Prólogo

Nove anos atrás...

O caminhão de mudança ainda estava sendo descarregado, mamãe não parava de dar ordens, papai provavelmente está mais feliz agora.

Eu não queria mudar de cidade, não queria deixar meus amigos, ia sentir falta da Marie.

Pouco me importei em olhar os outros cômodos, peguei Zoey¹ no colo e subi correndo as escadas, abri as portas do corredor no segundo andar para achar um quarto pra mim, parei em frente a ultima porta do corredor, apertei mais Zoey e abri, o quarto era grande, as portas de vidro do chão ao teto que davam pra uma sacada com flores e no canto do quarto tinha uma cordinha que pendia do teto, parecia que lá era o sótão.

– Ai!!! –assim que puxei a cordinha um monte de poeira caiu em cima de mim e Zoey, uma escada de cordas caiu lá de dentro. – Zoey não fique com medo estou aqui!

Subi as escadas com uma mão só, tinha teias de aranhas, Zoey morre de medo de aranhas, apertei firme ela em meus braços, estava escuro, só tinha a luz que vinha das duas janelinhas, um adulto conseguiria ficar em pé aqui e eu poderia limpar tudo e colocar minha casinha aqui, um bom lugar pra me esconder quando mamãe tivesse suas crises.

Escutei mamãe me chamando e desci a escada de cordas, ela estava na entrada do quarto, escorada na batente da porta.

– Gostou? – perguntou ela vindo em minha direção e se agachando na minha frente, tentei ler seu estado de espírito mas ela parecia bem hoje, calma, em paz.

– Sim, posso ficar com ele? – ela me olhou desconfiada.

– Claro, sabia que você ia gostar, comprei essa casa exatamente por isso. – ela olhou pra cima na direção do sótão, dando um suspiro, os cantos de sua boca se levantam, mas me recuso a admitir que aquilo era um sorriso.- Mas parece que temos que dar uma arrumada! - conclui.

– Como é que vou guardar a escada?

– Não faço a menor ideia! Que tal deixar ela assim por enquanto, depois pedirmos para o zelador dar uma olhada e nos ajudar a pensar em algo. Vamos comer algo? - ela fica em pé.

– Sim, já estou ficando com fome. – me pegando pela mão, mamãe me levou no mercadinho do bairro que ficava na mesma rua, compramos um lanche e sucos para agora e uma pizza para mais tarde.

– Mamãe, Zoey está pedindo doces... você poderia pegar também!

–Claro, mas Zoey só vai poder comer depois do jantar, entendido?

– Sim.

– O que a Zoey está achando da casa nova? – perguntou ela no caminho de volta.

– Ela gostou do quarto e do balanço no quintal, mas já está sentindo a falta de Marie.

– Prometo que levo vocês duas para visitar Marie, posso convida-la para vir morar conosco. O que acha?

– Promete mesmo?

– Sim, vou ligar pra ela hoje mesmo, mas depende dela.

Ela preparou os sanduíches e sentamos na varanda para comer, assim que terminamos, me dando um beijo, disse para eu ir brincar que ela terminaria de colocar as coisas no lugar, levei Zoey para o quintal brincar no balanço.

Quando vejo o vizinho me encarando e rindo fico brava, parecia ter a minha idade, mas Zoey não gosta quando as pessoas debocham da cara dela, menino mais mal educado, qual é a dele? Confesso que ele era bem bonitinho, mas me irritava, peguei Zoey e fui para dentro de casa começar arrumar meu quarto.

A cama, e o guarda roupa já estavam no lugar, mas os brinquedos e as roupas estavam todas em caixas etiquetadas, mamãe é organizada, peguei uma vassoura e varri o sótão, levantando a maior poeira me fazendo engasgar algumas vezes.

Quando já estava varrido queria começar a arrumar os brinquedos, mas mamãe impediu, ela disse que teria que passar um pano com desinfetante.

– O que é desinfetante?- perguntei a Zoey mas ela não sabia. – Esses adultos são muito complicados, nunca entendo a mamãe. - Zoey concorda.

Deito na cama e converso com Zoey já que não poderia arrumar mais nada, acabo pegando no sono em algum momento.

Quando acordo escuto uma música vindo do andar de baixo, desço as escadas e vejo a mamãe cantando no cabo da vassoura, dançando, feliz. Lágrimas fogem dos meus olhos, eu não quero chorar, não posso chorar! Chorar é sinal de fraqueza. Mamãe me disse isto.

Sento nas escadas com o corpo tremulo por tentar segurar o choro, mas os soluços saem tão altos que mamãe se assusta e vem em minha direção correndo.

– O que ouve querida?- viro o rosto quando ela pega meu queixo. – Hey, olhe aqui querida, olhe pra mamãe, me conte por favor?!

– Não é nada! – suspiro em meio a tanta água e soluços.

– Hum, então você está chorando por nada? Pode me falar, eu sou sua mãe, pelo amor de Deus querida. Hein?

– Você... você.

– O que tem eu?- pergunta arregalando os olhos, em pânico.

– Está cantando. – a careta se desvai em seu rosto, ela parece mais jovem assim, eu me assustei.

– Oh querida! – ela me puxa pro seu colo e me embala, vejo quando uma lágrima foge do seu olho também, e não me sinto mais tão patética por chorar na sua frente. – Eu sei que faz tempo que você não me vê assim, mas sabe, toda essa mudança me fez bem, eu não estava sendo uma mãe que você merece, você sempre foi uma menina tão doce, tão meiga, e tudo o que passamos, as brigas, isso afetou você, eu não tinha percebido antes, e quando vi já era tarde demais, então decidi começar tudo de novo, em um lugar novo, sendo uma pessoa nova, quero que voltamos a ser nós mesmas. O que acha? – ela tenta sorrir mas é quase uma careta, enxugando meu rosto e depois o seu ela levanta da escada e me puxa com ela.

Aumentando o volume ela me pega no colo e começa a dançar, fazendo uma careta fico imóvel em seu colo, fazendo cócegas em minha barriga ela me coloca no chão e me rodopia, não percebo quando paro de relutar e começo a me divertir, um sorriso bobo na boca, voltando a me tornar a criança que um dia fui sem perceber, pena que esse momento não duraria para sempre.

1.Zoey é uma boneca de pano que Nessie ganhou do pai quando nasceu, projetando alguns de seus sentimentos como se fossem os da boneca.