‘Tão confusa e tão distante, voltei ao ponto de partida quando já me imaginava livre de tudo.’

Saindo da clínica, fui direto encontrar Ryan no restaurante que ele costumava frequentar. Para mim fora como uma salvação receber o telefonema dele e ser convidada para almoçar. Qualquer lugar seria melhor que está em casa.

–Não estou vestida apropriadamente para este lugar.

Comentei olhando em volta. Eu vestia uma simples calça jeans preta surrada e uma camiseta cinza. Observando-me de cima abaixo, Ryan sorriu e balançou a cabeça.

–Você está ótima.

–Não estou não. Parece que acabei de sair da aula de educação física.

–Você não precisa de um vestido bonito para estar bonita. Você é bonita de qualquer jeito, até mesmo quando acorda.

–Você nunca me viu acordar.

–É verdade, mas é o que imagino. – no final da frase, Ryan enfatizou as palavras, e olhou-me demoradamente. –Onde estava nessa manhã? Ouvi risadas e certa movimentação quando te liguei.

–Ah! Eu estava no jardim de uma clínica de reabilitação. – olhou-me curioso. –A mãe da minha amiga está se tratando e logo sairá de lá.

–Uh. Parece que vínculo afetivo com a família Scott não lhe falta. – sorri concordando. –Deve ser por isso que você não consegue se desprender deles.

–Eles foram... Foram as primeiras pessoas que me agarrei depois que perdi meus pais. São como uma família pra mim.

Ryan nada disse. Parecia pensar enquanto saboreava a refeição, embora desse a impressão de está compenetrado no assunto.

–Quanto seu convívio com seu antigo namorado... Como está indo?

Engraçado que eu tinha feito de tudo para não falar de Ethan na noite anterior e, no dia seguinte, era Ryan que nos introduzia ao mesmo assunto. Mas havia algo diferente em sua pergunta. Havia uma curiosidade desenfreada.

–Não o vi ainda depois que brigamos. – respondi cheia de sinceridade, mas profundamente incomodada.

–Você fica tensa ao falar dele. – disse sem rodeios. –Não é o momento para se afastar de vez?

O que havia com Ryan?

–Você está...

–Com ciúmes. Eu sei. – admitiu olhando-me com seriedade. –Ponha-se no meu lugar, Claire. Não seria desconfortável para você me vê convivendo com minha ex-namorada?

–Sim, mas eu saberia ser paciente. – tomei um pouco da água, desviando o olhar por alguns segundos. –Isso é uma questão de confiar ou não confiar.

–Em partes, mas o fato é que não é confortável para ninguém. – atônita, observei-o. –Desculpe minha sinceridade, mas eu sou assim. Além do mais, acho que sou um pouco obsessivo, mas venho tentando melhorar isso.

Em apenas dois dias de namoro, descobri que Ryan Carter, o rapaz que parecia ser perfeito, tinha complexo de paciência, e era obsessivo.

–Ryan?

Atrás de mim alguém se posicionou, mas a voz não me era estranha.

–Sarah! Há quanto tempo!

Respirei profundamente, enquanto a empolgação do meu namorado vazava para todos os lados.

–Não nos vimos mais depois daquele evento beneficente.

–Pois é. Viajei para Toronto no dia seguinte e, três dias depois, fui a uma sessão de fotos no Havaí.

–Sempre correndo. Vejo que está acompanhado.

–Desculpe. Essa é Claire, minha namorada.

Ryan segurou-me pela mão, ajudando-me a me levantar para cumprimentar a amiga. Estática, cruzei o olhar com Sarah Williams, e drasticamente vi seu sorriso morrer em abrupto.

–Infelizmente, Ryan, tenho que reprovar sua... – avaliou-me. –, sua namorada.

–O que está dizendo, Sarah?

–Caso ainda se lembre daquela conversa que tivemos, fique atento ao nome de Claire, Megan, e Ethan. – disse com raiva e deboche. –Esses malditos nomes estiveram na minha fábula de terror.

Suspirei entediada.

–Até mais, Ryan. Ah! Muito cuidado com essa garota. Ela tem cara de garotinha indefesa, mas é uma cobra peçonhenta.

Sarah afastou-se de nós, procurando um lugar bem distante da nossa mesa.

–Era só o que me faltava. – suspirei alto, ignorando a presença da Williams, e o mal estar que ela tinha causado em tempo recorde.

–Então... – pensativo, Ryan se sentou, olhando-me confuso. –A história que Sarah me contou... Ela estava falando de você, sua amiga, e seu ex?

–Com certeza ela falou de nós para você, já que parecem ser bons amigos, mas não sei a história que ela inventou. – dei de ombros.

–Resumindo o que ela me disse, você e sua amiga bolaram um plano contra ela. No final das contas, Sarah foi a grande vilã dessa história. Mas quanto a você que a prejudicou por ciúme? E o garanhão que a descartou como se ela fosse uma vadia?

–Mas é isso que Sarah é, uma vadia. – falei enfurecida. –Ela também te contou que Megan e ela eram amigas? Ela também te disse que se envolveu com o namorado de Megan e que a deixou arrasada? Ela poderia ter dito também que ficou com Ethan para infernizar Megan. Ah! Ela deveria ter explicado o motivo por querer ajudar a mãe de Megan e Ethan. Se você gosta tanto de Sarah, não ficaria espantado se ela te dissesse que ia internar a drogada da senhora Scott em uma clínica, e pouco a pouco se livraria dela. Claro, Sarah tem sangue azul, e Ethan tem um futuro promissor. Como o destino de uma mulher fracassada ia estar incluído na vida perfeita da nobre família Williams?

Diante do meu desabafo, Ryan pareceu ficar sem palavras, mas bastou um olhar intrigado na minha direção, e seus sentimentos –, quais eu não conhecia –, vieram à tona.

–Vejo que tenho que maneirar as palavras ao me referir a sua ‘família’.

–Eu não queria ter te falado todas essas coisas, e muito menos ter cruzado com Sarah. – alisei as têmperas, respirando fundo. –Tudo isso já passou e não temos por que remoer essa história.

–Sim. Estou de acordo. – concordou seco.

–Ficou claro que você gosta muito de Sarah, e a vê como uma injustiçada, mas você não estava lá para saber quem ela realmente é; então não me veja como uma vilã.

–Estou tentando digerir isso, Claire.

O que era para se tornar meu cantinho de salvação, tinha se tornado um belo cenário de pesadelo. Sem ânimo, nem mesmo para direcionar um milésimo de atenção a Ryan, levantei-me agoniada.

–Vou ao banheiro.

Passeei as mãos molhadas no rosto, deslizando pelo pescoço, e nuca. Distraída observei-me demoradamente no espelho, pensando como reagir ao voltar à mesa, e sobre o que Ryan e eu falaríamos.

–É realmente uma grande surpresa.

Em passos curtos Sarah se aproximou.

–Te aconselho a não me dirigir a palavra. – sua imagem no espelho manteve-se em foco.

–Oh! – sorriu, parando a menos de um metro de onde eu estava. –Não é irônico? Nenhuma de nós está com Ethan agora. Curioso por que você fez o impossível para ficar com ele, agora eu a encontro nos braços de Ryan, meu amigo querido.

–Eu não fiz nada para ficar com Ethan. Você mesma se queimou diversas vezes, Sarah, e se deu mal.

–É mesmo? – debochou. –Não me dei mal como você pensa. Estou noiva de um homem muito rico e famoso, que pode realmente manter meu estilo de vida, e não tenho que ser babá da minha sogra. Graças a Deus a Tiffany não é alcóolatra e nem drogada. E, se fosse, eu daria um jeito de me livrar dela.

–Como você pretendia fazer com Melissa?

–Você sabe que sim. – debochada ela ocupou outro espelho, a meu lado. –Não vai me dizer que você também se cansou de Melissa! – gargalhou contornando os lábios com batom vermelho. –Ou foi o sucesso de Ethan que demorou demais?

Olhou-me de frente, com o olhar desafiador.

–Você me dá nojo!

–Seu fracasso me enjoa ainda mais. – lhe dei as costas, indo à porta. –Aquelas fotos bizarras foram para quê? – parei, mas não me virei para vê-la. –E aquele caderno inútil? Acho que te fiz um favor jogando o lixo no lixo.

–Não era seu! – gritei virando-me para vê-la.

–Como aquilo poderia ser meu? – perguntou com sarcasmo. –Isso é meu. – mostrou-me a mão, deixando-me visualizar o anel caro no seu dedo fino. –Isso sim é algo precioso. É valioso. Muito valioso para mim. E não pense que estou falando de valores sentimentais, que só pessoas bobas conhecem, estou falando o quanto custou esse belo anel.

–Muito dinheiro? – indaguei aproximando-me.

–Muito dinheiro. – ela sorriu orgulhosa.

–Então, tirá-lo de você seria como magoar seus sentimentos de ganância?

–Do que está falando? – perguntou dando um passo para trás. –Não seja estúpida! Meu noivo está aqui, tem um monte de gente aqui! Se você tentar me roubar...

–Você vai gritar e virão ver o que está acontecendo. Mas acontece que eu não vou estar com seus pertences. – a encurralei. –Não por que eu vou te fazer um favor, e vou jogar o lixo no lixo.

–Não!

Sarah tentou se livrar, mas a segurei fortemente pelo braço, torcendo para que ela se rendesse. Quando finalmente consegui dominá-la, por que a Williams sentia dor, tirei o anel do seu dedo, e o mostrei para ela.

–O que vai fazer?

–Observe.

Joguei o anel no vaso sanitário e dei descarga em seguida.

–O que você fez? – ela correu como se quisesse salvar seu anel valioso e, esperançosa, enfiou a mão no vaso, acreditando que ainda dava tempo salvar seu objeto precioso.

–Que humilhante vê-la assim, Sarah.

–Vou chamar a polícia e acusa-la de roubo!

–Pare de chorar e aceite isso com um pouco de dignidade! – gritei, assustando-a. –Você destruiu parte do meu passado e só cobrei isso. Você merecia mais por ter brincado com a saúde de Melissa e, por falar nela, está mais linda que nunca e cheia de vida. A miserável agora é você! – respirei fundo, recompondo-me antes de deixar o banheiro. –Diga a seu noivo que você perdeu o anel, aposto como ele vai se irritar um pouquinho, você vai chorar, e ele prometerá que lhe dará outro. Enfim, diga a ele o que quiser. Mas é melhor que isso acabe aqui, não é? – pisquei para ela e me retirei.

Depois de tanto tempo, finalmente eu pude respirar e dar como finalizado o ‘caso Sarah Williams’. Mas ao me aproximar da mesa onde, Ryan estava, senti que ainda havia um grande problema para resolver.

–Ryan?

–Já ia vê se estava tudo bem.

–Megan me ligou e perdi a noção do tempo. Desculpe.

–Tudo bem. Sua sobremesa...

–Vai ficar para a próxima vez. Se você não se importar, podemos ir.

–Não. Eu já paguei a conta.

Saíamos do restaurante quando Ryan segurou minha mão e arrastou-me para mais perto.

–Vamos esquecer o que aconteceu hoje, ok?

–Eu já esqueci.

–Ótimo. – sorriu satisfeito. –Que tal irmos para meu apartamento e nos desconectarmos do mundo?

Engoli a seco. Quantos convites eu teria que rejeitar até me senti pronta para fazer parte da vida dele?

–Agora não. Eu preciso de tempo.

Insatisfeito ele respirou fundo.

–Tempo para que, Claire?

–Para organizar minha vida. – se eu não fugisse dele, acabaríamos discutindo de novo. –Olha, eu vou indo, tá?

–Eu te levo.

–Obrigada, mas eu vou de táxi. – lhe beijei o rosto, despedindo-me. –Eu te ligo mais tarde.

–Espero que seja para me dá ‘sim’ de uma vez por toda. – sorrindo, ele entrou no carro.

Sei que era injusto fazer meras comparações, mas eu não pude deixar de pensar que Ethan nunca havia me pressionado a tomar uma decisão ou fazer algo.

Atônita, entrei no primeiro táxi que esbarrou no meu destino confuso.