Parte um

“Delicado, gracioso, lindo e deslumbrante”, são as quatro palavras adicionadas em uma nota mental, cujo objetivo é designar as qualidades do novo vizinho.

- Pierre, bobão. – Jay entra no quarto, joga sua mochila em cima de sua cama e anda até mim, fazendo questão de demonstrar seu afeto, me dando um tapa na cabeça. – Eu ainda vou descobrir o que você tanto olha por essa janela. – diz em tom baixo, estreitando os olhos em minha direção.

- Olho o que a vista me permite, idiota. – bufo, girando os olhos em órbita e cruzando os braços, emburrado. Jay solta um risinho debochado e sai do quarto, me permitindo voltar o olhar para o lado de fora.

O clima está deveras agradável, e melhorou depois que Jay saiu do quarto. Os raios fracos do sol se encarregam de me manter aquecido e protegido do vento gelado que circula e faz com que as folhas das árvores lá em baixo se balancem tão suavemente, que tenho até vontade de tocá-las.

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12:30 pm. Uma mulher passa na rua, seguida por um filhote de cachorro preso à uma coleira azul. Ele late alto e balança o rabinho graciosamente, me fazendo sorrir.

Este é horário em que eu costumava chegar. Não despendo de muito tempo, contudo, depois que o vi pela primeira vez, passei a me esforçar para chegar um pouco mais cedo, podendo assim, vê-lo todos os dias.

12:33 pm. O tempo parece se arrastar. Cada minuto parece uma hora, e o relógio parece fazer tic tac mais devagar que o normal. Ou parece até mesmo girar no sentido anti-horário, retardando os movimentos.

A paisagem lá em baixo permanece a mesma. As mesmas árvores altas, as mesmas casas coloridas, os mesmos carros estacionados nas garagens, o mesmo asfalto úmido... Nada mudara nos últimos dias em que me peguei olhando ansioso o movimento lá em baixo, exceto algumas pessoas aleatórias que passam, mas elas não me interessam. Não chamam minha atenção como ele chama.

12:35 pm. Meu coração acelera e uma onda de ansiedade atravessa meu corpo, fazendo com que as tão conhecidas borboletas brinquem e voem livremente em meu estômago, ao mesmo tempo em que a garganta seca e as mãos gelam. Um sorriso veraz desenha-se em meus lábios, e meus olhos passam a refletir a felicidade que invade meu corpo e minha mente.

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12:40 pm. Finalmente avisto o meu tão esperado objeto de desejo dobrando a esquina.

O sorriso costumeiro habita o canto de seus lábios e, vez e outra, ele solta uma gargalhada de algo que a irmã mais velha lhe diz. Esta parece ser um borrão, ou uma pessoa sem rosto, pois é realmente impossível desviar o olhar do garoto que caminha alegremente ao seu lado.

Ele tem as mãos enterradas nos bolsos e uma mochila nas costas. Alguns fios do cabelo loiro balançam conforme anda, e às vezes, ele cerra os olhos, provavelmente apreciando a brisa fria que toca seu rosto suavemente, assim como toca as folhas das árvores. E é nessa hora que eu também fecho os olhos, me imaginando em sua frente, acariciando seu rosto da forma mais gentil e delicada que posso. Mas ao abrir-los novamente, um vácuo me suga de volta para a realidade, que sou eu aqui sozinho o observando, e ele lá, sorrindo angelicalmente e fazendo seu caminho tranquilamente de volta para casa.

Não tardam muito a chegarem ao seu destino. Entram em sua casa – que é situada bem em frente à minha -, e eu abaixo a cabeça, ansioso para que chegue logo o mesmo horário do próximo dia, sabendo que nada vai acontecer. Ele não vai me notar... Mesmo porque eu não permito que me note.

David Desrosiers, seu nome. O nome mais lindo que já ouvi, arrisco dizer. Ainda que isso seja apenas o amor falando.

Espere. Não, não é amor.

Eu o acho atraente, é só. Não pode ser amor, afinal, eu nem o conheço, certo?

Errado. Existe algo chamado paixão platônica, Pierre.

Shit.

Fim da parte um.