Seaweed Brain escrita por SeriesFanatic


Capítulo 16
Água do Lete




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Percy não se lembrava de muita coisa. Na verdade, ele mal se lembrava de seu nome. Ele sabia que se chamava Percy e que isso era um apelido, mas de qual nome, ele não tinha certa. Percival talvez. Qual era mesmo a cor do olho dele? Percy não sabia dizer. De seus cabelos? Também não. Nem de sua calda ou da cor de sua pele. Ele sabia que respirava debaixo d’água e que era um tritão, mas não tinha nenhum outro conhecimento sobre mais nada. A ida ao banheiro foi um inferno, ele não sabia como se aliviar. Sendo honesta, acho que ele nem sabia que aquele peso e aquela sensação de desconforto, queriam dizer que ele deveria ir ao banheiro.

Ele acordou num... quarto? E... qual era o nome da cor mesmo? Verde? Percy achava que fosse. Com... algumas coisas no teto, tudo da mesma cor... mas ele não sabia o nome daquelas coisas e nem o nome daquela cor. Ele achava que era azul. E estava... qual era o nome daquela posição? Deitado? Numa... ah... cama? De... hã... espuma? TUDO. Absolutamente TUDO, estava confuso na mente dele. Nadou até o banheiro e se livrou daquela dor incômoda, o que foi um alívio imenso. A cor de sua calda era... ele não sabia o nome, mas achava que era “roxo”.  Percy tentou falar, mas sua garganta estava muito seca, ele apenas emitiu alguns gemidos, como quando se está gripado e com a garganta inflamada. Apesar de tudo isso, ele sabia que havia algo errado. Um som ecoou, mas era baixo, então alguém entrou, no que Percy achava que era chamado de quarto, pela... porta? É, porta.

    - Está se sentindo melhor? – perguntou a tal pessoa.

    - Ah... – ele disse com a garganta arranhando.

    - Imaginei esse resultado. Felizmente você está vivo.

    - Ah...

    - Lembra quem eu sou?

Percy balançou a cabeça no que ele achava ser negação. Qual era a cor mesmo dos olhos desse alguém? Ele não tinha muitas memórias sobre cores; sabia que existia masculino e feminino, mas não sabia dizer qual dos dois sexos era aquela pessoa. Percy nem sabia dizer qual era o seu sexo.

    - Você está muito confuso, pelo que vejo. – disse a pessoa. – Acha que consegue formatar uma frase?

    - Ah... – ele se esforçou ao máximo.

    - Sinto muito que isso esteja acontecendo. Mas, honestamente, eu estou feliz por você está vivo. – respondeu.

    - Ah...

    - Meu nome é Paul. Eu sou o seu padrasto. Sabe o que quer dizer a palavra “padrasto”?

    - Ah...

    - Ok... que tal... pisque duas vezes para não e uma para sim, consegue fazer isso?

O que era “piscar”? Duas? Uma? A maioria das palavras confundiam Percy. E não de um jeito bom. Ele estava começando a ficar desesperado, mas não sabia que o nome do que ele sentia era “desespero”.  Na verdade, ele não sabia o que eram “sentimentos”, pois não se lembrava de nenhum; apenas tinha consciência de uma dor (como um nó, mas ele não lembrava o significado de “nó”) estava se formando em sua garganta. Percy sabia que “negativamente” era “não” e que “positivamente” era “sim”. Sabia que um negava e o outro afirmava. Mas não tinha conhecimento do que eram “duas” e “uma”. Paul esperou a resposta por alguns minutos.

    - Pelo visto não se lembra dos numerais. Quais outros sons com a boca você consegue fazer?

    - Argh... ah... hã... – ele demorou a formatar.

    - Está parecendo um zumbi. Mas creio que você não saiba o que seja um zumbi... – ele parou, pensativo. – Que tal... “argh” ser “não”, “ah” ser “sim” e “ãh” ser “dúvida”?

    - Ah... – Percy falou tentando parecer... er... “empolgado”?

    - Lembra  de mim?

    - Argh.

    - Lembra de seu nome?

    - Ah.

    - Lembra de alguma coisa, fora seu nome?

Percy tentou mesmo se lembrar, mas não conseguia. Ele entendia o que Paul dizia, mas não sabia como. Sabia que era um tritão e que respirava debaixo d’água, mas nada, além disso. Algo em seu cérebro dizia que havia alguma coisa errada, porém, ele não conseguia identificar o que, já que nem sabia o que eram “duas” e “um”.

    - Ah.

    - O que? Tem como apontar?

Percy apontou para a própria calda. Ele sabia alguns verbos. Deu ênfase em sua respiração para que Paul entendesse.

    - Sim, você é um tritão, assim como eu. – ele parecia querer conter um sorriso. – Percy, precisamos conversar.

    - Ãh?

    - Eu sei que você não se lembra de nada e que até para falar estar sendo difícil, mas... há coisas que você precisa saber. Caso não entenda, eu irei explicar até que tudo fique claro.

    - Ah...

Percy apontou para a própria boca e depois para de Paul, depois balançou a cabeça num sinal que ele acha que queria dizer “não”.

    - Por que você não pode falar? – Paul tentou adivinhar.

    - Ah.

    - Não sei Percy. Eu esperava que você perdesse muita parte da sua memória, mas não tanto assim. Você, pelo visto, não se lembra dos números e nem de alguns verbos. Mas a fala... eu, honestamente, não sei.

Percy tinha certeza de que ele e Paul já haviam se encontrado antes, ao menos foi o que seu padrasto deu a entender. Isso deixou claro uma coisa: aquele não era o primeiro momento da vida de Percy. E ele queria saber por que não se lembrava das coisas e o que havia acontecido. Percy apontou para si próprio, depois para sua cabeça e disse:

    - Argh.

    - Por que você não se lembra de nada? – chutou Paul.

    - Ah.

    - Há um rio... sabe o que quer dizer “rio” não é?

    - Ah... argh... ãh...

    - Água?

    - Ah.

    - Há uma água especial, quem beber dela se esquece de tudo. O nome dessa água é Lete. E você bebeu muita água Lete.

    - Ãh?

    - Eu não sei por que você bebeu. Só sei que bebeu. Sua mãe chorou muito quando soube.

Percy queria perguntar o que era “mãe”, ele sabia que era algo importante.

    - Enfim... você bebeu muita água Lete e Blackjack o trouxe para cá, em segurança. Você dormiu por muito tempo, Percy. Sabe o que é dormir?

    - Ah.

    - Você dormiu por três semanas. Seu irmão achou que você não ia sobreviver. Mas ontem você teve sinais de melhoras e hoje, finalmente, acordou. Obviamente irá precisar de umas aulas para, ao menos, conseguir pronunciar alguma palavra.

    - Ah.

Percy não sabia o que “aulas” queriam dizer, mas não gostou dessa palavra. “Blackjack”, esse nome não lhe era estranho. Definitivamente, “irmão” era uma palavra importante.

    - Eu sei que é tudo novo e assustador, mas tem umas pessoas que querem muito vê-lo. Prometo a você que todas só querem o seu bem e irão te ajudar a relembrar tudo o que você esqueceu.

“Prometo”?  Paul saiu do quarto e trouxe algumas pessoais. Deles, só um era parecido com Paul e Percy, no caso, um tritão. Outras duas pessoas até eram parecidas, só que usavam alguma coisa cobrindo uma elevação na parte da frente e os cabelos eram maiores. Outra pessoa parecia com Percy e Paul, só que a calda dele era volumosa e tinha coisas saindo de seus cabelos. A última pessoa só tinha um olho.

O tempo foi passando. Percy aprendeu a falar, os números, a nadar rápido, a montar nos hipocampos, as cores, os verbos, as emoções, a escrever e ler. Depois de alguns dias, ele decorou o rosto de Paul e das pessoas que ele o apresentou. Sabia que a morena de cabelos cacheados e olhos azuis era sua mãe, Sally. O cara corpulento, de cabelos negros, olhos verdes e que sempre segurava um tridente era seu pai, o rei Poseidon. Tyson, seu meio-irmão, era o “ciclope” de cabelos e olho castanho. A menina ruiva era Rachel e o garoto com a calda flocada era Grover, os dois eram seus melhores amigos. Percy não chegou a conhecer o tal de Blackjack, apesar de ter aprendido a montar em hipocampos.

    - Fugiu. – dissera Tyson sobre Blackjack. – Não sei por que, o peixe pônei gostava daqui.

Percy aprendeu também que “peixe pônei” queria dizer “hipocampo” na linguagem de Tyson. Grover era meio bode, meio tritão. Nas aulas de escrita e leitura com Paul, Percy sempre perguntava sobre o mundo fora d’água e porque era proibido ir para lá. Paul sempre respondia a mesma coisa, assim como todos no reino de Atlântida.

    - Os humanos são malvados. Eles matam e comem os seres do mar sem nenhuma compaixão. Não importa se os tritões se parecem, fisicamente, com os humanos, eles nos matam da forma mais dolorosa possível.

Uma noite, ele questionou Poseidon sobre sua vida antes de beber a água do rio Lete para assim, tentar entender porque ele quis perder a memória; o rei respondeu igual a todos no reino:

    - Você era um rapaz hiperativo, alegre, vivia atrás de aventuras. Muito avoado e sempre querendo quebrar as regras. Amava sair mar a fora em busca de algum perigo. Você era muito bom com espadas e nadava muito rápido.

    - Então porque eu bebi a água desse rio?

    - Não sei. Pode ter sido por acidente.

    - Paul disse que o rio Lete fica em Esparta. E Esparta fica no coração da Grécia.

    - A água do Lete é usava como remédio também. Creio que você bebeu na intenção de se curar de algum ferimento e terminou exagerando na dose.

    - Ou poderia estar tentando cometer suicídio. – chutou Percy.

Poseidon não respondeu. Aquela foi a primeira vez que Percy ouviu alguém dizer que a água do rio Lete podia ser usada como remédio. Ele sabia que ambrósia tinha esse efeito e que se comida em muita quantidade, poderia morrer. Preferiu não importunar mais o pai com essa questão. Semanas depois, enquanto treinava com a espada no jardim do palácio, Percy chegou a uma conclusão. Ele havia tentado suicídio porque sua vida era chata. Não fazia nada além de estudar e ouvir a madrasta reclamando, por isso que o antigo ele gostava de ir atrás de aventuras, para ter o que fazer. Então chegou a conclusão de que precisava de uma namorada. Ninguém mencionou nada do gênero, então ele estava solteiro. Tinha Clarisse, que, de acordo com Grover, batia muito nele na época da escola e que fora sua noiva, mas ela convenceu o pai de que iria se casar com Chris.

Percy então convidou Rachel para um piquenique. Estavam no parque de Atlântida, onde famílias brincavam e aproveitavam o domingo. Rachel tinha os cabelos ruivos presos em uma trança que caia pelo ombro direito, um biquíni de algas roxas e uma pulseira de pérolas. Percy usava apenas seu colar de cotas (que nem ele, nem ninguém sabia da origem do colar) e uma camiseta de algas verde azulado, que combinava tanto com seus olhos quanto com sua calda.

    - Pelo visto você se conseguiu decorar o mapa de Atlântida. – comentou Rachel.

    - Por que diz isso?

    - Guiou Guido até aqui sem errar uma rua.

    - Ah sim. – ele sorriu. – Acho que decorei sim.

    - Sabe que Grover e eu não nos importamos em ajuda-lo. Não precisa fingir que já sabe de tudo. Somos seus amigos, Percy, estamos aqui para lhe ajudar.

    - Eu sei. Não estou fingindo, é sério. Mas obrigado.

De fato, sempre que ele errava, as pessoas pareciam ser solidárias, mas havia algo nelas que dizia: “O antigo você fazia isso tão bem, por que tártaros você não consegue? Vocês são a mesma pessoa!”.

    - Rach, eu me pareço com o antigo Percy?

    - Claro que sim, seu bobo! Vocês são a mesma pessoa. – ela riu.

    - Eu sei, mas é que... todo mundo fala do quão bom eu era nisso ou naquilo...

    - Você ERA, não precisa ser mais.

    - Mas ele e eu somos as mesmas pessoas. Se... se eu era assim, eu deveria continuar sendo assim.

    - As pessoas mudam Percy.

    - E se eu não quiser mudar? Se eu quiser apenas voltar a ser quem eu era?

    - Não há como voltar no tempo. Infelizmente.

Percy parou de olhar para sua calda e fitou Rachel, ela sempre parecia tão inteligente e engraçada, mas naquele momento ela estava séria, olhando para cima e vendo a bola distorcida que era chamada de sol.

    - Há alguma coisa sobre o antigo eu que você não me contou? Sei lá, esqueceu ou coisa e tal. – ele jogou verde.

Havia uns dias que Percy sabia que Tyson, Grover, Sally, Paul e Rachel estavam escondendo algo dele a mando de Poseidon.

    - Só que você babava e ainda baba enquanto dorme. – ela disse tentando parecer menos séria.

    - Está mentindo. – ele falou, agora tentando não demonstrar raiva.

    - Perdão?

    - Você, Grover e Tyson estão escondendo alguma coisa de mim. Eu sei disso. Sei que minha mãe e Paul estão no meio dessa história também. É sobre a fuga de Blackjack não é? Ou sobre esse animal que Tyson tanto fala, Bessie. Que fugiu junto com o meu hipocampo. Eles tinham um caso?

    - Bessie e Blackjack? – Rachel caiu na gargalhada. – NÃO! CLARO QUE NÃO!

    - Então o que é que vocês estão escondendo de mim? – ele disse hiperativo.

    - Nada. Só estamos preocupados.

    - Preocupados?

    - É. Como você mesmo disse, você não está como antes. É estranho para a gente ver você assim, precisa dar um tempo para que nos acostumemos.

    - Vocês tiveram um ano.

    - O que é um ano comparado com dezoito?

Percy desviou o olhar. Ele sabia que Rachel estava certa, mas também sabia que ela ainda escondia alguma coisa. Decidiu não discuti. Ainda tinha em mente de que precisava de uma namorada, a única opção era Rachel, mas ela não parecia ser a garota certa. E também tinha aquela menina... ele sonhava com ela desde a primeira noite em que acordou. Não tinha memória nenhuma com ela, mas toda a noite sonhava com seu rosto. Cabelos loiros encaracolados, olhos cinza, um rosto que escondia mil significados. Percy queria encontrar aquela moça, ele TINHA QUE encontrá-la, mas nem sabia se ela era real ou se era apenas seu cérebro desmemoriado inventando coisas.

Mas ele a queria como namorada. Não sabia nem porque, sendo que nem tinha certeza se era real ou não. Ele apenas sabia que ela era a pessoa certa para ele.


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Notas finais do capítulo

Sem o mínimo de cinco comentários/reviews por capítulo, sem capítulos novos.