Olá Garoto Do Espaço! escrita por Perséfone tenou


Capítulo 1
Olá, garoto do espaço


Notas iniciais do capítulo

Este conto foi escrito para participar de uma coletânea proposta pelo Blyme Yaoi, infelizmente até este momento não fui informada se ele foi classificado para figurar na coletânea, e pelo fato de já ter se passado mais de um mês da data limite para o anuncio dos vencedores, achei que seria digno dar a ele a chance de que alguém lesse. Não apresenta lemon, pois esta foi uma das exigências para participar da coletânea, mas, futuramente, dependendo da repercussão, eu posso fazer uma continuação.



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Voltava para casa e apesar de ter sido seu ultimo dia de aula antes das férias, ficou duas horas a mais de castigo por ter brigado com um colega. Mas ele não devia ter ofendido a memória de sua mãe. Estava com 14 e há quase 08 anos sua mãe falecera em decorrência de um câncer extremamente agressivo. Então ele passou a viver com o pai, que após alguns meses de viuvez, arranjou outra mulher.

A vida não era simples. Estudava durante a manhã e a tarde ajudava no mercadinho do pai, sempre sendo repreendido e diminuído pela madrasta a todo o momento. A coisa que mais gostava era aquele trajeto da escola até em casa, pois pelo fato de morarem na área rural, não havia quase nenhum transito, com exceção de alguns carros de boi que passavam de vez em quando. E ele podia assim apreciar a paisagem e espairecer dos problemas que o esperavam quando chegasse.

O céu estava começando a escurecer e as primeiras estrelas já davam sinais de vida, foi quando ele viu um clarão, como o de uma estrela cadente, cortar o céu e cair no meio da plantação de café da família Silveira. Em seguida ouviu um estrondo surdo que fez seus ouvidos doerem. Olhou para os dois lados da estrada, não havia ninguém. Resolveu pular a cerca para ver o que foi aquilo, sua curiosidade era tanta que mal conseguia se conter.

A cada passo que dava em direção ao cafezal, seu coração respondia com uma pulsada nervosa. Passou a mão pelos cabelos castanhos e cacheados em um tique-nervoso enquanto se forçava a continuar andando. Conforme foi se aproximando do meio da plantação, notou que uma fumaça de cor estranha, um verde escuro que em alguns momentos beirava o preto, subia em espiral para o céu. O cheiro era insuportável, como enxofre e ácido sulfúrico. Podia assimilar os odores, pois já os havia estudado nas aulas de química.

Foi se embrenhando no meio dos pés de café até chegar a uma clareira, causada pelo objeto que pensou ser um meteorito, mas ao se aproximar, constatou se tratar de algo bem diferente. Maior e mais elaborado.

Completamente cromado, com um formato oval, sem portas ou janelas e sobre um par de pés semelhantes aos dos helicópteros, estava à coisa que caíra do céu, a qual emitia um ressonar metálico. Pensou em dar meia volta e ir para casa, mesmo que ninguém acreditasse na sua história, pelo menos lá estaria seguro. Chegou a fazer menção de se virar, quando ouviu uma voz fraca e ofegante dentro de sua cabeça, falando com ele.

Coloque sua mão na frente... Para abrir... Por favor...

Pensou que estava enlouquecendo, talvez fosse efeito colateral dos pesticidas utilizados no cafezal ou talvez... Mas aconteceu algo que lhe deu calafrios e o fez obedecer de pronto o pedido anterior. A mesma voz repetiu a frase com o acréscimo de seu nome no final.

... Por favor, Cláudio.

Lentamente levou a mão até o que julgava ser a frente daquela coisa e encostou a palma contra a superfície, ouvindo uma liberação de vácuo para logo em seguida os contornos de uma porta, que logo se abriu, se formaram. E então um clarão tomou conta do lugar, e por instinto, Cláudio cobriu os olhos.

Aos poucos uma forma sólida começou a surgir cobrindo a luz o suficiente para que o jovem pudesse olhar. Milhares de coisas passaram por sua cabeça, até que o ser que saia de repente cambaleou e caiu inconsciente em cima de Cláudio, o qual o amparou da melhor forma possível.

Em seus braços estava uma criatura pálida, sem qualquer pelo ou cabelos e apesar de ter uma aparência de menino, pode notar, já que o ser estava nu, que o mesmo era assexuado. Tanto braços quanto pernas eram delicados e de aparência quebradiça. A única parte da criatura que tinha alguma coloração eram os lábios, róseos e visualmente macios.

Tentado por sentir a maciez daquele local, Cláudio deslizou delicadamente o polegar por sobre a pele morna e suave dos lábios e como em uma reação de reflexo, o ser em seus braços abriu os olhos. Duas pupilas totalmente negras que pareciam absorvê-lo o encararam fixamente para em seguida um sorriso pálido de agradecimento surgir no rosto do ser.

Me nome é... Impossível de ser pronunciado na sua língua, mas pode me chamar de Mercutio, pois sou de um pequeno planeta próximo de Mercúrio. E sim, estou falando dentro da sua cabeça e você também pode me responder mentalmente.”

Mercutio se mexeu nos braços de Cláudio, sentando-se com dificuldade no chão do cafezal. O garoto lançou um olhar para a casa grande, comprovando o que já sabia, os Silveira haviam viajado para o casamento de um parente e não voltariam tão cedo.

Agora eram apenas ele e aquela criatura extraterrestre. Tal constatação o encheu de medo, impulsionado pelo que havia lido nas histórias de ficção cientifica. Suas pupilas castanhas se arregalaram em um ato-reflexo que não passou despercebido pelo ser em seus braços. Mas antes que o pensamento se completasse na sua cabeça, Cláudio sentiu os dedos longos e frios de Mercutio tocando sua face e ao encará-lo, ouviu palavras que o tranquilizaram.

Estou ferido, jamais faria mal a você. Preciso de sua ajuda para retornar ao meu planeta.”

– E como eu posso ajudar? – se esqueceu de que não havia necessidade de falar e perguntou, recebendo em resposta outro sorriso pálido enquanto os olhos de um negrume profundo se contraiam e Mercutio levava uma das mãos até o lado do corpo, onde havia uma ferida de tamanho considerável da qual vertia um liquido viscoso e brilhante, como prata derretida.

vê? Estou perdendo meu fluido vital... No prazo de algumas horas, minha luz se apagará por completo. Por favor, me ajude.”

Sem pensar em mais nada, Cláudio embrulhou o ferimento com sua camisa e colocou o alienígena sobre suas costas, amparando-o por sob as coxas e começou seu trajeto de volta para casa. Não sabia exatamente o que faria, mas precisava tirá-lo dali.

***

Ele era leve e respirava suavemente contra seu pescoço, pois adormecera durante a caminhada. De tempos em tempos soltava pequenos gemidos de dor, os únicos sons que saiam daquela boca delicada. Logo avistou a fazenda onde morava, a luz da casa principal estava acesa, o que indicava que sua madrasta ainda estava acordada. Isso dificultaria bem as coisas, mas Cláudio daria um jeito, pois tinha se afeiçoado por aquele ser único e queria ajudá-lo.

Contornou a casa e abriu lentamente a janela de seu quarto, embaixo da qual ficava a cama. Assim que conseguiu espaço suficiente, passou o pequeno alienígena para dentro do cômodo, depositando-o com cuidado na cama. Mercutio soltou um suspiro de total relaxamento em resposta. Assim que deixou sua preciosa carga segura dentro do quarto, Cláudio voltou a fechar o vidro e entrou pela porta da frente, sendo repreendido e questionado pela madrasta, a qual queria saber onde havia se metido o dia todo?

– Como assim o dia todo? Eu fiquei apenas duas horas a mais que o normal fora de casa. – respondeu o garoto, finalmente prestando atenção no céu lá fora, estava escuro. A mulher informou que já passava das dez da noite e que seu pai ficaria fora durante todo o mês, pois viajara para resolver compras e vendas de produtos da fazenda.

– Estive... Conversando com um amigo e perdi a noção do tempo, isso não vai mais se repetir. – rumou para o quarto, ouvindo-a balbuciar, “não vai mais se repetir mesmo”, mas estava preocupado demais para dar atenção ou remedá-la.

Abriu a porta e a luz da lua iluminava o corpo pálido e visualmente perfeito de Mercutio, sua camisa ainda estava amarrada nos quadris delicados e o tórax lácteo se movia em uma respiração constante, mas muito lenta. Após se certificar de que seu “hospede” estava bem, foi até o banheiro pegar algumas coisas para tentar tratar do ferimento. Não sabia se funcionaria afinal medicina humana em um ser de outro mundo talvez não tivesse efeito, mas, não custava nada arriscar.

Embebeu um algodão em álcool e após descobrir a ferida, que parecia menor do que antes, deslizou o pequeno chumaço sobre o corte, fazendo com que Mercutio acordasse com o contato do liquido gelado contra sua pele.

– Só estou esterilizando o ferimento. Desculpe se te causei alguma dor. – disse Cláudio em resposta a pergunta muda feita por aquelas contas negras. Como agradecimento, foi brindado com outro daqueles lindos e diminutos sorrisos que estavam começando a cativá-lo.

O jovem sentiu então o toque frio dos dedos longos e pálidos do ser espacial acariciando sua mão com suavidade ao mesmo tempo em que seus globos oculares pareciam estar participando de uma crise convulsiva sob as pálpebras semiabertas. Cláudio se desesperou, pensando que podia ter agravado a situação dele ao colocar o álcool em sua ferida. Alguns segundos após o começo da “crise”, Mercutio soltou sua mão, relaxando completamente o corpo.

Você é muito infeliz aqui. Quer fugir e abandonar tudo para trás, esquecer que um dia pertenceu a esta vida, seus sentimentos estão vívidos e claros o suficiente para serem lidos através do tato.” – Cláudio começou a compreender que o que o outro estava fazendo não era uma convulsão, mas sim, uma leitura “corporal”.

Exato! Minha raça é dotada de uma grande sensibilidade sensorial. Podemos aprender sobre outras formas de vida através do toque. Quanto mais profundo for o contato, mais dados nós iremos absorver. Tocar a sua mão me deu uma rápida visão do que o aflige.”

– Como é... O lugar de onde você veio? – perguntou, tomado por uma curiosidade crescente, queria saber mais sobre o outro que parecia tão belo e frágil em cima de sua cama.

Mercutio contou que a atmosfera, clima e vegetação de seu planeta se assemelhavam aos da terra, por isso não houve dificuldades para respirar ou se mover. Eles não eram muitos, talvez uns 300 de sua raça habitassem o planetoide. E apesar de não terem uma divisão de gêneros tão clara quanto os humanos, eram divididos em dois grupos.

Eu sou o que vocês chamariam de sexo masculino” – completou o alienígena enquanto lentamente fechava as pálpebras, ocultando os dois círculos negros e profundos, mas apesar de parecer adormecido, enviou uma ultima mensagem mental para Cláudio.

Você precisa recuperar a minha espaçonave ou isso trará sérios problemas.” – o jovem humano encarou o ser adormecido por mais alguns segundos antes de pensar em como retiraria aquilo do cafezal sem ser notado. Dirigiu-se até o barracão onde ficava a carroça de seu pai e em silencio, levando o cavalo em um trotar lento, pegou a estrada e então correu até a fazenda dos Silveira.

O local estava deserto e não teve grandes dificuldades em entrar na fazenda. Parou com a carroça há alguns metros da espaçonave e se preparou mentalmente para levantar aquela coisa gigantesca. Mas ao puxá-la por uma das pernas, notou que o objeto era leve o bastante para carregar. Ainda surpreso com o que acabara de descobrir, colocou o objeto oval na carroça, cobrindo-o com um lençol e retornou pela estrada. Para sua sorte, não encontrou ninguém no trajeto. 

Ao entrar em seu quarto, encontrou o jovem visitante adormecido sob os lençóis, mas assim que se movimentou em direção a cômoda para trocar-se, ouviu a voz frágil do outro dentro de sua mente.

por favor, durma ao meu lado.” – não conseguia negar um pedido feito com tanta inocência e após se trocar, levantou os lençóis, dividindo a cama com o jovem, que permanecia nu. Assim que se deitou, Mercutio aconchegou a cabeça em seu peito, voltando a adormecer.

***

No dia seguinte, Cláudio acordou tendo sua cintura envolvida por um par de braços esguios e lácteos e se deu conta de que tudo aquilo não havia sido um sonho. Com delicadeza saiu da cama, trocou-se e então acordou Mercutio, que o encarou com aquelas orbes profundas a ponto de fazer o jovem se sentir desconfortável.

– Já é de manhã. O que você come? Minha madrasta pode não ser muito simpática, mas é uma ótima cozinheira. – disse rindo de canto da própria piada ruim. O outro esboçou um meio-sorriso.

Eu não me alimento. Vivo da filtragem que meu aparelho interno faz do ar, não se preocupe comigo, contanto que deixe uma fresta para o ar entrar, eu sempre estarei saciado.” – Concordou com um meneio de cabeça ao ouvir a explicação e ao lembrar-se que aquele era seu primeiro dia de férias, achou que seria divertido passá-lo na companhia de seu novo amigo.

– Me deixe ver seu ferimento. – Mercutio se sentou na beira da cama e olhou para as gazes que cobriam parte do lado direito do seu quadril e quando Cláudio retirou os curativos, o jovem extraterrestre esboçou um breve sorriso ao encontrar sua carne reconstituída e sem qualquer marca do corte.

– É... Incrível, como você? – indagou o humano com uma expressão pasma no rosto e os olhos castanhos arregalados. Em resposta a sua reação, Mercutio apenas sorria e lentamente sua voz ecoou dentro da mente do garoto, falando de forma tranquilizadora.

“Eu tenho uma rápida recuperação, qualquer ferimento infligido em meu corpo, cura-se rapidamente. Isso é uma característica comum a todos da minha raça.”– Cláudio se fascinava cada vez mais com as descobertas que estava fazendo sobre o alienígena, foi então que uma ideia lhe passou pela mente e sem ponderar muito, ele a disse.

– Sei que precisa consertar sua espaçonave, mas gostaria de ir até o lago comigo? Neste horário não deve ter ninguém lá e poderemos nadar um pouco. – percebeu que o outro ponderava mentalmente se devia ou não aceitar o convite, mas por fim acabou cedendo e após vestir algumas roupas antigas do rapaz, que couberam perfeitamente, saíram pela porta da cozinha, sem que a madrasta de Cláudio os visse.

Ao chegarem ao lago, os olhos de Mercutio pareceram brilhar diante da água e o verde ali dispostos, ele acariciou algumas folhas e delicadamente molhou a ponta dos dedos na água, fitando tudo com os lábios entreabertos em total surpresa. Foi quando Cláudio se descobriu apreciando a expressão fascinada do outro por coisas que para ele eram tão banais e pela primeira vez sentiu um aperto em seu peito.

Entrou no lago e convidou o extraterrestre a fazer o mesmo, ao notar o receio dele em ter contato direto com a água, acalmou-o dizendo para que entrasse, pois ele o seguraria e nada de mal iria lhe acontecer. Com tal promessa feita, Mercutio sentou-se na beira do lago e deixou que as mãos mornas do humano apertassem os dois lados de sua cintura, enquanto o baixava dentro daquela substância úmida e fria, mas ao mesmo tempo tão deliciosa.

Tendo o ser frágil novamente em seus braços, o garoto sentiu que seu coração começava a disparar e respirou profundamente, tentando controlar-se e aos poucos soltou Mercutio, que arriscou nadar um pouco para longe da borda.

Cláudio não sabia exatamente o que estava sentindo, mas tinha certeza que o que fosse, era impulsionado pela presença do outro. O breve contato da pele láctea e macia do outro contra a sua, o fez pensar em coisas que estava tentando ocultar dentro de sua mente. A atração irrefreável que sentia por alguns garotos e com a qual ainda não conseguia lidar.

Essa coisa chamada água é... maravilhosa”. – disse Mercutio dentro de sua mente enquanto exibia um sorriso deliciado no rosto miúdo. A cabeça sem cabelos parecendo uma peça de porcelana opaca e os grandes olhos de um negror profundo, pareciam brilhar ansiosos.

– é sim, pena que nem todos pensem assim. – desabafou o garoto humano enquanto ensaiava algumas braçadas pela extensão do lago, enquanto tentava organizar seus pensamentos. Afinal, apesar de ter o outro como “hospede secreto” dentro de usa casa por menos de um dia, havia começado a se afeiçoar pelo jeito tímido e gentil que ele apresentava.

Quase duas horas depois, resolveram voltar para casa, Mercutio entrou pela janela enquanto Cláudio abria a porta e era recebido pelo olhar furioso e pelas perguntas incessantes de sua madrasta, que parecia estar de péssimo humor pelo fato de não tê-lo encontrado em lugar algum da casa.

– Agora escute bem menino, não é porque seu pai não está em casa, que você poderá passar por cima de mim. – ela falava enquanto balançava uma colher de pau suja de comida bem próxima de seu rosto. Após mais algumas ameaças e exigências, ela o mandou ir lavar as mãos para almoçarem.

Ao passar por seu quarto, ouviu Mercutio dizer que gostaria de começar os consertos em sua espaçonave e que iria primeiro até o barracão, para analisar os estragos e ver o que seria possível fazer.

Vá fazer companhia a sua madrasta, mais tarde nós nos falamos.”

Após o almoço, durante toda aquela tarde, ele passou fazendo companhia para o alienígena, que de tempo em tempos lhe pedia alguma ferramenta, apontando-a com os dedos. No fim do dia, apesar de todo o esforço, só uma pequena parte do rombo no casco havia sido fechado.

Será um trabalho complicado e lento, mas eu agradeço pelo abrigo e pelos cuidados que está tendo comigo.” – aquele simples agradecimento fez com que um sorriso limpo e gentil surgisse no rosto de Cláudio, o qual, sem conseguir conter-se, abraçou Mercutio, sentindo a pulsação rápida e frequente do coração do outro contra seu peito. Estava se afeiçoando cada vez mais pelo outro conforme os minutos passavam.

– Você pode não acreditar, mas... Eu estou feliz que esteja aqui. – naquele contato direto, Mercutio absorveu uma série de informações guardadas dentro da mente do outro, inclusive algumas coisas que estava conseguindo decifrar. Também sentiu muita tristeza e mágoa vindas do jovem e sentiu-se comovido, retribuindo lentamente o abraço, envolvendo a nuca do humano e permanecendo naquela posição por alguns minutos que pareceram se estender.

Após um dia cheio, eles foram dormir. Novamente dividindo a cama, abraçando-se de forma inocente enquanto o céu se enchia de estrelas e a luz da lua invadia uma fresta da janela, iluminando um canto qualquer no quarto. Aquele foi o primeiro de muitos dias que passariam juntos, eles não sabiam, mas seus sentimentos estavam se desenvolvendo e se tornando mais fortes.

***

Nos dias que se seguiram, os dois intercalaram seus planos entre pequenas diversões sugeridas por Cláudio, como por exemplo, subir nas árvores apanhar frutas, alimentar os animais da fazenda entre outras coisas que não colocariam a presença de Mercutio em risco, com as reformas na espaçonave que aos poucos começava a readquirir a forma ovalada uniforme que tinha ao cair na Terra.

Eles estavam arrumando o estrago feito, quando ao tentar pegar uma ferramenta, a mão de Mercutio pousou sobre a de Cláudio e por alguns segundos eles permaneceram assim, apenas sentindo o toque morno e macio de ambos. De repente, o jovem humano puxou a mão, pois apesar de estar gostando daquele contato direto, ainda se sentia um pouco desconfortável.

Enquanto uma parte de sua mente lhe dizia para que esquecesse tudo e beijasse Mercutio, a outra o alertava para os riscos que tal ato poderia acarretar, desde uma ira irrefreável até mesmo talvez... Sua extinção completa. Afinal, ainda não havia visto todas as habilidades do extraterrestre.

Esse conflito interno o estava torturando desde o primeiro dia que encontrou Mercutio no cafezal dos Silveira e a cada noite que dividiam a cama, sentindo o calor morno e a pele sedosa dele próxima a sua, tudo se tornava ainda pior. Mas, ele se esforçava para se manter firme e respeitar o outro, acima de tudo, como o amigo que jamais tivera antes e então, como o amor que gostaria de ter um dia para si.

***

Os dias foram passando e a espaçonave estava sendo reconstruída com a ajuda do jovem humano e os conhecimentos do extraterrestre. O buraco no corpo da mesma estava ficando imperceptível e no final daquele 30 de julho, Mercutio informou que já era possível levantar voo.

Está tudo consertado, poderei partir amanhã à noite se não houver nenhum imprevisto.” – ao ouvir a frase dentro de sua mente, o até então visível sorriso no rosto de Cláudio foi substituído por uma expressão de pura tristeza. Afinal, naquele mês teve uma companhia maravilhosa, a qual percebeu naquele momento, estava começando a amar de uma forma além da amizade.

Você foi um bom amigo, espero pode recompensá-lo de alguma forma em um futuro próximo.” – Disse mentalmente enquanto os lábios róseos e os olhos de um negro completo pareciam lhe transmitir carinho, ao mesmo tempo em que espalmou a mão macia e fria contra a face morna e rosada do humano, mas desta vez, não estava procurando absorver informações, mas sim, apenas demonstrar seu afeto pelo outro.

Cláudio cobriu a mão em seu rosto com a sua própria, também sorrindo de forma genuína e aquele momento sublime poderia ter durado mais se sua madrasta não tivesse surgido na porta, avental sujo de farinha, os cabelos aloirados fugindo aos montes do coque baixo e as mãos totalmente cobertas de massa de pão.

– Eu preciso que vá a mercearia e me traga algumas coisas que estão em falta aqui em casa. – do ângulo em que ela estava, via apenas o garoto, pois Mercutio estava oculto pela parede do barracão. Os dois trocaram um rápido olhar cúmplice antes dele se dirigir até a porta onde a mulher esperava ao mesmo tempo em que o alienígena retornava para dentro do quarto do jovem, através da janela aberta.

Ela entregou uma lista com vários itens e frisou que não poderia voltar até que trouxesse tudo o que estava ali. Cláudio concordou e pegando a carroça do pai, saiu pela estrada, preocupado apenas com o fato de que no dia seguinte, o outro não estaria mais com ele.

***

Fazia um mês que Cláudio não a deixava entrar no quarto para limpá-lo, por isso a madrasta resolveu investigar. Aproveitou que o havia mandado ir até a mercearia na cidade, comprar algumas coisas e como sabia que o garoto demoraria pelo menos uma hora para voltar, decidiu investigar o cômodo.

Ao abrir a porta, para sua surpresa, deparou-se com uma criatura que parecia humana, de pele láctea e sem nenhum único fio de pelo ou cabelo no corpo. Um grito morreu dentro de sua garganta quando o ser aproximou-se dela, segurando-a pelo pulso. Logo em seguida desmaiou. Mercutio, sem grandes dificuldades colocou a mulher em cima do colchão. Aos poucos suas forças estavam voltando, ele constatou.

Ao tocar a madrasta, que se chamava Paloma, foi descobrindo que todo aquele ódio relacionado a Cláudio nada mais era que uma angustia pela perda de um filho do passado. Ela via muito do garoto no enteado e isso a entristecia e a fazia maltratar o menino, na esperança de descaracterizá-lo de seu falecido filho.

Mercutio, que não sabia muito sobre a raça humana, mas ele era extremamente sensível as emoções,percebeu que se aquela mulher fosse livrada da dor que a afligia, tudo naquela casa seria melhor. Sem pensar duas vezes levou a mão direita até o peito de Paloma, pouco abaixo do pescoço e a espalmou ali. Em poucos segundos um zumbido estranho começou a sair do corpo da mulher enquanto um brilho denso escorria do braço do alienígena para a pele da humana.

Você não precisa sofrer sozinha. Permita que eu retire sua dor e lhe deixe livre.” – foram as palavras ditas por Mercutio dentro do inconsciente de Paloma, que permanecia adormecida.

Foi quando ela soltou um gemido de dor e o brilho que saia do braço do extraterrestre se tornou escuro e passou a fazer um caminho inverso, entrando em seu corpo. E logo tudo acabou. Mercutio então depositou a mão sobre a testa da mulher e disse novamente dentro da mente dela.

Ame o filho de seu marido, da mesma forma que amaria sua própria criança, liberte-se do ódio e da culpa, pois ambos não lhe trarão algo de bom”. – disse o ser enquanto seu braço se tornava cada vez mais escuro.

Foi então a vez do Alienígena soltar um baixo gemido de dor enquanto fechava os olhos e levava a mão até algo em baixo da cama, uma pequena caixa cromada a qual abriu, despejando dentro dela um jorro de gosma negra que afundou na vastidão profunda do pequeno compartimento. Guardou a caixa novamente debaixo da cama e voltou-se para a madrasta e abaixando-se ao seu lado disse dentro de sua mente.

Agora acorde e volte para o que estava fazendo.” – ela abriu os olhos, sentou-se na cama, e fitou o quarto por alguns instantes para então sair. Paloma não sabia explicar, mas seu coração parecia muito mais leve e menos rancoroso.

Enquanto ela saia porta a fora, Mercutio, que se escondera em baixo da cama, esboçou um sorriso de contentamento, pois havia conseguido dar ao outro, um presente a altura de sua ajuda. O carinho e o afeto que sua madrasta negava até aquele momento.

Quando o garoto voltou da mercearia, horas mais tarde, Paloma foi recebê-lo na porta com um sorriso, o que o surpreendeu e o fez se questionar o que houve para uma mudança repentina de humor, mas, achou melhor não questionar. Afinal estava gostando bastante daquela “nova madrasta”.

No entanto, mais tarde em seu quarto, a mente do jovem não parava de fervilhar possibilidades para que não tivesse de se separar do outro, o qual dormia confortavelmente próximo a ele. Não queria deixá-lo partir, mas parecia não haver outra opção e sozinho em silencio, chorou pela separação daquele que foi seu primeiro amor.

***

O dia fatídico chegou. 31 de julho, a noite começou a cair e ambos arrastaram a espaçonave para fora do barracão, colocando-a em um lugar limpo e sem nenhum obstáculo para a futura decolagem.

Em poucos segundos o transporte espacial estava pronto, a porta aberta apenas esperando o embarque de seu navegador. Mas o extraterrestre relutava em partir, enquanto fitava os olhos caramelo do garoto humano. Sentia que algo não estava certo. 

– Bem, eu acho que chegou a hora. Eu realmente gostei do tempo que passamos juntos e vou sentir saudades de você. – disse Cláudio com lágrimas nos olhos, afinal, humano ou não, Mercutio foi seu primeiro amor juvenil.

O que é saudade?” – indagou o alienígena dentro da mente do jovem e em resposta mais lágrimas verteram de seus olhos. A ingenuidade do outro era tanta que chegava a emocioná-lo.

– Saudade é quando quem você ama, não está mais por perto. – disse enquanto secava as lágrimas com um movimento brusco da mão. Para sua surpresa, sentiu os dedos frios e macios acariciando seu rosto e ao encarar o outro, encontrou um singelo sorriso em resposta enquanto aqueles olhos de um negrume profundo pareciam lhe transmitir carinho, afeição e conforto.

Você me ama e eu a você... Por isso, lhe farei o ato mais intimo permitido entre nossa espécie... Só peço que me perdoe...”.

Sem aviso, Mercutio aproximou-se de Cláudio até que seus rostos ficassem a centímetros de distancia. Roçou então seus lábios róseos e macios contra os trêmulos e mornos do humano, em uma ameaça de beijo. Em resposta, o rapaz envolveu a cintura do extraterrestre com um dos braços e a nuca pálida com o outro, obrigando-os a colarem seus lábios.

Aos poucos, as bocas se entreabriram, dando passagem para as línguas, incertas, mas ainda assim ávidas por contato. Era o primeiro beijo de ambos, uma experiência única em todos os aspectos. Cláudio fechou os olhos enquanto sorvia do calor e da maciez que a boca de Mercutio lhe oferecia ao mesmo tempo em que sentia os dedos longos e finos do outro se enredando em seus cachos castanhos.

Após alguns segundos de contato direto, o jovem terráqueo começou a se sentir zonzo e sua mente foi entrando em um estado de dormência, até que finalmente desmaiou nos braços do alienígena, o qual o deitou delicadamente no chão de terra antes de espalmar a mão direta sobre sua testa.

As memórias que você tem em relação a mim irão desaparecer, será melhor assim... Para todos nós... Eu sinto muito, pois te amo demais para deixar que algo de ruim te aconteça...” – disse Mercutio dentro da mente adormecida de Cláudio e foi quando sentiu que algo morno e úmido escorria por seu rosto e ao levar uma das mãos ao local, constatou que fazia aquilo que os humanos chamavam de “chorar”.

Secou rapidamente as lágrimas e inclinou-se sobre o outro, que permanecia desacordado e indiferente a tudo que acontecia e pressionou seus lábios uma ultima vez antes de se levantar e rumar até a espaçonave. Assim que passou pela porta, esta se fechou sem qualquer barulho e após apertar botões no complexo painel de controle, o objeto levantou voo, distanciando-se da fazenda e em poucos segundos, do planeta Terra.

Ainda com o sabor daquele primeiro beijo em seus lábios, dado por um humano e com mais lágrimas nos olhos, Mercutio compreendeu uma frase que havia lido em um livro durante o tempo em que passou na casa de Cláudio.

Amar, muitas vezes é ter de dizer... Adeus.”*

Fim 


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Notas finais do capítulo

Olá gente, sei que esse texto ficou meio atípico, se comparado com meus outros trabalhos, mas a ideia era realmente fazer algo inocente e desprovido de sensualidade. Aos que leram, tenho apenas de dizer, Obrigada.

Estas notas serão curtas, pois estão sendo feitas de improviso, mas gostaria de explicar apenas sobre o título do conto olá, garoto do espaço, é na verdade uma homenagem aberta a música homônima de David Bowie e Petshop Boys Hello Space Boy, a letra pergunta em determinada parte você gosta de garotos ou garotas? Isso é confuso hoje em dia. Foi esse trecho que me fez querer escrever esse pequeno conto.

Como eu disse nas notas iniciais, futuramente, posso fazer uma continuação a volta do garoto do espaço, com ambos os personagens mais maduros e ai sim, poderia acontecer uma lemon. Mas é claro que tudo vai depender do interesse dos leitores sobre essa possível continuação.

Meu segundo conto que se passa no Brasil, mais uma vez eu não dei nome a cidade em que Cláudio morava então você que vive no interior, pode sonhar que esta história se passou na sua cidade, por que não?

E apenas para desencargo de consciência, não é que eu não goste de fazer trabalhos que se passam no Brasil, eu simplesmente tenho um gosto especial por cenários estrangeiros. Mas, futuramente, vocês verão outros trabalhos meus ambientados no nosso país, fiquem de olho.

O conto é curto, porque nós tínhamos um limite de caracteres, o que me travou bastante para escrever, confesso, por isso, se futuramente eu fizer uma continuação, prometo que ela terá pelo menos 30 páginas.

Uma única nota:
Amar, muitas vezes é ter de dizer... Adeus.: isto aqui, para quem não está familiarizado, é uma releitura da frase amar é nunca ter de pedir perdão, dita pelo personagem principal do livro/filme Love Story.

Enfim, esse texto, é talvez bastante ingênuo, mas era exatamente a forma que eu queria estruturá-lo. Na minha cabeça ou eu matava o Cláudio ou fazia o Mercutio ir embora, optei pela segunda opção, selando a despedida deles com um beijo.

Fico por aqui, lembrando que reviews são sempre bem-vindas e mais uma vez, Muito Obrigada por ler.



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