Eu gosto muito do meu novo carro. Quando digo "novo" estou sendo bem gentil, já que uma lata velha como um Mustang vermelho 1978 não pode ser chamada gentilmente de "nova". Mesmo assim, meu pai fez questão de instalar um rádio novo em folha no meu amado Mustang.

No caminho para a casa do Isaac, nem pensei em ligar o rádio. É uma viagem tão curta que nem vale a pena.

Estacionei na porta da casa dele. Com dificuldade, tirei o cilindro de oxigênio do banco do carona, e me arrastei até a porta do Isaac, sem não me esquecer de trancar o carro, claro. Ora, não é porque o carro é velho que tem que ser largado aberto para qualquer um roubar (m/a: u.u).

Toquei a campainha e já ouvi um dos sons que mais me agrada ultimamente: o latido de Blackjack, o cão de Isaac. Dois anos após a morte do Gus, os pais do Isaac rondavam no centro da cidade, fazendo sua caminhada rotineira.

Ao pararem em frente a uma loja de animais, eles se depararam com um lindo labrador preto, que abanava o rabo de modo simpático. Mas o que mais chamou a atenção de ambos foi os lindos olhos do animal, sendo que um era verde e o outro de um lindo tom mel. Levaram o cachorro para casa, e apesar dele não ser treinado como cão guia, possui uma inteligência extraordinária, desenvolvendo uma incrível capacidade de proteção ao Isaac.

Sinto por ele, que nunca poderá ver os lindos olhos de Blackjack.

Mas isso não importa agora. Vamos continuar com a minha chegada a casa do Isaac. Ele mesmo atendeu a porta, pedindo para Blackjack ficar quieto. Fiz um carinho em sua cabeça e entrei na casa.

– Como está, Hazel? Você parecia meio abalada ao telefone. - ele disse, preocupado como sempre.

E aí vem a pergunta: como assim "como sempre"? Sim. Desde que o Gus se foi eu o Isaac somos como melhores amigos, já que um faz companhia para o outro. E claro, um consola o outro. Um final estranho para uma história mal contada.

– Estou bem, Isaac, não precisa se preocupar. - respondi. - Posso entrar?

– Claro.

Sentamos no sofá, ligamos a televisão. Isaac já foi logo deitando no sofá, com a cabeça apoiada no meu colo, folgado como sempre.

– Sabe, eu sonhei com o Augustus hoje a noite. - ele disse.

– E como foi o sonho? - perguntei.

– Ele falava comigo, sabe? Pedia pra eu cuidar de você, disse que não gostava de ter te deixado aqui "sozinha". - ele fez aspas com os dedos nesse ponto. - Ah, e ele também fez aspas com os dedos. Acho que ele sabe que estamos cuidando um do outro. - ele sorriu pra mim. Sorri também.

– É... Acho que ele sabe sim. - uma pausa. Depois de algum tempo em silêncio, eu disse: Eu vi o clipe da música favorita dele hoje na MTV. Por isso eu estava meio triste ao telefone. - suspirei. - Tudo me lembra ele... Mas eu tenho que superar.

– Detalhe: NÓS temos que superar. - ele disse, irônico. - Eu era amigo dele também.

– Desculpe. - outra pausa. Uma maior desta vez. Odeio silêncio sabia? Às vezes ele age fazendo as pessoas deixarem de dizer coisas importantes, e isso me incomoda.

– Tudo bem. - ele suspira longamente. - Eu vou dizer uma coisa que pode até te chatear, mas eu meio que preciso dizer.

– Manda. - eu disse, me sentindo tranquila em relação ao que quer que ele precisasse falar comigo. Ele era meu amigo, não diria nada por mal.

– A única coisa que eu realmente queria era poder ver esse clipe novamente. Só VER. O maior contato que eu consigo com o Gus e ouvir as músicas dele e ler as versões dos livros que ele gostava para cegos, que minha mãe conseguiu para mim. - Outro suspiro. - Me desculpa por isso... Precisava me lamuriar como sempre, já que não consigo superar o fato que ele se foi.

– "Detalhe: NÓS." - fiz entre aspas imitando a voz dele, e conseguindo arrancar uma risada de nós dois.

Mesmo que sempre tenha algo ruim acontecendo conosco, coisas boas também vem. Se você terminar com um ficante, pode ser que ele não fosse o cara certo pra você. Se você fica de recuperação ou com nota vermelha, pode ser que você esteja precisando estudar mais. Se você perder alguém que ama, pode ser que estejam precisando de mais um anjo no céu.

E ESSE é o motivo. O Augustus era um anjo, e precisavam que ele voltasse ao céu.