CELESTIAL escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 5
Capítulo 5 - Disciplina




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Depois de limparem a bagunça no estádio Miller Park, coisa que os anjos fizeram, muito bem, eles liberaram o jovem menino. Nichollas voltou correndo para casa, estava tomado por um sentimento indescritível, como se pudesse ir e vir, fazer ou não fazer, como se fosse dono do mundo. E ele sabia que aquele pensamento era venenoso, porém, era um jovem e era justificável o pensamento. E pensou em todas as maravilhas que poderia fazer, pensou nos detalhes, pensou em tudo. Estava próximo da rua de casa e porventura lembrou-se da família. E o sentimentou ficou ameno dentro de si, como uma mera lembrança de um passado distante. Era sempre assim: uma coisa extramemnte boa acontecia e ele tinha de encarar a família, repreendendo-o, suprimindo-o. Suspirou e caminhou lentamente os últimos metros, com o skate na mão e o boné na cabeça. Fique calmo., dizia para si mesmo, enquanto andava pela propriedade da família. Vai acabar tudo bem, você sabe., disse ele, para si mesmo, ainda.

Ele abriu a porta e a mãe estava largada no sofá, mexendo na coleção de esmaltes, com a televisão no último volume, num programa de culinária. Era a típica imagem que ele tinha dela.

─ Aonde você esteve? Na casa de alguma menina, é? – dizia, sem esperar respostas. – Você não faz nada...

O menino deu as costas para a mãe, deixando-a disparar suas injúrias contra ele. Enquanto subia as escadas, no parapeito, a irmã surgiu. Aparentava estar brava, pois lançava-lhe o típico olhar de “Você é o culpado, independente do que aconteça”.

─ Nichollas! Você pegou o meu Ipod? Devolva, eu não lhe dei permissão. – dizia ela, como se tivesse autoridade. – Vamos, cadê? Você saiu com ele?

─ Diane, eu não peguei nada. Eu não peguei! – retrucou o menino, tentando passar.

─ Mentiroso. OLHA PAI, o Nick pegou minhas coisas de novo e não quer devolver! – dizia ela, na direção do fim do corredor, onde encontrava-se uma porta aberta. – Devolva o que não é seu.  

Nichollas ouviu passos da sala, era sua mãe, que parecia uma morsa andando pelo assoalho.

─ Esse moleque é um ladrão! – disparava ela, indo na direção da base da escada. ─ Não é de se esperar muito dele.

─ É. Não duvido muito que tenha vendido para fazer alguma tatuagem ou algo pior... – disse a irmã, que fez menção de virar-se e entrar no quarto dela.

Do quarto da irmã, surgiu o sobrinho de Nichollas, um menino pequeno, magro, a cabeça maior do que o comum. Era muito pequeno para a idade dele, porém, era muito insuportável para a idade dele. Nichollas sorriu levemente quando o viu carregando um Ipod, que reconheceu ser o da irmã. O menino estendeu o aparelho eletrônico para a mãe, que fitou-o com surpresa.

─ Como foi que vocês disseram? "Ah, o Nick pegou, ah o Nick vendeu, foi escondido, ladrão...! " – disse o jovem imitando a irmã, no melhor que podia. – Por isso que eu falo: tudo era melhor quando vocês estavam na Inglaterra. Volta pra lá e vê se fica por lá, na próxima vez. Insuportável! Eu,... eu.... eu... – dizia ele, pensando numa maldade. – Eu queria que você mor...

A campainha tocou. 

Para variar, Mary fora atender à porta, reclamando da campainha que só tocava e como aquilo a irritava. A mulher apreciava sempre ser a pessoa quem atendia a porta, pois isso lhe dava mais motivos para reclamar e estava ai uma coisa, que na concepção de Nichollas, Mary sabia melhor fazer. No entanto, era a primeira vez naquela semana que a campainha tocara. E o barulho se espalhou apressadamente pela casa, como se a pessoa do outro lado da porta estivesse num caso de vida ou morte.

─ Oi, eu sou Angélica, vim ver o Nick. – disse uma voz séria de garota na soleira da porta.

Nichollas deu as costas para a irmã, sentindo um misto de tristeza e cólera. Ele desceu as escadas e deixou o skate cair, quando viu quem o esperava na porta. Era uma miniatura de Angélica. Realmente era uma miniatura! Ele analisou a cena, imaginando como a mãe dele estaria vendo a mulher anjo, ali, parada. Mary olhou para os dois, depois saiu resmungando, afirmando que estava cansada de ver o filho trazendo meninas para casa. E Nichollas nunca havia trazido nenhuma antes. A Angélica da porta era a mesma Angélica de antes, porém, ela passava a imagem de uma Angélica mais jovem. Os cabelos vermelhos, ainda eram vermelhos como a flama mais quente e que despencavam nas costas como cascatas, tinha sardinhas mais aparentes e o corpo menor. Aparentava os dezoito anos. Nichollas gostou do que viu.

Quando a mulher anjo, que agora estava como uma adolescente comum, respirou, sua imagem tremeluziu, mostrando um misto de Angélica adulta e Angélica adolescente.   

─ Não vai me convidar para entrar? – disse Angélica, fitando o menino nos olhos. – Sua casa é bonita...

Nichollas sentia como se os nervos do corpo fossem explodir. Mesmo na presença de Angélica sentia raiva, sentia vontade de gritar, sentia poder, porém sentia repreensão, como se ele tivesse forças as forças necessárias para algo, porém, suas forças estivessem enclausuradas em um baú com chave. Ele olhou Angélica nos olhos e gostou de ver que ela estava na sua altura agora.

─ Entre. – disse ele. – Vem comigo...

O menino pegou o skate, subiu as escadas e entrou pela porta do quarto, na espera de Angélica. Ela fez o mesmo, permitindo que ele trancasse a porta. Ele olhou e sentiu uma ponta de ansiedade.

─ Como você faz isso? Parece que tem minha idade, agora... – ele sorriu brandamente. – Interessante.

─ Ah, não é difícil, você aprende a iludir a mente dos humanos. – disse ela, olhando para a porta do quarto. - Ser anjo nos dá algumas vantagens. 

O menino tirou o blusão, largou o skate num canto do quarto e largou-se na própria cama, sentindo as costas estalarem. Depois do que passou naquele dia, a cama parecia extremamente gostosa. Suspirou, aproveitando daquele momento breve. O silêncio que reinava no quarto, já estava se adensando. Ele olhou para Angélica e percebeu que ela apresentava-se aflita. A anja retirou a jaqueta de couro e jogou-a em cima da cadeira, próxima da mesa, sentou-se e olhou para Nichollas, serena e séria. Os olhos dela cintilavam em harmonia com o rosto perfeitamente belo. 

─ Gabriel e Miguel não sabem que estou aqui... – disse ela. – E nossa sorte é que eu vim. Nichollas, você precisa tomar cuidado com o que deseja. Palavras têm sim poder. O que a gente deseja, acaba acontecendo...

─ Como assim?

─ Você ia desejar a morte de sua irmã, Nick, e isso não pode. Tomo como premissa, as sábias palavras de um ancião não muito além dessa época. Ele dizia: “Palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de poder. Capazes de formar grandes sofrimentos e também de remedia-los.”. Dou toda a razão do mundo para ele. – disse ela, arrumando o rabo de cavalo.  

─ Angélica, você viu o que eu sou obrigado a passar aqui? Eles me tratam como se eu houvesse invadido essa casa, como se eu fosse uma nódoa que eles têm que curar. – respondeu o menino, como se suplicasse uma alternativa. - É loucura pura, passar por isso, aguentar essas acusações, como se eu não fosse nada. Não sou um saco de batatas! 

─ Nick, por mais que aconteça isso, não se deve agir da forma como você pensou. E agora você carrega mais do que deveres humanos, você aceitou se tornar um anjo, então, você precisa agir em nome do bem. Sempre! – a anja levantou e caminhou na direção da janela. – Você necessita compreender que as pessoas são o que são, em decorrência do que viveram no passado. 

Angélica olhava Mary perseguindo os gatos pelo jardim da casa através da janela, enquanto berrava para a vizinha o quanto eram nojentos e como estava cansada de recolher as fezes dos animais. Mas não eram palavras polidas que ela dizia. A mulher afastou-se da janela e andou na direção de Nichollas. Segurou-lhe as mãos.

─ Prometa que, por mais nervoso que esteja, que você vai pensar antes de tudo. Calma e paciência são virtudes que devemos semear em nós mesmos, caso queiramos resolver a nossa vida. Prometa, por favor. – pediu ela.

Falando daquela forma, com todo o discernimento e calmaria, fazia com que a imagem de adolescente não combinasse mais com as palavras.  

─ Eu prometo, An. – respondeu sorridente. – Sabe. Você deveria ter esse aspecto de mais nova, tipo, para sempre. Você ficou mais... linda.

Menino! Você está dando em cima de uma anja, alguns muitos anos mais velha que você. Muitos é pouco! Abusado!

O menino deu uma risada gostosa, secando os cantos dos olhos com as costas das mãos. Por fim,  ele fitou a mulher e além da beleza, ele conseguia enxergar uma mulher sábia e compreensiva, totalmente diferente de sua mãe. Ela expressava um semblante de quem já viveu eras; a expressão era implacável e perigosa, mas ao mesmo tempo acolhedora, terna e amigável.  

─ Se quiser começar hoje, medite. Medite o máximo que conseguir, repouse bastante. Eu ouvi dizer que ainda há um processo para acontecer com você, para que os poderes se adequem ao seu corpo. Não me pergunte! ─ interrompeu ela, quando Nichollas fez questão de falar. ─ Miguel não deu muitos detalhes... – disse ela, como se ainda refletisse. – Ademais, com o tempo você começa a se adequar. As habilidades vão aparecendo de forma gradativa.

A anja andou na direção de um armário grande e abriu as portas, deslizando os dedos da mão por cada peça de roupa. Olhou tudo o que tinha lá dentro: analisou a coleção de livros e se encantou por alguns; viu objetos, produtos. Claro que tudo estava numa bagunça descomunal, era óbvio. Encontrou uma caixa com uma tarja. Ela a tirou do móvel e a depositou na cama, entre ela e o menino e sorriu.

─ Quanta bagunça. – notou a anja, enquanto retirava a tampa da caixa. – Quanta coisa mundana.

Ela mexeu em tudo o que viu pela caixa, olhou mais atentamente para alguns objetos, depois deixou a caixa de lado. A anja fitou o jovem garoto, olhou nos fundos dos olhos dele e depois pegou as mãos do menino; estavam frias, suadas e tremiam levemente. Ela sabia que ainda existia raiva no coração do jovem, ela podia sentir. Ela apertou a mão de Nichollas e olhou para o chão em silêncio e pouco a pouco fez a tremedeira desaparecer, dando confiança ao menino. As mãos, que outrora apresentavam-se frias, estavam mornas e secas. Ela voltou a olhá-lo. 

─ Bem melhor, não? – e sorriu brevemente, tirando uma mecha de cabelo do rosto branco.  

─ Sim... – ele se aproximou da celestial e colocou os cabelos da mulher atrás das orelhas. – Muito.

Angélica soltou as mãos do jovem com suavidade e levantou-se da cama, fitando mais uma vez a janela.

─ Nic, me conte uma coisa. Você recebeu essa proposta, viemos até você ontem e apresentamos essa ideia, sem mais nem menos... O que fez você aceitar? Basicamente, a maioria dos humanos não tem mente sã, o suficiente, para aguentar numa boa essa ideia. Muitos renegariam o pedido.     

O menino, que antes sorria, desmanchou a expressão na face e ficou olhando a parede do quarto. Parecia estar formulando a melhor resposta e quando a achou ele suspirou e disse:

─ Se eu disse que sei totalmente o motivo, eu estarei mentindo. Mas eu aceitei, baseado na premissa de que talvez eu possa ajudar. Eu me sinto deslocado aqui, Angel, eu me sinto um peso morto, um erro. Talvez, se eu fizer as coisas certas ao lado de vocês, talvez, eu possa mudar algo. É o que eu mais quero. Ser diferente, prestativo... 

A mulher-menina olhou o menino, analisando a resposta dele. A imagem dela tremeluziu novamente. 

─ E essa sua curiosidade existe... Mas por qual motivo? 

─ Ela existe porque eu daria tudo para ser humana, Nic. – respondeu a anja, tão baixo, que o menino se levantou para ouvir. – Daria tudo para ter filhos, um família. Seria interessante sentir o que os humanos sentem, principalmente o amor. Nós, anjos, temos noções básicas do que vocês sentem, mas não entendemos, tampouco sentimos na mesma intensidade. Nossos sentimentos sempre estão fora de acesso. Temos uma dose deles, apenas. Para mim, não é suficiente. 

Era estranho ouvir aquilo vindo de uma aparente garota de dezoito anos, que parecia mais austera do que qualquer uma que Nichollas tenha visto em vida. Ele sentiu pena, por Angélica não poder realizar seu sonho. Colocando-se no lugar dela, ele sentiu o quão egoísta ele parecia. Mas ele não mudou a expressão e não deixou-se abalar na presença dela. Ele ergueu a mão e agarrou algo invisível no ar, fechando esse algo invisível no punho.

─ Se estiver no meu alcance, Angel, eu um dia farei com que isso seja capaz. – falou o menino, indo na direção da mulher.

─ É seu primeiro dia como anjo e já está me prometendo algo, que não pode cumprir? – contrapôs ela, dando um suave soco no braço do menino. – Controle sua língua, Nic.

O menino alisou o braço na onde o soco fora feito e sorriu abertamente para a anja. Suspirou e procurou algum resquício de raiva e não encontrou nenhum. Ele respirou suavemente, olhou nos olhos de Angélica e o sorriso se abrandou.

─ Obrigado, Angel, por chegar na hora certa, mesmo sem ter sido mandada. Se não fosse você, eu já teria feito besteira... – agradeceu o menino, quase que sussurrando. ─ E nem faz uma hora que eu sou anjo!

─ Não há de que. É o mínimo. Você me faz mais viva, Nic! E não se preocupe com treinamentos, as habilidades virão com o tempo e você saberá usá-las. – contou a anja. – Até segunda ordem você fica aqui... 

A mulher anjo se ergueu, olhando para Nichollas de soslaio. Ela agarrou a jaqueta de couro, outrora repousada na cadeira de madeira, e virou-se de frente para o jovem menino. Ela desenhou um sorriso aberto na face e os olhos em resposta se cerraram. Ficou mais linda.  

Ela olhou para o teto do quarto, enquanto os olhos reviravam nas próprias órbitas, exibindo somente parte branca. Uma chama tomou conta do corpo da mulher, queimando-a e fazendo-a sumir, deixando o ar momentaneamente quente. Com um estalo, o fogo se extinguiu e o ar aos poucos voltou à temperatura normal. Nichollas se viu mais uma vez sozinho e pode notar uma coisa.

O sorriso de Angélica era o mais lindo que ele vira na vida. 


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Notas finais do capítulo

Muita fofura na minha opinião, MUITA mesmo. ♥



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