Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 26
A god damn believer


Notas iniciais do capítulo

ÚLTIMO!



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Um maldito crente

[01:20] 28/12 — Agora, Escola Primária de Nakanocho, 150 metros a leste da Floresta de Nakanocho

  Não havia muita conversa nessa madrugada, não depois de Shikamaru detalhar, por cerca de quarenta minutos, cada etapa do seu plano. A ideia praticamente simples dele tinha brechas para muitos erros e, acima de tudo, dependia de sorte – o que andava em falta nos últimos tempos, sendo sincero.

  Kabuto parecia ter murchado assim que apresentou os lados positivos de retornar à Muralha e observou cada um deles ser rebatido com paciência por Shikamaru e Kankuro.

— O lugar está cheio de infectados, na melhor das hipóteses. Não temos nenhuma noção de quanto estrago foi feito assim que a gente fugiu — foi um dos pontos defendidos pelo Nara para rebater o ponto positivo número três do garoto.

— Além disso, não parece que o cargo de Kakashi ficaria vago por muito tempo, se ele também pulou fora — o comentário de Kankuro não tinha qualquer tom malicioso ou cínico, mas me incomodou da mesma forma, já que ele liderou boa parte dos olhares desconfiados na minha direção. — Alguém deve comandar a Muralha agora, se é que alguém sobreviveu.

  Foi mais ou menos a partir desse ponto que a voz de Kabuto soou mais baixa e nervosa, e também foi a partir daí que o plano de Shikamaru parecia cada vez mais plausível. Era simples de imaginá-lo, essa era a verdade; não era nada fantasioso demais, era absurdamente realista.

  Enfiei o punhado extra de biscoitos e aveia dentro da boca e mastiguei de forma mecânica enquanto a minha cabeça fértil desenhava os detalhes do que todos faríamos assim que amanhecesse. Não haveria risco de sermos encontrados por humanos malucos ou infectados esfomeados no meio do caminho, litros de alvejante apareceriam por pura mágica e poderíamos usá-los para despistar os nossos cheiros de suor e sujeira dos infectados que tendiam a farejar humanos.

  Tentei me agarrar naquela versão da minha cabeça em que não existiam perigos reais à solta e quis ser otimista sobre as chances de sucesso do grupo, eu quis acreditar que não seria mais necessário seguir aquelas três malditas regras, que já havíamos atingido a quota de pessoas deixadas para trás.

  Mastiguei o que restava da comida sem conseguir ignorar as vozes lógicas que sussurravam na minha cabeça quantas chances reais nós tínhamos de continuar vivos ao final do dia seguinte.

  Não crie muitas esperanças, rapaz. Gente esperançosa demais tende a morrer logo.

[05:13] 28/12 — Agora, Rua Tsuchio, 340 metros a sul da Escola Primária de Nakanocho

  A rua de acesso da creche tinha a largura aproximada de duas vans e fazia uma curva fechada à direita, de onde duas faixas amarelas dividiam o asfalto e apontavam para norte. As placas de sinalização estavam pichadas ou tortas e alguns kanjis com o nome da rua estavam apagados, o que não ajudava muito no quesito localização.

  Não fazia mais do que vinte minutos desde que havíamos saído da creche e avançado em linha reta, mas a temperatura absurdamente gelada dava a impressão de que estávamos na rua há mais tempo.

  Boa parte dos meus dedos estava adormecida e continuei arrastando os pés bem atrás de Sakura e do Uchiha, os resmungos ocasionais de Gaara haviam sumido depois dos primeiros dez minutos de caminhada, mas a respiração ofegante dele parecia ser mais barulhenta do que todos os pares de sapato avançando sobre o asfalto.

  Era raro localizar algum comércio ou casa nas redondezas ou perto daquela rua específica, só havia a vegetação, algumas árvores secas e alguns troncos caídos junto ao meio-fio com motos abandonadas e mais duas ou três bicicletas que enferrujavam no chão.

  Shikamaru liderava o grupo e ditava o ritmo mais lento de caminhada, sendo acompanhado por Kankuro, logo atrás estava a Yamanaka e atrás dela estava o casal de médicos. Kabuto foi o encarregado de acompanhar o ruivo e não parecia tão animado com a ideia assim que o sorteio com palitinhos foi feito.

  Hinata estava ao meu lado e esfregava as mãos a cada cinco minutos; desenrolei o pedaço de cachecol que havia enfiado ao redor do meu pescoço mais cedo e o enrolei nas mãos geladas dela com um pouco de dificuldade, já que meus dedos não queriam funcionar muito bem.

  O sorriso tímido que ela exibiu me fez sorrir de lado automaticamente, como se o meu corpo respondesse a cada gesto ou expressão dela. Porque algumas coisas são como são, e ainda existem coisas boas. Estar com Hinata Hyuuga era uma dessas coisas raras e únicas que conseguiam me fazer acreditar que podia haver algum tipo de chance ou permissão para sonhar em viver de verdade.

— Você está congelando — ela murmurou assim que Shikamaru ergueu um pouco a mão e agachou perto de um carro abandonado com as portas abertas. Todos, com exceção de Kabuto e Gaara, agacharam um pouco.

— Não é nada de demais, não precisa se preocupar — sussurrei e movi o corpo um pouco para frente, cobrindo o flanco de Hinata. Continuei encarando a mão erguida do Nara, que significava que alguma coisa havia chamado a sua atenção.

— É um pouco tarde demais para dizer isso, Naruto.

  Escutar aquilo fez meu coração bater um pouco mais rápido, como se eu fosse um adolescente apaixonado e encantado pela primeira vez com os sentimentos que brotavam ao lado da garota especial.

— Infectado — o sussurro do Uchiha roubou qualquer sensação de calor e calmaria que havia surgido naquele instante e uma onda de adrenalina e alerta encheu a minha cabeça logo depois.

— Quantos? — Kabuto perguntou assim que Hinata repassou a informação.

— Três ou quatro, não dá para saber direito — a resposta sussurrada de Kankuro foi repassada pela Haruno alguns segundos depois, girei o tronco e repeti a informação para Kabuto. Os olhos dele pareciam mais alarmados e não demorou muito para o pânico ficar estampado em seu rosto.

— Temos como dar conta de quatro infectados — Gaara ralhou com impaciência. Não foi a primeira vez que me perguntei se ele entendia que seria o primeiro a ser largado para trás caso os infectados o encurralassem. Kabuto podia ser capaz de deixá-lo se isso significasse a sua própria sobrevivência.

— Kankuro, Sasuke, venham — a ordem um pouco mais alta de Shikamaru foi acompanhada pelo sinal global pedindo silêncio; os dois se moveram automaticamente e o Nara apontou para as armas e acrescentou: — Não disparem, a menos que seja mesmo necessário. Naruto, você assume se as coisas derem errado. Siga em linha reta, depois esquerda duas vezes e linha reta de novo até...

— ...até cair num túnel. — Completei a informação e senti que o velho peso da responsabilidade apertava os meus ombros outra vez. A sensação de déjà vu que embrulhou o meu estômago era assustadora demais e foi quase impossível não me lembrar daquela versão mais arrogante e convicta de mim mesmo que designava quem assumiria o comando caso as coisas dessem errado.

  Nas regras atuais, algo dar errado significava que alguém tinha morrido. Era um código para dizer que alguém havia sido deixado para trás, geralmente pelas pessoas que faziam parte do seu grupo.

  Shikamaru ergueu o corpo e endireitou a postura, empunhando a escopeta e liderando o Uchiha e Kankuro para frente com passos lentos. Um dos infectados usava trapos marrons e mexia freneticamente a cabeça cheia de tufos pretos de cabelos para os lados; ele mexia o tronco para frente e batia o quadril na porta do passageiro traseiro do carro.

  O segundo tinha parte do corpo inclinado para a direita e o que parecia ser uma camisa social estava empapada de sangue fresco, a mancha vermelha e longa descia do colarinho até a calça escura. Uma barra longa de metal estava enfiada na altura da coxa direita dele, o que explicava a lentidão exagerada. Já o terceiro era o mais baixo, estava um pouco agachado e mantinha os braços caídos na frente do corpo.

  Foi o Uchiha quem tomou a iniciativa e se aproximou do veículo com calma e passos precisos até conseguir distância suficiente para acertar o primeiro infectado com a coronha do rifle. Kankuro e Shikamaru se moveram no mesmo ritmo cauteloso e cada um se aproximou de um infectado e copiaram o método do Uchiha para acertar seus rostos.

  Endireitei a postura e tentei controlar a minha respiração enquanto tentava trotar de forma mais silenciosa possível em linha reta; na minha cabeça, os barulhos dos sapatos e das respirações irregulares de Kabuto e Gaara eram capazes de fazer os infectados pararem de prestar atenção em Shikamaru, Kankuro e Sasuke e rumarem na nossa direção.

  Seja racional. Por cinco minutos. Passei perto do lado esquerdo do carro enquanto Sasuke empurrava o infectado com o rosto desfigurado pelas coronhadas até o outro lado do asfalto, ele empurrou aquela coisa até a vegetação e acelerou os passos para ajudar Shikamaru.

  Desviei minha atenção para frente e parei de andar subitamente quando vi um infectado parado a menos de um metro de distância; ele inclinou bem a cabeça e abriu a boca, espumando, grunhindo e jogando os braços para frente enquanto as pernas tomavam impulso e os pés o deixavam em movimento.

  A única arma que eu tinha era uma machadinha parcialmente cega, o que implicava curta distância. Não tive tempo de reagir quando o infectado simplesmente pulou e me agarrou pelos ombros, foram as minhas costas que absorveram quase todo o impacto quando eu caí e enfiei os dedos no pescoço do infectado. Tudo o que eu enxergava eram dentes tortos e sujos e olhos insanos, enquanto ele forçava o peso do próprio corpo para baixo e arranhava o asfalto.

  Mesmo que houvesse aquela carga anormal de adrenalina, foi a primeira vez que não senti medo.

  Eles precisam de tempo até chegar no túnel. Infectados tendem a se aglomerar – um sinal de que eles já repuseram o estoque de abatidos e se multiplicaram de novo.

— Vão! VÃO AGORA! — Levantei a voz como pude e torci para que os outros me escutassem acima da voz animalesca e alta do infectado. Você não está cansado apenas da liderança e de todo o papo de tomar as decisões difíceis, rapaz.

  Seria uma forma idiota de morrer. Aquela conclusão amarga não me fez aplicar mais força ao redor do pescoço do infectado ou forçar meus músculos a irem ao limite e conseguir uma distância melhor daqueles dentes tortos que continuavam a se aproximar.

  O esguicho de sangue que brotou da lateral do pescoço do infectado não parecia enfraquece-lo, seus movimentos pareciam um pouco mais lentos quando ele levantou um pouco a cabeça. Meus braços despencaram assim que o corpo dele cedeu, respirei com dificuldade enquanto eu sentia a pressão sumir quando alguém o removeu; usei os calcanhares para me empurrar para trás e limpei o sangue que havia escorrido no meu rosto.

— Você está machucado? Ele te arranhou? — Balancei a cabeça negativamente para as perguntas apressadas de Sakura enquanto levantava e agarrava a machadinha que estava presa na lateral da minha calça jeans surrada. — Bom.

— Consegue andar, não consegue? — Mexi a cabeça numa concordância muda e aquilo foi o suficiente para Shikamaru desviar sua atenção para o resto do grupo. A Yamanaka segurava a segunda machadinha do estoque e a mão esquerda estava salpicada de vermelho, havia um filete fino escorrendo pelo antebraço e se misturando ao padrão de sangue fresco no dorso. — Nós precisamos continuar, ainda falta muito até o túnel.

  A urgência na voz de Shikamaru, mesmo que muito bem controlada, impôs o retorno da caminhada em linha reta outra vez, mas não seguíamos no ritmo mais calmo de antes. Kabuto suava enquanto segurava Gaara pelo flanco e tentava forçar o ruivo a mancar um pouco mais rápido, já que eles estavam a quase meio metro mais atrás dos outros.

  Ino xingou enquanto corria na direção dos dois e sustentava o ruivo pelo outro lado, dividindo um pouco melhor o peso e encurtando a distância atual. O cheiro de carne podre encheu o ar assim que avançamos um pouco mais, talvez duzentos metros, até avistarmos mais motos largadas e cadáveres jogados.

  Nada mais pode te surpreender, não é? Havia uma mistura de conformismo nas expressões dos outros conforme passávamos por cima de braços e pernas lacerados, troncos virados em posições estranhas e dedos congelados que pareciam agarrar o asfalto. O zumbido das moscas, o barulho ocasional de alguns tropeços em membros ou as ordens sussurradas de Shikamaru faziam parte do cenário com naturalidade – nada ali despertava pânico ou revolta, só uma onda rápida de náusea ou uma série de concordâncias.

  O cheiro ficou mais forte quando os prédios ou as ruínas deles ladearam a rua e as placas de sinalização estavam mais recorrentes no horizonte, mesmo que fosse praticamente impossível lê-las por conta das pichações e avisos para ficar longe.

  Um cruzamento surgiu mais adiante e viramos à esquerda, onde o cheiro de carne podre ficou mais dissipado; aquela era uma rua comercial estreita e sem qualquer veículo estacionado além de algumas bicicletas derrubadas e um mapa rasgado com informações de compras.

  A maior parte das longas vidraças e das portas de vidros estavam estouradas e era possível ver prateleiras vazias ou bagunçadas, suportes de metal atirados na entrada ou nas calçadas ainda mais estreitas do que a rua e anúncios amarelados com promoções de roupas ou comida. Tudo aquilo parecia ter acontecido mil anos atrás, e não há sete ou oito meses.

  O asfalto cinzento se estreitava e se dividia em outro cruzamento, seguimos Shikamaru assim que ele virou na esquina à esquerda pela segunda vez e paramos de andar bruscamente quando as linhas brancas de sinalização que ainda estavam pintadas no chão indicavam as instruções de evacuação em casos de desastres naturais.

— Isso... é mesmo real? — O choque na voz de Kabuto era compreensível, mas foi a voz animada de Sakura que quebrou o silêncio:

— Você estava certo, Shikamaru.

[19:51] 27/12 — Doze horas e quarenta e seis minutos antes, Escola Primária de Nakanocho

— Escutem — a voz controlada de Shikamaru atraiu todas as atenções assim que ele deu um passo à frente do semicírculo e agachou, seus dedos tatearam o chão e agarraram um pedaço de giz colorido. — Nós estamos numa área escolar — ele desenhou um retângulo no piso assim que empurrou papeis amarelados e alguns gravetos do caminho.

  Levantei os olhos do desenho quando ele continuou, concentrado e calmo:

— Todas as rotas de evacuação estão interligadas ou têm mapas de informações com pontos específicos: escolas, hospitais, mercados. Lugares que são muito visitados fazem parte da rota de evacuação e todos nós treinamos isso, pelo menos duas vezes na vida — ele desenhou uma reta paralela ao retângulo e depois desenhou outro, dessa vez com um ponto de interrogação dentro. — Certo? Estão acompanhando?

  Shikamaru nos encarou com um pouco de apreensão até que Hinata e Sakura respondessem afirmativamente e depois as vozes de Ino, Sasuke e Kankuro repetiram a mesma confirmação. Mexi os lábios e murmurei uma resposta afirmativa, depois foi a vez de Gaara e Kabuto.

— Esses túneis foram projetados para aguentar tremores e tsunamis e atravessam a cidade, até um lugar seguro — ele bateu o giz no segundo retângulo e nos encarou seriamente. — Alguns túneis foram criados depois dos primeiros projetos de evacuação, já que outros pontos se tornaram mais vulneráveis no caso de um terremoto ou coisa pior.

— Estamos numa área escolar. — Gaara repetiu a informação e cruzou os braços, mas boa parte do humor irônico dele havia desaparecido. — Você mesmo disse que lugares assim fazem parte da rota de evacuação ou têm algum mapa.

  Aquela última informação serviu como um estalo coletivo para a constatação óbvia: ninguém havia parado para pensar na informação mais básica que era ensinada na escola até a exaustação.

  Treinamentos de evacuação faziam parte da rotina japonesa e era comum ver alunos formando filas indianas, com chapéus de proteção amarelos e capas de chuva, marchando em linha reta, seguindo setas pintadas no chão e agentes uniformizados com coletes laranja-fluorescente e munidos de bastões sinalizadores de trânsito, com um braço estendido na direção que tínhamos de seguir.

  Relembrar daqueles exercícios me deu vontade de gargalhar em puro desespero. Todos aqueles malditos testes indicavam um lugar seguro, com energia elétrica, geradores, comida, água e mantimentos.

  Era cômico, desesperador e quase vergonhoso saber que aquela ideia nunca havia brotado na minha cabeça. Não seja tão arrogante assim, rapaz. Você estava mais preocupado em atravessar muros e bancar o Senhor Destemido enquanto as pessoas morriam por causa das suas escolhas egoístas. Ser o gênio não era o seu papel.

— Puta merda — a voz surpresa de Kankuro podia resumir algumas emoções, mas eu não conseguia conter o surto de cobrança e raiva que brotou no meu cérebro junto com a frase que martelaria na minha cabeça pelas próximas horas.

  Você nunca considerou outro lugar que não fosse a Muralha.

— Escutem, por favor. — O Nara levantou uma mão e esperou até que parte dos ânimos se acalmasse novamente. — Áreas como a que estamos agora são consideradas pontos de partida da evacuação e temos que chegar até um ponto de encontro, que dá acesso ao subterrâneo.

— Não me lembro de estações de metrô por essa área — Kabuto comentou.

— As Muralhas não foram projetadas em locais com fácil acesso da população ou em regiões de muita aglomeração, como o metrô — Sasuke acrescentou e apontou para os retângulos desenhados no chão. — Talvez a Muralha esteja a cinco ou seis quilômetros daqui, enfiada dentro de uma floresta. Não acho que tenham ignorado as rotas de evacuação.

— Ou talvez, eles podem ter pensado que não importava se havia rotas de evacuação por perto, já que os muros deviam ser altos o suficiente para protegê-los — Hinata disse com a voz pensativa e pegou outro pedaço de giz e desenhou duas linhas horizontais e uma vertical, até fazer algo parecido com um portão. — Se eles sabiam mesmo que havia uma rota de evacuação no caminho, então essa informação ficou retida com os comandantes.

— Ninguém foi avisado dessas rotas quando as coisas entraram em colapso — Sakura lembrou e apontou com o queixo para o segundo retângulo desenhado por Shikamaru.

— Talvez porque ninguém tenha considerado que essas rotas podiam ser usadas em circunstâncias que não envolvessem desastres naturais — o palpite do Nara podia mesmo fazer sentido. — Os pontos de encontro nas rotas de evacuação sempre são sinalizados. Se acharmos o mapa, então o plano tem 50% de chance de funcionar.

— O que pode dar errado? — Perguntei com a garganta seca e Shikamaru suspirou antes de explicar no mesmo timbre de voz calmo e controlado:

— Podemos topar com outro grupo de sobreviventes ou com Kakashi ou alguém de outra Muralha nesse percurso. Estamos numa área aberta, sem muita proteção e sem um esconderijo alternativo — ele listou os fatores sem parar de estudar as expressões de cada um. — A melhor opção, nesse caso, seria fazer um reconhecimento básico da área. Mas eu sei que todos estão no limite e que essa opção, mesmo sendo a mais recomendada, não está disponível.

— Eu posso fazer isso — o Uchiha se ofereceu e recebeu uma negativa imediata de Shikamaru.

— É estupidez, porque você está cansado, mal alimentado e sem munição. Todos estão assim — ele enfatizou e bateu com o giz no chão, desenhando uma seta até o segundo retângulo. — Se vamos mesmo seguir esse plano, temos que chegar até aqui com o mínimo de confronto possível. Nossa melhor chance de sobrevivência é ir em grupo e ir em silêncio.

  Dessa vez, ele lançou um olhar significativo para Gaara, que se limitou a revirar os olhos e ficar quieto.

— Uma vez no ponto de encontro, as instruções para chegar no subterrâneo vão estar no chão...

[07:05] 28/12 — Ponto de encontro da Rota de Evacuação 2, Nakanocho

...ou nas paredes.

  O túnel parecia se alargar assim que seguimos Shikamaru até o lado direito, onde havia corrimões e setas pintadas com tinta fosforescente verde, que formavam uma linha reta na parede à direita, indicando o caminho.

  O breu ali dentro era bem capaz de despertar um episódio de pânico em quem tivesse fobia do escuro, já que havia uma distância média de sessenta centímetros entre uma seta e outra. O abastecimento de energia na cidade não funcionava, já que as luzes emergenciais que estavam no teto e nas paredes do túnel não haviam acionado, mesmo que tivéssemos avançado alguns metros.

  Acompanhamos a curva suave para a esquerda, tentando fazer o mínimo de barulho; eu não conseguia mais saber quem estava na frente ou atrás de mim, já que a ordem de quem havia entrado depois de Shikamaru não fazia mais sentido.

  Seguimos em linha reta, acompanhando a direção indicada pelas setas fosforescentes e estremeci quando enxerguei a primeira seta que apontava para baixo. A mesma tinta estava pintada até metade da parede, havia um corrimão longo bem aparafusado na direita e eu não sabia dizer qual era a altura do arco de concreto que dava acesso ao primeiro lance de escadas.

  Era bem provável que o piso dos degraus fosse antiderrapante e era fácil de enxerga-los por conta do adesivo verde brilhante na escada.

— Desçam com cuidado. — O pedido de Shikamaru parecia assegurar que tudo aquilo era mesmo real, que não havia delírio coletivo sobre lugar seguro. — Estou bem atrás de vocês — ele escorou o corpo contra a parede luminosa e balançou a cabeça num sinal afirmativo para Kankuro quando ele hesitou no topo da escada.

  O barulho dos passos lentos foi amplificado pela acústica do lugar e reconheci parcialmente Sakura, Sasuke e Ino descendo atrás de Kankuro. Agarrei o corrimão frio e só percebi que estava ofegante assim que desci os dois primeiros degraus, pisquei com força e desci o restante com ainda mais cautela.

  Virei a cabeça para trás quando Hinata desceu o último degrau e segurei sua mão automaticamente. Fazia muito tempo que eu não sentia aquela mistura estranha de expectativa, ansiedade e esperança, e eu não sabia mais como reagir ao nervosismo que me dominava.

  Todo esse tempo você estava pisando bem em cima de uma área segura. Todo esse maldito tempo.

  O pensamento, mesmo que fosse amargo, era a única coisa que zumbia na minha cabeça junto com os rostos fantasmas de Hanabi, Karin, Tenten, Neji, Shino e Jun. É claro que era fácil sentir culpa e era duas vezes mais fácil falar em seguir em frente e deixar os que ficaram para trás no passado, mas eu não sabia mais vestir aquela couraça indiferente e durona contra o mundo.

— Ei — a voz baixa de Hinata chamou a minha atenção e, mesmo com a iluminação limitada, pude perceber um pouco de preocupação nos olhos dela acima do cansaço. — Como você está, Naruto?

  A preocupação dela me emocionou e não foi a primeira vez que considerei que eu era um canalha sortudo demais por tê-la ali. O calor da palma da mão dela me acalmou um pouco e consegui responder:

— Vão ficar bem.

— Uma ajuda aqui seria legal — foi a primeira vez que escutei a voz de Gaara desde que deixamos a creche. O ruivo ainda estava na metade da escada, sendo aparado pela esquerda por Kabuto, que se limitava a ofegar e respirar fundo.

  Sasuke foi quem se voluntariou a ajudar o irmão de Kankuro pelo resto do caminho, o alívio no rosto de Kabuto era praticamente palpável. Shikamaru descia o lance de escadas logo em seguida e todos continuamos parados até ele assumir a liderança.

  A tintura fosforescente também se alongava pelo corredor e cobria metade da parede, havia setas pintadas no chão e na parede; quando enxergamos a primeira lâmpada que realmente funcionava, meus pés pareciam ser feitos de chumbos e admirei a luz amarelada pelo que me parecia cinco minutos inteiros, mas não passavam de alguns segundos.

— Estamos chegando? — Sakura perguntou com ansiedade e Shikamaru puxou o mapa dobrado com cuidado do bolso da frente da calça e o desdobrou com os dedos tremendo. Assim que o Nara esticou o papel debaixo da lâmpada, uma espécie de riso animado escapou dos seus lábios.

— Sim, estamos.

— Ainda bem — o murmúrio aliviado dela parecia ser a reação mais natural à confirmação do Nara.

— Mais duzentos metros, no máximo, e chegamos — uma série de confirmações animadas e aliviadas se misturaram com a voz de Shikamaru quando ele dobrou o mapa com a mesma atenção e cuidado de antes e voltou a guardá-lo.

  As luzes – aquela foi a primeira coisa que percebi — eram mais frequentes e não demorou muito para avistarmos portas duplas de metal barrando o caminho; foi automático acelerar os passos e ignorar os avisos mentais de que ainda existiam chances reais de que aquilo fosse uma piada de péssimo gosto ou uma armadilha ou ainda um teste.

  Shikamaru ainda estava na dianteira, sendo ladeado por Kankuro e Sakura. Hinata e Ino me acompanhavam e, um pouco mais atrás, estavam Sasuke, Gaara e Kabuto. Avançamos em linha reta, mas a sensação de ansiedade era coletiva, dava para perceber.

  Havia um cheiro antisséptico no ar assim que chegamos perto da porta e praticamente paralisamos há menos de vinte metros quando uma voz metálica ecoou pelo ar:

— Fiquem onde estão.

  Todos nós trocamos olhares confusos e levantei o pescoço, tentando localizar de onde vinha aquela voz. Levou algum tempo até eu notar as caixas de som parafusadas acima das portas junto com uma câmera que devia ter quase um palmo de distância.

— Coloquem as mãos na cabeça e se deitem no chão, barriga para baixo.

— Estamos obedecendo — de novo, parecia natural que fosse Shikamaru a tomar a liderança e colocar lentamente as mãos na cabeça. Exceto Sasuke e Gaara, todos nós copiamos os movimentos do Nara e aguardamos em silêncio.

  Quando nos ajoelhamos e colamos o rosto no chão, o cheiro antisséptico me deixou enjoado e parecia que a minha respiração agitada irritaria o dono ou a dona da voz metálica.

— Mandei todos deitarem.

— Ele levou um tiro na perna — Sasuke respondeu, talvez ele tivesse mais alguma coisa a acrescentar, mas foi interrompido.

— Deitem agora.

  Escutamos a voz de Shikamaru mandando que o Uchiha obedecesse e levou algum tempo até ouvirmos o barulho agoniado que Gaara emitia enquanto deitava no chão; meus dedos continuavam grudados na minha cabeça e tentei ignorar a curiosidade que pinicava a minha pele, tentei me ater ao fato de que, se não obedecêssemos, talvez teríamos que bolar outro plano.

  Mas aquele plano era a última chance, a última cartada.

  Quando as dobradiças fizeram um barulho suave, como se estivessem muito bem lubrificadas e cuidadas, fechei os olhos com força, porque eu não queria enxergar porcaria alguma se as alternativas negativas da minha cabeça virassem verdade.

  O silêncio que dominou o lugar pareceu durar horas, até que passos se multiplicaram e ecoavam pelas paredes. Continuei parado e tentando controlar a minha respiração ofegante quando senti tapas apressados nas costas e pernas, eu não tive certeza se haviam arrancado a machadinha da minha cintura, mas era provável.

  Quando os passos pareceram se afastar, a voz metálica chiou pelas caixas de som outra vez:

— De pé.

  Havia uma fileira de cinco pessoas com máscaras hospitalares no rosto, capacetes e coletes. Dois empunhavam cassetetes do mesmo tamanho, outros dois empunhavam pistolas e o do meio carregava uma barra de metal com a ponta torta. Tentei controlar o medo de que eles fossem parte do bando de lunáticos e insanos que haviam sobrevivido e tentei ignorar como pude o pânico de que podíamos mesmo ter caído numa armadilha.

  Havia um sexto integrante, mais escondido à esquerda, que carregava uma caixa plástica onde estavam as nossas armas.

  Eles nos analisaram por algum tempo, até que o que estava na ponta direita da fileira central girou o pescoço para a câmera e balançou a cabeça num sinal positivo.

— Alguém está infectado? — A pergunta veio do portador da barra de ferro e foi automático murmurarmos negativas. — Nós vamos descobrir se estão mentindo. De novo: alguém está infectado? Foi mordido ou arranhado?

— Prossigam — a ordem metálica veio após repetirmos, mais alto dessa vez, que ninguém estava infectado.

— Podem tirar as mãos da cabeça — um deles falou e abaixamos os braços e metade deles se organizou na nossa frente enquanto o restante marchava atrás de nós.

  Seguimos em linha reta e virei a cabeça assim que um barulho parecido com um bipe eletrônico ecoou pelas caixas de som e as portas fecharam lentamente. Havia fios conectados à parte superior da porta, olhando pelo lado de dentro, que acompanhavam as paredes e o teto em formato de arco do túnel.

  A nossa formação antes da abordagem se manteve e segurei a mão esquerda de Hinata assim que avançamos um pouco. Não demorou muito até que um dos que estavam com o cassetete tomou a dianteira do grupo e paramos em frente a um segundo acesso, nos mesmos parâmetros do anterior e a ordem daquela voz metálica foi repetida.

  Prosseguimos.

  E então, o único pensamento que dominou a minha cabeça era que havíamos conseguido. Sem mentiras dessa vez.

— Fiquem aqui — eu não prestei atenção em quem tinha dito aquilo, mas não importava, já que eu não sabia se podia mexer os pés.

(Blank maps)

  O teto se erguia mais um pouco e havia luz por todo o lugar, estruturas de metal polido formavam um pequeno complexo hospitalar mais à esquerda e à direita havia uma estufa, com pelo menos seis pessoas estavam agachadas ou de pé, cuidando dos vasos com plantas verdes e colhendo legumes.

  Conversas se misturavam no ar, junto com o cheiro de comida de verdade. Parecia que enxergar pessoas saudáveis que não tinham olhares surtados ou desconfiados era mais anestesiante do que perceber que, pela primeira vez, era mesmo possível haver um lugar verdadeiramente seguro.

— Vocês passaram por maus bocados — uma mulher de aparência tranquila e com cabelos pretos curtos e olhos escuros se aproximou, ela usava uma camiseta clara de mangas compridas e calças escuras, além de botas e uma arma presa no coldre na cintura. — Eu sou Shizune, a responsável por este lugar. Gosto de recepcionar os sobreviventes da superfície.

  Ela colocou as mãos na cintura e sorriu com certa satisfação quando notou o choque espalhado nos nossos rostos.

— Gostaria de fazer algumas perguntas, mas acho que precisam de comida, medicamento e banho antes.

— Banho quente? — A pergunta de Kabuto soou impressionada e Shizune não parecia impressionada com o tom abobado na voz do rapaz. — Puxa, isso é...

— Sim, é perfeitamente possível. Não com a frequência que gostaríamos, mas é uma coisa que podemos fornecer algumas vezes — ela respondeu com paciência e apontou para a ala hospitalar. — Vamos dar uma olhada nessa perna e ver o que podemos fazer.

  Gaara foi amparado pelos dois que portavam os revólveres até a estrutura de metal com os dizeres pintados em vermelho, com letras garrafais. Shizune nos observou por mais algum tempo antes de simplesmente dizer:

— Bem-vindos à Folha. Vocês estão seguros agora.

— Folha? — Repeti o nome como se estivesse anestesiado e, de certa forma, eu estava.

— Alguns chamam de Konoha, mas votamos por Folha. — Assimilei a informação com aquelas três palavras que encheram a minha cabeça, há meses e meses, quando militares invadiram o meu apartamento e atiraram. Konoha. Lugar seguro. — É um lugar de recomeços, não acha?

  Olhei para o meu lado e foi reconfortante ver que Hinata estava ali, entrelacei os meus dedos aos dela e meu estômago parecia embrulhado como o de um adolescente apaixonado pela primeira vez.

  Então eu simplesmente soube que aquilo era mesmo real, era mesmo possível finalmente ter achado um pouco de calma e um pouco de esperança.

  Mesmo bem no meio do inferno, no meio daquela massa grotesca de realidade, eu havia encontrado fum motivo para ter fé. As coisas podiam ser melhores, porque Hinata estava ao meu lado e aquilo bastava. Bastava de verdade.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOO!
Antes de qualquer coisa: o sentido do título é: aquele que crê (caso tenha soado em outro sentido de interpretação), e foi tirado da música mencionada
Olá. Bom, esse capítulo, para muitos, podem considerar o final. Porque estou escrevendo o próximo, que será um tipo de epílogo/final alternativo, que vocês podem ou não considerar como verdadeiro, fica a critério de vocês mesmo.
Mas este.
Poxa vida, eu não esperava que ia conseguir porque foram tantos rolês até esse capítulo, surtos de desânimo, síndrome de impostor, ideias que não batiam com o que eu queria trazer, problemas com o computador. Enfim. Uma verdadeira odisseia à parte.
Darker não era muito a minha favorita, mas criei apego com ela - eu sou assim com as fics, meio que fico adiando porque não sei se entrego um final à altura.
Tentei dar uma revisada, mas se alguma coisa passou, pode me avisar. Não quis usar muito romance nesse capítulo porque, simplesmente, não achei que cabia.
Não sei escrever NaruHina, esse foi meu verdadeiro desafio, porque sou fã de carteirinha de SasuSaku e foi um pouco assustador pisar nesse terreno, então se ficou ruim, desculpe.
Se alguém parou pra ler, então obrigada. De verdade.
Obrigada pelos comentários, pelas recomendações, por darem um gás nas horas que eu precisava, por terem lido.
Obrigada por ter tirado um tempo pra ler Darker.
Rachel.



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