de existência.

***

A ultima coisa que vi foram os olhos maliciosos das criaturas tornando-se esbranquiçados e depois fomos engolidos por uma onda.

Enquanto me afogava o feitiço ia perdendo o efeito. Abri os olhos para começar a nadar em direção à superfície, porem senti braços escamosos me puxando cada vez mais para baixo. Pude ver Matheus desacordado afundando nos braços de outra sereia e Alice um pouco acima em uma tentativa de luta com a mulher peixe que desviava dos golpes lentos da faca de caça que ela tentava usar sem sucesso.

Desisti de me soltar quando meus membros foram enfraquecendo e provavelmente minha alma já aceitava a partida desta para uma melhor. Antes de minha visão ficar totalmente escurecida pude ver duas ultimas coisas: primeiro Alice desmaiando depois de um golpe que recebeu da calda da terceira sereia e segundo a presença de um alguém, outra pessoa que não consegui distinguir. O indivíduo nadou agilmente em direção das três mulheres híbridas golpeando e explodindo-as em pó. E desmaiei engolindo excessivamente água salgada.

***

Uma forte luz impedia que eu abrisse meus olhos quando acordei. Já era manhã e por algum motivo inexplicável eu estava vivo e fora da água. Ainda deitado, no que minhas mãos sentiam algo parecido como areia, olhei para meu lado esquerdo e arregalei os olhos involuntariamente quando me dei de cara com o par do All star de Camilla.

Não eram só os sapatos que estavam ali do meu lado, mas sim a própria dona, sentada e admirando o mar que pude escutar as ondas quebrando na areia. Ela se quer olhou para mim, como se não percebesse que eu já tivesse saído da paralisia pós-afogamento.

–Vocês tiveram sorte de só terem sido três... – disse ela ainda sem me olhar.

Não respondi. Olhei para o meu lado direito e vi Alice e Matheus estirados e ainda desacordados. Quando me sentei, pude perceber que estávamos em uma praia. Crianças brincavam perto do mar, adultos se sentavam estáticos em cadeiras com óculos escuros esperando os efeitos dos raios de sol na pele. Um movimento normal para um dia de sol normal e os banhistas nem reparavam nos três semideuses desmaiados na companhia de uma caçadora, bem ali, na frente deles.

–Mas... Porque você está aqui? – perguntei me levantando e sentando na areia morna.

–Não há de quê... – disse Camilla olhando umas crianças que cavavam loucamente a areia e enchiam de agua ao mesmo tempo, e sem nenhum momento olhar para mim diretamente.

–Não foi isso que eu quis dizer... – disse pigarreando logo depois e me aproximando para sentar mais perto dela – É só que... Você é uma caçadora... E imagino que por nós três estarmos fugindo do acampamento provavelmente você deva nos levar de volta...

–E dar um castigo bem dado... – disse ela enfim olhando nos meus olhos. Ela sorria, mas eu percebia que seus olhos estavam úmidos, como se ela tivesse chorado há pouco tempo. – Não é uma má ideia.

Alice acordou com um suspiro alto e profundo, se levantando como se ainda tivesse que combater as feiticeiras marinhas.

–Ei Alice. – disse acenando. O alivio foi visível, mesmo que a presença de Camilla fosse de se desesperar tanto quanto a presença de uma sereia fascinada em afogamentos.

Demorou pouco para Matheus acordar com a cara cheia de areia que um garoto chutou, sem intenção, quando correu por ali por perto. Camilla nos contou que logo depois que desacordamos por completo ela enfrentou as sereias, uma a uma, e em seguida nos levou de volta a superfície. Pediu ajuda as ninfas dos ventos e estas nos trouxe para onde estávamos, onde quer que estivéssemos.

–Aqui é a Praia da Ondina... – disse Camilla, mas havia ainda um tom meio triste na voz – É aqui que vamos partir. Acho que deveríamos procurar as caçadoras e nos juntarmos a elas e...

–Não! – disse logo que lembrei que prometi a Luana que não sairia do acampamento – Se encontrarmos as caçadoras elas vão nos mandar para Quíron e provavelmente você sofrerá consequências por causa de nós.

–Rafael tem razão, precisamos encontrar Ártemis sem ajuda das garotas. – disse Alice – Mas como iremos começar?

–Acho que deveríamos perguntar alguém... – disse Matheus batendo nas pernas para tirar a areia da calça.

–Claro Matheus... Porque será que não pensamos em perguntar a um mortal se não viu uma deusa passar por aqui procurando um namorado gigante que desceu de uma constelação há pouco tempo? – disse Alice já de pé, ajeitando o cinto dos lápis.

–Eu sei alguém que poderia nos ajudar... – disse Camilla levando realmente a ideia de Matheus em consideração.

***

Saímos da área da praia e ficamos esperando a sinaleira permitir que atravessássemos a avenida. Do outro lado da rua, percebi que algo de estranho acontecia com um monumento que ali ficava e que no momento eu tinha esquecido o nome. Preferi acreditar que ainda eram reflexos do afogamento e que meu cérebro estava sofrendo alucinações.

Camilla olhava para as estátuas e sorria, em seguida olhando para a sinaleira que piscou em verde para nós.

Quanto mais me aproximava menos acreditava no que estava acontecendo na minha frente. Aquele trio de estátuas eram um dos monumentos mais famosos da cidade e eu tenho certeza que elas não são conhecidas por se mexerem.

–As Gordinhas da Ondina... – disse Alice quando chegamos na área das estátuas que dançavam em ritmos diferentes, ou talvez danças diferentes.

–Ei garota – disse a estátua mais próxima de nós quatro, com o “cabelo” em um penteado meio afro.

–Meninas do Brasil é o certo – disse a outra mais distante, de “cabelos” lisos.

–Isso porque eles não sabem o que sofremos com esses apelidos ofensivos, Catarina. – disse a terceira estátua, com “cabelos” presos para trás, com a estátua de cabelos lisos.

–Bullying é a palavra que eles dizem, Mariana. – disse a com cabelo afro.

–Como se não bastasse os vândalos... – disse Mariana.

–Ei... Fiquem quietas – disse a de cabelo afro em um sussurro quando olhou para nos quatro com mais atenção – Não deveríamos manter contatos com humanos, esqueceram?

–Deixa de ser boba, Damiana. – disse Catarina – Se eles nos enxergam vivas é porque Hécate permite.

–Hécate... Aquela mulher nos odeia... – disse Mariana em um tom de voz que pareceu estar se lamentando.

–Olá... – disse Camilla tentando chamar a atenção das estátuas – Queríamos pedir algumas informações.

–Se for pra perguntar onde fica McDonalds, Bob’s, esses lugares, pode esquecer. – disse Damiana.

–É a piada de todo semideus que vem nos visitar. – disse Catarina – Acho isso uma grande injustiça, porque nunca comemos nada e somos gordas. E Ainda ter que aturar esses mimadinhos dos filhos dos deuses.

Mimados pelos deuses... Elas três realmente não conhecem a mitologia grega e nem uma vida de um semideus.

–Porque vocês se mexem agora? Eu lembro de conhecer vocês, mas paradas em posições diferentes. – disse Matheus.

–Hécate nos enfeitiçou, assim como vários outros lugares da cidade quando os deuses começaram a vim para cá com mais frequência. – disse Mariana.

–Acho mais que ela queria que sofrêssemos com os insultos dos imbecis dessa cidade de forma realista. – disse Damiana – “As gordinhas isso, as gordinhas aquilo” Nós somos três estátuas representando raças diferentes e as pessoas só reparam nos volumes corporais? Vamos melhorar.

–Mas isso as torna famosas... – disse Alice – Isso não é legal para vocês?

–Você fala isso porque não é gorda. – disse Catarina.

–Meu Deus... Que complexadas... – sussurrou Alice revirando os olhos.

–Tudo bem... – disse Camilla respirando fundo – Vamos para onde queremos chegar... Vocês por acaso souberam de alguma coisa sobre a deusa Ártemis?

As três estátuas desceram dos seus pedestais e se aproximaram de onde estávamos. Juntas pareciam macabramente terem a intenção de nos esmagar a qualquer instante. Eram estátuas em bronze de quatro metros de altura (sem contar na largura) com algumas mudanças nas suas características. Alguns rabiscos se encontravam pelo corpo delas, o que imaginei ser o resultado das visitas dos tais “vândalos” que comentaram.

–Quem não sabe o que vem acontecendo com a querida Ártemis? – disse uma delas que no momento me confundi.

–E vocês a viram por aqui? – perguntou Alice.

–Ártemis costumava vir por essas redondezas da cidade, principalmente por causa do zoológico, mas já faz tempo que não a vimos em pessoa passar por aqui. – disse Mariana.

Camilla olhou para mim. Parecia pensativa, mas eu não conseguia pensar em nada. As informações das estátuas eram insignificantes. Continuávamos a não saber nada do paradeiro do casal problemático.

–E vocês sabem dizer do... – disse Alice, mas sem conseguir completar a pergunta.

–Do amante? – perguntou Mariana depois de perceber que Alice não pretendia completar a frase – Bem... Ainda não o conhecemos. Parece na verdade que a própria deusa ainda está a procura do tal caçador.

Se Ártemis ainda não havia se encontrado com Orion, significava então que este ainda não desfrutava das bênçãos que provavelmente a deusa o proporcionará e isso nos dava mais tempo de encontra-la antes mesmo que fique cega por completo.

Camilla parecia ter algo já em mentes. Mesmo que seu olhar atencioso ainda captasse todas as informações das Gordinhas, sua feição era de determinismo e provavelmente ela virá com uma ideia que eu nunca teria pensado sozinho.

–Tudo bem então. – disse Camilla por fim, iniciando uma despedida – Obrigado pelas informações. De verdade.

–Esperem um pouco. – chamou Damiana quando já começávamos a se afastar – Não pretendem se envolver nesse caso, não é mesmo?

–Não é uma questão de pretensão – disse olhando para as três estátuas, me sentindo pateticamente falando com moldagens em bronze – Eu, meus irmãos e meu pai estamos correndo perigo, e por algum motivo o Olimpo não está interferindo nos atos de Orion. Se os deuses não fazem nada, então precisamos ter uma iniciativa.

–Ai, o amor... – suspirou (se é que é possível uma estátua de bronze suspirar) Mariana, parecendo não dar muita importância ao que eu dizia. Percebi que as outras duas também não levaram o que tinha dito em consideração. - Apesar da grandeza que são as dificuldades, nada supera o amor, que mesmo sendo uma pequena palavra pode interferir em grandes coisas.

–Mas lembre-se que tamanho não significa sempre o negativo. Olhe para nós três. – disse Catarina logo em seguida - Somos gigantescas...

–Em todas as dimensões. – completou Damiana.

–E nem por isso significa que não somos gentis. – completou Catarina.

–Se o caso é proporcionalidade – sussurrou Matheus ao meu ouvido – Então podemos dizer que o tamanho delas é proporcional ao quão sem sentido elas são.

–O amor é grande e diferente ao mesmo tempo para cada pessoa...

–Tá, valeu mesmo ai. – disse Alice interrompendo Mariana – Vamos cair fora daqui. Agora. – sussurrou ela me puxando pelo braço.

Dei as costas e ainda pude ouvir as três recitarem juntas, num sussurro: “...o final basta ser escolhido por quem o amor fora recolhido”. Distanciamos o bastante para ficarmos fora do campo de visão das estátuas, que logo voltaram a dançar nos seus ritmos diferentes como se nada tivesse as incomodado alguns minutos atrás.

Quando dobramos uma esquina, Camilla nos mandou parar, olhando para trás, checando provavelmente se alguém (ou algo) nos seguia.

–É o seguinte – começou ela pigarreando em seguida para começar a falar qual era o seu plano – De acordo com o que as estátuas falaram, Ártemis pelo visto não se encontrou ainda com Orion.

–Sim... – dissemos nós três olhando para ela esperando o que vinha em seguida, já que aquilo que falava não era novidade.

–Bem... Se isso for realmente verdade, estamos em uma vantagem, já que Orion não é tão impossível de se derrotar dessa forma. – completou.

Ficamos em silencio por um momento. Não sei Alice e Matheus, mas me perguntei se Camilla estava realmente sabendo o que estava falando. Porque não fazia sentido nenhum, se a intenção dela era ser positiva.

–Tá, mas não sabemos onde Ártemis está... – relembrou Alice.

–Não estou entendendo... Até onde eu vejo, nós estamos só lenhados. – disse Matheus – Não tem vantagem alguma...

–Camilla... Não sabemos nem por onde começar a procurar por Ártemis. – disse.

Ela sorriu. Não o mesmo sorriso que me deixava com cara de idiota ou aquele quando ela me batia mais do que eu conseguia defender, mas um sorriso de “eu já tinha pensado nisso, seu iludido-que-acha-que-vou-te-pegar”.

–Não sei se vocês perceberam, mas Ártemis passa, ou no caso, passava, com frequência por aqui... – disse ela com um tom tão esperançoso que me fazia esquecer ser uma das recrutas da deusa da caça. As caçadoras eram conhecidas por serem sérias e determinadas e eu só conseguia ver Camilla como uma garota normal. Uma garota normal que sabe atirar muito bem com arco, enfrentar sereias, salvar três afogados, ser guarda de dois semideuses em perigo e fazer muitas outras proezas que aconteceram enquanto eu ia pra escola e vivia de forma normal.

–Sim... O zoológico. Mas não imagino que vamos encontrar Ártemis lá cuidando dos animais... – disse Matheus segurando o cabo da espada que estava na bainha em sua cintura.

–Veremos. – disse Camilla continuando a sorrir e começando a andar, nos guiando para um passeio superdivertido a procura da deusa da lua em um parque de animais selvagens.


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