CELESTIAL escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 12
Capítulo 12 - Mudanças de Planos




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A luz penetrou através do vidro gélido e se projetou no chão empoeirado. O silêncio reinava absoluto por todos os cantos do lugar, os anjos não se moviam, não trabalhavam. Naquela manhã, estavam livres das atividades, então, a maioria retornara ao Céu. Desde o dia anterior, Angélica e Nick haviam saído e não tinham dado sinal de vida. Miguel torcia e pedia para Deus, que seus pensamentos ruins não se concretizassem. Por isso, passara a noite em claro, na mesma posição, com o mesmo olhar atento. Fitava as portas principais. Pousava as mãos de modo suave sobre as muretas de ferro e ficara ali, esperando pelo retorno dos anjos. De uma porta à esquerda, Gabriel surgiu, trajando as vestes mundanas. Andou até Miguel, colocando a mão sobre o ombro do irmão. Gabriel podia sentir a tensão no irmão, por isso, apertou-lhe suavemente.

─ O que está te afligindo, Miguel? ─ questionou o Anjo da Revelação.

─ Nick e Angélica não retornaram desde ontem. Espero eu que nada de mal tenha acometido aos dois. Eu não me perdoaria.

Gabriel levou o olhar para o mesmo ponto que o irmão. Disse:

─ Eu entendo sua preocupação. Mas ele está com Angélica, ela sabe o que faz. E ele tem treinado tanto..., e ele tem sido bem sucedido. Sua preocupação é desnecessária. Relaxe! Eu não vi nada no futuro e essa noite eu sonhei algumas coisas.

Miguel suspirou, bateu suavemente a mão direita sobre o ferro gélido e encaminhou-se para a escada, seguido pelo irmão. Conversavam baixo, enquanto desciam pela escadaria. No último degrau, Miguel parou.

─ O que foi Miguel? ─ exasperou-se Gabriel, olhando a porta.

─ Nós fomos seguidos...

As portas duplas do armazém não aguentaram e cederam das dobradiças, voando para o outro lado do térreo. Chocaram-se violentamente contra a parede oposta e o barulho ecoou pela construção. Da madeira desprendia fumaça. Alguns anjos, desnorteados, saíam pouco a pouco pelos cômodos do local, brandindo armas. Após a explosão da entrada, o silêncio voltou a reinar absoluto, como se todo o mundo houvesse sido desligado. Uma sombra se projetou pela entrada e ficou imóvel. Carregava consigo uma espada longa, própria para a execução. A sombra cresceu ligeiramente, conforme o dono dela caminhava.

O dono da sombra adentrou o local, farejando o ar, procurando. Viu Miguel na escadaria e arreganhou um sorriso malicioso na face, virando-se para o Arcanjo. Olhou-o, exibindo todo o prazer e regozijo.

─ Achei o esconderijo dos ratinhos. ─ murmurou.

─ Asmodeus... ─ falou Miguel entredentes.

Gabriel tentou atacar, mas quando pensou em vencer a distância que o separava do novo inimigo, Asmodeus ergueu a sua grande mão e da palma, fagulhas brotaram, uniram-se e formaram uma explosão que tomou conta da escada na qual os Arcanjos estavam. Não fosse a agilidade da dupla angélica, Miguel e Gabriel teriam sidos tomados pela explosão e sabe-se Deus o que teria acontecido.

Miguel alçou voo instantes antes da explosão acometer a estrutura de ferro. Gabriel rolou pelo chão empoeirado e parou do outro lado do armazém. Naquele instante, o Arcanjo da Revelação viu, cem criaturas terrificas aguardando para iniciar o ataque atrás do general Asmodeus. Rapidamente, os Arcanjos se recompuseram e a ordem de Miguel foi clara e audível para todos:

─ Arqueiros, atirem contra Asmodeus e os demônios. ─ o berro ecoou e os gestos indicavam o demônio.

No mesmo instante, a corja sinistra irrompeu pela porta, arrebentando as paredes. Foram recepcionados com uma saraivada de flechas em chamas. Miguel deu um mortal de costas, prevenindo os ataques dos demônios. Alçou voo, deu um looping e um anjo já preparado, lançou do terceiro andar a espada do Arcanjo, que a agarrou e preparou-se para um ataque direto. Gabriel correu com as mãos nuas para o centro do ataque e lutou com socos, chutes, pontapés, empurrões e trombadas. Era ágil, forte, poderoso e acima de tudo determinado.

Os anjos que permaneceram no armazém estavam armados com as espadas em riste; o enxame de celestes voou para cima dos invasores. Por mais que o número de demônios fosse quatro ou cinco vezes maior que o de anjos, eles lutavam firme. A linha de arqueiros, composta por sete elementos, atirava impiedosamente contra Asmodeus. Colocavam as flechas nas cordas, respiravam fundo e as setas voavam velozes, causando zumbidos intensos. Por sua vez, o demônio fazia as flechas explodirem em pleno ar, antes mesmo delas chegarem perto. O duque infernal apontou a mão contra a linha de arqueiros, pronto para destruí-los, quando Miguel esbarrou contra o inimigo, derrubando-o. A força da explosão, ainda assim ocorreu, abrindo um enorme buraco no teto da construção. As barras metálicas caíram, matando alguns demônios esmagados.

─ Arqueiros! ─ chamou Gabriel. ─ Recolham as armas nos salões, pegam o que for valioso e fujam! ─ o celeste desviou de quatro ataques consecutivos, voltando à luta.

Miguel socava a face de Asmodeus, algumas vezes era empurrado, mas voltava para cima do duque, determinado. Gabriel já derrubara quarenta demônios, quando os arqueiros escaparam pelo buraco do teto, produzido pela explosão de Asmodeus. Um Serafim incendiou os próprios braços, fazendo as flamas parecerem tentáculos de fogo. Golpeou alguns demônios, porém, chocou-se contra a parede. O fogo começou a queimar o local. Alguns caixotes, lonas e mesas de madeira foram o que alimentaram as flamas, que já tomavam boa parte do térreo. O mesmo Serafim fora pego pelas garras de uma fera grotesca de três metros de altura e fora lançado para o último andar. O fogo ganhou força, as pessoas começaram a surgir pouco a pouco, assistindo de longe a batalha. Os humanos não ousaram ficar perto, preferiram chamar as autoridades.

Asmodeus, impaciente, empurrou Miguel contra o outro lado do salão. Ergueu a mão e as faíscas começaram, inquietas, a dançar. A explosão acometida, mais poderosa que as anteriores, fez metade do armazém explodir em fogo, ferro incandescente e madeira. O som ensurdecedor fez todos ao redor se abaixarem. Miguel fora lançado para trás, além das paredes da construção, parado por uma cerca de ferro das redondezas, caído. Alguns anjos queimaram as asas, enquanto Gabriel caíra através de uma janela de vidro. Alguns cacos penetraram nas asas brancas, rajando-as com sangue. Os anjos recolheram as asas nas costas e correram para o amparo dos Arcanjos. Juntos, os que restaram, fugiram, deixando para trás a corja de infernais.

As sirenes podiam ser ouvidas nas ruas e junto do crepitar do fogo, formavam um cenário típico de tragédia. Asmodeus, notando a presença dos humanos, ergueu a mão perante eles, causando pânico. E com um movimento rápido, ele causou uma explosão que acometeu os carros. O fogo cresceu de forma violenta por todos os lados e quando o armazém não mais aguentou, outra explosão ensurdeceu as pessoas ao redor. Sem ter o que fazer, os policiais ergueram as armas e atiraram através do fogo, afim de acertar o lunático dos explosivos. Em vão.

Dois minutos depois, os bombeiros chegaram, já preparados pelo que estava acontecendo. E do alto, Miguel pôde assistir o primeiro jato forte de água contra o antigo esconderijo.

─ Meu Deus do céu! ─ disse Angélica levando a mão à boca. Estava estupefata. ─ MIGUEL! GABRIEL!

Angélica precipitou-se contra o incêndio, quando viu o fogo. Nick segurou-a firmemente pelo braço, tentando disfarçar. Angélica já trazia os olhos marejados, quando um oficial ouviu o grito. Ele arrumou o sobretudo e com um bloco de notas e uma caneta, veio de encontro ao casal de anjos, olhando atentamente a reação da Serafim. Os olhos estavam ocultos por pequenos óculos escuros, que lhe rendiam um aspecto misterioso, porém imponente.

─ Você sabe quem causou o incêndio, senhora? ─ questionou, olhando-a dos pés a cabeça. ─ Vocês ocupavam esse local?

─ Não, senhor policial. ─ quem respondeu foi Nick, que ainda segurava a amiga, persistente em sair de perto dele. ─ Os pais dela morreram em um incêndio e... é traumático. Sabe... Ela era muito pequena.

O oficial soltou um muxoxo de quem pouco acreditava. Cerrou os olhos por detrás dos óculos, enquanto vasculhava um bolso interno da vestimenta e de lá tirou um cartão branco, entregando-o a Nick. O anjo o segurou suavemente.

─ Se lembrarem de alguma coisa, me procurem. Oficial Jones. Até mais, então... vocês. Afastem-se do local, ele está sob nosso comando agora. Passar bem.

Segurando Angélica pelos ombros, Nick deu um aceno de cabeça para o oficial e meio que arrastou, meio que a puxou por entre as árvores, até que sumissem da visão do policial. De forma afável, Nick guiou Angélica, segurando-a pela mão, através da avenida mais próxima. As lágrimas se acumulavam de uma forma bonita nos olhos de Angélica, que ofegava levemente. Talvez ela estivesse experimentando uma nova sensação humana: desespero, tristeza. Nick chegou ao centro da cidade, atravessou a rua e escolheu um beco qualquer para entrar. Puxou Angélica atrás de si.

Era um beco parcialmente escuro, ficava entre dois prédios. Havia latões de lixo recostados nas paredes e mais ao fundo, estirado, um mendigo com aparência de morto. Seus olhos estavam fundos, com manchas escuras ao redor. Os lábios tinham pele seca, trincada e a boca estava suja de sangue. A pele tinha um tom estranhamente cinza, o que rendia ao homem, juntamente de seus trapos, um aspecto de defunto. O peito subia e descia lentamente, ou seja, ali havia vida. Alguns ratos soltaram um ganido na presença dos anjos. Passaram por cima do corpo do mendigo e sumiram por um buraco entre os tijolos na parede. O mendigo abriu os olhos lentamente, pareceu sentir os dois visitantes. Os dedos tremeram e ele se ergueu suavemente, como se tivesse esquecido como se usava o próprio corpo. Andou cambaleante.

─ Senhor... ─ disse, com a voz rouca.

Nick abanou a mão, expulsando o mendigo de lá. Estranhou o homem. Virou Angélica de frente e ela já não chorava mais.

─ Esse homem... Ele estava praticamente morto e na sua presença você foi capaz de curá-lo de alguma coisa. Meu Deus! Seus poderes estão plenos, NICK! ─ Angélica deu alguns saltos.

Ela andou pelo beco.

─ Assim como o Fogo é vida, a Água também é. Mas a Luz... a Luz é outro nível. E você o controla agora. Isso é maravilhoso. E pensar assim me faz lembrar que o Fogo também é destruição. Viu o armazém? Foram aqueles desprezíveis do porão! Ai...

Nick arqueou as sobrancelhas.

─ Você sentiu a presença maligna? ─ ela perguntou esfregando as unhas nos tijolos do prédio. ─ Eles estavam em um bom número!

─ Eu senti, mas... O lugar não tinha proteção?

─ Tinha. A mais poderosa. Era física, porém, poderosa. Alguns anjos pintaram uma proteção na terra, para que a proteção fosse sólida. É questão de simbolismo. E eles acharam isso e destruíram a pintura e conseguiram ultrapassar nosso esconderijo. E eu temo que eles façam isso mais vezes. Bem... Miguel cuida disso. Eu preciso... Eu preciso seguir o plano.

Angélica ficou de costas, olhando para o local no qual o mendigo estivera estirado minutos antes. Ela parecia concentrada, parecia que fumaça vazava do topo da cabeça dela... Espera. Fumaça vazava do topo da cabeça dela! Era branca, espiralava lentamente.

─ Angélica. Seu cabelo vai pegar fogo desse jeito!

Ela riu nervosa.

─ Efeito colateral de mandar mensagem de fogo. Gabriel e Miguel estão bem. E como sempre, foram breves na resposta. Pediram que eu prossiga com o plano inicial.

─ E esse “plano inicial” ─ questionou Nick, fazendo aspas com os dedos ─ É o quê, basicamente?

─ Ele inclui manter você a salvo, até que consiga dominar sua natureza angélica. Estou pensando num possível abrigo, para que você treine e se habitue ao restante de suas habilidade. Lúcifer pretende lançar seu ataque em breve e você precisa estar bem para lutar. Miguel quer ver você lutando. Ele anseia. Assim como eu, sabe. ─ ela alisou os cabelos lentamente, depois organizou os fios num coque alto.

Nick percebeu que Angélica ficava mais bonita com os cabelos voltados para trás. Parou alguns instantes e fitou a mulher. Ela era realmente bonita, o que lhe causava mais vontade de fitá-la. O rosto esquentou.

─ Você e suas reações humanas... ─ observa a mulher anjo, sorrindo. ─ Vai ficar me olhando muito, ou podemos seguir? Não acho seguro aqui.

Transtornado, Nick endureceu a postura como de praxe e assim seguiu a mulher anjo, que saiu andando pelas ruas em passos velozes. As pessoas pareciam se desviar naturalmente de Angélica, como se a imponência dela os empurrasse para fora de seu caminho. Conforme os passos eram dados, o coque se desprendia de suas amarras e os cabelos iam caindo pelas costas, como cascatas de magma vivo. Para falar a verdade, Nick julgava Angélica como uma cena pitoresca e atrativa demais aos olhos. Ela era munida de uma beleza estonteante, porém, nada exagerada. Não precisava de retoques, nem de maquiagens, curvas a mais ou a menos. Ela estava munida de uma beleza angelical e incomum. E quando Angélica virou naquele instante para olhar para trás, o sol bateu em seus cabelos, realçando a cor. O sorriso que ela lançou, discreto e perfeito, fizeram Nick parar de sobressalto.

Quando Angélica voltou seu olhar para frente, Nick suspirou e continuou a segui-la, onde quer que estivessem indo. Os prédios estavam ficando raros dos dois lados, as casas foram surgindo conforme caminhavam para longe do centro de Milwaukee. Naquele trecho da caminhada, as casas adquiriam um tom pastel, muito comum na periferia da cidade.

A grama alta e dourada ia ganhando espaço, quando ao longe, uma construção chamou atenção de Nick. Ele parou e passou a fitá-la. Era um celeiro comum, e conforme aguçou sua visão angelical, ele pôde ver melhor: com tábuas vermelhas, o celeiro era alto e comprido. O telhado tinha um tom de azul diferente. Em algumas partes, a tinta estava descascando. As janelas estavam espalhadas por diversas partes, sempre emolduradas de branco. A construção parecia estar vazia.

Angélica olhou de relance para Nick e percebeu que a atenção do Arcanjo estava presa na construção.

─ É para aquele celeiro que iremos... ─ comentou a ruiva, sem rodeios.

─ E por qual motivo aquele celeiro? Ele parece emanar algo.

Angélica sorriu brevemente, soltando uma risada pelo nariz. Ela olhou em direção ao celeiro, quando Nick caminhou para o lado dela. Ela inclinou a cabeça na direção do jovem anjo e olhou para ele de forma inocente. Os cabelos caíram pelo lado da cabeça, como línguas de fogo. O contraste com o vestido era interessante. Por fim, ela contou:

─ Bem, foi lá onde eu cuidei de você, nos seus primeiros dias de vida, Nick.


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Notas finais do capítulo

Angélica, eu te amo, minha Serafim maravilhosa, guerreira! ♥



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