Laços Impossíveis escrita por mandycarol


Capítulo 5
Capítulo 5 - Quebra-cabeça




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Dois dias podiam passar extremamente rápido quando tudo está bem. Quinta passou voando, eu e Kaname jogamos Mahjong quase o dia inteiro, era incrível como alguém poderia ter habilidade para tantas coisas diferentes, ele me vencia praticamente todas às vezes e quando finalmente ganhava podia jurar que ele perderá de propósito. Sempre fora assim, eu ganhava e comemorava soltando gritinhos, ele simplesmente sorria para mim com seus olhos ternos. Suas demonstrações de carinho eram estranhas, mas muito afetivas.

Sexta chegou como um relâmpago e pude sentir a ansiedade me atingir. As aulas eram monótonas e sem nenhuma novidade habitual. Zero voltará a ser o centro das atenções das garotas da academia Cross e de certo modo isso me deixava aliviada, só perguntava o que era aquela pontada de infelicidade. Após a aula eu e Yori corremos ao shopping a procura de uma roupa ideal, eu me decidi logo por um vestido preto de alcinha e detalhes em rendas no busto, um scarpin igualmente preto e um casaco não muito grosso. Yori provou a loja inteira antes de escolher um vestido vermelho, que a deixava incrivelmente sensual. Fomos ao cabeleireiro, o preferido de Wakaba, fizemos as unhas e arrumamos o cabelo modestamente em grandes cachos.

Em casa tive pouco tempo para terminar de me arrumar, subi as escadas e tomei um banho rápido. Às pressas me maquiei e me vesti, agradecendo por não ser necessário pensar em um penteado para meus cabelos longos. Desci as escadas sem pressa aparente, minhas mãos deslizando no corrimão, no meio do caminho segurei o fôlego. Meu coração parou e por um momento achei que não estava mais no meu peito, de repente ele disparou a medida que Kaname se virava para mim. Ele estava lindo, todo de preto, a cor que lhe caia tão bem e com o perfume que mais gostava. Ele me fitava com os seus olhos castanhos avermelhados.

- Está linda, hime! – elogiou.

Senti o sangue subir as minhas bochechas e corei instantaneamente.

- Obrigada. – disse constrangida.

Ele riu. Na pressa, nem ao menos tinha me olhado no espelho diretamente, não sabia se suas palavras eram falsas, mas me deixaria enganar por sua voz de seda.

- Você também, es-tá muito bo-ni-to-to! – tropecei nas palavras.

Kaname soltou outra gargalhada breve e ri junto com ele, sua risada descontraída o deixava ainda mais belo, seus olhos cintilavam enquanto ele tentava se conter colocando a mão sobre a boca.
 
- Vamos Yuuki! – disse ainda rindo – Antes que vire uma pimenta.

Resmunguei algo inteligível e fechei a cara, os lábios inferiores levemente para frente fazendo um biquinho. Entramos no carro e partimos, a noite no centro de Tóquio era bastante iluminada e badalada, totalmente fascinante. Não consegui manter minha cara irritada durante muito tempo, logo sorria e meus olhos brilhavam para as luzes da cidade grande, algo raro para mim que pouco passeava durante a noite. O caminho foi longo e silêncio, mas o clima era agradável.

Ao chegarmos, Kaname contornou o carro e abriu a porta para mim, um sorriso torto em seus lábios. Ele se divertia com aquilo, me deixar constrangida era parte de sua diversão. Eu aceitei de bom grado sua mão, mas tentei manter meu rígido. Não tivemos dificuldades para entrar, como meu irmão, Kaname era responsável por mim e entramos após os seguranças verificarem nossas identidades.

Dentro do barzinho, que estava mais para uma casa noturna, a balada parecia em seu auge, todos dançavam e o lugar estava extremamente apertado. As luzes coloridas do globo piscavam freneticamente e todos apareciam em flash, como em filmes parando. Levei um tempo para chegar um balcão, Kaname me guiando e abrindo o caminho, e demorei mais um período para achar Yori. Ela estava fabulosa com toda a produção, soltou um gritinho animado quando me viu e correu para me abraçar, nem parece que tinhas nos visto faz duas horas.

- Como vai Kaname? – perguntou ao me largar, seu rosto estava levemente corado.

- Bem e você Wakaba? – seu sempre tom educado.

- Por favor! Yori. – corrigiu logo após dar um risinho tímido. – Mas vou bem.

Ela se agitava de um lado para o outro, segurando o vestido com uma das mãos, talvez esperando um elogio. Vaidosa, ela sempre gostava de ouvir as pessoas falarem ao seu respeito.  As estranhas reações de Yori me deixavam intrigada, mas não lhe dei atenção. Olhava distraída para as várias pessoas na pista improvisada para inauguração, por vezes via um conhecido, meninas do colégio dançavam na pista e seus respectivos responsáveis estavam no reservado.

- Kaname. Irei cumprimentar uns conhecidos, importasse?

- Não. – disse sem expressão.

- Vem comigo Yori. – a convidei.

- Já vou. – respondeu simplesmente, um sorriso irônico.

Ela estava realmente estranha esta noite, “nada além do normal”, pensei comigo. Encaminhei-me a pista de dança, um sorriso simplório nos lábios, complementava a todos com um aceno e deixava meu corpo seguir o ritmo das batidas da música, em festas noturnas minha maior diversão era dançar.

Algumas meninas do colégio dançavam em uma rodinha, ela acenaram para mim e me chamaram. Ruka, Seiren e Rima, não eram o que chamaria de amigas, mas sim algo próximo de relações por interesses. Nossas famílias tinham muitas sociedades nos negócios e a nossa relação futura era quase inevitável, ocorrendo somente por educação. Sempre achei estranho que ainda existisse esse tipo de relação hoje em dia, mas no nosso meio é era assim.

- Olá Yuuki! – disse Ruka, bastante animada.

- Olá! – disse simplesmente.

Todas pareciam bastante afoitas, não me tratavam como normalmente, ao invés de me ignorarem, elas pareciam sinceramente minhas amigas.

- Aquele é o Kaname não é? – perguntou Rima revelando o motivo da súbita atenção a mim.

- Bem, sim. – disse sem graça.
- Ele está tão... – começou Seiren.

- Lindo! – Rima terminou, soltando um suspiro no fim.

Minha expressão era desfocada. “Precisava mesmo agüentar isso?”, pensei. Mas Rima me tirou das minhas abstrações começando sua habitual tagarelice.

- Se pudesse eu iria aga... – Rima não terminou. Seiren, a mais discreta das três a cutucava, uma óbvia menção para que se calasse. A agradeci mentalmente por isso.

- Mas parece que Rima não é a única de obter essa opinião. – disse Ruka, o sorriso no canto da boca me era estranho, ela não olhava para mim, segui seu olhar e tremi com o que vi.

Senti um embrulho no estomago e o frio percorrer meu corpo, reações que não podia controlar. Yori estava o beijando, ele parado sem reação encostado-se à parede, enquanto ela fazia o serviço. Seus olhos fora de focos, ela tocava seus lábios com ardor.

Uma irritação repentina me subia, não conseguia olhar não podia olhar. “Traidor”, vinha em minha cabeça, “por que com ela?”. Eu podia sentir tal ódio? Por que não a repeliu? As perguntas faziam minha cabeça girar eu fechava meus olhos fortemente, tentando retornar ao estado normal, no mínimo aparente. As meninas ao meu lado começavam a cochichar.

- Você está se sentindo bem Yuuki? – Seiren parecia preocupada.

- Estou meio zonza. Poderiam me dar licença? – não aguardei uma resposta, não poderia ficar ali sem me entregar.

Virei-me querendo desviar minha atenção. E lá estava ele, Zero Kiriyuu, de flerte com alguma garota. Não o havia avistado ainda, seu sorriso malandro tentava convencer a garota a ficar com ele. Seu sorriso era provocante e ele falava ao seu ouvido. Passei a mão em meu rosto, enxugando a lágrima que caia dos meus olhos, uma idéia me veio à mente e saberia que as conseqüências não seriam boas. Havia um sentimento ruim dentro de mim que precisava extravasar.

Eu comecei a analisá-lo, estudando minha presa. Ele se virou para mim como tivesse um imã e começou o jogo. Ele me olhou de cima a baixo, parando demoradamente em meus seios. A menina ao seu lado tentava lhe chamar atenção inutilmente. Ele estava interessado em mim, seus olhos ardendo. Eu baixei meu rosto, deu um risinho, então o encarei, ainda sem levantar o rosto. Separei levemente meus lábios o chamando. Zero andava lentamente em minha direção.

Não ouve palavras, nada havia a ser dito. Ele agarrou meus cabelos com uma das mãos e forçou minha cabeça para trás. O beijo foi rápido e me surpreendeu, sua língua em minha boca quase me forçou a afastá-lo, mas eu havia pedido por isso, eu queria isso, para aquele sentimento de vingança se esvair, se saciar. Fechei os olhos e o deixei que fizesse.

O beijo parecia demoradamente longo, mas isso bastaria, abri os olhos e comecei a procurar Kaname em meio às pessoas. Ao abri-los não foi necessário procurar, pois ele estava em cima de mim, seus olhos em fúria. Empurrei Zero numa reação instantânea, mais de defesa. Kaname partiu para cima dele, o pegou pelo colarinho de sua camisa meio aberta e lhe deu um soco pelo queixo, Zero cambaleou e não chegou a cair se apoiando no pé direito. Ele veio para revidar, mas Kaname o golpeou primeiro. Um grito ecoou no meio a confusão, me impressionei ao perceber que o som vinha partido de mim.
Eles pararam momentaneamente, os olhos de todos fixados em mim, os seguranças se aproximavam rapidamente e os separaram antes de pudessem recomeçar a briga.

- Fique longe dela Kiryuu! – Kaname gritou antes que os seguranças chegassem.

Eles o seguraram os afastando, os olhares da festa todos sobre nós, pensava que meu irmão sentiria uma profunda irritação, até mesmo ciúmes, mas não isso, era muito a mais do esperado.

- Ficaria impressionado se dissesse que foi ela que me quis. – Zero falou no mesmo tom de tom de provocação.

- Isso é verdade Yuuki? – seus olhos se viraram para mim e me fitavam.

- Erm! Bem... – eu queria mentir, mas não podia, não conseguiria.

Seus olhos analisavam minha expressão, então abaixei meu rosto para não encará-lo. Ele segurou meu queixo com força e forçou a troca de olhares, estava desnorteada com a situação.

- Tsc!

 Ele começou a me arrastar, me puxando pelo braço, ignorando qualquer possível contestação minha. Todos a nossa volta nos olhavam, seus olhos nos julgam, cochichavam sobre nós, coisas que me forçavam a ouvir. Era uma situação humilhante, em proporções que não imaginava, as meninas do meu colégio me olhavam com desdém. “E se contarem ao meus pais?”. Comecei a entrar em pânico.

Seus olhos cintilavam de raiva e meu braço começava a ficar vermelho e doer, ele me apertava muito forte. Nós saímos do bar e quando os seguranças pensaram em se mover para nos impedir, ele ergueu a carteira de identidade e falou com a voz firme:

- Sou o responsável por ela.

Eu mordia meu lábio inferior fortemente, tentando segurar o choro. Era humilhante. Eles verificaram rapidamente e permitiram sua passagem. Chovia fracamente, os pingos deixando marcas no meu vestido de cetim. Ele continuou a me arrastar até um beco próximo a localização, ainda podia ouvir o som da música que tocava lá dentro, nessa hora pensei na Yori e no Zero, eles teriam visto? Teriam percebido o seu papel nesta trama? Estava escuro e estava com medo, aquela expressão no rosto de Kaname me assustava e afligia profundamente, nunca o tinha visto dessa forma, não com essa raiva tão intensa que emanava em sua pele e me causava arrepios, era aterrorizante. Próximo a entrada do beco, ele me jogou contra a parede, seus braços rapidamente se posicionaram na altura de meu rosto, me fechando em um cerco. Estava paralisada de terror.

Seus olhos estavam baixos, como se evitassem os meus. Eu não ousei fazer qualquer movimento e nem podia, cada músculo meu se recusava mexer. Eu ofegava, minha respiração alta e a dele em sincronia com a minha. A chuva engrossava e o clima ficava mais tenso, não me lembro por quanto tempo ficamos ali parados. Por momento achei que ele iria dizer algo ou fazer um movimento, mas meus olhos me enganavam e ele permanecia parado, sua respiração ficando descompassada.

- Não sabe como é difícil para mim, não é? – ele disse finalmente.

Não respondi, não havia o que responder. Mesmo que fizesse uma vaga idéia meu medo não me deixaria abrir os lábios e conjurar uma frase sequer. Seus dedos trêmulos tocaram meus lábios de modo investigativo e cada pequena distância percorrida ele parecia se martirizar. As lágrimas corriam em meus olhos e se misturava com a chuva, o gosto salgado entrava na minha boca, agora aberta por seus dedos.

- Não faz sequer idéia do por que fui embora Yuuki? – seu rosto ainda baixo.

Ainda muda fiz um gesto negativo com a cabeça. Por que ele falava daquilo agora?

- Foi por você.

- O q-que q-quer di-dizer com isso? – finalmente consegui falar, ainda que gaguejando.

- Por que ficou com aquele cara? – mudou de assunto.

- ... – engoli seco.

- Yuuki?

- Por que ficou com a Yori? – rebati, minha raiva explodindo.

Seus olhos se arregalaram por um instante, depois demonstravam compreensão.

- Eu não quis aquilo Yuuki, ela começou a me beijar. – sua voz calma.

- Yori não é assim. – menti, todo o pesar carregando minha voz. Eu sabia como Yori era, ela era exatamente daquele modo.

- Foi por isso que beijou o Kiryuu?

- Não diga besteiras. – disse rispidamente, tentando inutilmente me desvencilhar do cerco que havia fechado. Ele me pressionou mais contra o concreto duro.

- Yuuki, você me ama? – seus olhos fitando diretamente os meus.

- É claro que amo. – respondi ainda ríspida. Que pergunta idiota era aquela, ele era meu irmão afinal. Mas eu sabia que tipo de amor sentia.


- Ele não é a melhor pessoa para você. – seu tom de voz dura.

- Certo! ENTÃO QUEM É? – gritei.

- Eu.

Ele se inclinou para mim em direção aos meus lábios, não consegui me mover. Seus lábios urgentes nos meus. Ele se virava de um lado para o outro me beijando com vigor, ainda assim seus lábios eram delicados. Ele colocou sua mão em meu pescoço e a outra em minha cintura e me puxou contra seu corpo. Seu beijo intenso fez meu corpo ficar quente e me obrigava a corresponder, levantei minhas mãos e quando ia lhe fechar eu um abraço ele me largou e se afastou. Sua respiração estava descompassada, os cabelos molhados pela chuva. Fiquei parada estática e sem fôlego.

- Hahahaha! – começou a gargalhar sem razão aparente. – Isso não está certo não é? – seus olhos expressando todo seu sofrimento.

Não suportei vê-lo naquele estado, me fazia sofrer tanto quanto ele. Estava desnorteada, cambaleei até ele e o abracei com força.

- Está tudo bem, vamos arranjar uma solução para isso. – tentava consolá-lo, mas que solução haveria neste caso.

- Não podemos Yuuki, eu já tentei. Quando fui embora. – ele chorava em meus braços, parecia uma criança desamparada.

- Era disso que dizia agora há pouco. – minha mente começa a clarear.

- Eu sempre a amei Yuuki, sempre. – se soltou de meus braços e me encarou. – Não podia suportar não poder tocá-la, sentir o gosto dos seus lábios, sequer poder dizê-la o quanto a amava.

- Agora você pode. – o encorajei.

- Não, não posso. Do que adiantaria? Nunca poderemos ficar juntos Yuuki, é... – se esforçava para conjurar a palavra – pecado.

A palavra me atingiu como uma pontada, me fazendo afastar como se tivesse repudio, que pessoa infeliz eu era.

- Não é apenas isso. – Poderia haver mais? – As pessoas desconfiariam, elas nos olhariam com horror, nunca poderíamos andar de mãos dadas, você suportaria isso Yuuki?

“Não” – pensei. Saberia que uma pessoa fraca como eu não agüentaria tão situação, não gostava de ser rejeitada pelas pessoas, não sabia como era ser repudiada.

- E tem a nossa mãe...

- Nossa mãe? – eu o interrompi.

Ele fez um sinal positivo com a cabeça, senti o terror me atingir, meu coração agora acelerado.

- No dia em que você adormeceu em meu quarto, eu a levei para sua cama... – parou por um instante, analisando as palavras que diria. – Entenda Yuuki, você era um anjo, tão linda! Deixei que meus lábios tocassem os seus.

- Me beijou. – o sonho, aquilo não era um sonho.

- Sim. – não havia sido uma pergunta.

- E nossa mãe viu. – senti toda a aflição na minha voz.

- Sim. – novamente não era uma pergunta.

Eram coisas demais para se pensar, tentava lembrar como respirar antes de pensar em correr, mas meu corpo não me obedecia, parecia que estava com o botão [i]“stop”[/i] ligado. Tudo girava ao meu redor e não me sentia bem, estava tonta e meu estomago embrulhava. Seria o peso da culpa? Ela havia sido contra nossa viagem. Minha mãe. Poderia ser pior? Se fosse uma pessoa de fora, negaríamos, porém se ela sabia e desconfiava. Era pior, muito pior, as conseqüências de nossos atos caía em cheio sobre nossas cabeças.

- Yuuki, você está bem? Quer que eu te leve para casa? – ele me sacudia me tirando das minhas abstrações.

- Não. – era apenas o que conseguia murmurar. – não, Não, NÃO!

“Não há salvação”, pensei. Juntei todas as forças que tinha e me pus de pé, olhei em seus olhos surpresos e me virei em direção à rua, dei alguns passos lentos, olhei para os lados desnorteada. “O que faria?”, não tinha a resposta para essa pergunta. Comecei a correr, sem olhar para trás deixei que meus pés me guiassem. Ouvi os berros de Kaname ao fundo, mas não me virei, não olhei, apenas não podia voltar, não havia como voltar.

Não sei por quanto tempo corri, minhas pernas doíam e não parava. Não sabia se Kaname havia me seguido, mas não ouvia mais passos e nem o motor do carro. Parei ofegante e me encostei-me a um poste, a respiração ofegante. Surpreendi-me ao ver onde estava, era a mesma pracinha daquela noite, a noite que ele me deixou. O cheiro de areia molhada entrava em minhas narinas e senti o gosto da melancolia me assolar. Deitei-me no chão e ali adormeci.

O cheiro da areia molhada havia desaparecido, estava seca e sol penetrava o ambiente. Forcei meus olhos pesados a abrir, estava no meu quarto, será que Kaname havia me encontrado e levado para casa? Eu não sabia, mas não sei ao certo se me importaria saber a resposta. Naquele momento preferia ter sido engolida pela terra, desaparecido. Fui surpreendida por um pontada de dor, pareciam mil agulhas que me espetavam por dentro, sentia meu corpo frio, mas minha pele queimava ao simples toque do edredom.

Ainda sentia o gosto de seu beijo em mim e com ele um turbilhão de sentimentos que me invadia, eu não saberia dizer com precisão o que sentia, mas se tentasse diria que é uma mescla de amor e ódio, esses sentimentos tão opostos e tão comuns. O amor eu dedicava a Kaname. E o ódio a mim mesmo, por perceber que estava amando meu próprio irmão.

Fiquei fitando o teto por um momento que me pareceu uma eternidade e voltei a adormecer. E sem notar, estava sonhando. Eu estava sozinha no escuro, as mãos sobre a cabeça, encolhida no chão, ouvia vozes que viam de todos os lados, elas caçoavam e riam de mim. “Nojento”, “Pecado”, “Repugnante”, “Horrível”, quantos mais poderiam dizer? Os sons se misturavam torturavam minha cabeça. Kaname estava entre eles, era o único que via, o que único que não me acusava, seus olhos transbordando de tristeza encontravam os meus, ergui minha mão tentando alcançá-lo, mas ele se transformou em fumaça e sumiu. Não apenas ele, mas as vozes, as pessoas, só me restavam a agonia e o tormento, não saberia se poderia me livrar destes últimos.

Estava novamente no meu quarto, as luzes apagadas, já era noite. A luz da lua insistia em entrar em entrar na fresta das cortinas e me incomodava. Não iria me levantar para fechá-las melhor, não tinha força para isto. Meu estômago doía freneticamente e me perguntava a quanto tempo não comia, ou melhor a quanto tempo dormia. Olhei para o lado e o relógio apontavam 22:00 horas, teria dormido o dia inteiro? O som por trás da porta do meu quarto irrompeu meus pensamentos.

- Precisa ajudar ela! – era a voz de minha mãe, ela estava exaltada e podia jurar que chorava. – Não acorda faz três dias e esta ardendo em febre.
“... três dias...”, poderia estar dormindo por tanto tempo? Levei a mão a minha testa, ela queimava como fogo.

- Não chore Juuri, eu verei o que posso fazer. – uma voz desconhecia a reconfortava.

Eu havia a feito chorar, minha doce mãe, sempre alegre. Que ser eu era? Esse ser nocivo que só faz mal, que magoa as pessoas. Kaname. Por que tinha que ser assim? Eu era um veneno, uma praga, que destruía tudo que tocava. Eu não merecia perdão, eu merecia a humilhação, a dor e a morte.

A porta se abriu e a luz do corredor invadiu o quarto, minha mãe ligou a luz e me escondi por baixo do cobertor, fechei meus olhos fortemente tentando me adaptar a luz forte.

- Está acordada Kuran Yuuki? – um homem sentou ao meu lado na cama e puxava o cobertor para ver-me.

Pude ver as feições do homem ao meu lado, por um momento o achei parecido com minha mãe, mas os seus olhos possuíam cores incrivelmente diferentes. Ele trajava apenas roupas brancas e ao pegar uma pequena maleta e remexe-la compreendi o que ele fazia ali.

- Mãe, quem é ele?

- Esse Kuran Rido, é médico, veio examiná-la. – minha mãe respondeu docemente, agora mais calma.

- Não preciso de médico. – objetei.

- Sua temperatura não diz isso, esta com quase 40 graus de febre. – o homem sorria ironicamente. Não havia percebido o termômetro em minha axila.

O ignorei e voltei a me dirigir a minha mãe.

- Você disse Kuran? – perguntei ao perceber o detalhe.

Não havia muitos membros na nossa família, ela se encontrava em um número bastante reduzido, sendo em sua maioria muito idosos. Sabia que meus pais era primos de segundo grau, eram parentes relativamente distantes, seria esse homem também um parente distante da antiga família Kuran? Voltei a olhar para o homem ao meu lado que agora media a minha pressão, seus olhos concentrado no trabalho. Aqueles olhos. Lembrava-me vagamente deles, mas não sei de onde, como podia ter esquecido esses olhos tão marcantes?

- S-sim. – minha mãe respondeu indecisa. – Ele é seu tio Yuuki, meu irmão.

- Tem um irmão? – perguntei surpresa, minhas sobrancelhas se unindo.

- Acho que não falam muito de mim aqui. – falou sem humor.

- Entenda Yuuki, é uma história longa, falaremos quando estiver melhor, sim? – sua voz tinha uma pontada de aflição.

O que poderia haver entre eles que a deixaria tão aflita? Uma briga de família? Era possível, não éramos uma família tão unida quanto às aparências afinal. Pude ouvir a som da porta se abrindo violentamente, meu pai cortava o ambiente a passos duros.
- Como vai Rido? – Haruka perguntou forçadamente.

- Bem e você, Haruka? – retribuiu inexpressivo.

- Tsc! – bufou, seus olhos estavam flamejando. – Posso conversar com você por um instante Juuri?

- Sim. – ela tentava aparentar estar calma, mas sua expressão não me enganava.

Eles se dirigiram até a porta e minha mãe a fechou cuidadosamente tentando evitar alarde. Eles não se afastaram muito, ao menos ainda podia ouvir a voz de pai alterada, a voz de Juuri não era mais que um sussurro aos meus ouvidos. Tentei ao máximo me concentrar no que falavam.

- Por que o trouxe aqui? – Haruka esbravejava.

- Não havia muitas opções. – Juuri respondia pacientemente.

- Mas logo seu irmão? Sabe que não gosto dele. – resmungava.

- Eu sei, mas... – se interrompeu, creio que decidiu adotar um novo método - Nenhum médico que conhecemos estava disposto a atendê-la em casa, foi no único que pensei, o único que...

- Arranjasse outro. Qualquer um. – disse rispidamente.

- Não irei colocar a saúde de minha filha nas mãos de qualquer um. – a voz da minha mãe finalmente se alterava.

- Eles estão discutindo? – perguntei me virando para meu tio, o pânico em minha voz.

- Não sei. – era indiferente.

- Eles não deviam discutir. – senti toda a tristeza me consumir.

- Que seja. – disse trincando os dentes.

“Que homem grosso”, pensei. Era de se entender meu pai odiá-lo. Mas havia mais, algo que não sabia, que vinha antes de ter consciência para entender tais problemas familiares. Senti minha curiosidade aguçar, mas não ousava perguntar. Ouve um silêncio breve.

- Me perdoe. – a voz do meu pai estava calma e creio que a compreendeu enfim.

Pensei se ele não estaria a abraçando gentilmente neste momento, como sempre fazia ao pedir desculpas. Senti inveja deles, podiam se acariciar, brigar e pedir perdão com um beijo como todos os casais. Dizer que se amavam e todos gostarem de vê-los juntos.

- Yuuki? – Rido me olhava pela primeira vez com algum sentimento.

Percebi que estava chorando, levei a mão aos meus olhos tentando inutilmente disfarçar meu estado deprimente.

- Dói não é?

- O-o q-que disse? – eu soluçava.

- Quando o destino luta contra a gente, quando sequer há uma possibilidade. – sobre o que ele estava falando, era como se entendesse o que sentia.

Ele se levantou em um salto quando a porta de abriu, minha mãe entrou no quarto e me olhava carinhosamente. Ainda me olhando perguntou:

- Como ela está?

- Tem umas quatro doenças diferentes. – os olhos de Juuri se arregalaram. – Não há muito que fazer, vou receitar algo para baixar sua febre e ela tem que se alimentar rapidamente.

- Ela comerá imediatamente, só o tempo de preparar.

- Prefira alimentos não muito sólidos, será mais fácil forçá-la a comer deste modo. – ele me encarou com rigor.

- Forçá-la? – mamãe repetiu.

- Não menospreze o que ela tem passado, não é uma doença que se pega, mesmo que ficar boa parte da noite na chuva tenha contribuído, ela está neste estado porque quer permanecer assim. – ele olhava para minha mãe com toda a rigidez que sua voz tinha.

- Então é psicológico? – ela segurava o choro, o choque em seus olhos. – Devemos contratar um psicólogo, um psiquiatra? – não sabia ao certo.

- Talvez seja mais complicado que isso. Por hora cuide dela fisicamente. – inclinou a cabeça numa mesura e foi até a porta.

Ao abri-la Kaname estava parado na frente dela, talvez criando coragem para entrar. Ele havia escutado o que Rido falou? Seus olhos diziam que sim, toda a culpa carregando seus olhos castanhos avermelhados. As lágrimas começaram a rolar sem que conseguisse evitar, minha mãe me abraçou fortemente e afoguei meu rosto em seu peito, os soluços se tornando gritos de dor. Antes que afundasse mais meu rosto pude ver Rido desviando seu olhar de Kaname para mim, consecutivas vezes, sua expressão clareando com o entendimento. Por um momento achei que meu irmão cairia de joelhos, porém ele saiu do meu campo de visão antes que suas pernas tombassem.


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Notas finais do capítulo

“- Me beijou. – o sonho, aquilo não era um sonho.”
Vide o capítulo 2

“Ela havia sido contra nossa viagem.”
Vide capítulo 3

“Surpreendi-me ao ver onde estava, era a mesma pracinha daquela noite, a noite que ele me deixou.”
Vide capítulo 1



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