Never Again escrita por Maga Clari


Capítulo 2
Capítulo 2 - Voltando ao lar




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Há alguns anos, Pan costumava ter alguns sonhos durante a noite. Quase todos envolviam uma menina e fadas também. Mas já fazia muito tempo que isso não mais acontecia. Assim como um monte de outras coisas.

Lembrava-se de cenas que pareciam recordações de outra vida, ou talvez apenas pedaços de histórias que ouvira quando criança. Ele costumava gostar muito daquelas sobre piratas e princesas e finais felizes. Certa vez, chamaram-no até de infantil. Afinal, qual adolescente em sã consciência se interessaria por contos de fadas?

Mas agora tudo era diferente. Pan havia escolhido trabalhar com isso. Poderia viajar por todas essas histórias, e até fazer parte delas, sem que ninguém o perturbasse. E era por esta razão que resolvera ser ator. E até vinha tendo destaque ultimamente. Entretanto, na sua maior estreia, algo o deixara mudo. Tão mudo quanto um passarinho que não consegue cantar.

— Ei! Qual o problema, Pan? — um dos atores quis saber.

— Nervosismo de estreia? — uma das atrizes aproximou-se com um copo de água — Não sei o porquê disso, você é ótimo. Agora precisamos voltar com a peça...

Mas Pan apenas engoliu de uma só vez a água, respirou fundo e continuou com o pensamento longe. Ignorando os chamados dos colegas, Pan saiu pela porta dos fundos sem preocupar-se com o resto da apresentação.

Sua cabeça dava mil reviravoltas. Quem seria a menina da cortina? Ele precisava desesperadamente saber. Não entendi ao certo o motivo. Só tinha a consciência de que isso era importante.

Pan sentou-se num banco algumas quadras longe do anfi-teatro. Só então notou a neve congelando sob seus pés e desejou ter se lembrado de calçar as botas.

— Ei. O que está havendo? — a mesma atriz que se preocupara com ele nas coxias o encontrara na rua. Seu nome era Lindy, e ela sentou-se ao lado dele — Você saiu sem ao menos trocar de roupa... Tome, eu trouxe uma capa para você.

Então, finalmente, os pensamentos de Pan puxaram-no de volta à realidade.

— Só fiquei um pouco tonto, não se preocupe. Desculpe-me por ter estragado a peça... 

— Tudo bem... — ela baixou o olhar para evitar que ele a visse chorando — É só que eu esperava por esse dia há séculos... Mas está tudo bem. O senhor Mattews falou que havia atores substitutos e ele os chamou naquela mesma hora.

— Nos... substituíram? — Pan questionou-a, incrédulo — Não me esperaram voltar?!

— Pan, o que você queria? Você saiu assim sem explicar nada. Qualquer um teria feito isso! 

— Espera... Você está chorando? Desculpa...

Pan limpou o rosto da amiga, realmente sentindo-se triste. Sentindo-se culpado

— Por favor, perdoe-me. Eu não sei onde eu estava com a cabeça, Lindy.

— Nem eu sabia. Nem ninguém. Escute, Pan — ela levantou subitamente, sacudindo a neve das vestes — Eu preciso voltar. Tenho que ver no que deu tudo isso. Já disse que está tudo bem... Qualquer coisa eu estou aqui, certo? Pode me ligar mais tarde se ainda se sentir mal...

E então ela se afastou. O problema todo era exatamente aquele. Pan não fazia ideia do que estava sentindo. Um tanto hesitante, andou sem rumo e deixou que seus passos o levassem ao caminho da razão. Aconchegou-se em sua capa de viagem, sem importar-se com o que pensariam de um menino vestido de grego e descalço vagando por aí.

Depois de um tempo, resolveu parar perto de uma casinha bonitinha, no centro de Londres. Ficou um tempo por lá, embaixo do telhado, esperando a chuva de neve passar. Estudou aquele prédio de cima a baixo, e algo nele o trazia uma sensação de casa. Mais do que a sua própria, que por sinal era há quilômetros de distância de onde estava.

O que o pessoal pensaria quando vissem as horas passarem e nada dele chegar? Ligariam para o anfi-teatro? Ligariam para a polícia? Bem, na melhor das hipóteses, ligariam para Lindy, que os reconfortariam, informando-lhes de que o havia visto e que estava bem.

Ainda pensando em todas essas coisas, sua conversa consigo mesmo fora interrompida novamente. Mas dessa vez, Pan ficara contente em ser trazido de volta ao mundo.

"Nunca mais fuja assim, está me ouvindo?"

"Calma aí, Tina. Eu só resolvi passear, mas que coisa!", as duas garotas dobraram a esquina e Wendy procurava a chave na bolsa.

"Mas não falou nada! Eu fui louca atrás de você, Wendy. Além do mais, seu cabelo era da cor da cortina, como que eu te acharia, não fosse pela luz ter se acendido para o intervalo?"

Então era ela mesmo. A menina da cortina.

"Ah, para de me amolar, Tina... AH!"

— AH! — Pan a imitou, tamanho era o susto que ele próprio sentia.

Passaram cerca de dois minutos assim. Mudos e com os olhos arregalados. Os dois.

— Perdi alguma coisa? — Tina disse, quebrando o tenso silêncio enquanto estalava os dedos no rosto da amiga — Oi? Terra chamando Wendy!

— WENDY — foi a vez de Pan falar — Wendy... Eu conheço uma Wendy!

— Tudo bem... — Tina repetiu, bem devagar — Tá legal, acho melhor você procurar um médico porque...

— Mas eu conheço uma Wendy!

— Espera... Você não é o garoto da peça? — Tina continuou, com a testa enrugada — Então é isso... A pressão te enlouqueceu...

— Tina... Tá tudo bem — Wendy finalmente se pronunciou, sem tirar os olhos de Pan, e este fazia o mesmo — Quer entrar e tomar um chá? Deve estar morrendo de frio, não?

Wendy levou os olhos para os pés descalços do ator. Sempre tivera um coração bom e o espírito da caridade. Apesar de achar tudo aquilo uma loucura, não resistira em convidá-lo.

Pan apenas assentiu e seguiu as duas meninas sala adentro. Assim que ouviu a porta se fechar, sentiu como se algo realmente estivesse acontecendo sem o seu consentimento; o mesmo acontecia com Wendy. Seu pequeno coraçãozinho tentava mais uma vez iludi-la de que aquilo nunca fora um sonho, que era real, que havia vivido toda aquela aventura na Terra do Nunca.

— Ah, trouxera visitas, Wendy? 

Quando estavam próximos a escada, uma senhora de meia idade saiu da cozinha e cumprimentou-os alegremente. Ela limpou as mãos no vestido e estendeu uma delas para cada um deles.

— Não a esperava tão cedo.


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